Capítulo 5

4940 palavras - Arco Edan

Segunda-feira, um dia muito mais frio que de costume. Foi uma surpresa para todos, que estavam encarando os dias quentes da última semana com grande deleite, e precisar resgatar casacos e blusas do fundo do guarda-roupa de uma vez não estava nos planos da maioria das pessoas. Além do frio que recaia nesse inicio de semana, durante a noite anterior também havia caido uma pesada tempestade, o que tornou o clima nublado e úmido na manhã seguinte, a luz do sol não dava sinais de que apareceria em algum momento, o que chegava próximo de agradar a Edan. Durante o intervalo das aulas, o rapaz estava junto de Raquel, refugiados embaixo de uma arvore bem próxima a quadra, estavam sentados em largos blocos de concreto colocados estrategicamente em volta da arvore para simular um banco improvisado, estavam comendo alguns pães de queijo que sua colega havia insistido em comprar na cantina.

- Como assim não desenhou mais? – Raquel perguntava, quase segurando o riso.

- Não é que não desenhei... É que não tive tempo... Nem inspiração.

- Não teve tempo... – diz colocando a mão na testa – Era domingo, e se em uma segunda você não faz nada o dia inteiro, imagina domingo... Não conseguiu inventar uma desculpa melhor?

- No domingo acabei limpando a casa bem cedo. – Se defendeu, fazendo Raquel considerar o que Edan acabou de dizer a primeiro momento, mas logo ela muda a expressão, percebendo a tentativa de enganação do rapaz.

Dando um golpe no braço do colega, Raquel rebate – Mentira! Você não pegou na vassoura em nenhum momento que estivemos lá, e fomos embora depois das cinco horas da tarde.

Revirando o olhar, Edan então diz em uma nova tentativa de se justificar – Precisei trocar uma tomada queimada...

- Você mente muito mal. – Ela caçoa vendo todas as vãs tentativas de Edan para engana-la.

- Lembra que eu disse que estava sem inspiração? – Ele indaga, revirando seus olhos para sua sequência de falhas. – Então, eu ainda estou desse jeito.

Agora com um olhar paciente, apoiando o rosto sobre a mão, Raquel continua – Você sabe que pode falar a verdade comigo sem se preocupar.

Ele assentiu, balançando a cabeça afirmativamente – Então sendo verdadeiro, eu não tive tempo... E nem inspiração. – Insistiu na mesma resposta.

Raquel ri com a resposta, tirando uma mecha de cabelo que caia sobre seu rosto – Tudo bem, vou considerar como uma resposta válida. Mas você vai precisar pensar em algo melhor quando a Anne te perguntar sobre isso.

- Ah sim, a louca que ficou me perguntando se eu fiz algo no fim de semana. – Edan bufa com sua própria resposta. Ele bate a mão na perna algumas vezes de forma impaciente, e então continua a falar – Não sei por que ela está fazendo tudo isso.

Raquel pensa antes de responder, enquanto leva sua mão ao queixo. – Você está sendo um pouco ingrato.

- Que? Não é ingratidão. – Diz, balançando a cabeça negativamente. – Eu não quero fazer uma coisa que ta na cara que não vai dar em nada. Eu não entendo. O que ela ganha com isso? Por que ela se importa tanto?

Raquel encara o amigo. Ela pensa um pouco, abre a boca para falar algo, mas desiste na primeira tentativa. Ela então começa a dizer – Ah Edan... – a garota então desiste de falar e se encosta na arvore, claramente incomodada com alguma coisa.

- O que? – Pergunta, erguendo uma sobrancelha.

- Bem... Por acaso você... Não, não. Só esqueça. Não é nada – comenta, sacudindo a cabeça, causando certa estranheza em Edan.

- Começou, agora termina. – Comenta.

- Deixa isso para outra hora. Vai ser melhor. – Raquel insiste, balançando a mão como se afastasse moscas de perto, e então colocando o restante de seu pão de queijo na boca. O sinal então toca, Raquel se levanta de imediato como se essa fosse a desculpa que precisava para conseguir fugir do assunto. Edan levanta logo em seguida, tentando adivinhar sozinho o que Raquel queria dizer. Assim então, os colegas retornam para sua sala.

