Epílogo - parte 2/2 - FINAL

Chegamos ao evento tarde. Todas as pessoas já estão acomodadas, então Kenny e eu atravessamos o salão de mãos dadas, entre o labirinto de mesas redondas, todas recobertas com toalhas brancas, flores e porcelanas caras.

Sarah Palmer está em pé no palco com um microfone dourado em mãos. O novo corte de cabelo, curtinho, ressaltou o formato estreito do seu rosto, e ela veste uma saia preta justa. É a sua primeira vez como anfitriã, e a minha primeira como convidada da premiação Frida Kahlo — um evento que celebra e premia anualmente as mulheres que se destacam no meio artístico.

Nós nos falamos pelo telefone na semana passada, e eu sei o quanto a minha amiga está animada por fazer parte disso. Eu também estou. Acho que eu nunca estive tão ansiosa. De um jeito bom. De um jeito muito bom!

— Aquela é a Pat McGrath? — Murmuro apertando a mão de Kenny com força.

— Eu não faço ideia. É?

— É! É ela! Droga! Acho que esqueci o que eu tenho que falar.

— Fica calma, gatinha. — Ele aperta a minha mão, rindo brevemente. — Vai dar tudo certo. Você treinou para isso o mês inteiro.

— Mas na frente do espelho é diferente do que na frente de centenas de pessoas.

— Você vai tirar de letra. O meu público no Harvey te adora. Todo mundo aqui vai te adorar.

— Barbie! — O meu nome é chamado.

Ao virar, me deparo com Kyle Molina. Eu sorrio. Ele se aproxima e me cumprimenta com um beijo na bochecha.

— Quanto tempo! O que você está fazendo aqui?

— A embaixatriz da fofoca me convidou. — Aponta com o polegar para o palco. — Nós somos amigos. E você? Por onde andou, sumida?

— Trabalhando muito — conto.

Trabalhar é basicamente o que eu tenho feito pelos últimos oito ou nove meses. Não só com maquiagem. O processo contra Christian Colvin sugou a minha alma por mais de um semestte, mas valeu a pena porque ele perdeu a patente, pegou alguns meses de detenção e ainda está proibido de chegar a menos de 250 metros de distância de mim.

Também tenho usado o meu tempo livre para me envolver ainda mais nas causas em que acredito. O #NãoSilencieAsMulheres cresceu e se tornou um abaixado assinado, que cresceu e se tornou um projeto de financiamento coletivo para ajudar mulheres em situações vulneráveis a romperem o ciclo do silêncio e saírem de relacionamentos abusivos.

— A gente devia sair qualquer hora — Kai fala.

Kennedy chega mais perto, colocando a mão ao redor da minha cintura enquanto me envolve por trás. Eu rio brevemente. Ele tem um jeito carinhoso de demonstrar ciúme, que não me incomoda nem um pouco. Acho engraçadinho, como quase tudo nele.

— O meu namorado, Kennedy — apresento. — Meu amigo, Kyle Molina.

Os dois se cumprimentam com um apertar de mãos.

— Espera! Você não é o cara que posta vídeos de mágica?! — Reconhece.

Eu encaro o meu homem, com os olhos brilhando de orgulho. Sorrio. Celebritoso, penso.

— Ele é sim!

— Você tem que me ensinar aquele truque da camisinha... — pede. — Aposto que faz o maior sucesso com as garotas.

— Faz sim. — Kenny me dá uma piscadinha irritante, depois olha para Kai. — É fácil. Você só tem que preparar o truque antes. Vai precisar de um baralho, e...

Quando ele começa a explicar, a minha mente se dispersa. Já o vi repetir esse truque uma dezena de vezes. Presto atenção na Sarah, que está apresentando uma das categorias.

— Ao longo de toda a sua carreira, essa mulher se provou um exemplo de talento, empreendedorismo e sucesso. Com apenas vinte e um anos, desenvolveu sua primeira coleção de roupas. Aos vinte e dois, ganhou destaque na passarela do New York Fashion Week. Aos vinte e quatro, foi eleita a Estilista do ano pela revista Vogue. — Faz uma pausa de suspense, encarando a plateia. — Quando todo mundo pensou que ela não pudesse se superar, no último ano, ela provou o contrário. Por meio de seu instituto filantrópico Baski, ela arrecadou mais de 100 milhões de dólares para caridade e revolucionou a indústria da moda. Sua primeira coleção 100% sustentável e socialmente consciente foi produzida em comunidades carentes da Índia, promovendo renda para famílias em situações de vulnerabilidade e milhares de empregos na cadeia produtiva.

Meus olhos varrem o salão procurando por Dominique.

