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A little bit older, a black leather jacket Um pouco mais velho, uma jaqueta de couro preto
A bad reputation, insatiable habits Uma má reputação, hábitos insaciáveis
— Não é pra deitar aqui, Tanatos. — eu apontei para a roupa que havia separado e deixado na cama, encarando meu gato que parecia estar pronto para me desafiar. — Se eu pegar você aqui te deixo sem sua ração de molhinho, entendido?
Eu me virei, indo para a suíte e vendo ele subir na cama e cheirar a roupa antes de ir deitar no travesseiro. Cerberus parecia estar se divertindo com uma corda no sofá e isso me dava algum tempo para enrolar no chuveiro.
— É sério? — não tinha nem dez minutos que eu estava no chuveiro e o maldito telefone começou a tocar. Eu terminei de lavar meu cabelo antes de sair, me enrolando em uma toalha e indo à procura do celular, que voltou a tocar como se o mundo estivesse acabando. — Oi.
— Hora ruim? — havia um tom levemente preocupado na voz de Shay, provavelmente por causa do meu mau-humor ao atender o telefone. — Posso ligar depois...
— Não. Eu apenas não estou acostumada a receber ligações. — eu me sentei na cama, encarando meu reflexo nas portas espelhadas do guarda-roupa. — Aconteceu algo?
— Nada, só queria te ligar antes da gente se encontrar. — eu pude o ouvir caminhando e mexendo em algo.
— O que está fazendo? — eu girei meu corpo, me deitando sobre a cama e torcendo para não ficar cheia de pelos.
— Escolhendo uma bebida. E você? — eu sorri ao ouvir o bater de um copo sobre uma superfície metálica.
— Acabei de sair do chuveiro, ia me arrumar. — eu ri quando ele começou a praguejar baixinho.
— Desculpa. Eu vou deixar você se arrumar, podemos conversar depois. — eu girei meu corpo, encarando o teto e pensando por um instante.
— Podemos conversar agora e depois se você quiser. — eu mordi meu lábio, tentando não parecer muito nervosa. — Eu consigo me arrumar e conversar ao mesmo tempo.
— Seria ótimo. — ele arrastou algo, que eu julgo ser uma cadeira, enquanto eu me levantava e começava a me arrumar.
— O que escolheu pra gente essa noite? Você ainda não me disse. — eu coloquei o telefone no viva-voz, deixando-o sobre a mesinha ao lado da cama.
— Não é nada de mais. Só um restaurante com uma vista bonita da cidade. — ele disse casualmente e eu encarei a roupa que havia separado. Jeans e uma blusa decotada não ia ser a melhor combinação. — Espero que você goste. A comida de lá é muito boa. Pelo menos é o que o Liam diz.
Eu ri, começando a revirar o armário atrás de uma roupa mais adequada enquanto Shay me contava um pouco mais sobre o restaurante.
Nós ficamos por mais algum tempo conversando, basicamente pela cerca de uma hora que eu levei pra me arrumar.
— Se quiser eu posso ir buscar você. — ele balançou as chaves da sua moto, que ele havia passado os últimos dez minutos contando o 'sofrimento' que fora personalizá-la.
— O restaurante é aqui perto, se eu sair nos próximos — eu peguei o celular, olhando as horas e calculando rapidamente o tempo. — dois minutos, eu chego lá antes que você.
— Eu tenho minhas dúvidas, mesmo assim, não vou correr o risco de apostar com você. — eu ri antes de me despedir dele e encerar a chamada.
Minha caminhada levou alguns minutos a mais do que eu havia planejado já que tive que desviar de alguns encrenqueiros. Eu estava no elevador, conferindo as horas no celular e arrumando o vestido quando as portas se abriram no corredor do último andar.
Shay estava de costas para mim, dividindo seu olhar entre o celular e a porta do restaurante quando eu o surpreendi.
— Nossa, casual chique. — ele se virou para mim e minha nossa, esse homem em um terno deve ficar tudo! — Ainda bem que eu escolhi um vestido e salto...
— Bem, se você gostou não estou tão ridículo assim. — eu ri. A última coisa que ele estava era ridículo. Uma camisa vinho, calça social preta e sapatos pretos de aparência cara.
