01

UM

Não importa mais

Atualmente

As provas da Srta. Pérez eram um verdadeiro pesadelo, e o silêncio na sala era quase palpável. Não dava nem para ouvir as respirações dos alunos. Minha visão e audição aguçada tornavam as coisas um pouco mais fáceis. Não encarava isso como trapaça, mas sim como aproveitar os recursos que tinha à disposição.

Eu vinha fazendo isso desde a primeira prova, mantendo notas boas, mas não excepcionais. Evitar chamar muita atenção era o meu objetivo, afinal, por que chamar a atenção quando os meus dias estavam contados?

Eu estava sentada na última fileira, observando tudo e todos, especialmente as provas de Peter Parker e Ned Leeds, os gênios da turma. A prova era de múltipla escolha, e eles estavam lá, rabiscando no papel, sublinhando e circulando até chegarem à resposta que consideravam correta. Minha abordagem era semelhante.

Não houve divergências em suas escolhas, o que não era surpreendente, considerando que eles costumavam estudar juntos. Ou talvez as mentes brilhantes simplesmente funcionassem de maneira parecida. Ambos terminaram em questão de vinte e cinco segundos, levantaram-se e entregaram suas provas quase ao mesmo tempo. Cinco minutos depois, eu também me levantei e entreguei a minha prova.

A Srta. Pérez abriu um sorriso quando me aproximei dela.

— Gostaria de falar com você depois da aula. — ela disse.

Fiquei um pouco confusa, mas balancei a cabeça concordando.

— Tudo bem.

Então, retornei ao meu lugar e observei os minutos se arrastaram, vendo a tensão crescer entre os alunos. Vinte minutos se passaram quando a Srta. Pérez pediu que entregassemos as provas e anunciou que estávamos liberados.

— E então? — perguntei quando me aproximei da professora de álgebra.

— Cordelia... — Srta. Pérez começou, ajeitando os óculos no rosto antes de olhar para mim com seu par de olhos castanhos, que combinavam perfeitamente com seus cabelos cacheados da mesma cor, que emolduravam seu rosto oval. — ...tenho notado você há algum tempo, uma aluna quieta e reservada, mas, ao mesmo tempo, dedicada e inteligente. E por todas essas qualidades, gostaria de perguntar se você não gostaria de participar do clube de monitoria que supervisiono. Suas notas são boas o suficiente e você demonstra disciplina e organização... Não tem motivo para recusar, certo? — ela sorriu, seus lábios pintados de vermelho realçando sua pele oliva.

Ela estava errada.

Eu tinha sim um motivo. Um motivo grande e alarmante.

Meus dias estavam contados.

Não podia me comprometer com nada e ninguém. Tinha feito uma promessa para mim mesma que evitaria fazer qualquer uma dessas coisas.

Por isso, dei meu melhor sorriso de desculpas e falei com cuidado:

— Agradeço muito pelo convite, Srta. Pérez, mas infelizmente vou ter que recusar.

— Poderia me dizer o motivo?

— Não acredito que consiga ajudar os outros dessa forma. Acho que carregar o título de monitora se torna um fardo diferente de quando ajudo de maneira involuntária. — minha resposta foi surpreendentemente honesta, assustando até a mim mesma, que nos últimos meses vivia uma vida baseada em mentiras.

A Srta. Pérez soltou uma risada.

— Tudo bem, Cordelia. Eu tentei. Seria ótimo tê-la na equipe, mas eu entendo. — ela continuou. — Seus pais devem estar orgulhosos de ter uma filha como você.

Soltei uma risada mais contida. — Sim, eles sempre fazem uma festa quando vou bem em alguma matéria.

— Então as festas acontecem todo dia.

Concordei com uma careta, mantendo um sorriso nos lábios. — Quase isso.

— Tudo bem, vou deixá-la ir. Boa aula.

— Obrigada, Srta. Pérez, e mais uma vez obrigada pelo convite.

Saí da sala e entrei no corredor, observando os alunos se movendo por ali. Caminhei só por alguns segundos antes de descer alguns degraus. Chegando ao térreo, fui em direção aos armários e encontrei o meu. Abri-o, larguei os materiais do período anterior e peguei os do próximo.

— Ei, nerd, olha por onde anda! — a voz característica do Flash Thompson soou atrás de mim, enquanto ele chegava ao armário ao lado, rindo juntos com os dois comparsas, Brian McKeever e Jason Ionello, que sempre o acompanhavam.

Se eles estavam juntos por amizade ou dinheiro, eu nunca soube, nem fazia questão.

Flash Thompson era o tipo de cara que a gente vê nos filmes. Covarde demais para enfrentar a si mesmo, seus próprios medos e inseguranças, mas corajoso o suficiente para enfrentar os outros ao menor sinal de ameaça. Irritante e insistente eram palavras perfeitas para descrevê-lo. Eu não sabia por que Liz Allan namorou com ele por um tempo.

