Erro de digitação

Graças ao babaca do meu vizinho, chego ao banco quinze minutos atrasada, e o gerente já está me esperando. Fischer é um senhor alto e elegante, de cabelos grisalhos bem penteados. Estende a mão para me cumprimentar formalmente.

— Senhorita Bittencourt? — Ele se assegura. Assinto. — Ora, entre. Eu estava esperando mesmo por você.

O chão é de porcelanato marrom escuro. O teto é muito alto, e sustentado por grandes pilastras arabescadas. Tem um grande busto talhado em cobre, bem no centro. Poucas pessoas estão trabalhando em mesas de madeira distanciadas, ele me conduz para uma delas. Eu me sento de um lado, e ele do outro.

— Estou muito satisfeito de saber que escolheu o Banco Biscotti. Por favor, me diga, como eu posso te ajudar hoje?

Encosta as mãos uma na outra, apoiando os cotovelos sobre a mesa. Fica me encarando ansioso pela resposta.

— Eu gostaria de abrir uma conta — falo.

— Claro. — Ele desvia o olhar para o monitor. Digita alguma coisa, e volta a me encarar. — Nós temos excelentes opções de contas de investimento. — Vira o monitor para me mostrar um gráfico, que eu não entendo. — O nosso fundo de renda variável teve uma performance bem acima do mercado, com uma taxa administrativa que...

— Desculpe — interrompo. — É que eu não estou querendo uma conta para investimentos. Estou pensando em algo mais básico, só para gerenciar os gastos cotidianos, receber alguns pagamentos.

— Claro, claro. Bacana. — Ele digita outra coisa. — Temos a nossa conta corrente Privê, onde você tem acesso a atendimento exclusivo, assessoria financeira e, claro, não poderia faltar o cartão Black sem limite, que te proporciona uma porção de benefícios para eventos culturais e hotéis, e tem um excelente programa de pontos que não expiram.

— Parece ótimo.

— Então, vamos de privê? — Assinto. — Bacana. Pode me emprestar os seus documentos, por gentileza?

Um tanto nervosa, junto toda a documentação falsificada e coloco na mesa, me esforçando para não tremer ou fraquejar. Ele vira o monitor, pega os documentos e digita os dados, preenchendo uma ficha. Analisa o meu passaporte.

— Quênia, ãn? — Lê. — Destino inusitado.

— Missão humanitária — explico. Ele assente. O silêncio se estende por alguns instantes, e eu sinto a necessidade de falar mais alguma coisa. — Construímos uma escola em uma comunidade carente. Não tem dinheiro no mundo que pague o sorriso daquelas crianças.

Meu deus! Eu vou queimar no inferno.

— É uma atitude muito bonita — elogia.

Eu concordo. Ele continua a digitar os meus dados. Para, coçando o queixo.

— Não estou encontrando aqui a sua declaração de renda.

— Eu não declaro — solto sem querer. Ele franze o cenho. — Deixo meu dinheiro todo escondido em um paraíso fiscal no Caribe.

Ele entreabre os lábios, os olhos arregalados. Eu solto um riso breve, e ele ri mais aliviado ao perceber que é uma brincadeira.

— É claro que estou brincando — falo. — Eu tenho dezenove anos, então o meu pai ainda me declara como dependente. Estou começando o meu próprio negócio agora, por isso preciso da conta.

Ele assente, satisfeito com a resposta improvisada.

— Uma jovem empreendedora. Isso é muito legal. — Volta a digitar. — Muitas outras jovens preferem se acomodar na segurança financeira dos pais. Posso perguntar em que está investindo?

— No ramo de beleza.

— Beleza? — Ele parece intrigado.

— Maquiagem — especifico.

— Muito bacana mesmo. Com certeza terá muito sucesso.

— Obrigada.

— Então se precisar de um capital para alavancar esse seu novo negócio, nós temos empréstimo a taxas bem acessíveis.

É como se meu olho brilhasse em forma de cifrões. Dinheiro? Claro que eu preciso de dinheiro!

— Taxas acessíveis, é? — Demonstro interesse.

Então ele me apresenta os valores dos juros e das parcelas. Eu não entendo muito de finanças, mas concordo e consigo todo o dinheiro necessário para quitar a minha dívida com Ariana à vista.