O restaurante tinha um interior acolhedor, com iluminação de tons quentes e mesas pequenas para no máximo quatro pessoas bem espalhadas e com arranjos de flores miúdas e velas sobre elas. E a vista era linda, mesmo não sendo uma das mais altas, mas quase não tinha obstáculos impedindo a bonita vista de um parque.
***
— Eu não acredito que você realmente fez isso... — Shay deixou uma risada escapar após ouvir como o Tanatos me adotou. — Você realmente mandou o seu doberman enorme correr atrás de um bando de crianças?
— Eram adolescentes, e sim. — eu tomei um gole do vinho, mantendo meus olhos fixos a ele e ao sorriso lindo dele. — Eles estavam assustando o pobrezinho com bombinhas. Achei que mereciam sentir tanto medo quanto ele.
— Eu tenho que admitir que estou surpreso com como o seu cachorro é bem adestrado. — eu dei ombros enquanto Shay mantinha os olhos fixos a mim. Eu não ia contar a ele que o Cerberus foi treinado por um ex-adestrador de unidade especial do exército.
Havíamos passado a última hora trocando histórias. Shay tinha uma longa lista de interessantes aventuras vividas em seus vários empregos, desde gerente de uma boate até segurança particular da filha de um magnata italiano. Todas recheadas de confusões, brigas, bebida e problemas com amantes ou quase amantes. E tudo o que eu tinha para contar para ele eram os problemas em que meti nos últimos três anos desde que vim para esse bairro.
— Uma pergunta. — ele deixou sua taça de lado, me encarando curioso. — O que veio fazer aqui? Você é de Londres, não é?
— Hm, tecnicamente, Irlanda. — ahá! Então esse sotaque que faz subir um friozinho na minha barriga é irlandês. — Mas voltando a sua pergunta, vim resolver uns problemas para o meu chefe.
— Seu chefe parece ter muitos problemas. E um deles é não saber em que função te colocar. — ele riu antes de dar ombros.
— Pelo menos ele paga bem. Não tenho do que reclamar ultimamente. — Shay sorriu para mim enquanto o garçom se aproximava, com a conta em suas mãos. O tempo que eu levei para pensar em como pedir a ele para dividir a conta foi mais que suficiente para ele enfiar uma nota lá dentro e dispensar o garçom.
— Normalmente, as pessoas dividem a conta em primeiros encontros. — eu o encarei enquanto descíamos em direção ao elevador.
— Desculpe. — ele riu, ignorando minha expressão levemente mal-humorada. — Não sabia que faria tanta questão. Mas, se faz você se sentir melhor, podemos terminar a noite com um café por sua conta.
— Bom mesmo. — minha expressão emburrada se desfez em um sorriso convencido enquanto seguíamos para o elevador.
No pequeno espaço fechado eu podia sentir melhor o aroma do seu perfume levemente amadeirado. Dizem que perfumes se tornam únicos quando tocam a pele da pessoa e eu estava tentada a acreditar nisso. O perfume de Shay parecia uma combinação única que de alguma forma me lembrava um dia quente em alto-mar e, ao mesmo tempo, uma caminhada por uma trilha na floresta num dia quente de verão. Acho que ele tá mexendo com a minha cabeça.
Levou alguns minutos até encontrarmos um café aberto. Já estava um pouquinho tarde e aquela parte da cidade não era exatamente noturna. Longe de mim querer me queixar disso, afinal estava uma noite mais do agradável para um passeio noturno e ter uma companhia que fazia qualquer pessoa correr mais rápido que um atleta olímpico só com um olhar era maravilhoso.
— O que te trouxe para esse bairro? — Shay olhou ao redor da cafeteira. Estava praticamente deserta exceto por um grupo de jovens que bebiam em uma pequena praça do outro lado da rua.
— Queria estar mais perto do trabalho. — eu dei ombros, me aproveitando que ele estava distraído com o grupo de adolescentes e o observando por um instante a mais, deixando um sorriso escapar. — Meu outro apartamento ficava muito longe e como nunca aprendi a dirigir...
Ele pareceu estranhamente interessado na minha falta de aptidão pra ter um veículo, se voltando rapidamente para me encarar o que me fez rir.
