Ganhar a garota pela barriga
Sem minha típica máscara de dormir escondendo os olhos, acordo tão logo o sol começa a penetrar a pequena janela, deixando um rastro iluminado no chão de madeira e no colchão largo.
Demoro alguns minutos para me situar.
Analiso o ambiente:
As paredes cinzas. Os móveis de madeira. A decoração vermelha. Estou no apartamento do mágico. Acho que acabei me distraindo e pegando no sono na madrugada passada.
Ele, por sua vez, não está.
Exausta e muito longe de ter cumprido as minhas religiosas horas de sono de beleza, me arrasto para fora da cama, ainda nua. Kennedy juntou a minha roupa do chão e deixou dobrada ao lado do estrado. Acho isso atencioso.
Visto-me tão rápido quanto a minha leseira matinal depois de uma noite pouco-dormida permite, isso é, devagar e fazendo pausas para esfregar o rosto. Depois faço um nó desajeitado no cabelo. Levanto. Corro os meus olhos pelo apartamento vazio. A porta do banheiro está fechada.
— Mágico? — Chamo. Nada. — Kennedy? — Dou batidinhas na porta. Ninguém. — Ken?
Sem resposta, empurro a porta com cuidado e me deparo com um banheiro tão vazio quanto o quarto.
Ele saiu.
Eu sei que deveria ter feito essa investigação antes de acabar na cama com ele de novo, mas não posso perder uma oportunidade. Eu preciso saber se ele é o responsável pelo arrombamento do meu quarto na noite passada. Abro a gavetinha do banheiro, não encontro mais que camisinhas e pastas de dente.
Volto para o quarto. Esfrego as minhas mãos uma na outra, me sentindo um pouco mais desperta. Se eu colecionasse calcinhas roubadas, onde eu esconderia? Não nos armários da cozinha, então só pode ser... no roupeiro!
Ágil, abro as portas de madeira e analiso o interior. Os ternos ficam pendurados, ele tem mais de um. Pelo menos uns sete. As camisetas e calças casuais ficam dobradas logo abaixo. Arrumadinhas. Abro a primeira gaveta: Cuecas. Ok isso é invasivo, eu não deveria, mas... é por uma boa causa. Enfio a mão e começo a revirá-las, caçando evidências.
— Se me disser o que está procurando, eu posso te ajudar a encontrar.
Dou um salto.
Kennedy se materializou atrás de mim, na entrada, como num passe de mágica. Estava tão distraída com a procura que não ouvi a porta se abrir. Meu coração está acelerado.
— Então, o que está querendo?
— Nada — minto.
Kenny ri.
Ele está vestindo moletom preto, que é a roupa que ele geralmente usa para caminhar de manhã. Penso: Se ele for mesmo um Serial Stalker, o que ele vai fazer comigo?
— Você mente mal, Barbara.
Só para você e me odeio por isso.
— Não estou mentindo.
Ele sacode a cabeça, sem acreditar em uma palavra. Encosta a porta e caminha até a geladeira. De costas, me encara sobre o ombro.
— Você gosta dos seus ovos como? — Pergunta. Pega quatro ovos e coloca sobre a bancada, depois se abaixa para pegar uma frigideira no armário sob a pia. — Mexidos ou queimados?
— Espera! Você não vai me fazer falar?
Kennedy apenas ri. Quebra o primeiro ovo na frigideira. Não me olha, está ocupado demais.
— Queimados então — decide sozinho, quebrando o próximo. — Eu não sei fazer de outro jeito mesmo.
— Ovos mexidos é tipo um ritual pré-assassinato?
— Quê? — Ele me encara com um riso confuso.
—Eu estava mexendo no seu guarda-roupa — falo devagar. — E agora você está fazendo ovos. Por quê?
— Porque eu estou com fome — diz com tom de "isso não é óbvio?" e ainda solta um riso. Quebra o próximo ovo. — Não raciocino direito com fome. Mas e você? Achou o que estava procurando no meu guarda-roupa?
— Na-não — gaguejo sem querer. — Não estava procurando nada.
Rindo, ele volta a olhar para a panela. Quebra o último ovo.
— Tá bom... — Sua voz sugere um "nossa você é muito estranha".
Está mexendo os ovos com uma espátula e aumenta o fogo. Isso é brincadeira? Eu o puxo pelo braço, fazendo-o se virar para me encarar.
— Qual é o seu problema, mágico? — Indago.
Ele é um pouco mais alto que eu, mas não o suficiente para que eu não possa me fazer parecer intimidante.
— O meu?— Ri, surpreso. — Você é quem estava mexendo nas minhas gavetas quando eu entrei!
— É! E você devia estar me extorquindo agora, até me fazer falar!
— Eu devia? —Ele levanta uma sobrancelha, estreita os lábios. — Se isso for um fetiche seu, a gente resolve. — Me encara provocante. — Então como quer?
Kenny vem se aproximando. Perigosamente perto. Compromete a minha capacidade de raciocinar. Eu dou um passo para trás, depois outro, até estar com as costas de encontro a parede. Ele me cerca pelos dois lados. Minha respiração ofega, o coração batendo veloz. Seus olhos castanhos encarando avidamente os meus.
— Eu devo te amarrar na cama, ou... — A boca bem perto da minha, prestes a me beijar, e então: — MERDA!
