Christian-não-Grey

Aquela voz grave me gritando para ficar "parada aí" consegue me carregar para um momento específico do passado. Descobri que odeio ter flashbacks, mas também que não consigo me impedir de vivenciá-los. No instante em que eu me viro para atender ao chamado, é como se eu houvesse sido sugada por uma máquina do tempo, mastigada, triturada, e cuspida exatamente no dia em que eu e o Chris nos conhecemos.

— Paradinha aí! — Ele gritou bem no meio do corredor largo do shopping, e eu obedeci imediatamente.

É claro que eu sabia que aquela ordem seca era destinada a mim. Tinha um frasco de batom Guerlian vermelho no bolso da minha jaqueta pelo qual eu não havia pago, e eu assumi que ele tinha me visto colocá-lo ali.

— Não me entenda mal, moça, mas acho que eu vou ter que te revistar. — Ele sorriu, e é claro que foi de um jeito malicioso.

Ah! Aquele sorriso cheio de ruguinhas nos cantos da boca...

O único motivo pelo qual Christian Colvin nunca se tornou presidente desse país é porque ele não sorri com tanta frequência — e também porque nunca se interessou por política. Mas eu juro que ele conquistaria qualquer coisa que quisesse com aquele maldito e maravilhoso sorriso.

Me conquistou, por exemplo.

Naquele exato instante.

Parada bem no meio do corredor do shopping, com uma sacola na mão e um batom roubado no bolso, eu me esqueci completamente que eu estava sendo enquadrada por um crime. Tudo que eu conseguia ver era um policial negro, sarado e lindo dentro daquele uniforme azul marinho, e — sem querer — eu sorri também, mordi meu lábio inferior.

— Desculpa — fingi. — Eu posso te ajudar policial... Colvin?

Eu li o sobrenome na plaqueta de metal pregada em seu peito largo.

— Chris — ele me corrigiu. Deslizou os dedos pela cabeça raspada à máquina exibindo os músculos de academia do seu braço. Acho que esqueceu completamente que estava me enquadrando por um crime também.

— Barbie — eu me apresentei.

Não estendi a mão. Ela ainda estava fechada sobre o batom furtado em meu bolso. Eu estava tensa.

— Barbie — ele experimentou com cuidado, como se meu nome fosse uma sobremesa que ele precisasse provar uma colherada antes de comer de verdade. Eu fiquei olhando a maneira lenta com que seus lábios grossos se moveram saboreando cada sílaba feito uma bala. — Barbie... — Repetiu, e seus olhos castanhos me inspecionaram com cautela. — Como a boneca, certo?

— É. Como a boneca — concordei.

Ele sorriu. Maldito sorriso. Eu nem conhecia ele, mas a única coisa que eu tinha vontade de fazer era provar o gosto dos lábios grossos que ele usava para saborear meu nome com tanto prazer.

— Então, boneca, acho que a gente tem um conflito de interesses aqui. E isso pode ser um problema. Você não acha?

— Eu não faço a menor ideia do que você está falando, Chris — fingi.

Um sorriso travesso escapou dos meus lábios. Ele sabia que eu estava mentindo, sabia do meu segredo sujo, e isso, de alguma maneira, tornava tudo mais excitante.

Excitante... Era essa a palavra.

Eu conhecia aquela excitação de quando eu furtava, ou de quando eu — sozinha no meu quarto — lia as cenas mais picantes dos meus livros favoritos. Mas eu não estava no meu quarto. Estava em público, com pessoas passando ao meu lado o tempo todo, e ele nem tinha colocado a maldita mão em mim para causar esse efeito.

Como ele tinha feito aquilo?

— Estende a mão —ordenou.

Não foi um pedido, e eu obedeci sua ordem prontamente. Arranquei as mãos do bolso da jaqueta e estendi com as palmas abertas para frente. Vazias. Me rendendo. Chris sorriu. Se aproximou um passo, depois outro, lentamente.

— Tudo bem se eu checar o seu bolso, boneca? — Pediu.

Eu deveria, mas, anestesiada pela sensação que ele me causava, não fui capaz de impedir. Eu só queria que ele chegasse mais perto de mim. E chegou. Enfiou as mãos no bolso da minha jaqueta e soltou um suspiro frustrado com o que encontrou lá dentro.

— Você não pagou por isso. Pagou?

Seus olhos castanhos encaravam os meus indagativos, a uma proximidade perigosa.

— Já estava comigo quando eu entrei — menti.

— Você tem sorte de ser bonita demais para eu querer te deixar apodrecer na cadeia.

— Isso quer dizer que vai me deixar ir embora?

— E qual seria a graça de fazer isso? — Ele soltou um riso breve.

— Sei lá... Qual seria a graça de me prender? — Devolvi.

Chris deslizou a língua lentamente pelo lábio inferior espesso, sacodiu a cabeça como quem tenta afastar uma ideia proibida. E eu sei muito bem no que ele estava pensando naquele momento. No mesmo que eu.

Ou não.

Ele provavelmente não imaginou um quarto vermelho, e todo aquele aparato que me veio a mente. Aquilo pertencia ao meu Christian da ficção, não a ele.

— Eu vou te dar um conselho, boneca: Não brinca com a imaginação de um homem desse jeito. Tem muitas coisas cruéis que algum pervertido podia pensar em fazer com você.

