Cena de crime
Inspirada por Dominique, desmonto o meu guarda-roupa. Acho que eu também preciso doar algumas peças. A maior parte das coisas que eu roubei nunca foram sequer usadas. Ainda estão com etiqueta, sendo colecionadas. Vou separando tudo que eu não pretendo usar em caixas.
Em uma das gavetas, encontro aquele colar de "B" em ouro cravado com diamantes que peguei na casa de Jessica. Ela tem sido tão legal comigo desde que nos conhecemos, sinto uma coisa na boca do estômago que eu classificaria como "remorso", mas talvez seja apenas fome.
Faço uma pausa para comer uma salada de frutas frescas, em seguida termino a arrumação. Vejo o colar novamente. Me pego perguntando se é muito valioso. Não pensei no valor dele ao pegar, eu só... peguei. É difícil explicar.
Eu não deveria, mas... Droga! Preciso saber o valor dele. Prendo o colar no pescoço, e enfio por debaixo da blusa rosa. Peço um carro pelo celular, e desço as escadas do meu prédio rapidamente. Fico esperando na porta.
Cinco, dez, quinze minutos. Nada. A tarde está quente, então fico na sombra de uma árvore. Checo o celular, e o motorista parece estar preso no trânsito do centro. Vai demorar uma eternidade. Olho para um lado, olho para o outro, impaciente. É quando vejo a Mercedes 1958 se aproximar, descendo a rua. Kennedy estaciona junto da guia, bem em frente ao portão. A capota conversível abaixada.
Está tocando Good as Hell nos autofalantes chiados. Ele abaixa o volume, apoia o braço sobre a janela, e me encara com um sorriso entre a barba.
— Precisa de uma carona, Barbie?
— Sua? — Ergo uma sobrancelha. Ele assente. Ainda me lembro da última vez que ele fez essa mesma oferta, para depois me deixar comendo poeira. — Não, obrigada.
Kennedy dá risada.
— Não estou blefando. — Ergue as mãos em um gesto de rendição. — Juro.
— Você está sempre blefando — rebato. — Com seus truquezinhos meia-boca de ilusionismo.
— Meia boca? — O mágico parece ofendido. — Se eu bem me lembro, você estava toda interessada em descobrir meus segredos na outra noite.
Reviro os meus olhos, cruzando os braços. Não vou ceder.
— Vai, para de ser orgulhosa e entra logo no carro.
— Obrigada. Não preciso de um favor seu, mágico. Vou esperar o táxi.
— É uma oferta de paz, Barbara — insiste. — Te deixei na mão naquela noite no Harvey's, é o mínimo que eu posso fazer para te compensar.
Pondero.
É verdade que ele me deixou na mão. Checo o aplicativo, o motorista ainda está tão longe. Clico para cancelar a corrida. Droga! Dou a volta no carro, e Kenny sorri, abrindo a porta do carona pelo lado de dentro.
— Mas só para constar, isso não é um favor — esclareço enquanto vou entrando. — É o troco pela outra noite.
— Claro, Barbie. — Ele ri.
— Estou falando sério. — Passo o cinto de segurança. — Não vou ficar te devendo nada.
— Nem um beijo? — Me provoca.
— Muito menos um beijo!
— Você é quem sabe... — Dá risada. Vira o volante, e acelera, avançando para a pista. — Então para onde estamos indo?
— Só vai andando — ordeno.
Abro o mapa do meu celular, e vou ditando:
— Vira aqui... Fica na pista do canto. Isso... A direita na próxima... Não! — Ele vira o volante rápido, e levamos uma buzinada. — Não nessa! Na próxima!
— Dá para você olhar esse mapa direito? — Reclama. — Quase me fez bater a Mirtes. Sabe quanto custa o conserto de um carro desses?
— Desculpa! — Rio. — É ali na frente, pode parar.
Ele dá seta, e encosta junto da guia, um pouco depois da joalheria. O letreiro luminoso vermelho pisca "compramos ouro".
— Vou te esperar aqui — Kennedy diz assim que eu abro a porta.
— Não precisa. Eu não sei se vai demorar. Peço um Uber depois.
— Eu não tenho nenhum compromisso. — Ele sacode os ombros. Aumenta o volume da música. Heartless está tocando agora, Kenny balança a cabeça no ritmo da canção e me encara cantarolando a letra sobre ser um sem-coração.
Eu dou risada.
— Você é ridículo. — Bato a porta, virando os olhos. — Já volto.
Entro pela portinha estreita de vidro, fazendo ressoar um sino. Não é uma joalheria sofisticada, pelo contrário. É bem pequena, estreita e funda, como um corredor. As joias ficam expostas nas vitrines de vidro. Caminho até o fundo, onde um senhor de idade me atende no balcão.
— Pois não?
Ele usa óculos de grau, e tem cabelos muito brancos e bagunçados, como um cientista maluco. Eu puxo a corrente do pescoço. Solto a presilha, e coloco sobre o balcão de vidro para mostrar.
— Eu quero saber quanto vale esse colar — digo.
Ele pega.
— Tem muita pedra — nota estreitando os lábios. — São diamantes?
— Acho que sim.
O joalheiro usa um monóculo para examinar mais cuidadosamente. Vira de um lado, de outro.
— Parecem bastante autênticos — decide. — É uma joia de família?
