Casamento arranjado
Com a agenda atolada de trabalhos, a semana passa voando e eu mal vejo. Na quarta-feira estou no Uber a caminho de casa, quando recebo uma ligação de Jessica Biscotti.
— O que acha de a gente sair para beber amanhã?
Eu checo a minha agenda rosa-chiclete.
— Tenho uma cliente à tarde, mas se for depois das oito, eu dou um jeito — respondo.
Ela comemora.
— Eu consegui convencer o Jack a ir também. Não quero bancar o cúpido nem nada, mas acho que vocês fariam um match perfeito.
— Aposto que seu irmão é ótimo, Jess, mas eu devo avisar que eu tenho um dedo muito podre para homens.
— Você vai gostar dele — garante.
***
Estou nervosa.
Jessica marcou nosso encontro no restaurante Paris, que é um dos mais nobres de toda a cidade, onde as pessoas normalmente vão trajadas com roupas de gala e gastam milhares de dólares numa só noite.
Envolvida na toalha de banho, eu encaro o meu guarda-roupa aberto, mas não encontro nada que pareça apropriado. Reviro a minha gaveta de lingerie mas não encontro a minha calcinha rosa da sorte que sempre uso para ocasiões importantes. Acabo tendo que me contentar com uma branca, mas isso é sinônimo de azar. Essa noite tem tudo para dar errado.
Sobre as roupas, não quero usar algo provocante demais, que me faça parecer desesperada por uma transa. Nem nada romântico demais que me faça parecer inocente. Depois de experimentar várias peças que se espalham pela minha cama, acabo optando por um cropped top de cetim rosa-pink, acompanhado de saltos altos e uma saia midi preta, com uma fenda na lateral, que me deixa simultaneamente elegante e sensual.
Delineio o côncavo com um risco rosa, e uso batom da mesma cor. Meus cabelos loiros caem em ondas soltas pelo ombro. Estou um pouco adiantada, mas já tive problemas com o táxi antes, então peço o motorista e dou uma ajeitada na casa para então descer e esperar no portão.
A rua sempre fica escura e vazia a esse horário, então fico olhando para os lados enquanto aguardo recostada no muro, com os braços cruzados. Já faz dez ou quinze minutos que estou esperando, quando o portão de ferro abre outra vez.
Olho. É Kennedy saindo com seu smoking. Hoje não é dia de show, pelo menos não no Harvey's.
— Uau! Que gata! — Ele pisca para mim com um sorriso debochado enquanto fecha o portão. O cabelo mais penteado do que o normal. — Se eu já não tivesse compromisso essa noite, até te chamaria para sair.
Eu reviro os meus olhos.
— E se eu já não tivesse compromisso, ainda assim recusaria o seu convite!
Ele ri. Pega a chave e abre a Mercedes conversível parada bem em frente, junto da guia.
— Quer uma carona? — Pergunta entrando no carro. — Ou está esperando alguém?
— O namorado — minto.
— Ah! É verdade! — Ele ri. — Aquele de setenta anos. Boa sorte com isso!
Eu solto um grunhido. Antes que eu possa xingá-lo, ele acelera a Mercedes velha, e dá uma buzinada para se despedir. Eu ergo o meu dedo do meio torcendo para que ele veja pelo retrovisor.
Quinze minutos depois, o carro finalmente chega.
Eu desembarco em frente ao restaurante Paris às nove em ponto. É impossível não reparar na pequena réplica da Torre Eiffel que se estende imponente logo na entrada. Por dentro, o restaurante é muito elegante. Decorado em tons de vinho, com grandes lustres de cristais pendendo do teto.
A recepcionista pergunta o meu nome e caça na sua lista de presença. Não encontra. Como não tenho uma reserva, ela me guia até o bar, para aguardar a liberação de uma mesa. Olho para os lados, procurando Jessy e não a vejo. Nem ninguém que pareça ser seu irmão. Noto apenas uma movimentação na porta ao fundo, que dá acesso à cozinha.
Sento-me na banqueta alta, e o atendente me oferece um cardápio. Eu analiso as opções, todos os drinks custam valores absurdos, até mesmo a garrafa de água custa dez vezes o valor normal, então agradeço.
— Vou esperar a minha amiga chegar — digo.
Ele assente educadamente.
Envio uma mensagem para Jessica.
@Barbie.makeup: Já estou aqui.
@Jessy.biscotti: Desculpa, Barbie... Estou atrasada, mas chego em quinze minutos. Comecem sem mim.
@Barbie.makeup: Ok.
Tamborilo os dedos no balcão de madeira. Ansiosa. Olho para os lados, me perguntando se alguma das pessoas aqui seria o famoso Jack Biscotti. Não sei porque estou tão nervosa sobre esse encontro. Decido me distrair olhando as redes sociais. Vou descendo o feed, curtindo fotos e vídeos aleatórios.