— Eu tenho o prazer de entregar o prêmio de "Mulheres que Causam Impacto" para a Estilista e Influenciadora Dominique Baski!

O ambiente se preenche com uma salva de aplausos altos. Eu finalmente encontro Mini, que faz uma reverência ao se levantar da mesa para se dirigir ao palco. Ela está usando um conjunto social branco, bordado com pedrarias, os cabelos lambidos para trás com gel.

Nossos olhares se encontram na metade do caminho, e ela me lança um sorriso discreto.

"Parabéns!" falo de longe, mesmo que o ambiente esteja barulhento demais para que ela possa escutar.

Em seu longo discurso de agradecimento, Dominique conta sobre a sua jornada, citando alguma das pessoas que fizeram parte e tornaram esse sonho possível. Dentre dezenas de nomes citados rapidamente, o "Barbara Vazquez" pode até passar despercebido por ouvidos mais desatentos, mas eu percebo e abro um sorriso largo.

— É sua vez? — Kenny pergunta.

— Ainda não. Podemos nos sentar?

Ele assente.

Ao mesmo tempo em que encontramos as nossas cadeiras, Mini conclui seu discurso dizendo que está ciente de todos os problemas em seu país de origem, mas que ainda o ama e sempre vai lutar por ele. Desce do palco sob outra salva de aplausos, ainda mais ostensiva do que a primeira, deixando Sarah reassumir o palanque.

— Barbie, quem diria que nos reencontraríamos em um evento desses. — Mini me encontra e me cumprimenta com um abraço breve. Não temos nos falado muito desde que a bomba estourou. Não existe raiva ou inimizade entre a gente, apenas "tempo" e "espaço" que foi o que ela disse que precisava.

— Pois é. Grande dia! — Falo. — A propósito, meus parabéns! Você merecia esse prêmio mais do que qualquer pessoa.

— Ai meu deus! — Alguém surge de trás, passando os braços pelo ombro do meu namorado. É Jessy. Ela veste um longo preto com estampa de flores e parece um pouco embriagada e animada. Deixa a taça de espumante na mesa, se juntando a nós. — Não acredito que três das minhas pessoas favoritas estão juntas nesse evento hoje. Jack, você está um gato. O que fez no rosto?

— Gostou? É contorno. — Ele ri, convencido. — Barbie disse que ressalta o formato dos meus ossos.

— Ficou bom, mas tem um borradinho aqui.

Ela lambe o polegar e passa pela sobrancelha do irmão. Kenny solta um grunhido, se esquivando. Fala para mim:

— Desculpa por isso. Jê adora me tratar igual criança.

Eu dou risada.

Em todas as vezes que tive a oportunidade de passar algum tempo com esses dois, eu percebi o quanto Jess é apaixonada por ele. A típica irmã que faz de tudo pelo caçula, e ainda mais um pouco. Acho essa relação fofa.

O apelido "Jack" veio da infância, quando Jessy não conseguia pronunciar o nome complicado do irmãozinho — Kennedy Williams Biscotti — e acabou se tornando definitivo.

— Me respeita que eu sou a mais velha!

Entre risos baixos e piadas internas, nós continuamos conversando por mais algum tempo. Dominique parece finalmente disposta a deixar o passado para trás, e ter um recomeço sincero na nossa amizade, tanto que fica na nossa mesa quase o tempo todo.

Já estamos aqui há mais de uma hora quando Sarah finalmente me anuncia.

— Para entregar o próximo prêmio, eu gostaria de convidar ao palco ela que sempre tem alguma coisa a dizer, Barbara Bittencourt!

Uma salva de palmas. Todas as pessoas ficam em pé. Kenny toca a minha cintura me empurrando discretamente.

— Gatinha, é sua vez.

Eu levanto da cadeira Tiffany. Caminho com cuidado até a frente do público. Sarah afasta o microfone da boca e pergunta: "Pronta?". Faço que sim, mesmo que eu não tenha certeza de nada.

Com as mãos trêmulas, agarro o microfone dourado, ajustando a altura. Encaro a plateia gigantesca, preenchida de pessoas importantes e isso me deixa um pouco nervosa. Pigarreio uma vez. Não quero esquecer de nada.

— Eu não sei vocês, mas quando eu tinha dezessete anos, eu gastava a maior parte do meu tempo pensando em garotos — começo. — Não que eu esteja muito mais velha agora, ou tenha parado de pensar neles.

Faço uma pausa para as risadas, mas ninguém está rindo, e agora eu me amaldiçoo por ter deixado Kennedy me convencer de que eu precisava de uma piada para "quebrar o gelo". Meus olhos encontram os dele na plateia. Ele faz um "joia" para dizer que estou indo bem.