Durante todas as aulas restantes, Anne constantemente joga pequenas bolinhas de papel em Edan, todas as vezes que o colega deitava em sua mesa. Raquel percebeu isso em um momento, avisando Leandro. A partir desse momento, ambos começaram a prestar atenção mais atenção em como Anne se entretia incomodando e chamando a atenção de Edan do que na aula em si, isso se manteve até o final da aula. Ao tocar do último sinal, Edan nota que Raquel comenta a Leandro que precisavam falar de algo importante, o rapaz concorda e vai para longe das vistas de todos. A colega parecia bem séria, talvez preocupada com algo. Sua curiosidade o fazia querer descobrir do que se tratava tal assunto, mas do mesmo jeito que sempre faz com tudo, ignorou o que viu de Raquel e o que a garota poderia falar de importante, e caminhou até sua casa em passos desanimados.

Seguiu o mesmo ritmo de caminhar despercebido até em casa, fazendo todo o caminho do jeito mais lento que poderia conseguir. Porém nesse dia não fez esse caminho sozinho. Anne o acompanhou de maneira animada o caminho todo, apenas um pouco atrás. Nenhum dos dois disse nada um com o outro, apenas seguiram o caminho até chegarem em frente à casa do rapaz.

- Então... Agora que estamos aqui, me explique por que raios você veio me seguindo até a minha casa ao invés de ir para a sua? – Edan perguntava, já abrindo o portão de sua casa, sem se virar para Anne.

- É porque quero ver como você está indo. – Ela coloca as mãos na cintura, com um sorriso quase afrontoso – Ou você acha que venho aqui por que gosto?

Edan se vira para a colega e suspira. Ele não pensa em responder sua última pergunta, apenas falar o que ela quer realmente saber – Péssimo... Eu não avancei em nada, não acho que irá gostar dos resultados. – diz, entrando em casa, e abrindo espaço para a colega entrar. – Vai querer comer alguma coisa hoje?

- Não, valeu. Hoje não estou com fome. – diz, enquanto Edan mal entrou em casa e correu para a cozinha em busca de um pacote de bolachas de maizena – Agora, pare de enrolar tanto e me mostra logo o que fez. – comentou, empurrando Edan para seu quarto na primeira oportunidade que surgiu.

Se sentando em sua cadeira, Edan pega algumas folhas rabiscadas, onde no topo estava o único desenho finalizado, entregando nas mãos de Anne. Durante exatos dois minutos, a garota olhou alguns com mais cautela, outros ela batia o olho e já passava para o próximo, jogando a maioria deles no chão ou na cama assim que terminava de ver. Ao chegar no último desenho, olhou de forma mais calma, como se avaliasse o que havia ali como sendo algo quase valioso. Por fim, amassou o desenho finalizado e novamente o jogou sobre o ombro, como sendo apenas mais uma coisa dispensável. – Está melhor... Mas ainda não está no seu nível. Tente mais uma vez Edan. Desta vez, desenhe... – comenta, olhando o que havia na estante do rapaz, indo para o guarda-roupa, olhando como se buscasse algo, ela estica o braço e alcança algo, retirando um action figure que Edan sequer se lembrava onde havia guardado – Este personagem.

- A pergunta é: como sabe meu nível? – Ele questiona, cruzando os braços.

- Me baseio em tudo que está colado nessas paredes. Muita coisa aqui é bem melhor do que você está fazendo agora.

- Então... Não é melhor pararmos com isso? – Ele questiona, abrindo os braços – Já viu que não sou o que era antes, então pra que insistir em algo que sabemos que eu irei falhar?

- Eu costumo ser bem teimosa com isso de fracassos, tolero bastante... – Anne se aproxima, dando alguns tapas no ombro do colega – Então isso não me afeta, pode ficar tranquilo.

- Garanto que está só perdendo tempo aqui... – Ele insiste.

Rindo, Anne então diz, apontando na direção da folha – É isso que iremos descobrir.

