Kim Kardashian da periferia
A semana foi de agenda tão corrida, que eu nem vejo a sexta-feira chegar.
Ariana ficou de passar aqui depois do trabalho, então eu tiro o dia de folga, e uso a tarde toda para limpar e organizar o apartamento.
Não que estivesse muito bagunçado, mas é a primeira pessoa que me visita em minha nova casa, provavelmente a única que vai visitar, então eu quero causar uma boa impressão.
Lustro o chão de madeira até deixa-lo brilhando como um espelho. Tiro pó de todas as coisas. Lavo o banheiro. Quando minha amiga chega, está tudo limpinho e cheirando a lavanda fresca.
— Meu deus, esse lugar é... Rosa! — Ela arregala os olhos escuros, inspecionando o único cômodo que eu chamo de "lar". — Se eu ficar tempo demais aqui acho que vomito bala de goma.
Dá risada.
Está vestindo uma camiseta curta escrito "ARTE" e uma calça cargo. As tranças em sua cabeça estão apenas meio soltas e o rosto lavado. Ari tem lábios grossos e as maçãs do rosto proeminentes, que eu adoraria valorizar com um pouco de maquiagem, se ela deixasse.
— Você acha que eu exagerei? — Pergunto preocupada.
— Você exagerada Barbie? — Pergunta com sarcasmo e dá risada. — Imagina...
Ela dá a volta no balcão da cozinha, para se aventurar na minha pequena geladeira. Quase me esqueci de que Ariana está sempre com fome.
— Iogurte natural sem açúcar... — Examina o frasco. — Leite de amêndoas sem açúcares... Suco natural de laranja... — Ela corre o dedo pela embalagem. — Sem adição de açúcares. Você não tem nada com açúcar aqui?
— Se eu tenho aqui algo com mais calorias do que eu preciso para sobreviver por uma semana inteira? Não, eu não tenho.
— Álcool? — Arrisca. — Ele vira açúcar no sangue mesmo.
— Eu não bebo, Ari.
Ela me encara com ceticismo estampado no olhar. Arqueia uma sobrancelha. Eu sou mesmo uma mentirosa, não sou?
—Você não tá lidando com uma amadora aqui, Barbara Vazquez. Eu conheço você desde os quinze anos.
— Tá! — Cedo. Solto um riso de culpa. — Eu só bebo de vez em quando! Mas eu juro que compenso as calorias do álcool no dia seguinte.
— Você é tão obcecada com essa coisa de calorias que me cansa só de ouvir.
Ela revira os olhos e fecha a porta sem pegar nada. Frustrada.
— É melhor a gente comer fora. Eu acabei de sair do serviço. Estou morta de fome!
— Você trabalha em um restaurante, Ariana. Como você pode sair com fome? — Pergunto rindo.
Ela vai na frente e abre a porta, me apressando.
—Aquele lugar só tem coisa fresca, não dá para comer lá — diz. — Sem contar que custa uma fortuna. Noite de sexta meu corpo precisa de asinhas de frango e cerveja para processar a semana.
Solto um riso.
Eu checo a minha imagem no espelho de corpo antes de segui-la. Estou vestindo shorts jeans e uma camisetinha rosa. Bem casual. Não estou maquiada, mas sei que Ariana não vai ter a paciência de esperar. Por sorte, fiz o meu skincare mais cedo, então a minha pele está calma e descansada. Sendo assim, apenas passo um batom rosa choque nos lábios, e uma camada de rímel. Enfio na bolsa em seguida, para o caso de precisar retocar mais tarde.
— Anda logo — ela apressa quando eu enrolo demais tentando prender o cabelo em um coque.
Acabo saindo com os fios soltos, mas as ondas estão meio deformadas.
— Onde tem um bar ou uma lanchonete aqui perto?
O único lugar que consigo pensar, é no Harvey's. Um bar underground no quarteirão atrás da minha casa, que eu descobri enquanto fazia caminhada outro dia. Quando eu digo underground quero dizer que fica num porão, e você literalmente tem que descer um lance de escadas para entrar.
O ambiente é escuro. As mesas de madeira maciça contrastam com cadeiras de ferro vermelhas e antigas. As paredes de tijolos crus são iluminadas por letreiros fluorescentes, e uma delas é grafitada. É o completo oposto dos restaurantes caros, com vistas panorâmicas e cardápios requintados, onde a Dominique costuma me levar como convidada.
A minha outra melhor amiga, por outro lado, adora esse tipo de lugar com uma pegada mais alternativa. Principalmente se forem frequentados pelo público artístico. Apesar de ganhar a vida como garçonete, e já ter se metido com algumas coisas ilegais, Ariana se considera uma artista, e é ótima com desenhos, por isso escolheu estudar design na faculdade.
— Okay. Aqui é DEMAIS! — Ela fala animada, admirando o grafite na entrada. Pega o celular para tirar algumas fotos. — Vou colocar no meu Pinterest de inspirações.
Eu acertei na mosca.
O bar está cheio, e o cartaz diz que às sextas e sábados o mágico "Misterioso Quem" se apresenta. O palco ainda está vazio, mas a Ari quer se sentar perto dele, para desvendar os truques, porque esse é o lance dela também: Ilusão de ótica — só que de outro jeito, por assim dizer.
— Olha só se não é a Kim Kardashian da periferia. Decidiu descer do salto para se misturar com a plebe, princesa?
Subo os olhos para me deparar com a minha vizinha de frente, parada ao lado da mesa, com os cabelos negros presos, segurando uma comanda para me atender. Não teria vindo se soubesse que ela trabalha aqui.
— Eu não sei o que você tá dizendo, os meus saltos estão bem aqui. — Eu aponto para as sandálias nos meus pés que balançam sob a mesa de madeira.
Ela revira os olhos.
— Posso te oferecer minha carta de vinhos? — A garota faz menção de estender o cardápio, e eu me preparo para pegá-lo, mas então ela recolhe. — Eu só tô zoando. A gente não tem vinho aqui. — Dá risada. — Eu tenho anéis de cebola e cerveja artesanal. Pode ser?
— Tem asinhas de frango? — Ariana intervém.
Tabitha assente. Tabitha. É esse o nome dela, escrito no broche em seu peito.
— É. Tem sim.
— Eu vou querer as asinhas, a cebola e a cerveja — decide.
Eu arregalo os olhos, surpresa com a quantidade de alimento que um ser humano pode devorar em uma só noite.
— Eu vou querer só um Sex on the Beach — falo.
Tabitha franze o cenho.
— Só para esclarecer, aqui é um bar, e não um puteiro. Você tem que pedir algo de comer.
— Sex on the beach é um drink — explico revirando os olhos.
— Eu sei! — Ela bufa, rindo. — Tô só zoando com você, Kardashian. — Puxa uma caneta de trás da orelha e faz as anotações no bloquinho em sua mão. — Não servimos esse tipo de bebida aqui, mas eu faço uma exceção para vossa alteza. Não é todo dia que recebemos uma Kardashian no bar. — Seu tom é sarcástico. — Alguma outra exigência?
— Só mais uma — digo. — Vai se ferrar, Tabitha.
Ela ergue os dedos médios e faz uma careta. Se afasta sem dizer mais nada.
— O que foi isso? — Ariana quer saber.
Ela está franzindo o cenho.
— Digamos que eu não fiz muitos amigos nessa vizinhança — confesso.
***
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