Capítulo III

A pergunta de Adam se prendeu na cabeça de Ravena, qual era a diferença dela para a sua família, afinal, até onde tinha notícia todas as mulheres eram extremamente bonitas, todas se casaram com homens ricos ou foram suas amantes. Seu pai, assim como ela e as irmãs eram teimosos. Então qual era a diferença?

A cabeça de Ravena voltou a doer, essas enxaquecas constantes eram coisa de sua mãe. Tinha que parar de pensar nisso, mas nada mais atrativo aparecia em sua mente.

Amélia entrou no quarto com o jantar em uma bandeja, era um mingau de cor morta. As faces da mulher estavam corada e tinha um grande sorriso bobo.

- Estava com Tailin? - Ravena falou

Amélia ficou pálida, colocou a bandeja em qualquer lugar e correu para fechar a porta.

- Ravena, isso é segredo... por favor, fale que não comentou isso com mais ninguém!

- Não comentei. - Ravena ficou aliviada, tinha algo para se distrair - Por que? Qual é o problema?

Amélia deu um suspiro, olhou pela janela, parecia um pouco cansada.

- Eu sou mais velha que ele.

- Qual é o problema? - Ravena disse olhando feio para o mingau no prato.

- A família dele não aprova nos dois. Os pais dele querem que ele case com uma menina mais nova, e se possível, da mesma classe social.

- Mas vocês não são da mesma classe? - Ravena pegou a bandeja e encheu uma colher de mingau.

- O pai dele é o conselheiro do Adam. Tailin por hora, trabalha no jardim, mas logo será chamado para treinar.

- Ele me falou algo do tipo... - Ravena disse com a boca cheia de alimento - Mas achei que ele não queria, ia negar o ofício.

- Ele não pode! Isso significaria uma vida melhor para ele.

Ravena olhou para a mulher na sua frente e sentiu como se estivesse discutindo com o pai novamente.

A resposta para pergunta do Adam...

- Deixa eu explicar como eu vejo as coisas. Você ama ele e ele ama você, então vocês devem ficar juntos. É tão difícil o amor acontecer, não coloquem mais empecilhos. Depois, deixa ele tomar as próprias decisões, Tailin é grande sabe o que está fazendo e o que deseja para vida.

- Sua visão é simplificada... - Amélia disse, Ravena não sabia se isso era bom ou ruim - Já se apaixonou?

- Tirando por esse mingau aqui. Nunca. - Ravena olhou pela janela - Aparecia alguns rapazes para conversar comigo, mas eram todos tão desinteressantes que raramente a conversa rendia muito.

- Nossa! - Amélia estava claramente desconfortável.

- Não que eles eram chatos, mas era tão óbvio que queriam algo a mais que... - Ravena disse pensando em algumas memória desagradáveis - Meu pai dizia que eu não tinha encontrado ninguém, já eu, acho que corvo e amor não combinam.

- Seu animal padroeiro? - Amélia disse meio relutante.

- Sim... meu pai e minha mãe tinham feito cálculos para que eu nascesse em uma época tranquila, sabe, esquilo, cervo, esses animais, mas tudo mudou e o corvo veio. Meu pai falou que eu tenho de abraçar isso, afinal, meu animal me buscou.

Amélia ficou quieta, talvez o papo tenha deixado entediada.

- Meu animal é o lobo, família é o principal ponto da minha vida. Talvez por isso as coisas para você sejam tão simples e para mim não. É meu dever manter as escolhas da família.

- Era o dever da minha mãe também...

🌹

A neve tinha terminado de cobrir tudo, Ravena olhava para o chão admirando toda aquela cor alva. As roupas dela tinham sido trocadas por um cinza sóbrio, quase sem vida. 

Se apertando na capa, ela caminhava lentamente, não queria ir para a estufa, mas o quarto realmente estava sufocante. Pensava novamente no pai, torcendo para que ele estivesse bem.

- A carta foi entregue. - uma rosa vermelha apareceu com um envelope, a mão de Adam - O mensageiro falou que ele estava muito aliviado.

- Não consigo parar de pensar nele... - Ravena disse suspirando.

O senhor do castelo ficou em silêncio olhando a menina, os olhos dela eram tão diferentes que fazia toda a beleza do rosto sumir, ele chegou a conclusão que ela seria muito mais bela se tivesse olhos castanhos. Mas ainda era uma menina com a beleza surreal.

- Eu tenho a resposta a sua pergunta. - ela falou mudando de expressão rapidamente.

- Que per... - ele lembrou da conversa do dia anterior - Ah! Você realmente pensou nisso?

As cicatrizes mudaram enquanto ele sorria, os olhos brilharam rapidamente.

- Bem... - ela falou confusa - Sim. Não era para fazer isso?

- Mais ou menos... normalmente as pessoas não dão valor as perguntas para refletir. - ele estava se divertindo - Então qual é a resposta?