Edan a observa, e seguindo da garota até a folha a sua frente, ele suspira pesadamente. Da forma que estava vendo, tentar debater não iria adiantar em nada, Anne seria muito mais teimosa do que ele era paciente e disposto a tentar contestar. Alcançando seu lápis, ele tentar começar tudo novamente, desta vez, com Anne supervisionando o começo de seu colega. – Pare! – disse de repente, segurando a sua mão logo nos primeiros traços.

- O que foi agora? – Ele reclama quase batendo o lápis na mesa, sem sequer olhar para Anne.

- Você está pulando a etapa inicial, que são os primeiros traços... E indo direto para a criação final... – Ela responde, quase o repreendendo.

- São apenas traços ruins, que atrapalham e iram estragar o resultado final. – Ele devolve, como sendo algo óbvio. – Não são úteis, e nem necessários.

- Já estudei isso com algumas pessoas uma vez, e já ouvi que do pior traço, pode nascer o melhor dos desenhos. – O rapaz a olha, como se não estivesse esperando por uma explicação de Anne naquele momento – E depois é só passar tudo para uma folha em branco. Então, não se importe se for um traço ruim, ele pode dar um bom resultado se for bem usado.

- E quem seria o especialista em desenho mesmo? – Pergunta, erguendo a sobrancelha.

Anne cruza os braços, olhando Edan bem nos olhos. Ela olha para o alto, como se tentasse se lembrar antes de falar – Vários canais de arte no youtube, artistas que dão dicas em seus sites, além de algumas pessoas com tempo de desenho que fiz amizade. Da pra aprender muitas coisas, deveria tentar.

Hesitando em primeiro momento, Edan apenas concorda, sem a menor vontade de questionar qualquer coisa que seja, voltando ao que estava fazendo, enquanto Anne se deita e puxando um travesseiro para si. Já tinha escutado coisas parecidas antes, mas coisas que já estavam praticamente esquecidas, e não importa para ele entrar em um debate tão sem sentido como aquele. Muito menos queria entrar em qualquer debate que fosse com Anne, concordou apenas para que sua colega se calasse o quanto antes. Gradualmente, Edan escuta a garota dando toques na tela do celular, rindo com algumas coisas que via, digitando outras logo em sequência, e com o passar dos minutos pela ausência de precisar se movimentar, Anne acaba ficando cada vez mais sonolenta, deitando-se suavemente e cochilando pouco tempo depois. Cerca de uma hora depois, Edan termina, se virando para encarar Anne que ainda estava dormindo. Ele se levanta pensando em acorda-la, e quando encostou no braço da colega, sentiu como a pele dela estava gelada. Edan então hesitou em acordar sua colega, afastando sua mão aos poucos. Decidiu por deixa-la descansar, pegou uma de suas cobertas dentro do guarda-roupa e colocou sobre a garota, se sentando ao lado da cama a observando em silêncio por algum tempo, sem saber o que ele mesmo estava pensando no momento. Para ele, parecia haver algo por entre as nuvens em sua mente, como se fosse um eco sufocado. Olhou para o estado que seu quarto estava, toda a bagunça que havia ali, a mesa de seu computador bagunçada, algumas de suas coisas como livros e revistas largados de forma aleatória pelo chão, a mochila preta com pequenos desenhos de flores rosadas da colega jogada ao lado de sua cama, os tênis de Anne virados no chão, quase embolados no tapete, e a blusa da garota na sua cadeira.

- Olha só a bagunça que essa maluca fez... – Pensava sozinho, enquanto seus olhos iam do quarto para Anne, mas logo retirou a culpa de Anne e lançou por inteira sobre si mesmo quando lembrou que quem havia feito grande parte da bagunça ali era ele mesmo. Pensou em como a garota parecia tranquila enquanto dormia, prestou atenção em cada detalhe de seu rosto, da pele que parecia suave até ao olhar, e aos cabelos vermelhos tão únicos, até na respiração calma da garota. – Apesar que não estou bravo pela bagunça... Não ligo para isso, por enquanto só descanse... – Se levantou, ainda olhando para o rosto de Anne.