Provavelmente, eram os mesmos motivos que faziam os amigos dele ficarem ao seu redor.

Era triste, para dizer o mínimo.

— Como ele consegue ser tão idiota? — Thompson reclamou.

— E esquisito. — continuou McKeever.

— Muito esquisito. — confirmou Ionello.

— Enfim! Hoje depois das aulas tem Fãs da Teia. — Flash anunciou. — Vamos discutir sobre as vigilâncias sensacionais que ele anda fazendo

— Sim! Vi os vídeos e ele está arrasando mesmo.

— Ele é incrível!

Eu fechei a porta do armário de metal e me afastei do trio, indo em direção à próxima aula.

🍓

Com a mochila nos ombros, depois de uma manhã de aulas, eu caminhava pelas ruas de Brooklyn. Ao contrário do que se esperava de uma cidade agitada, ali estava praticamente deserto. Só um grupo de adolescentes jogava bola e alguns animais de rua aproveitavam a tranquilidade das ruas.

Dobrei a esquina e logo vozes chamaram minha atenção. Olhei rapidamente e notei três pessoas na mesma calçada. Uma delas era uma criança, entre dois adultos, exibindo um sorriso radiante. Ela segurava suas mãos e soltava risadas animadas.

— Faz de novo! Faz de novo! — ela pediu com entusiasmo.

Então, os responsáveis a ergueram pelas mãos, balançando-a para frente e para trás, enchendo o ar com risadas contagiantes. Era evidente que eles estavam verdadeiramente felizes. Essa cena se gravaria em minha mente, o sorriso dela e o som radiante de suas risadas.

Apesar de meus esforços, meu coração apertou.

Parei de andar, permitindo-me alguns segundos para lidar com as memórias que teimavam em surgir, mas logo balancei a cabeça, tentando afastá-las. A batalha interna era constante, e mesmo depois de meses, parecia que eu havia decidido sair de férias, roubado algo de valor e forjado minha própria morte ontem. As lembranças pareciam tão frescas, os rostos deles nitidamente presentes em minha mente, os momentos que compartilhamos, desde brigas até reconciliações. A saudade me invadia com tanta força que eu frequentemente me pegava imaginando: e se eles soubessem que eu ainda estava viva?

Forcei meus olhos a apertarem, uma tentativa desesperada de afastar essas lembranças, não querendo me perder naquilo que não podia mais ter. Uma dor familiar se espalhou pelo meu peito, mas eu sabia que era melhor assim. Mesmo que eu fantasiasse, mesmo que meus pensamentos se voltassem para eles, talvez eles nem sentissem minha falta.

E, na verdade, isso não importava mais.

Era mais fácil assim, afinal meu tempo era limitado. Cada segundo extra parecia um presente divino, uma vez que eu sabia que minha hora estava chegando. Não era questão de "e se". Era uma questão de "quando".

Respirei fundo e segui em frente, deixando para trás a cena da família feliz. Atravessei a rua, certificando-me automaticamente de que não vinham nenhum carro, embora quase nunca houvesse tráfego por ali. O bairro era sereno, cercado por antigas fábricas e armazéns abandonados. Um galpão se erguia em meio a essas construções desgastadas pelo tempo.

Revisei todos os lados e, quando confirmei que estava sozinha, aproximei-me do galpão. Andei até a lateral, onde uma lata de lixo estava convenientemente posicionada sob uma janela coberta com tábua pregada de forma irregular.

Após um último olhar cauteloso ao redor, subi na lata de lixo e empurrei as tábuas. Com agilidade, entrei no galpão, um lugar que já se tornara familiar nos últimos anos.

Pilares de apoio estavam cobertos por teias de aranha, cartazes desbotados e recortes de jornais decoravam as paredes. No canto, um colchonete gasto com um pedaço de pano como cobertor. Ao redor, uma lata velha funcionava como fogueira, um frigobar estava à vista e duas mochilas funcionavam como armário, guardando minhas coisas. Caixas e sacos estavam empilhados em cantos, servindo de móveis improvisados.

O lugar era confortável o suficiente para me fazer sentir segura.

Deixei minha mochila ao lado do colchonete e, como sempre fazia, me dirigi à mochila azul com detalhes roxos no chão. Enfiei a mão direita e vasculhei as roupas até finalmente encontrar algo redondo. Peguei o objeto com ambas mãos e abri-o ao meio, liberando uma luz roxa que iluminou meu rosto.

Um suspiro de alívio escapou do meu peito ao vê-la ali. Ainda estava lá. A joia do poder. Uma das joias do infinito.

Enfim, o que acharam da apresentação da nossa personagem, hein? Aparentemente Cordelia tem bastante segredos... O que acham? Teorias?

Bjão, até!

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