— Com licença, senhorita Barbara?
Meu coração dá um salto. Por um instante penso que é Jack, mas subo os olhos e é somente um dos garçons me chamando. Ele usa trajes sociais, tem um crachá de identificação, e uma bandeja de prata na mão.
— A minha mesa ficou pronta?
— Ainda não. Só vim entregar a sua bebida.
Ele tira da bandeja o copo laranja cumprido com um guarda-chuvinha na borda. Coloca diante de mim no balcão.
— Eu não pedi nada. — Franzo o cenho. — O que é isso?
— Sex on the beach sem açúcar — ele responde educadamente. — Foi cortesia de um outro cliente.
Eu olho para trás, assustada, procurando alguém. Não vejo ninguém que conheço.
— Ele saiu pelos fundos, estava atrasado, mas deixou a bebida paga — explica.
— Obrigada... — O garçom se prepara para sair, mas eu o chamo outra vez. — Espera. Sabe quem era esse cliente?
— Desculpa. Eu apenas entrego os pedidos. Não vou poder te ajudar.
Assinto.
— Obrigada de qualquer jeito — digo outra vez e ele vai.
Mexo a bebida com o canudo, cogitando se devo ou não beber. Perguntando-me quem diabos teria enviado isso para mim. Meu drink favorito e sem açúcar? Quantas pessoas no planeta devem saber essa receita para a minha felicidade?
Provavelmente várias, mas, pela minha cabeça, só passa um único nome:
Kennedy.
Ele está me seguindo? Não... Ele saiu antes de mim, não teria como me seguir.
Sou desperta dos pensamentos quando Jessy chega e me cumprimenta, tocando o meu ombro suavemente.
— Ei! Onde está o Jack?
Ela toca a bochecha na minha. Ajeita a banqueta para se sentar ao meu lado. Eu ergo os ombros.
— Pensei que ele viria com você.
Ela leva a mão até a testa.
— Acabei me atrasando. Ele disse que estava vindo, já devia estar aqui faz tempo. — Pega o celular para checar. — Droga! Ele enviou uma mensagem agora há pouco. "Não vou conseguir ir ao jantar hoje. Problema de última hora. Explico depois!".
— Acho que vamos ter que deixar para a próxima, então...
Ela suspira longamente. Pega o copo de bebida que eu nem toquei para roubar um gole.
— Se importa? — Eu nego, e então ela bebe. — Eu vou encher a cara. O Jack me deixa louca... — Confessa. — Mas a gente não vai deixar de se divertir por causa dele.
Pede mais dois drinks para o garçom. E, bebendo, a gente joga papo fora por várias horas. Ela fala principalmente sobre a carreira como modelo, e me pede dicas de maquiagem. Eu pergunto como anda o noivado, e ela me diz:
— Não é como se Denis fosse o amor da minha vida, mas a gente faz o que tem que fazer, Barbie. O papai gosta dele. Está até considerando lhe dar o cargo do Jack, agora que vamos nos casar.
Está um pouco alterada pela bebida.
— Sério? — Eu arqueio uma sobrancelha. Rio breve. — Vai casar com alguém por causa do seu pai? Eu pensei que casamento arranjado fosse coisa o século passado.
— Bom, não é só por causa dele. De bônus ainda consegui dar um troco na Dominique, finalmente.
— Qual é a rivalidade entre vocês?
—É tão antigo quanto andar para trás. A gente estava na escola... Nossa! Isso já tem quase dez anos. — Dá risada ao perceber. — Tinha um menino... Todo mundo sabia que eu gostava dele. A gente estava saindo há meses, até ele me trair com a Dominique.
— Soa mais como se ele fosse o babaca da história.
— É... Pensando por esse lado... Ele foi sim. — Ri. — Ele ainda tentou voltar comigo depois disso, disse que ela tinha sido só uma noite sem significado. Eu mandei ele se danar.
— Sabe... Você e a Mini são talentosas e bem sucedidas... Não precisa ser uma competição.
Ela vira o copo de bebida na boca, matando.
— Talvez você tenha razão.
Já é madrugada quando volto para casa parcialmente embriagada. Noto primeiro uma carta de baralho assinada por mim, no chão, passada por debaixo da porta: Ken. Em seguida, vejo as folhas da janela batendo com o vento. Eu não deixei aberta. A cama está bagunçada. Alguém entrou aqui dentro. A pergunta é: Quem? Porque o Kennedy não seria estúpido o suficiente de deixar a evidência do próprio crime no chão. Ou seria?
***
Votem!!!!
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