O rapaz seguiu até a sala onde a luz estava ligada, atravessou o cômodo, e no momento em que desligou a luz, sentiu como se algo acabasse de o atingir, quase como sendo uma adaga invisível. Uma angustia tomava conta de seu peito, uma sensação profunda que quase o fazia ficar sem ar, suas mãos tremiam, sentia dor em seu corpo, no coração. Sentia dor, tão profunda que não conseguia amenizar, algo que parecia ir além de seu coração, além da mente, a dor atravessava o seu ser. Edan encostou suas costas na porta da sala, lentamente erguia suas mãos abraçando a si mesmo e fechou seus olhos, apesar do que sentia, estar em meio a escuridão não o assustava, parecia que o convidava, era quando se sentia o mais próximo de estar tranquilo, o restante não lhe interessava em nada, nem a si mesmo ou o que o rodeava, a vida não apresentava um sentido. Deslizou suas costas na parede até se sentar, fechou os olhos com mais força, suas mãos apertavam seus braços com toda a força. Edan sentia dor e medo, sentia frio, sozinho, uma agonia o atravessava ainda com mais intensidade, de onde tudo vinha ele mesmo não sabia. Apenas sentia vindo de dentro de si. Sua mente gritava como ele não era útil. Ele não precisava estar ali, em sua mente, mais gritos se questionando o porque de ainda estava vivo. Por que existir. Ele não é necessário, então não deve estar ali. Ele não fazia sentido, muito menos sua vida. Edan sentia que até sua alma estava o abandonando cada vez mais. Ansiava que esse vazio que o cercava o engolisse. Engolisse sua alma de uma vez por todas. Que a dor desaparecesse, que tudo acabasse de uma vez. Levou as mãos a cabeça, tentando desesperadamente abafar todas as vozes, mas não desapareciam. Pareciam gritar ainda mais alto. Respirou fundo algumas vezes, afastando como podia qualquer pensamento de sua mente. Edan ficou abaixado no chão algum tempo, tentando se acalmar. Quando conseguiu, abriu novamente seus olhos, agora adaptados ao escuro que o rondava. As vozes haviam se calado, e toda a sala estava tomada pelo silêncio. Edan estava com a respiração acelerada, tentando recuperar o folego que sequer sabia que havia perdido, sentia as batidas aceleradas de seu coração, sentia como cada batimento o machucava. Edan então se ergueu lentamente, e assim voltou ao seu quarto.

Assim que entrou, viu que Anne dormia do mesmo jeito que havia deixado. Ele então seguiu para a janela, olhando seu quintal e se debruçando na janela. Olhou de um lado ao outro, os varais, antenas do outro lado do alto muro, podia ouvir os sons de carros passando nas ruas próximas, motos, músicas, todo o mundo que se espalhava a sua volta, mas era um mundo que sentia que não era bem vindo, um mundo onde não era nada necessário, que sua importância e nada eram exatamente a mesma coisa. Se sentia insignificante ao mundo, e era assim que se via todos os dias. Pequeno e inútil, sem nada de especial. Todos os dias se pergunta onde alguém tão pequeno como ele se encaixa, além de sua própria caverna. Esse pensamento retornou, o atormentando. Todos os dias uma pequena parcela do seu "eu" se questiona se algo melhor aconteceria, algo que faria valer a pena sair da cama, porém esse mesmo lado sempre se responde que não, nada aconteceria de melhor, não há esperanças, e gradualmente esse seu "eu" desaparece cada vez mais. Edan suspira para si mesmo. Não valia a pena pensar nisso mais uma vez, apenas conseguiria se ferir ainda mais, de uma forma que sequer sabia entender onde se feria. Então seu olhar se dirigiu para a estufa, bem nos fundos do quintal, trancada com um pesado cadeado, praticamente selada para si mesmo e para o mundo. O vento suave tocou seu rosto, como se a estufa e o que havia dentro o estivesse chamando, o convidando. Algo o aguardava ali. Pensando se estava ou não certo, se dirigiu a sua estante e, abrindo um pequeno pote de vidro, pegou uma pequena argola com duas chaves que havia dentro, e com as chaves em mãos, vestiu uma blusa e saltou a janela. Sentindo o frio que estava do lado de fora da casa, Edan encostou a janela como podia para que Anne não tomasse muito vento. Assim que terminou, se virou, começando a caminhar devagar pelo gramado até a estufa.