— Sim, eu não sei dirigir e não, eu não tenho a intenção de aprender. — eu sorri, dando ombros quando ele abriu a boca, desistindo logo em seguida.
— Admito que o serviço de transporte público é... razoavelmente bom. — ele sorriu quando eu ri, pegando das mãos do garçom os cardápios. — Mas saber um pouco pode ser bem útil.
— Hm, pode me chamar de acomodada, mas eu gosto assim. É uma coisa a menos da qual eu tenho que cuidar sozinha. — a última palavra deixou um gosto amargo na minha boca e Shay pareceu notar isso.
— Ei, quer ouvir de quando eu cuidei de um boate com temática sado-masoquista? As garçonetes usavam chicotes para bater nos clientes chatos. — ele exibiu um sorriso divertido e eu me senti grata pela mudança bem-vinda de assunto.
— Eu não acredito em você... — eu estava tendo uma crise de riso enquanto caminhávamos para o meu prédio.
— É sério, o cara foi pra delegacia com algemas de pelúcia e uma gag ball na boca. — Shay deixou uma risada rouca escapar, passando a mão por seus cabelos e internamente eu suspirei. — Mas pelo menos nunca mais deu as caras por lá.
— Como você arruma essas histórias? — nós paramos na porta do meu prédio e Shay pensou por um instante.
— Sei lá. Acho que é como meu amigo diz, os problemas me perseguem e sou impulsivo, então... — ele deu ombros enquanto eu deixava uma risada curta escapar. — Acabou que eu juntei o útil ao agradável nesse meu trabalho. Eu atraio os problemas e agora sou pago para resolvê-los.
Eu me apoiei ao muro baixo que cercava o pequeno pátio, o encarando e deixando um pequeno sorriso surgir.
— Foi uma noite divertida. — minha voz soou um pouquinho mais baixa do que eu gostaria, mas mesmo assim ele me ouviu e voltou seus olhos para mim, me encarando sob a meia luz do poste.
— Foi sim. — ele sorriu, encarando o céu por um instante antes de voltar a me encarar. — E eu adoraria ter outra noite como essa.
Eu sorri, concordando com um aceno e me afastando do muro em sua direção.
— Seria maravilhoso. E, como a sua última escolha de programa foi mais que agradável, eu deixo isso em suas mãos. — ele fez um floreio com a mão, zombando do meu modo polido e um tanto exagerado de falar. — Então... Até amanhã, talvez.
— Claro. Amanhã. — ele sorriu, afastando uma mecha teimosa do seu cabelo que a brisa noturna insistia em jogar sobre seus olhos. — Até amanhã, Kore.
— Até Shay. — eu me aproximei, precisando me esticar um pouco para alcançar sua bochecha e beijando o cantinho de sua boca antes de me virar e entrar.
Sim, eu vou fingir que tenho um mínimo de juízo e enrolar por pelo menos mais uns dois encontros antes de convidar ele pra entrar no meu apartamento.
— E então, como vai a sua florista? — Liam se largou sobre o meu sofá, encarando os muitos canais de esportes do meu caro plano de televisão.
— Como vai a sua escritora? — eu ri quando ele engasgou com a cerveja que tinha em mãos e me olhou de cara feia. — Mas respondendo a sua pergunta mesmo assim, bem.
— Quando foi a última vez que se viram? — Liam me encarou curioso enquanto eu fingia que tinha algo pra resolver na cozinha. — Outch, não se viram de novo. Isso é um péssimo sinal, meu amigo.
— Vai se foder. — eu o encarei irritado quando ele levantou e se sentou na bancada. — Tivemos contra tempos, apenas isso. Eu não estou podendo sair à noite por causa da maldita boate e ela pegou uma encomenda grande, um casamento ou algo assim.
— E é assim que uma relação que nem começou, termina. — Liam agarrou a maçã que eu tentei jogar em sua cara, exibindo um sorriso. Minha expressão de quem queria arrebentar o nariz dele se suavizou quando meu telefone começou a tocar. — Quem é? Nunca vi você sorrir como um ser humano normal para o telefone.
— É a minha florista. — eu me afastei em direção a varanda, fechando a porta atrás de mim logo em seguida. — Oi Deusa da Primavera.
