O jeito díficil

Digo a mim mesma que não vou me apegar aos elogios, aos beijos, ao par de mãos habilidosas que fazem uma falta absurda quando eu tomo banho sem ele me preparando para o evento.

O dia corrido ajuda a manter a minha cabeça ocupada, e eu juro que estou tentando não pensar em Kennedy, mas quando eu fecho os olhos, ainda posso sentir o beijo que ele deixou na minha clavícula ao se despedir na madrugada passada.

Por que é que eu não consigo ficar com alguém e não me apegar emocionalmente? Solto um suspiro longo, sentindo a água escorrer pelo meu rosto. Ao terminar o banho, desligo a ducha e envolvo meu corpo na toalha, saindo do banheiro luxuoso para me arrumar.

Dominique e eu vamos juntas ao evento, então nos arrumamos na casa dela. Eu faço as nossas maquiagens, e ela cuida dos trajes.

Minha amiga vai vestir um terninho preto longo — que serve como vestido —, combinando-o com scarpins metalizados. Para mim, mandou produzir com exclusividade o primeiro vestido da sua nova coleção autoral.

Os meus olhos brilham ao vê-lo pronto.

— É tão lindo!

— Eu achei que você merecia algo especial, já que me ajudou tanto. Sério, eu não tenho palavras para agradecer você, Barbie!

Me derreto todinha com o afeto.

— Eu quem devia te agradecer por me deixar fazer parte disso!

Apesar do trabalho duro, foi uma experiência tão gratificante trabalhar em prol de uma causa bem maior do que nós duas. Aos poucos, sinto que vou entendendo qual a assinatura que eu quero deixar no mundo. Não é sobre um sobrenome, é sobre como eu posso usá-lo para mudar as coisas ao meu redor.

— Anda, coloca no corpo para a gente ver se precisa de algum ajuste final!

Com todo o cuidado que a peça exige, eu visto. O encaixo por cima da cabeça, e Mini me ajuda a descê-lo. Cai como uma luva. Quando encaro meu reflexo no espelho, eu nunca me senti tão bela.

O corte reto no decote deixa os meus dois ombros a mostra, destacando os seios, ainda que as mangas sejam compridas. O vestido é longo em tom de quartzo, com bordados de estilo indiano no busto. Justo até a altura da cintura, e depois cai rodado, como um vestido de princesa.

Dominique puxa as minhas ondas loiras todas para o lado esquerdo.

— Você parece extraída diretamente de um conto de fadas — diz.

— Ou de um filme da Barbie. — Rio.

Ela concorda.

— Com certeza de um filme da Barbie. A propósito, você vai gostar de saber que eu convidei um certo dj em quem você pode estar interessada para aparecer hoje.

— Não! O Kyle? — Mini assente. — Eu estou dando um vácuo nele há semanas.

— Pensei que estivesse afim dele.

— Eu estou. Estava. Sei lá.... Vai ser bom ver ele — admito.

É bom colocar pontos-finais. Não gosto de deixar as coisas meio-resolvidas.

— Então vamos! — Ela dá duas palminhas, apressando. — Antes que a gente se atrase.

Chegamos ao local do leilão no banco traseiro do luxuoso carro de Dominique. Dessa vez ela optou por usar o motorista, que estaciona em frente à entrada, e em seguida abre a porta, permitindo a nossa saída.

— Obrigada — agradeço enquanto desço, tomando cuidado com o salto fino, e puxando um pouco a barra do vestido para não enganchar.

Tem dois ou três fotógrafos disparando flashes na nossa cara. Dominique faz pose e sorri. Ao ser chamada, faz uma parada para responder as perguntas dos jornalistas, e ela me puxa para junto de si. Eu sorrio um pouco constrangida. Não estou acostumada com tanta atenção e flashes.

As vozes vêm de todos os lados, e minha amiga responde perguntas soltas. Meu radar capta uma voz feminina chamando pelo meu nome. É Sarah Palmer, mais conhecida como "Embaixatriz da Fofoca". Ela tem um sorriso amigável, então não vou me deixar levar pelo ciúme que senti quando a vi dançando com o Kyle nos stories. Eu nem estou mais afim dele de qualquer jeito.

— Barbie! — Me chama, rompendo a barreira de jornalistas. Ela é tão alta quanto eu, mas é visivelmente mais magra. A pele negra puxa para um tom de dourado, e tem cachos amplos caindo pelos seus ombros. Faz uma pausa para me analisar. — Uau! Você está uma gata! Se você ficasse com garotas, eu estaria dando em cima de você.