— E você é um pervertido? — Precisei perguntar. Torci para a resposta ser positiva, porque eu também não era nenhuma santa quando se tratava das coisas que eu podia me imaginar fazendo com ele.

— Só para deixar claro. — Ele levantou uma sobrancelha, sério. — Me provocar não vai limpar a sua barra, Barbie.

— Poxa. — Eu fiz um beicinho. — Quebra essa para mim, Chris. É só um batom. Não é como se eu tivesse assaltado a casa da moeda da Espanha.

Ele mordeu o lábio inferior para conter um riso curto de escapar. Precisava manter aquela pose séria. Ele ainda estava fazendo o seu trabalho, e seu trabalho era me ferrar.

— Você é bonita, engraçada e assiste bons seriados. Tem mais alguma qualidade sua que eu deva saber para não ser pego de surpresa da próxima vez?

— Eu beijo bem — provoquei.

E foi nesse instante em que eu ganhei o seu coração de uma vez por todas. E eu sei disso porque ele deixou um suspiro de rendição escapar entre os lábios, entregando a luta.

— Quer saber? Eu vou pagar por esse batom — disse. — Considere um presente meu para você.

— Sério?

Ele concordou.

— Mas com uma condição.

— Qual?

— Tô afim de saber qual é o gosto dele. — Foi a vez do Chris provocar.

Um sorriso safado se desenhou só no canto esquerdo dos seus lábios, que eu estava quase desesperada para beijar, e teria feito ali mesmo. Meu coração estava em disparada.

— Chris, Chris... — Meus dedos se enroscaram à gola da sua camisa, puxando-o para um pouco mais perto. — Se você está tentando ensinar a uma garota que o crime não compensa, você está fazendo isso errado.

Dei risada. Ele riu também.

— O meu turno acaba em... — Encarou o relógio de pulso. — Trinta minutos. Posso encontrar você no portão B?

Sacodi os ombros, frustrada. Não queria esperar trinta minutos, mas faria isso por ele. Por um beijo dele.

— É melhor você não se atrasar — falei empurrando seu corpo para longe.

E foi assim que um batom roubado colocou Christian-não-grey no meu caminho. Mas, claro, uma saia de mil dólares não é um batom vermelho da Guerlian. E, claro, um segurança de meia idade com a cintura arredondada não vai ser o próximo amor errado da minha vida.

— Algum problema? — É a Dominique quem pergunta para ele, levantando uma sobrancelha.

— Posso ver as sacolas moça? — A pergunta vem dirigida a ela.

— Você tem uma ideia de com quem está falando? — Minha amiga parece muito mais ofendida do que eu.

— Tudo bem, Mini — tento acalmá-la. — Ele só está fazendo o trabalho dele.

E eu sei que estou bem ferrada, mas a julgar pelas minhas experiências prévias sempre é mais fácil contornar a situação sem armar um escândalo. Sendo assim, eu obedeço e estico a minha bolsa em sua direção, tentando disfarçar que minhas mãos estão trêmulas e suando frio de nervoso.

Tem uma maldita saia de mil dólares ali dentro.

— Não! — Mini a puxa da minha mão. — Você não precisa fazer isso, Barbie! Você não tá roubando nada!

— É só um procedimento padrão — o segurança tenta se justificar, ainda querendo a minha bolsa, agora na posse dela.

Por favor, não abra. Por favor, não abra. Por favor, não abra. É a única coisa em que eu consigo pensar.

— Engraçado. Qual é o procedimento padrão de vocês? O teste do papel pardo? Porque se o problema é com a cor da minha pele, eu posso ligar já pro meu advogado. — Ela vai sacando o celular, irritada.

— Desculpe, senhorita, eu não quis causar nenhum constrangimento, é só...

— Chama a sua gerente — ela ordena.

Sério, Mini? — Pergunto constrangida e assustada. — Isso não é necessário. O cara só tá fazendo o trabalho dele.

— Claro que é necessário. Você não está entendendo o que está acontecendo aqui. Isso é racismo, Barbie. Talvez seja algo novo para você ser abordada por seguranças de loja, mas não é a primeira vez que me acontece.

Eu me encolho. Não é a minha primeira vez também, mas eu dei bons motivos para ser suspeita quando aconteceu. Já passei despercebida uma centena de vezes. É horrível pensar que isso acontece com ela só por causa da sua etnia. E aperta o meu estômago pensar que se o gerente aparecer e descobrir as roupas furtadas na minha bolsa, esse tipo de racismo estrutural vai parecer justificável aos olhos de algumas pessoas. Não posso deixar isso acontecer.

— O gerente está em horário de almoço. Se as senhoritas puderem aguardar...

— Mini... É sério. Não precisa de nada disso. Ele não vai mais importunar a gente, vai? — Olho firme para o homem uniformizado, que parece mais assustado com a possibilidade de a gerente aparecer do que eu. Cedendo, Mini arranca um cartão de visita da carteira e entrega para ele.

— Dominique Baski — se apresenta. Ele treme ao ouvir o poderoso sobrenome indiano. — Pede para o seu gerente ligar para mim. Vamos resolver isso com os advogados. Eu estou totalmente ofendida com o tratamento que recebi nessa loja. Chega! Vem, Barbie! Vamos embora daqui.

Então me puxa pelo braço esquerdo e — ao contrário do que teria acontecido se eu não estivesse com ela ao meu lado — ninguém se move para nos impedir.

Barbie x 2.

Homens da lei x 0.


***

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