— Brincadeira a parte — prossigo. —Uma coisa que eu, com certeza, não estava fazendo aos dezessete anos era mudar o mundo. A adolescência é uma fase de descoberta, e algumas descobertas podem ser bem legais, tipo o primeiro beijo, o primeiro amor, a primeira vez... — Ouço um burburinho se espalhar pelo salão. — É. Todo mundo aqui já passou por isso. — Rio brevemente. — Mas algumas descobertas podem não ser tão divertidas. Se você é uma garota de dezessete anos, você vai necessariamente descobrir algumas coisas bastante frustrantes sobre ser mulher.

O seu gênero vai fazer alguns homens assumirem que podem tomar decisões sobre a sua vida e o seu corpo. Vão tentar decidir o que você veste, o que você faz e o que você fala. E você vai descobrir que, se quiser ser aceitar na sociedade patriarcal, você precisa se encaixar num modelo de "feminilidade" esculpido por eles.

"Boas garotas" devem ser inteligentes, mas nunca expressar opiniões fortes demais. Devem ser educadas, sorrir mesmo sem vontade, e nunca, em hipótese alguma, devem questionar o modelo em que foram inseridas.

Aos dezessete anos, os homens querem que você aprenda a abaixar a cabeça e a acatar. Aos dezessete anos, eles não querem que você reconheça injustiças, comece um movimento, ou que exija mudanças que você sabe que são necessárias. Aos dezessete anos, eles vão tentar te calar de todas as formas, então você tem que ter muita coragem para romper o silêncio.

É por isso que essa noite, eu tenho o prazer de apresentar o prêmio "Mulheres que Quebram Regras" para a atriz multitalentosa, Mima Barkov, que, com apenas dezessete anos, desafiou as expectativas tradicionais da indústria e deu um pequeno-grande passo na luta feminina pela igualdade entre os gêneros.

Acompanhada pela plateia estrondosa, eu aplaudo e sorrio enquanto a jovem garota levanta da sua mesa e vem em direção ao palco, fazendo paradas no caminho para abraçar uma pessoa e outra. Está elegante em um vestido branco de mangas bufantes, um coque alto e um grande brinco precioso pendendo das orelhas. Ela me abraça primeiro, e eu digo:

— Você vai ganhar o mundo! Meus parabéns!

— Obrigada!

Em seguida ela abraça Sarah, que lhe entrega a estatueta transparente em forma de um corpo feminino. Mima olha para o prêmio, depois olha para a plateia, emocionada. Em seu discurso de vitória, breve, porém marcante, faz uma reverência a todas as mulheres mais velhas, que vieram antes e prepararam o caminho para que ela pudesse estar aqui hoje.

— Toda vez que uma mulher pode votar, ou trabalhar recebendo um salário justo, ou ganhar um prêmio desses... — Ela exibe o seu troféu. — Isso é um esforço de todas nós, em conjunto.

O público aplaude ruidosamente. Eu estou sorrindo, encantada com o poder das palavras dessa garota, me sentindo honrada por simplesmente estar em pé aqui, ao seu lado, assistindo de perto esse momento icônico da história.

— Mas tem uma mulher em especial, aqui nessa sala. — Mima olha para mim. — Sem cujo o apoio, nada disso seria possível. Ela é uma artista genial, uma empreendedora nata e a mulher que inspirou milhares de outras mulheres ao redor do mundo a quebrarem o silêncio e clamarem por mudanças. Acho que seria mais educado da minha parte levar esse prêmio para casa, mas, Barbie, quem merece ficar com ele é você.

Quando estende o troféu em minha direção, eu travo, levando a mão até a boca.

— O quê? — Ela sorri. Meus olhos estão arregalados. O público está aplaudindo.

Já viveu algum momento que de tão mágico e surreal mais parecia uma memória? As luzes do holofote são muito claras e reluzem no cristal translúcido da estatueta, fazendo tudo parecer um sonho bom. Seguro o prêmio, que pesa bem mais do que eu imaginava, e é tão lindo! Meus olhos ficam inundados. Mima me abraça.

Essa honraria não é minha. Nem dela. É de todas as mulheres que desafiam o sistema todos os dias. As que vieram antes da gente, e as que vierem depois. Nós inspiramos elas, e elas inspiram a gente. É assim que o ciclo funciona. É assim que lutamos e é assim que vencemos: De mãos dadas.

Não existe uma vencedora ou uma premiada. O troféu é um mero detalhe. Quando lutamos juntas, a vitória é de todas nós.



Fim



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Nota final:

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