*****

Anne começa a despertar com o vento gelado que entra pelo pequeno espaço da janela fechada. A garota se senta, se enrolando nas cobertas, sentindo o ambiente gelado a cercando. – Ah quanto tempo estou dormindo...? – sussurrava, passando a mão de leve nos olhos, percebendo agora as cobertas – E essas cobertas... O Edan me cobriu? – se perguntava, ainda muito sonolenta. Ela então percebe que estava sozinha no quarto, olhando em volta tentando encontrar seu colega. Tentou sair da cama, porém sua cabeça girava e seu corpo estava sem força, cambaleando e caindo de joelhos. Anne ficou abaixada por um tempo até conseguir se recompor. Se apoiando na cama, se levantou devagar e caminhou até a porta do quarto, olhando ao redor procurando por Edan. A sala estava com a luz desligada, e Edan não estava lá, olhou em seguida para a cozinha, mas lá estava tudo apagado, e então na direção de um corredor que ela não havia ido antes. Ela parou por um momento.

- Então esse é o silêncio que cerca ele todos os dias? – pensava Anne, prestando atenção no silêncio da casa. Olhou de um lado ao outro, se sentindo aflita, sozinha, e até mesmo abandonada. Uma sensação de desespero começava a tomar conta de Anne, suas mãos tremiam, suava frio, se sentia sufocada, tantas sensações criavam uma agonia que a garota não conseguia pensar em como aguentar. Pensou se seu colega se sentia daquela mesma forma, ou ainda pior do que ela se sentia naquele momento. A imagem de Edan sozinho em meio a tantas sensações como aquelas surgiu na mente da garota. Ela sequer sabia o que falar – Como ele consegue... A sensação... Esse vazio... É horrível...

Anne olhou de volta para o quarto, na mesa de Edan estava seu desenho terminado. Com a ponta dos dedos, a garota pegou o desenho, e sorriu com o que viu, Edan finalmente havia começado a acertar, apesar de tanta resistência.

Andando até a janela, analisando o quintal em busca de seu colega, porém não o encontrou em nenhum lugar, mas algo chamou sua atenção. Já viu por uma vez, mas nunca prestou muita atenção na grande estufa nos fundos desde que entrou pela primeira vez na casa, mas sabia que aquele lugar estava sempre trancado, vendo que desta vez, o pesado cadeado que lá havia estava destrancado, e as portas abertas. Guiada pela sua curiosidade, calçou seus tênis e colocou sua blusa, abriu um pouco mais a janela e saltou a mesma, indo até as portas da estufa. Aos poucos, o vento ficava mais forte, fazendo seus cabelos ruivos voarem livremente. Por alguma razão, sentiu que o vento a guiava para dentro daquele lugar.

Chegou as portas da imensa estufa, entrando devagar. Olhou ao redor, se impressionando com o que via, apesar de estarem em meio ao inverno, dentro daquele lugar parecia estar em plena primavera. Os vários corredores, cada um com as mais variadas plantas, faziam aquela estufa parecer ainda maior por dentro. Por um momento, sentiu-se em outro lugar. Sentia-se bem, e seu espirito totalmente confortado. Caminhou por entre os corredores, tocando de leve cada uma das flores, sentindo a macies de suas pétalas, até finalmente encontrar Edan no final da estufa. O rapaz estava ajoelhado e de cabeça baixa, em frente a uma área que parecia reservada apenas para um único grande vaso de flores, e logo em frente, sobre uma pequena mesa, estava a imagem de uma pessoa.

- Edan...? – Ela o chama. O rapaz levanta a cabeça e olhando na direção de Anne, tão depressa como se tivesse se assustado, ou quase retirado de um transe.

- Anne? Dormiu bem? – diz em voz baixa, quase parecendo um sussurro, mas o suficiente para a garota conseguir escuta-lo perfeitamente. Toda a estufa estava em silêncio, porém diferente no silêncio da casa, esse era harmonioso e até acolhedor.

- Eu diria que sim, sua cama é bem confortável... Está tudo bem? – perguntava, se aproximando e abaixando ao seu lado.