Dou risada.

— Obrigada! Que bom que você veio! Estou superpositiva com esse evento.

— A Ju não pôde vir comigo — conta. Segura no meu braço, me puxando para o lado de dentro. — Mas estávamos conversando no outro dia, e acho que seria o máximo fazermos uma manchete sobre você no GH.

— Uma manchete sobre mim? — Não disfarço a surpresa. O GH é o maior portal de fofocas sobre celebridades, e, bem, eu não sou uma celebridade.

—Você organizou esse evento incrível, e eu ouvi os boatos de que esteve por trás do protesto bafônico da Mima no tapete vermelho — diz. — O nosso blog não cresceu do jeito que cresceu postando o mesmo conteúdo que todo mundo. E não é todo dia que a próxima grande notícia acontece de ser uma amiga sua.

Amiga. Sorrio ao perceber que ela me considera uma amiga. Namorei por quase dois anos, e Christian fazia questão de me afastar de todas as pessoas do mundo. Tenho feito tantas amigas ultimamente e eu adoro isso.

— O que acha de "Barbie Bittencourt, conheça a maquiadora estrela que está conquistando o coração das celebridades! "?

— Acho... O que eu posso achar? — Minha voz soa muito animada. — É uma manchete no GH! É perfeito.

Ela sorri e comemora com palminhas.

O interior do evento é muito amplo e luxuoso. O teto é alto, as mesas redondas estão recobertas com toalhas indianas, e lustres de cristais pendem do teto. É incrível ver como tudo ficou montado no final. Trabalhamos tanto, mas está lindo. Garçons engravatados vem e vão, carregando consigo bandejas de drinks e de petiscos caros.

— Me sinto numa fanfic de "Quem quer ser o milionário? ".

Sarah dá risada. Rouba uma taça de espumante no caminho para o backstage, onde achamos um lugar mais tranquilo para conversar. Faz uma série de perguntas, e eu falo sobre o evento, sobre mim, o meu trabalho, até deixá-la satisfeita.

Sarah diz que vai editar a entrevista para sair na semana seguinte, e isso me deixa ansiosa. Uma manchete no GH, eu jamais teria sonhado com isso!

— Obrigada!

— Eu que agradeço, boba!

As modelos já se aglomeram perto das araras, se arrumando para desfilar os vestidos que serão leiloadas, mas Jessica ainda não chegou. Resolvo dar uma volta por aí e, quem sabe, encontrá-la.

Garçons me oferecem petiscos tão frequentemente, que eu preciso ceder e provar o famoso Papri Chaat pelo qual Dominique tanto brigou. É parecido com um canapé vegetariano, mas com um tempero diferenciado. É gostoso. E saudável. O que me convence a repetir a experiência, comendo mais um, e depois outro.

— Encontrei a garota mais gata da noite. — A voz galante vem das minhas costas, me pegando de surpresa. Viro e sorrio sem mostrar os dentes. Termino de engolir, e dou uma ajeitada na franja que escorre para sobre o olho. — Uau! Você está parecendo uma verdadeira princesa, Barbara.

Kyle se aproxima para me cumprimentar com um beijo bem perto da boca, mas eu desvio rápido, e acaba pegando só na bochecha. Ele acha que eu sou tão fácil assim?

— Olha só você. Também está... ótimo.

E está mesmo. Vestindo roupa social e os cabelos penteados com gel, ele até parece um galã de televisão (ou um mágico de bar). Ainda mais com esse sorriso. Estende a taça de um drink vermelho vivo em minha direção.

— Cosmopolitan. É o que você gosta certo?

Não contenho a careta. Deixo um riso frustrado escapar dos lábios. O mágico não cometeria esse erro, penso.

— Você fica com garotas demais para decorar o drink favorito de todas elas?

Ele ri, culpado. Coça a nuca.

— Se quer ser seca comigo, eu posso trocar por um Martini Seco.

Rio. Tudo bem. Ele consegue ser fofo de um jeito que não consigo manter essa pose de brava por muito tempo. Beberico um gole do Cosmopolitan. Também é gostoso, só não é o meu favorito.

— Não quero ser seca com você — admito sacodindo a cabeça. — Veio acompanhado?

Ele nega.

— Estava contando em encontrar você. — Dá uma piscadela. Chega com o rosto mais perto só para provocar. A mão na minha cintura. Diz baixinho perto do meu ouvido: — Que saudade de te beijar.

Seu hálito morno de encontro a minha pele causa um arrepio. Minha maldita queda por cafajestes me pregando uma peça de novo.