Ele dá um salto para trás, quando o sensor de fumaça apita. Corre até o fogão e desliga a chama. Solta um grunhido desapontado, remexendo o seu ovo agora muito torrado. Ainda estou com as costas coladas à parede, tentando estabilizar os meus batimentos cardíacos. Magia é a única definição para o que ele faz comigo.
— Eu nunca acerto essa droga — reclama.
O sensor ainda apita como um despertador irritante. Ele segura a frigideira e remexe o ovo grudado no fundo, ao mesmo tempo que sacode um pano no ar para espantar a fumaça até fazer o alarme se calar. É engraçado o jeito que ele fica frustrado com o próprio fracasso.
— Não tem um truque mágico para fritar ovos? — Zombo.
— Você é muito engraçadinha, Barbara. — Ele ironiza.
— E eu nem fiz aula de comédia — revido.
— Eu sou uma piada para você? — Ri.
Pega dois pratos brancos rasos no armário do alto, deixando-os sobre a pedra. Divide o ovo em duas porções. Coloca queijo cheddar sobre um, e depois uma fatia de pão. Me encara.
— Você come pão, Barbie?
— Depende.
— É integral. — Exibe a embalagem, estendendo-a para me mostrar. — Acabei de comprar pensando em você.
Acho engraçadinho ele se preocupar com esse detalhe. Adivinhar que eu não comeria pão branco convencional. Engulo o meu riso. Eu preciso ter um pouco mais de foco e não deixar ele me desmontar tão facilmente.
— Obrigada — agradeço, negando. — Eu faço uma vitamina para mim em casa.
— Mas nem ferrando! — Soa ofendido. — Da minha casa você não vai sair com fome, Barbara. Anda pega.
Ele empurra um prato para mim. Eu reviro os olhos, achando um pouco de graça. Resolvo ceder, só porque ele está sendo legal comigo.
— Mas sem queijo — exijo.
— Eu sei. Você disse que não come da última vez, lembra?
Agora que ele mencionou, é eu lembro. É atencioso da parte dele lembrar também.
Sento na banqueta vermelha e pego o prato. Kennedy me passa garfo e faca. Senta ao meu lado, pega o pão com a mão fazendo um sanduíche e dá uma mordida. Eu engancho um pedacinho do ovo com a ponta do garfo e levo até a boca, receosa. Contenho uma careta.
— Você faz drinks melhor do que faz ovos, Ken — preciso dizer.
Ele ri. Não fica ofendido.
— Desculpa. Ainda estou trabalhando nessa coisa de aprender a cozinhar.
Dá outra mordida no pão.
— Se a estratégia era ganhar a garota pela barriga, falhou miseravelmente.
— Sorte a minha que você gosta mais de transar do que de comer. — Ri.
Acho que eu deveria ficar ofendida, mas só consigo dar risada. Ele é tão bobo. Rebato:
— Sorte a sua que você transa melhor do que cozinha.
— Uau! — Soa chocado. Solta o pão e limpa as mãos, batendo uma na outra. Dá risada. — Isso foi um elogio ou eu estou ficando louco?
— Louco — minto.
— Sorte a sua que você transa melhor do que mente. Agora, se pudermos falar sério... O que você esperava encontrar no meu armário?
Ele me encara. Eu solto um suspiro. Que se dane! Não funciona mentir para ele de qualquer jeito.
— Calcinhas — falo.
Kenny parece surpreso. Franze o cenho, engolindo um riso.
— Não era o que eu imaginava — admite. — Como você deve ter percebido, eu sou mais o tipo que usa cueca.
— Não suas — explico. — Alguém invadiu meu apartamento noite passada.
Ele engasga.
— Sério?
— Acho que tem alguém roubando calcinhas no prédio.
— Desculpa perguntar, mas por que alguém ia querer roubar suas calcinhas?
— E eu é que sei? As pessoas têm todos os tipos de fetiches. A teoria da Tabitha é que...
— Espera! — Ele me interrompe. — A Tabitha está envolvida nisso? — Parece frustrado. — Vocês realmente estão armando um complô contra mim, não estão?
Eu rio.
— Ela está bem convencida de que você é o responsável pelos roubos, graças a sua habilidade em fazer as coisas, sabe... — Gesticulo uma magia movendo os dedos. — Desaparecerem.
— Eu sou só um ilusionista de bar. Se eu soubesse roubar, não acha que eu estaria roubando coisas mais valiosas do que calcinhas?
— Nem sempre. Algumas pessoas só roubam pe...
— Pelo prazer? — Ele termina a minha frase.
— Eu ia dizer pela adrenalina — corrijo. Ele ri.
— É assim com você?
— O QUÊ?
— Aquele colar e todo aquele lance de "acabei de roubar uma joalheria".
— Foi uma brincadeira.
— Mas você curte adrenalina, não curte, Barbara?
Ele apoia os cotovelos sobre o balcão.
— Nesse caso em específico, eu curti mais a sua cara de desespero, para ser sincera. — Dou risada. — Você tinha que ver.
Ele balança a cabeça. Não dá bola para a minha provocação. É tão difícil tirar ele do sério, que eu é que acabo me irritando por nunca conseguir irritá-lo como ele faz comigo.
— Você está muito engraçadinha hoje mesmo... — Levanta do banco. — Então, se me der licença, eu vou tomar um banho. Tenho umas coisas para resolver. Boa sorte com suas calcinhas.
Dá uma piscadinha. Eu reviro meus olhos. Não contenho um riso.
Ele não é detestável?
*** Votem ***
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