— Mais ou menos — minto.
Balança a cabeça. Raspa a pequena data cravada no ouro com a unha. Decide:
— Posso pagar quinze.
— Quinze... Quinze mil? — Gaguejo, sem conseguir disfarçar a surpresa.
— É minha proposta final mocinha.
O telefone toca, e ele se vira para atender. Penso "caraca, eu não devia ter feito isso". Quinze mil? É muito dinheiro! Meu coração está acelerado. Vejo todas as joias na vitrine dele. 1, 2, 3, 4 mil. QUINZE? Quinze é muita grana!
— E então? Vamos fechar negócio?
Quinze mil? Ainda estou assimilando. É uma proposta tentadora, mas...
— Você teria que apresentar as certidões, claro. Não compramos mercadoria roubada.
— Quer saber? Obrigada!
Pego o meu colar, e saio da loja em passos urgentes. Meu coração nunca bateu tão rápido.
— Espera! — Ele grita, mas eu não paro para saber o que tem a dizer.
Entro no conversível parado há alguns metros dali. Kennedy está distraído com uma música da Dua.
— Anda! — Mando.
Ele me olha, reclina a cabeça no banco. Parece ficar parado de propósito só para me irritar.
— Não passou o cinto — nota.
Eu puxo o cinto de segurança, rápido. Prendo. Olho para trás. O joalheiro não saiu da loja atrás de mim, não tem nenhuma sirene tocando, mas ainda me sinto a fugitiva de uma cena de crime.
— Anda! Vai! — Minha voz soa como uma súplica.
Calmamente, ele dá seta e entra na pista. Parando logo em seguida por causa do semáforo vermelho. Isso é piada?
— Eu só vou falar uma vez, Kennedy: Acabei de roubar aquela joalheria. Se você não pisar, nós dois vamos ser presos hoje.
— VOCÊ O QUÊ? — Me encara com os olhos arregalados.
— Só vai!!! — Mando uma última vez.
Sem questionar, o mágico acelera, avançando o semáforo vermelho. Faz uma curva rápido, segue costurando o trânsito em velocidade, até estarmos na via expressa. O vento bagunça o meu cabelo. Quando estamos longe o suficiente, eu me pego dando risada alta.
— Você é maluca? — Soa nervoso.
— Relaxa! Não roubei a joalheria, era brincadeira. — Rio.
— Que merda de brincadeira é essa?
Chacoalho os ombros.
— Relaxa.
Kennedy sacode a cabeça em negação. Mesmo visivelmente irritado, um riso escapa dos lábios.
— Você é maluca.
Dessa vez não está perguntando. É uma decisão.
Aperto o colar entre os meus dedos. Kennedy está distraído, dirigindo, então eu espio a joia. Parece bastante autêntica, o joalheiro disse. Talvez valha bem mais do que ele ofereceu. Isso me deixa nervosa.
— O que é isso? — Kenny pergunta.
— Nada. — Escondo fechando o punho.
— Não é "nada" — ele contesta. — É alguma coisa. Deixa eu ver.
Solta uma mão do volante para pegar a corrente da minha mão. Eu balanço a cabeça.
— É só um colar que eu queria vender na joalheria — digo.
Dirigindo, ele apenas espia a joia e parece levar um susto. Freia com tudo, encostando o carro no acostamento. Olha o pingente bem de perto.
— Puta merda! Onde você arrumou isso, Barbie?
— Não importa! — Tento puxar o colar de volta, mas ele ainda está olhando. — O joalheiro disse que não é autêntica.
Kenny franze o cenho. Passa a unha sobre a pedra maior.
— Tem certeza? — Assinto. — Ele parece bem real para mim.
— E desde quando você entende de diamantes? — Ergo uma sobrancelha.
— Eu não... Eu só... — Ele se interrompe. Examina o verso do colar, passando a unha no exato lugar da data cravada. Droga! Ele sabe reconhecer uma joia autêntica.
De repente, entendo.
— Espera! Você era um ladrão de joias!
— O quê? — Me encara.
— O dinheiro que você disse que tinha, o mafioso atrás de você no Harvey's, sua condicional... — explico. — Você negociava joias roubadas?
Kennedy ri.
— Não. Eu não negociava nada roubado, Barbara.
Solto um grunhido. Ainda vou descobrir o segredo obscuro que eu sei que ele guarda. Puxo o colar de volta.
— Não posso dizer o mesmo de você. Onde arrumou isso?
— Foi presente — minto. — Por que importa?
— Presente de quem?
— De um ex — minto outra vez. Que curioso. — Podemos ir agora, por favor?
— Tá. — Assente. — Para casa?
— Para casa — concordo.
Ele obedece. Durante todo o percurso, fica muito mais silencioso e disperso do que o padrão que eu estou acostumada vindo dele. Seus dedos tamborilam no volante, ansiosos. Apenas me deixa na porta do nosso apartamento, mas não desce. Diz que precisa resolver algumas pendências.
— Obrigada pela carona — falo.
Pego a chave na minha bolsa para abrir o portão. Kenny fica parado me assistindo entrar. Já estou do lado dentro quando ele me chama:
— Ei, Barbie! — O encaro, esperando que diga algo importante. — "Obrigada" nada. Fica me devendo uma!
Eu dou risada.
Detesto ele!
***
Votem!!!!
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