— Tá.

Com um riso, eu empurro o seu peito, ganhando distância. Nós estamos no meio de um evento de caridade superelegante. As pessoas não vêm aqui para se pegar, seria estranho se fizéssemos isso. Além do mais, Kyle é gato e tudo, mas não vale a pena uma briga com a Sarah.

— Por que a gente não acha um lugar para sentar, hein?

Ele coloca o braço sobre o meu ombro, me guiando. Provoca bem perto do meu ouvido:

— O seu pode ser no meu colo.

Eu dou risada.

— Cala a boca, mágico.

— Você me chamou de quê?

Eu levo a mão até a boca, percebendo o tamanho da minha gafe.

— Nada — minto. — É só a força do hábito.

Ou melhor, é a força da mágica que Kennedy fez comigo. Eu não devia estar pensando nele. Por que eu não paro de pensar nele? Ai droga! Não posso estar apaixonadinha. Não pelo babaca do misterioso Ken. Viro todo o Cosmopolitan de uma vez, para fazer efeito. Subitamente me lembro de uma coisa:

— Você viu a Jessica? — Pergunto.

Quando me viro para trás para procurá-la, todo o sangue foge do meu rosto.

Vejo Christian Colvin parado perto da entrada, como uma estátua de um metro e oitenta e sete. Ele veste a farda azul marinho e um cap de policial na cabeça. Me encara fixamente. É como se o mundo todo parasse de girar e ficasse em modo silencioso.

— Você está bem? — Kai me desperta do pesadelo.

Eu o encaro. Quando volto a olhar, Chris desapareceu, mas tem outros dois policiais perto de onde ele estava. Isso foi uma alucinação, não foi? O que tinha nessa bebida?

— Eu preciso ir ao banheiro.

Fujo em passos rápidos. Entro no banheiro feminino e tranco a porta. Jogo uma quantidade de água no rosto e encaro o meu próprio reflexo. Respiro, um. Respiro, dois. Estabilizando os meus batimentos cardíacos. Eu estou alucinando, certo? Estou vendo coisas. Por que eu estou alucinando com o Chris? Pensei que tinha superado essa fase.

Ouço três batidas na porta de madeira. Grito:

— Já vou, Kai.

Ele bate de novo. Eu abro a porta.

— Sentiu minha falta, boneca?

O meu corpo todo gela. Isso não é uma alucinação.

— O que você está fazendo aqui, Chris? — Minha voz soa urgente.

Ele ri, do jeito que faz quando está irritado. Entra no banheiro e fecha a porta atrás das suas costas. O meu coração está batendo muito rápido.

— Tenente Colvin pra você — fala sério. — Mãos na parede.

— Chris, para — peço.

— Você conhece o procedimento, boneca. Não vamos fazer do jeito difícil.

Eu sei que ele não está brincando. Conheço o jogo e sei como funciona, então obedeço. Coloco as duas mãos na parede e engulo em seco. Sinto seu toque ao me revistar. Mãos firmes, que já me conhecem dos pés à cabeça. Começa a me apalpar sob os braços, os seios, vai descendo pela lateral do tronco, até o quadril. Se aproxima um pouco mais, e eu sinto o calor do seu corpo se espalhando por todo o meu, a sua rigidez contra as minhas costas quando suas mãos escorregam para dentro das minhas coxas.

Meu coração está a ponto de saltar para fora do peito. Nossa! Eu costumava adorar quando o Christian me tocava desse jeito. Ainda adoro? Não sei. Eu não faço ideia. Nunca estive tão nervosa.

Senti sua falta — ele sussurra baixinho e, no instante seguinte, prossegue sério e autoritário: — Vira!

Eu me viro de frente para ele. Aqueles olhos negros compenetrantes.

"O suspeito número um foi enquadrado por posse de entorpecentes" a voz chiada emana do rádio enganchado no cinto do meu ex-namorado. "Vamos encaminhá-lo para a delegacia".

Ele aperta um botão no aparelho para responder, sem desviar os olhos de mim:

— A garota está limpa. Prossigam a operação. Câmbio.

De repente eu sou desperta para a realidade num lapso. Entendo o que está acontecendo.

— É o Kyle? — Pergunto preocupada.

— Seu amigo? — Ri satisfeito. — Eu não vim aqui por ele, mas é... Não gostei do jeito que ele estava tocando em você.

— Nós não estamos mais juntos, Chris! Você não pode...

— Eu posso, boneca. — Ele sorri maquiavélico. O clima quente parece ter evaporado. — Eu posso e eu vou.