Eu ouvi Kore rir do outro lado antes que ela me saudasse e perguntasse sobre o meu dia. Estava quase anoitecendo, o significava que logo eu teria que ir para a Starlight.
Havia virado uma rotina desde o dia do encontro receber uma ligação ou então ligar para a Kore e passar horas com ela no telefone, caminhando e fazendo as coisas.
Pela manhã, ela me ligava e tomávamos café 'juntos', conversando sobre a noite anterior e os planos para o dia. À tarde, eu ligava para ela após acordar e conversarmos sobre qualquer coisa, eu podia ouvir ela caminhar pela floricultura, brincar com o Cerberus ou reclamar com o Tanatos por ele comer, ou quebrar uma flor. À noite, conversávamos quando eu já estava na boate, normalmente enquanto eu andava de um lado para outro no escritório resolvendo algo para o sr. Kenway.
Quase sempre eu podia ouvir quando ela caía no sono, deixando o telefone ligado e isso me fazia rir. Ela era a 'coisa' mais normal na minha vida e, parcialmente, eu odiava isso.
— Ai, nem acredito que vou finalmente ter um fim de semana de folga. — eu ouvi ela se jogar sobre a cama e Tanatos miar reclamando.
— Muito difícil lidar com a noiva? — eu sorri, encarando a paisagem levemente privilegiada do meu apartamento.
— Quem me dera ela fosse meu maior problema. — Kore riu. — O noivo é completamente doido! O cara é extremamente supersticioso, e cismou com as flores. Ele trocou duas vezes de fornecedor porque, segundo as fontes da cabeça dele, as flores dariam azar. Gente rica é completamente doida!
Eu ri do tom debochado da voz dela e porquê ela estava certa. Gente rica é doida.
— Concordo com você, meu chefe é completamente maluco. — Kore riu e a linha ficou em silêncio por um momento.
— Ainda posso te ligar quando você chegar na boate? — havia um tom levemente dengoso em sua voz e eu sorri.
— É claro. O que eu vou fazer naquele escritório sem a minha assistente remota? — ela riu e encarei as horas na tela do celular quando Liam começou a acenar para mim. — Eu preciso ir. Te retorno assim que chegar lá.
Nos despedimos e eu segui meu amigo pelas escadas no mais completo silêncio. Pena que o mesmo não aconteceu no carro. Eu começava a ficar sem provocações para as perguntas dele.
A Starlight estava um pouco mais cheia do que eu esperava e isso era um ótimo sinal de que o trabalho de marketing estava dando resultados. Mas a boate ainda não estava como em seus dias de glória e eu tinha planos de trazê-los de volta o mais rápido possível.
— Oi, como estão as coisas aí? Bateu sua meta de clientes da noite? — Kore parecia mais animada do que quando nos falamos instantes antes e isso me fez sorrir. Ela ficava triste por tempo demais para alguém com um sorriso e olhos tão brilhantes e bonitos.
— Tem até mais gente do que eu esperava aqui. — eu me sentei, encarando o monitor à minha frente e vendo a lista de convidados confirmados para o evento que tinha programado para a noite seguinte. — Espero muito que o que planejei para amanhã dê certo.
— E o que você planejou para amanhã, ó grande CEO frio e calculista. — eu ri do tom levemente debochado na voz dela.
— Ei, meu chefe é o CEO frio e calculista... Eu estou mais pro segurança calculista e quente, se a senhorita me entende. — eu sorri ao ouvir a risada melódica dela antes de apoiar meu rosto a uma das mãos, encarando a tela do celular. — Você está de folga amanhã né?
— Sim, quer ir comer algo? Podemos almoçar juntos se você quiser. — eu me levantei, rodeando a mesa e me apoiando a ela enquanto encarava a porta.
— Na verdade, eu adoraria. E também adoraria se você pudesse me acompanhar na boate à noite. — eu suspirei, esperando que não estivesse errado de propor uma ida à Starlight como um encontro. — As coisas vão estar mais calmas e eu vou poder aproveitar bem mais a noite. Seria divertido ter você aqui, se você quiser é claro. Se não for o seu tipo de programa, posso pensar em outra coisa e-
— Não, é claro que eu aceito. Nossa, eu não saio pra uma boate ou coisa assim tem séculos. — eu ri e mesmo sem vê-la, podia jurar que ela devia estar com um sorriso. — Alguma dica do que devo vestir ou vai confiar no meu bom gosto?
