(Tudo) nada sob controle

Já amanheceu quando chego em casa. Subo as escadas sozinha, carregando as sandálias na mão. Peço para Kenny esperar alguns minutos antes de subir, não quero que Christian me veja com ele.

Foi uma noite memorável. Nós apenas rodamos a cidade com o som no último volume, cantando desafinados, e improvisando coreografias. Eu não me lembro de já ter me divertido tanto tão despretensiosamente. O Kennedy tem uma energia diferente, contagiante. Ele é um pouco doido, mas de um jeito que eu gosto.

Ainda estou sorrindo e pensando nele quando abro a porta de casa.

Tudo continua em perfeita desordem, só que agora Chris está no sofá de cueca, bebendo cerveja com o celular na mão, e ele parece irritado.

— Onde você estava? — Indaga levantando. Seus olhos me examinam desde os pés descalços, subindo para os cabelos presos em um nó improvisado. — Estou te ligando faz tempo.

Qualquer pessoa que tenha olhos e seja sexualmente atraída por homens precisaria admitir que a visão de Christian Colvin seminu no sofá da sua casa é algo que se aproxima do paraíso. Qualquer pessoa menos eu.

A esse ponto, eu me pergunto o que eu foi que eu vi nele. Como eu me apaixonei por ele? Porque todos os seus atributos físicos não compensam o transtorno que a presença dele me causa.

Quando eu ainda o amava, nenhum dos seus muitos defeitos costumava me incomodar, só que agora eu não amo mais. Tenho certeza disso cada vez que ele abre a boca. E fica cada dia mais exaustivo fingir que ainda me importo, ou que eu não adoraria vestir a minha melhor roupa para o velório dele.

— Você disse que ia ficar fora a noite toda, então eu fui na Ariana. A gente ficou vendo um filme até mais tarde, e eu acabei pegando no sono.

— Ariana, né? — Chris não parece totalmente convencido, mas não quer começar uma briga.

Vem até mim e me cumprimenta com um beijo na boca do qual eu gostaria de poder escapar. Sabor de álcool nos lábios e uma das mãos escorregando pela minha bunda sobre o jeans. Me aperta.

— Desculpa, eu preciso de um banho — digo me esquivando.

— Volta sem roupa. Vou te esperar na cama — parece uma ordem.

— Chris... A casa está uma zona, e eu preciso...

— O que você tem? — Ele segura o meu braço, me forçando encará-lo.

— Nada. Só estou cansada, e cheia de coisas pra fazer. Só isso.

Ele me solta, mas faz questão de demonstrar sua insatisfação com uma arquejada.

Sempre que fazia isso, eu costumava me sentir mal por não querer, e a gente acabava transando. Nunca era ruim. Era só questão de começar, e eu me animava em seguida, então me convenci de que o Chris estava certo em ficar chateado, mas não está, e eu não vou ceder. Deixo ele resmungando sozinho e entro no banheiro.

Demoro o máximo possível na ducha, ganhando tempo para evitá-lo. Ao sair, de banho tomado, tento me trocar discretamente, ficando de costas, mas o quarto é pequeno e eu posso sentir seus olhos em meu corpo como lâminas afiadas.

Antecipo sua aproximação e digo:

— Nem tenta, Christian. Eu estou exausta.

— Mãos na parede — ele ordena. É quando sinto o metal gelado do revólver contra as minhas costas nuas. Meu corpo todo gela, o coração batendo rápido. Ele aproxima a boca do meu ouvido. — Você não está colaborando, boneca.

Eu sei que a dose de adrenalina percorrendo nas minhas veias sempre me fez gostar um pouco desses joguinhos. É fácil confundir pavor com tesão quando o sexo parece com algo que você leu num livro, mas dessa vez eu tenho certeza que é o primeiro caso.

Chris...

— Tenente Colvin para você.

O metal frio escorrega, subindo devagar até o cano estar na minha boca. Christian bêbado + arma engatilhada = péssima combinação.

— Chris, não...

— Você sabe que seu jogo duro só me dá mais tesão, né? — Ele sorri.

— Estou falando sério.

— Eu também .

— Chris, me dá a arma — peço. Ele não obedece. — A arma, Christian! — Insisto. Ele dá risada, a boca umedecendo a minha nuca. Posso sentir sua ereção na minha bunda, e eu odeio que ele esteja sentindo tesão com algo que está me deixando tão incomodada. — Para, Chris!

— Implora, vai. — Ele está adorando a situação.