-Meu pai acredita em tradições, hábitos e aquelas baboseira que todos falam que devemos seguir. Minha mãe era assim e minhas irmãs também. - Ravena viu um floco de neve caindo - Já eu acho que isso tudo complica de mais, confunde de mais e não é tão necessário.

- Que tipo de baboseira? - ele tinha ficado mais sério.

- Casamento, dinheiro, posições sociais... essas baboseiras. Não acho que isso venha fazer muita diferença no final.

- Não se importa com diferenças sociais?

- Nenhuma.

- E também não quer casar?

- Não tenho ninguém em mente, então não. Não há motivo de me desesperar por isso.

Mais neve ia caindo, Adam levantou a cabeça para assistir os flocos. Era uma dança bonita, o encontro dos pequenos flocos para chão repleto de neve.

- Isso é interessante... nunca imaginei alguém falando de posições sociais não são importantes ou casamento. Se tudo funcionasse da forma como você pensa, o mundo entraria em um caos... mas, talvez, um caos melhor do que o mundo em que vivemos. - ele olhou para ela, pela primeira vez ela reparou como os olhos dele tinham um brilho amarelado - O que mais passa pela sua cabeça?

Ravena ficou sem palavras, ninguém nunca se importou de fato com o que ela pensava.

- Ah... - ela piscou algumas vezes - Eu acho que os reinos vão entrar em guerra em breve, tentando se unificar.

- Por que você acha isso?

- Ouvi uns viajantes falando sobre alianças ficando mais fortes, recrutamento de soldados, lordes entregando suas terras aos reis. Acho que querem fazer países como em Aron.

- Está frio... - Adam disse mudando de assunto - Vamos entrar!

🌹

A sala de visitas era sem dúvida um dos poucos locais aconchegantes do castelo, Adam acendeu sem muito esforço a lareira deixando ali mais quente e confortável. Ravena fechou os olhos, com aquele barulho ela era capaz de acreditar que estava em casa, na pequena mesa torta de madeira, bordando algo.

Sem mais demora abriu a carta e a leu ansiosa para saber mais do pai. Assim que acabou os ombros da garota pareciam mais relaxados e ela suspirou aliviada.

- Está tudo bem? - Adam disse se sentando ao seu lado.

- Sim, meu pai falou que o ninguém o importunou por eu ter fugido, e que ele está bem. - ela fechou a carta com calma, colocando-a no colo.

- Fico feliz! Quando precisar, pode enviar outra carta. - ele sorriu mais uma vez, mas o brilho que ela tinha visto antes não surgiu. - Eu te contei sobe os lobos, acho que está na hora de outra história.

- E o que vai querer saber em troca?

- Sobre sua mãe... - Ravena fez uma peque a careta - Assunto delicado?

- Sim... - ela realmente não queria falar sobre isso.

- Então, sobre qualquer coisa. Se um dia se sentir confortável, me conte sobre sua mãe, certo? - ele percebeu que não ia conseguir uma resposta dela, mas sorriu - Seus pais gostavam de contar lendas para você?

- Quais pais que não fazem isso? - Ravena riu se lembrando de todas as histórias antigas contadas.

- Minha mãe gostava de contar sobre os pássaros irmãos.

- Minha irmã me contava a versão dos pássaros amantes. - Ravena falou lembrando do final triste.

- Qual é a diferença? - Adam franziu as sobrancelhas.

- Até onde eu sei nos pássaros irmãos, o pássaro azul morre ao tentar lutar contra quem machucou o irmão, assim que o vermelho descobre o que aconteceu ele vai atrás de vingança... - Ravena fixou o olhar no fogo - Já no dos amantes, o pássaro vermelho mata a família do azul devido uma briga, o azul tenta matar quem um dia amou, mas é incapaz. Só que ambos nunca mais voltam a se amar.

- Quem inventou que isso era história de criança? - Adam deu uma risada. - Quer dizer, assassinatos, como nunca ficamos assustados com isso?

- Pois me contavam também a da princesa da neve. - Ravena disse olhando para o rapaz, se divertindo.

- Qual?

- Ah! - ela deu uma risada - Da princesa que se apaixona por um camponês e para ficar junto dele ela o leva para trabalhar no castelo. Os dois logo consumaram a paixão e ela ficou grávida. O rei não gostou disso, matou a criança ainda na barriga da filha e matou o rapaz. A princesa enlouqueceu, e um dia quando ninguém estava olhando fugiu de casa no meio de uma nevasca. Nunca mais foi vista, mas as vezes dá para escutar o choro dela.

Adam ficou parada um tempo, olhando meio horrorizado pelo o que ele tinha acabado de escutar.

- Seu pai te contava isso quando você era criança?

- Claro que não! Minha irmã que fazia isso... - Adam suavizou o olhar.

- Irmãos...prontos para criar um trauma. - ele deu uma risada seca - Mas essa história, eu já escutei antes, só que não em forma de lenda. Isso aconteceu mesmo, há muito tempo.

- Provavelmente os criados do castelo criaram essa história para poder fofocar, virando uma lenda.

- Me pergunto quantas lendas são criadas assim...

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