Ele pega a minha bolsa e abre. Puxa o meu documento. Sacode a cabeça desapontado ao analisar.

— Barbara Bittencourt, é? — Atira o papel de qualquer jeito sobre a pedra. Ergue uma sobrancelha. — Sabe que eu posso enquadrar você e a sua sapatão de estimação por isso aqui, né?

— Não mete a Ariana nisso, Chris! É problema meu!

Você não mete a Ariana nisso, Boneca. Ou já esqueceu que foi você quem fez isso primeiro?

Eu engulo em seco. Admito, foi um erro ter procurado ajuda com a minha melhor amiga. Eu não devia ter metido ela nesse problema. É um problema meu. E o Christian sabe tornar a vida de alguém um inferno quando ele quer.

— Não vou meter mais ninguém nisso, Chris. — Fecho os meus olhos e respiro fundo. — Prometo! Só me diz o que você quer. Como me achou aqui?

— Achou que eu não ia reconhecer seu rostinho na televisão? Na internet? Está todo mundo cobrindo esse evento.

"Merda!" Penso. Ele continua a revistar minha bolsa, encontra o colar da Jessica ali dentro. Tenho o carregado para todos os lados desde a última invasão no meu apartamento. É muito valioso para ser roubado, e eu esperava ter uma oportunidade de devolver para ela discretamente.

— Continua roubando, né? — Percebe. Não respondo. Apenas sacudo a cabeça e mordo meu lábio, pensando "eu estou muito ferrada". Ele segura o meu queixo e me faz encará-lo. — Para de ser tão cabeça dura, você sabe que eu posso limpar a sua barra.

— O que você quer de mim, Chris? — Me esquivo movendo o rosto.

— Pra começar, que você pare de me tratar como se eu não fosse o cara mais legal do mundo por querer te ajudar depois de tudo que você fez para mim — ele ironiza.

Eu fiz para você? — Levo a mão até o peito.

— Todas as suas mentiras, boneca. Sabe que eu amo você, mas você brinca com a minha inteligência. Era isso que você queria...? — Ele pega o meu documento falso, sacode no ar. — Entrar nesse mundinho, não era? Ser uma maquiadora famosa, mas você é uma piada.

Estico o braço para pegar o que é meu de volta, mas ele não deixa.

— Acha mesmo que alguma dessas pessoas vai se importar com você quando descobrirem que você é uma fraude? — Me dá alguns segundos para responder, mas escolho ficar calada — Fala, boneca! — Ordena. — Acha que o playboyzinho lá de fora ia te querer se soubesse que você é uma ladra mentirosa?

Eu não respondo nada. Apenas desvio o meu olhar do dele. Porque sei que está certo. Eu sou uma fraude e eu continuo mentindo para todas as pessoas com quem me importo.

— Não, boneca — responde por mim. — Você é impossível! Sabe que eu sou a única pessoa que consegue te amar desse jeito, não sabe?

Eu sei, Chris — grunho a contragosto.

— Então me deixa esclarecer uma coisa. — Me obriga a encará-lo. — Tem dois jeitos de você sair desse leilão hoje — fala. — Se escolher o jeito fácil, você me dá um beijo e eu te levo para casa em segurança essa noite. O que acha?

— Chris, eu...

— Mas se escolher o jeito difícil, eu vou ter que te algemar e te levar para a delegacia... com todas aquelas pessoas olhando... — Seu tom de voz consegue fazer essa ideia parecer ainda pior do que a de beijá-lo. Tortura. — Então, como vai ser?

Olho para ele. Aperto os lábios, sorrindo falsamente. Não posso colocar tudo a perder. Ele sabe que eu não tenho escolha.

— Eu te amo, Chris — minto. — É claro que eu vou com você.

Ele sorri satisfeito. Percebo que aquele sorriso raro dele já nem me encanta mais como costumava. Se aproxima e toca os lábios nos meus, eu correspondo. Suas mãos encaixadas nas minhas costas, deslizam um pouco para baixo.

Só tenho certeza de que superei Christian Colvin quando percebo: Não sinto nada. Nem mesmo uma cócega de desejo quando seus lábios grossos escorregam para o meu pescoço.

— É melhor a gente ir embora logo — disfarço.

Ele se afasta. Segura a minha mão.

— Claro, boneca. Eu posso cuidar de você mais tarde.

***

Vcs não estavam preparadas para o surgimento dessa peste né?

Apertem os cintos que daqui pra frente é ladeira abaixo em alta velocidade. 

E não esqueçam de votar!

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