Eu o empurro, mas não surte nenhum efeito. Sua mão livre envolve um dos meus seios, e a outra continua tentando enfiar a arma na minha boca. Tento me esquivar, mas Christian é muito forte. Ele parece uma maldita muralha.

— PORRA! ME SOLTA, CHRISTIAN!

Dou uma cotovelada forte em seu abdômen que o faz recuar.

Ele arqueja. Pega a garrafa de cerveja que deixou no balcão. Penso que vai beber, mas então ele a estilhaça na parede com um estouro. Eu me encolho.

— Quem está comendo você? — Ele quer saber, se aproximando.

— Você está fora de si — falo baixo.

Pego uma camiseta qualquer no armário e me visto, ele puxa o meu braço e me força a encará-lo.

— Só vou perguntar mais uma vez — avisa entredentes. — Quem está comendo você?

Cara-a-cara, eu olho em seus olhos marrom-escuros e digo com todas as letras:

— Ninguém!

Chris aperta meu braço com tanta força que o sangue mal consegue passar, mas então alguém bate na porta, e ele se vê obrigado a me soltar. Vai atender, e eu esfrego a pele vermelha dolorida a onde ele me apertou.

Abre. Só pela fresta, eu vejo Kennedy parado ali fora. Nem consigo sustentar olhares com ele agora. Não posso imaginar o que está pensando.

— Algum problema?

— Eu moro aqui do lado. — Aponta com o polegar, tentando parecer simpático. — Ouvi uns barulhos. Passei só para saber se está tudo bem, ou se precisa de alguma coisa.

Eu não acredito que ele está fazendo isso. Meu rosto cora de nervoso.

— Tudo sob controle — Christian responde.

— É que eu ouvi dizer que tem um... maníaco, sei lá, morando aqui no prédio... — Ele ri. Eu o conheço suficiente para notar que não é seu riso habitual, mas fico aliviada por não ter usado o termo "tarado ladrão de calcinhas", isso deixaria Christian doido. — Então se tiverem algum problema, é só...

— Tudo sob controle — Chris repete impaciente.

— Barbara? — Kenny me chama.

Eu subo os olhos até ele. Me esforço ao máximo para esboçar uma expressão descaso.

— Você ouviu! — Ergo as sobrancelhas como se debochasse. — Tudo sob controle.

É claro que ele não compra minha mentira. Por algum motivo que eu desconheço, Kennedy é bom em captar os meus fingimentos como ninguém.

— Podemos falar aqui fora? É coisa rápida.

Chris me fuzila com seus olhos negros intensos.

— A gente está ocupado, se você não percebeu —responde, grosseiro.

O mágico não liga para ele, está olhando para mim. Falando comigo. Esperando uma resposta minha.

— Estamos ocupados — repito como um papagaio adestrado.

Ele assente, um pouco sem jeito.

— Se precisar de qualquer coisa, sabe onde me encontrar.

Sem tempo para uma resposta, Christian bate a porta na cara dele. Pelo jeito que me olha, eu sei que ele descobriu.

— É ele? — Indaga.

— Quê? Não! Eu nem conheço esse cara, Chris!

Não sou convincente. Ele puxa o meu cabelo forte, a cabeça tombando para trás. Me vira, prendendo o meu braço dobrado atrás das costas de um jeito que eu mal consigo me movimentar.

— Está doendo, Chris — reclamo, mas ele ignora.

De frente para o espelho, segura o meu rosto com força e diz:

— Olha esse seu rosto. — Ele sorri ironicamente. — É bonito não, é?

Assinto, sem dizer nada. Estou com medo dele. Nas nossas piores brigas, eu não me lembro de já tê-lo visto tão alterado.

— Não seja modesta. Você sabe que tem o rosto de uma boneca não sabe? — Assinto. — Fala para mim.

Eu sei, Chris — murmuro.

— Olha esse corpo — ele prossegue o monólogo, correndo os dedos pelas minhas curvas. — Fica usando essas roupas curtinhas. Você sabe o efeito que causa num homem, não sabe?

Eu sei.

— Seria um desperdício se a minha bonequinha ficasse desfigurada.

Ele me solta com um empurrão, me fazendo colidir contra a porta espelhada do guarda-roupas. Sinto braço arder com um corte largo onde o espelho trincou. Está sangrando. Ele pega uma roupa qualquer no sofá, e se veste. Não avisa nada. Apenas sai de casa batendo a porta, e eu não sei quando ou se ele vai voltar.

Estou tão nervosa que nem consigo sair do lugar. Ele acabou de dizer que vai me desfigurar?


***

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