— Bacana. Agora eu só preciso tirar uma cópia desses documentos, e... — Ele se levanta, juntando a documentação. De repente seus olhos se perdem em algum lugar atrás das minhas costas. — Ora, ora, senhorita Biscotti. A que devo a honra? — Ele estende a mão, cumprimentando a moça que se aproxima da mesa por trás.

Me viro para encará-la, e nossos olhares se encontram, ambos surpresos.

— Barbie? — Ela pergunta primeiro. Levanto da cadeira, cumprimentando-a com um beijo de bochechas. — O que faz por aqui?

— Eu estou terminando de abrir uma conta.

— Ah! Vocês se conhecem — Fischer, o gerente, intervém. — Que bacana! Bacana mesmo! Jessica, querida, eu...

— Fica tranquilo, Fischer. — Ela sorri para ele. — Pode terminar com a Barbie... Eu espero aqui.

— Eu vou só tirar essas cópias e volto já.

Depois que ele se afasta para ir à máquina de Xerox, eu olho para Jessica outra vez. Ela está usando um vestido de verão floral em seda, que faria Dominique classificá-la na categoria das 'garotas impressionáveis'.

— Nem tive tempo de te ligar para agradecer pelo post no Instagram — digo. — Ajudou muito o meu trabalho. Obrigada, mesmo!

— Não por isso! — Responde muito simpática. — A sua maquiagem foi um sucesso, Barbara. Eu já me maquiei com todos os grandes, e sei reconhecer um talento autêntico quando vejo um. Seu nome vai ganhar o mundo. Você vai ver!

Estufo o peito, orgulhosa de mim mesma.

Fischer retorna, com a papelada em mãos. Não tem uma boa expressão no rosto.

— Desculpa. O sistema identificou uma divergência na sua identificação...

Ele aponta com o dedão para o meu nome no passaporte. "Barbara Bitencourt". Logo na página seguinte a grafia é "Barbara Bittencourt". Amaldiçoo Ariana mentalmente. Que erro grosseiro. Essa não era a "obra de arte da vida dela"?

— Nossa... Tem um erro de digitação! — Me faço de surpreendida. — Eles devem ter errado quando eu pedi uma segunda via.

— Nesse caso, você precisa primeiro ir no departamento do Governo, e solicitar essa correção, para que eu possa liberar seu empréstimo.

Faço uma expressão quase desesperada.

— Não consegue me ajudar com isso? — Peço. — É só um erro de digitação.

— Infelizmente...

— Libera o dinheiro dela, Fischer — Jessica interrompe. Fico surpresa com a influência que ela tem aqui dentro para alguém que jura "não levar jeito". — Está na minha responsabilidade.

— Claro, bacana. — O gerente concorda, mesmo parecendo desconfortável com a situação. Dá alguns passos para trás. — Só um instante, eu vou resolver isso agora mesmo.

— Jessy, sério. É muito gentil da sua parte, mas não precisa, eu não quero que se complique por minha causa.

— Relaxa, Barbara. Não é nada demais. — Ela toca o meu ombro com gentileza. — Mas empréstimo? Vai ter que me contar o que aconteceu com a sua grana.

— Eu estou investindo em algumas coisas e... — Ela não parece nem um pouco convencida.

— Os seus pais cortaram? — Indaga. — Por causa do lance com a maquiagem?

Eu pressiono os lábios.

— É... Mais ou menos isso — minto.

— Eu entendo, tá? Não vou julgar. Te contei que a mesma coisa aconteceu lá em casa com o meu irmão? É por isso que eu estou aqui. Quero descobrir com o Fischer se papai realmente cortou todo o dinheiro do Jack. Estou preocupada em como ele vai se virar sem isso. A situação está tão difícil, você não faz ideia.

— Se eu puder fazer qualquer coisa para ajudar — me disponho. — Você me ajudou demais hoje, sério. Obrigada!

— Não por isso! A gente precisa marcar de tomar aquele drink qualquer hora. Posso convidar o Jack, aposto que ele ia adorar te conhecer.

— Isso seria ótimo — concordo.

— Essa semana está uma loucura com as coisas do noivado, mas eu te ligo na semana que vem e a gente marca.

— Mas me liga mesmo!

*** 

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