— Vou confiar cegamente no seu excelente gosto, moça. — ela riu e olhei para o maldito código de vestimenta que o Haytham havia exigido. — Ah, mas tem que ser uma roupa de noite. Algo mais... elegante. Se ajuda, eu vou estar com setenta e cinco por cento de um terno.
— Nossa, que chique. — ela riu da minha fala e eu pude ouvir quando ela se deixou cair sobre a cama. — Eu acho que tenho a roupa perfeita para isso e ela é aproximadamente cinquenta por cento de um vestido.
Okay, admito que levei alguns instantes pra entender. Setenta e cinco por cento do terno era a calça e a camisa, sem o paletó e a gravata. Agora cinquenta por cento do vestido?
— Shay, tá ai ainda? — Kore gargalhou do outro lado, me trazendo de volta. — É um vestido curto, consideravelmente curto e decotado.
— Acho que vou gostar desse vestido. — eu sorri de canto, voltando a andar pelo escritório. Passamos mais algumas horas conversando bobagens antes que ela adormecesse. Eu sabia disso por que podia ouvir o Tanatos ronronar e, nas minhas várias conversas com a Kore, descobri que ele só dorme em cima dela ou do Cerberus e que os três costumam dormir na mesma cama. E por algum motivo isso me é adorável.
***
— Eu te odeio. — Liam entrou no apartamento carregando o que seria o meu café da manhã antes que eu desmaiasse pelas próximas horas. — Não acredito que enviou um convite pra Nina.
— Eu não podia deixar a sua escritora de fora de um evento tão importante. Tenho certeza de que será um bom estudo para os livros dela. — eu sorri, ignorando o olhar assassino do meu amigo e o quão dopado de sono eu estava.
Aquela foi sem dúvida a melhor provocação as implicâncias do Liam quanto a Kore que eu poderia pensar. Depois dessa noite eu teria crédito para responder a ele até a minha próxima encarnação, se eu acreditasse nisso.
— Agora, você pode reclamar enquanto eu termino o meu café da manhã e durmo pelas próximas — eu olhei rapidamente as horas no celular, calculando mentalmente quanto tempo teria até meu almoço. — quatro horas e meia.
— Infelizmente eu não tenho tempo pra isso. — Liam ficou vermelho e um enorme sorriso surgiu em meu rosto. — Cala a boca.
— Não disse nada. — eu beberiquei meu café enquanto ele alternava seus olhos entre mim e o celular. — Ela te acordou cedo hein.
— Vai se foder, Shay. — ele me mostrou o dedo, ignorando minha crise de riso e que ele tinha um sorriso bobo em seu rosto enquanto seguia para a porta. — Te vejo à noite na Starlight. Não esquece que graças a você eu vou ir buscar a Nina, então tenta não levar uma vida quando for buscar sua florista.
Eu acenei para ele, rindo quando ele quase bateu a cara na porta por estar distraído com as mensagens que recebia no celular. Um completo idiota apaixonado, mais um pouco e ele vai abanar o rabinho.
Eu terminei meu café, me arrastando até o quarto e me jogando em cima da cama. Preciso dormir mais do que cinco míseras horas por dia ou o Haytham vai precisar de um novo 'segurança', não que eu me importe se estou dormindo durante o dia ou à noite, mas preciso dormir como um ser humano normal pelo menos uma vez na semana, ainda mais com tanto trabalho, eu não tô descansando nem quando chego em casa.
Dois minutos depois e minha mente se tornou uma grande tela preta. Eu não tinha sonhos desde que tudo aconteceu, então nenhuma novidade. Exceto esse barulho irritante que eu não sei de onde vem. Lembrei, isso é o maldito celular.
— Oi. — minha voz soou praticamente como um rosnar de tão irritado que eu estava.
— Eu te acordei? Desculpa... Quer deixar o almoço pra outro dia? — eu me acalmei no mesmo instante em que ouvi a voz de Kore, girando na cama e olhando no relógio da mesinha de cabeceira.
— Não, só me dá uns — eu encarei o teto, calculando o tempo. — quinze minutos e eu apareço aí.