- Está... Eu só... Só estou matando um pouco da saudade... Não é nada demais... – diz, olhando para o quadro na mesa.

Anne levanta a cabeça, acompanhando os olhos de Edan para o quadro. Ela encara o quadro, analisando a mulher da foto. Enfim ela diz, quase com surpresa. – Ela é a sua mãe né?

- É... Ela mesma...

A garota ficou pensativa. Começou a bater os dedos nos joelhos sem saber exatamente o que falar. – O que aconteceu com ela? – Perguntou.

O rapaz a observa. Apesar de sequer mudar sua expressão, não esperava tal pergunta.

- Desculpe. Não quero me intrometer. – Anne baixou o olhar.

Edan balança a cabeça – Está tudo bem. O que aconteceu é que ela morreu já há muitos anos, em um acidente de carro. – Anne ficou em silêncio. Não esperava que o colega falasse tal coisa com tamanha calma, sem sequer mudar seu tom de voz ou demonstrar qualquer olhar ou sinal de tristeza. Tudo que via no colega era o mesmo olhar vazio que enxergou na primeira vez. Ele então continua a falar – Era de noite, e estávamos voltando de uma festa na casa de uma tia. Minha mãe estava animada nesse dia, acho que era por que soube que minha tia estava gravida ou algo assim. Foi quando o carro em que estávamos foi acertado.

- Nossa... – Anne ouvia, sem conseguir dizer mais nada.

- Lembro mais ou menos que minha mãe me empurrou pra fora de um carro, depois disso eu desmaiei. – Disse, fazendo uma pequena pausa – Quando acordei no hospital, muita gente da minha família estava lá. Me falaram que um caminhão sem freio tinha batido em nós, e o nosso carro bateu em outros três carros não sei como. Conseguiram nos tirar do carro, mas minha mãe acabou se machucando muito, e não conseguiria aguentar para sobreviver.

- Eu nem sei o que dizer Edan... – Anne quase engasga com suas próprias palavras, sequer sabia o que falar, chocada com o que estava ouvindo.

- E imaginar que antes de morrer, ela ainda acordou no hospital uma última vez, e foi à pessoa que fez doação de boa parte de sangue que eu precisava para poder ficar vivo... – Edan ficou em silêncio por um tempo, fechando os olhos e dando um pesaroso suspiro – Ela foi uma pessoa e tanto para mim, até nos últimos momentos.

A garota junta as mãos, observando Edan. – Com certeza, ela foi mesmo... Essa estufa é dela?

- Sim, flores era uma coisa que ela amava, e desde que eu era muito novo eu me lembro dela falando de flores com meu pai... – Ele olhou em volta, como se no fundo de seus olhos gélidos houvesse alguma fagulha de admiração e recordações em cada uma das plantas em volta – Ela gostava tanto, que eu e meu pai ajudamos a montar esse lugar, cada uma das plantas aqui dentro tem uma história com minha ela. Minha mãe amava muito essas flores, e sempre que podia, ela vinha aqui vê-las, sentava e conversava com elas como se fossem boas amigas... Cuidava de todas e tinha um carinho imenso... Eu achava minha mãe meio maluca por ver ela fazer essas coisas... – Edan bateu os dedos algumas vezes na perna, hesitando antes de continuar a falar – Quando ela morreu, todas as plantas aqui começaram a secar e morrer também. Acho que tudo aqui dentro sentia falta dela.

Anne permaneceu em silêncio.

- Eu não podia deixar as flores que ela tanto gostava morrerem, me senti responsável em cuidar de todas. Tentei várias coisas, mas nada dava certo. – Ele então olha para o quadro de sua mãe, retirando alguns fios de seu longo cabelo da frente dos olhos – Colocar esta imagem dela aqui foi o que pude fazer para que minha mãe continuasse junto de suas flores... Por algum motivo essa ideia deu certo.

- Entendi... É como se a essência dela estivesse aqui... – Edan concorda com a cabeça. Anne entendia por que havia se sentido tão bem quando entrou naquele lugar, de alguma forma não era apenas uma estufa de flores. Havia algo a mais ali dentro. Olhou para o vaso de flores, que estava bem de frente com a foto, um que ela não havia dado atenção até aquele momento. Ali haviam nascido uma rosa branca e uma negra, unidas pelo mesmo caule. – Mas e esse vaso?

