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Parado no andar de cima da biblioteca que, mesmo com o passar dos anos, não tinha mudado absolutamente nada, fito a penúltima mesa. A nossa mesa. Está ocupada por um grupo de raparigas a conversar animadamente e tomo a chegada de um rapaz com ar de futebolista como deixa para me ir embora.
Já do lado de fora do pavilhão, hesito sobre que caminho tomar. Penso em virar à esquerda, para o pavilhão das ciências, para revisitar o gabinete que tantas vezes ocupei com Rúben para estudar ou para o ouvir matutar sobre as fórmulas matemáticas que nunca me fizeram sentido algum.
Mas opto pela direita e caminho, mesmo debaixo da chuva, em direção ao banco. Ao nosso banco, que parecia ter sido colocado naquela parte esquecida do campus especialmente para nós. Sento-me, revivendo pequenas lembranças. Abro a pasta que pousei ao meu lado e retiro do seu interior o exemplar de Stendhal, já vincado pelo excesso de uso.
As causas da morte do jovem matemático nunca foram amplamente divulgadas, nem mesmo na cerimónia que fizeram na igreja aqui da zona, para amigos, colegas e conhecidos. Só alguns poucos tiveram conhecimento, por meio de mexericos e coscuvilhices, os sintomas que ele apresentava. E dentro desse número reduzido, só alguns perceberem que doença o levou, verdadeiramente: a SIDA. Não era o primeiro português a sucumbir por causa daquele vírus e decerto que não foi o último.
Por muito que pense, não consigo perceber qual dos seus inúmeros vícios o levou a contrair SIDA. Tampouco sei se se deveu a castigo divino ou não. Não obstante, a imagem que tenho dele nunca se alterou. Por mais voltas que a vida dê, ele será para sempre alguém que levo com carinho nas memórias e no coração.
Nunca me disseram exactamente qual a data da morte de Rúben, pelo que não sabia muito bem que dia haveria de reservar para ele. Mas depois ocorreu-me que não interessava o dia em que ele tinha partido deste mundo, mas sim o dia em que nos conhecemos.
O dia em que a nossa história começou.
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