— Perfeito. Vou reservar uma mesa pra gente então. — nos despedimos enquanto eu arrancava a minha roupa da noite anterior e entrava no chuveiro. Demorei um pouco mais do que planejava me arrumando, mas nada que ultrapassar alguns sinais, desrespeitar o limite de velocidade e pegar um atalho ou outro não resolva.
O pequeno bistrô que Kore escolheu ficava à algumas quadras de seu apartamento e, é claro, era 'amigo dos animais' com um espacinho externo onde ela podia ficar com Cerberus e Tanatos.
— Nossa, você definitivamente precisa de uma folga. — ela sorriu de um jeitinho adoravelmente implicante e isso me fez rir.
— É, preciso mesmo. — eu praticamente me deixei cair sobre a cadeira antes que ela me entregasse o cardápio. — Talvez depois do que planejei pra hoje consiga essa folga.
— Eu fiz meu dever de casa e pesquisei sobre essa sua boate... — eu sorri enquanto ela examinava com cuidado o cardápio, que estava em francês. — Que merda vocês fizeram pra ela sair de uma boate de luxo, frequentada pela nata da high society pra coisa decadente que ela era até você chegar?
— Má gestão. Coloque um completo imbecil no comando e chegue nesse resultado. — ela riu e voltou seus olhos para o cardápio, me dando um instante para a observar. Uma mulher fascinante, curiosa, inteligente e dona de uma beleza única. Como eu ainda não estraguei tudo?
Nós pedimos nossos pratos e um bom vinho para acompanhar e nesse meio tempo ficamos conversando. Kore me contou sobre o tal casamento e rimos das loucuras de uma família rica e supersticiosa, discutimos sobre a gestão mais do que ruim da Starlight nos últimos meses e ela ouviu com atenção sobre meu trabalho em Lisboa, e riu das minhas desventuras em um pequeno vilarejo local.
— Eu não acredito que você realmente entrou em uma das igrejas mais antigas e escalou até as vigas do teto só pra pegar um cordão e um livro. — ela riu quando eu contei que fiz tudo isso e na saída ainda precisei me pendurar nos lustres para sair de lá.
— Era um livro raro e um cordão de valor sentimental pra família que ia me ajudar a conseguir as informações que eu precisava pro meu trabalho. — eu sorri quando ela novamente teve outra crise de riso e voltou seus olhos violetas curiosos para mim.
— Tem alguma coisa normal no seu trabalho? — eu balancei minha cabeça em negação e novamente a risada melódica dela tomou conta do ambiente. — Deve ser incrível conhecer tantos lugares e ter essas histórias surreais pra contar.
— Às vezes eu gostaria de ter um trabalho um pouco mais normal. — e menos perigoso, eu quis acrescentar, mas seria informação demais. — Algo como o seu. Alguns clientes doidos e engraçados, mas algo mais normal, do tipo que me permitisse chegar em casa no fim do dia, deitar no sofá e ver um filme, por exemplo, ao invés de estar consertando as merdas grandiosas de algum babaca burro.
Ela riu, me encarando por um instante antes de abrir um sorriso pequeno e doce. No que você está pensando?
Infelizmente eu não pude descobrir. O garçom chegou trazendo nossos café e a conta, saindo e ignorando de forma bem ruim meu olhar muito irritado sobre ele.
— Então... Nos vemos a noite? — Kore me encarou quando paramos na esquina da rua que levava ao seu prédio. Eu concordei com um aceno. — Perfeito, vou estar te esperando.
Ela se aproximou, novamente beijando o cantinho da minha boca e eu sorri, sentindo aquela sensação de conforto se espalhar.
— Até depois, Deusa da Primavera. — ela riu, acenando para mim enquanto andava de costas com Tanatos em um de seus braços e Cerberus ao seu lado. Eu fiquei ali até que ela passasse pela portaria e então voltei até a Morrigan.
Enquanto seguia em alta velocidade pelas ruas, ignorando algumas várias regras de trânsito, eu podia sentir o perfume dela ao meu redor e a lembrança do sorriso doce e da voz melódica me faziam sorrir, sentindo aquela sensação acolhedora se espalhando pelo corpo. Quase como um sol de primavera após um longo inverno.
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