- Uma vez, minha mãe me disse que dentro desse vaso, iria nascer algo um pouco... "Diferente" das demais plantas... E o que nasceu aqui foram essas duas rosas unidas.

Anne se aproxima um pouco, olhando fixamente para as flores. Neste momento, ela não notou que Edan levou a mão a sua testa e abaixou a cabeça, quase como se sentisse algo estranho, e em seu olhar parecia como se houvesse se esquecido de algo. Anne tocou suas mãos no vaso devagar, indo gentilmente até as rosas – Eu... Eu já vi isso antes... Quero dizer, eu já ouvi sobre isso. É exatamente igual a uma lenda que eu ouvi falarem na minha família...

- Lenda? – Edan questiona, erguendo o rosto com o comentário da colega, sua reação é como se tivesse acabado de sair de um transe.

- Sim... A muitos anos minha família acredita que quando duas pessoas encontram uma rosa branca e uma negra nascidas juntas, elas estão marcadas – Ela pausa sua fala, passando a mão pelas pétalas da rosa escura – Em outras palavras, serão as pessoas mais importante uma para a outra de alguma forma, e suas almas estão destinadas a ficarem juntas pela eternidade, não importando o que aconteça... Chamam essa lenda de "Rosas Gêmeas"...

Olhando para Anne, o rapaz ergue a sobrancelha, aparentando achar a lenda algo ridículo. Ele enfim diz – Sua família acredita em coisas estranhas...

- É, mas fazer o que né... – Ela responde, soltando a rosa e ao mesmo tempo parecendo manter um sorriso discreto – Isso parece ter funcionado bem com muita gente da minha família, e funcionando há anos, mas particularmente eu não sei se acredito nessa história toda... É fantasioso demais para acreditar.

- É, eu também não sei se acredito nisso – Edan pensa em se aproximar de Anne, mas seu corpo se recusa a obedece-lo. Ele permaneceu olhando para a garota, em como ela se mantem curiosa, quase encantada pelas duas rosas a sua frente. Ele então diz. – Na verdade eu acabei de me convencer, essa história de uma lenda é só conversa.

- Verdade né? – Ela completa rindo, afastando-se do vaso – Isso tudo é uma história de ninar para adultos. Sabe... Daqueles bem magoados com uma vida de solteiro solitária, e por causa disso criam coisas pra se sentirem melhores!

- Está totalmente certa... – Ele concorda, dando de ombros.

- Como se um par de rosas pudesse decidir o meu destino, ou o de qualquer um que fosse. Parece até uma história infantil... – Anne termina de falar e deu uma última risada, se alongando e seguindo para fora da estufa. Ela para e se vira para Edan, com um largo sorriso no rosto – Me deu uma fominha agora. Estou indo visitar sua cozinha e pegar alguma coisa para comer. Você vem comigo?

- Já não tenho mais o que fazer por aqui... Se é assim eu irei também, mas não vou comer nada... – Disse se levantando, ficando parado em frente ao vaso vendo Anne saindo da estufa. Olhou uma última vez para as duas rosas, principalmente para a branca. Não quis dizer a Anne, mas por um segundo tão rápido que ele mesmo quase não percebeu, Edan pensou e teve um leve desejo de que talvez, poderia ser algo bom se a lenda que sua colega comentou fosse verdadeira. Porem esse pensamento foi engolido pelas várias nuvens cinzentas em sua mente. 

Considerações Finais:

Olá a todos, acredito que consegui trazer um pouco mais de peso para a história a partir desse capítulo. Tentei apresentar melhor o que se passa na mente de Edan e como isso o afeta, apresentar que ele é extremamente vulnerável a si mesmo. Essa será parte da ideia daqui para frente, tanto para o personagem principal e também para quem o rodeia.

Além disso neste capítulo também foi introduzida a lenda que  carrega o nome desta história. O que acharam do conceito dela?

Espero que tenham gostado do capítulo desta semana, que estejam ansiosos pelo próximo, e principalmente que acompanhem os lançamentos. Garanto que valerá a pena.

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