A arte do arrombamento

Os primeiros dias da semana passam voando, com a agenda lotada de clientes para atender. Na quarta-feira, saio da minha cliente da tarde e vou direto para a casa de Dominique, ainda carregando a minha mala de maquiagem. Minha amiga está atrás da grande mesa de mogno do seu escritório, vestindo um traje social alaranjado, com o telefone celular pendurado no ouvido.

— Não, querido — fala na linha de um jeito afiado. — Caviar não foi o que eu pedi. Nós vamos servir Papri Chaat... Por acaso ninguém do seu buffet entende de comida Indiana?... Não? Então, quer saber? Cancela tudo. Eu vou ligar para um chefe especializado, obrigada.

Ela solta um suspiro longo e exausto ao desligar a chamada.

— Que bom que você chegou! Tem noção do quanto é difícil organizar um evento, Barbara?... O que eu estou falando? — Sacode a cabeça. — É claro que você tem noção. Desculpa! Eu estou ficando louca. Falta só uma semana para o leilão e eu não consigo achar um buffet especializado em comida indiana. O meu chefe favorito está com a agenda lotada.

— Me diz como eu posso te ajudar. — Esfrego as mãos uma na outra.

— A menos que você saiba cozinhar comida indiana para 600 convidados, não pode. — Suspira. — Senta aí, eu vou dar um jeito nisso depois. O mais importante é arrecadar o dinheiro, não é?

Assinto. Puxo a cadeira de estofado colorido, e me sento de frente para ela.

— A propósito... A Jessy me ligou, e ela foi super gentil, você não acreditaria! — Conta. — Até se ofereceu para modelar de graça, e ainda fez uma doação.

— Parece que vocês estão se acertando finalmente.

— É. Acho que essa briga estava meio ultrapassada, eu nem me lembro de porque a gente começou a se odiar.

— De acordo com ela, por causa de um cara — lembro.

— É verdade! Ah, e por falar de "um cara", você não vai acreditar... O Dennis me ligou também. Ele me acusou de "fazer a cabeça dela para romper o noivado" e de "sabotar a vida romântica dele", "que eu preciso ser madura e lidar com o término". Um perfeito babaca!

— Eu não acredito! Ela rompeu mesmo o noivado? — Pareço surpresa.

— Se livrou de uma boa! Aposto que o Dennis só estava de olho em ocupar o cargo de vice-presidente da empresa agora que o caçula Biscotti está fora da jogada. Tanto faz. Não quero mais falar, nem pensar nele. Vamos focar no evento!

— Vamos!

Passamos a noite trabalhando nos detalhes. São muitas coisas para colocar em ordem: Ambiente, cardápio, modelos, segurança, lista de convidados. Ficamos até bem tarde resolvendo tudo, e então eu pego um Uber para casa.

Quando chego, já é quase madrugada.

Eu me arrasto pelas escadas escuras, cansada. Passei o dia todo fora, então chego ao segundo andar doida para entrar no chuveiro, e cair na cama. Enfio a chave na fechadura, mas ao abrir, noto a bagunça: Janela entreaberta, copo de vidro quebrado no chão, roupa de cama amassada.

Recuo um passo. Será que ainda tem alguém lá dentro?

Penso em bater na porta do Kennedy, pedir ajuda, mas está escuro e silencioso, e eu não vi o carro dele na porta, então ele não deve estar. Onde ele está? Subitamente se passa pela minha cabeça uma hipótese: E se for ele? Porque ele sabe arrombar portas, afinal. E se eu estiver literalmente transando com um psicopata?

Eu preciso parar de assistir tanta televisão.

Do apartamento de Tabitha emana um som de Rock pesado, e a luz está acesa, então eu sei que ela está acordada. Dou alguns socos abafados na porta. Não demora um minuto e ela aparece com sua cara fechada de sempre.

— O que foi dessa vez, Kardashian?

Veste uma camiseta grande de banda e nenhum short. Os cabelos presos em um nó desajeitado. Eu coloco um dedo sobre o meu próprio lábio, pedindo para ela fazer silêncio. Sussurro:

Acho que tem alguém lá dentro. — Aponto para o meu apartamento.

— Cadê o mágico?

Eu não sei!

— Tá... Vamos dar um fim nisso.

Ela pega um taco de beisebol de trás da porta, enrolado com arame farpado e eu não disfarço a minha expressão de surpresa.

— Pra que você tem um taco desses? — Pergunto com os olhos arregalados.

— É de coleção — explica. — Mas pelo visto também é útil. Vem!

Atravessamos o corredor pisando de fininho. Deixo Tabitha ser a corajosa de nós duas e ir na frente. Ela empurra a porta com tudo e prepara o taco para atacar, mas a Kitnet está totalmente vazia.

— Ninguém — diz.

— Você pode checar o banheiro?

Ela revira os olhos, mas entra e olha tudo. O banheiro, em baixo da cama, atrás do balcão. Nem um sinal.

— Está faltando alguma coisa?

O meu coração acelera quando me lembro do colar. Corro até o armário, e procuro a caixinha na minha gaveta de peças íntimas. Eu abro, vejo a correntinha lá dentro e solto um suspiro. Quem quer que seja, não estava procurando nada de valor.

— Eu vou fazer uma pergunta que vai soar estranho — Tabitha diz. — Mas você reparou se está faltando alguma calcinha?

Ela tem razão. Isso soa muito estranho, e eu estou prestes a perguntar "o quê?", mas então eu me lembro de algo: No dia que eu ia conhecer o irmão da Jessica, eu procurei e não encontrei a minha calcinha rosa da sorte.

— Por que a pergunta? — Franzo o cenho.

— Isso é ridículo, mas... — Ela sacode a cabeça. — Eu estou notando que as minhas calcinhas andam desaparecendo misteriosamente já tem algum tempo.

— Aconteceu comigo! — Confesso com tom de choque. — Espera! Temos um ladrão de calcinhas no prédio?

— Eu não chamaria de ladrão. Eu chamaria de tarado. Você conhece algum? — Levanta uma sobrancelha. Seu tom de voz é sugestivo. — De repente um que já esteja acostumado a fazer coisas desaparecerem?

— Você acha que é o Ken?

Eu reflito sobre essa hipótese. Não é tão absurda quanto pode soar de cara. Gosto um pouquinho do Kennedy, mas preciso admitir que o cara é cheio dos mistérios dele, e eu bem sei que ele domina a arte do arrombamento.

— Bom, eu não quero fazer acusações... — alega, embora seu tom de voz seja acusatório. — Mas só tem um jeito de saber.

Ela sinaliza com os olhos.

Você quer invadir o apartamento dele? — Abaixo o tom de voz.

— Eu? — Leva a mão até o peito. Ri breve. — Não seja idiota, Kardashian! Estava pensando mais em alguém que consegue, sabe... acessar a casa dele sem precisar arrombar... De repente alguém que já esteja transando com o cara.

— Eu não estou... — Começo a mentir, mas desisto na metade, quando me lembro de que a acústica desse prédio é horrível e provavelmente todo mundo no raio de dois quarteirões escutou a gente transar. — Que se foda! Tá bom! Supomos que eu entre no apartamento do mágico, como posso descobrir se ele é o ladrão?

— Procurando, ué. Se ele for o tarado, as calcinhas vão estar no apartamento em algum lugar. É só encontrar.

Chacoalho a cabeça. Sei que estou me metendo em problemas, mas se Kenny for mesmo um tarado ladrão de calcinhas, eu preciso saber. Não posso continuar me envolvendo com ele sem essa certeza.

O-kay.... Eu vou ver o que posso fazer.


***

Votem!!

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