Capítulo 37
10110 palavras - Arco final
Por Edan
- Então... Você vai precisar ficar... – Questiono, mantendo os braços cruzados. Olho para Anne, ela está na cama de hospital, dessa vez em um amplo quarto somente para ela. Novamente vejo ela presa a um saco de soro com sei lá quantos remédios. Leandro e Raquel também estão aqui.
- É, infelizmente sim... – Anne comenta, com um pequeno sorriso. Ela suspira, mantendo seu olhar baixo – Depois do que aconteceu aquele dia, acabei voltando e... Bem, meu quadro acabou piorando bastante de um dia para o outro...
- Mas... O que você tem? – Raquel questiona, com certa aflição na voz.
Anne balança a cabeça – Eu não sei...
- Até agora não entendi o que aconteceu... – Leandro comenta.
- É uma coisa que todos nós queremos saber... – Raquel da um suspiro, olhando para todos nós.
- E pior de tudo é que não tenho a menor ideia de quando poderei sair. Nenhum dos médicos deu uma previsão... – Anne bufa, deitando na cama e cruzando os braços, fazendo uma careta e revirando os olhos – Não quero ter que comer comida ruim de novo.
Mantenho os braços cruzados, ficando em total silêncio, vendo Raquel dando de ombros com um pequeno sorriso – Infelizmente hospital é assim, seguir essas regras todas.
Vejo Anne revirando os olhos. – O que menos quero é seguir regras tão ruins assim.
- É por pouco tempo, justamente para que você melhore logo. – Consigo dizer, mas eu mesmo não consigo acreditar nas minhas palavras.
Anne me olha, com sua expressão enfraquecendo. Com certeza ela está vendo minha preocupação com ela, como estou temendo por ela e esperando que melhore. Aperto as mãos nos braços e desvio meu olhar, na esperança que Anne não consiga ver o que estou pensando.
- Ficarei bem logo, te prometo Edan, não precisa se preocupar tanto... – Escuto dentro da minha mente. Mesmo já nos falando mentalmente tantas vezes, é inevitável acabar surpreso. Fecho os olhos, tentando segurar toda a preocupação que queima no meu peito.
- É mais difícil do que imagina... – Respondo, sem mover minha boca, voltando a olhar para ela. Ver que Anne está de volta em uma cama de hospital, isso me incomoda demais, me causa um nervoso no fundo do meu coração. Caminho até a janela, olhando para o ambiente a volta. Até a vista aqui consegue ser horrível.
- Mas como está se sentindo agora Anne? – Escuto a voz de Leandro, o que me faz observa-los por cima do ombro.
Anne suspira – Mais ou menos. De vez em quando sinto uma pontada de dor, sempre é aguda e em algum ponto diferente do corpo. Pelo menos consigo me levantar, só não posso ficar abusando disso.
- Agora ficou pior... Muito pior... – Escuto Raquel falando, e a vejo se sentando na borda da cama, ainda olhando para Anne. – Antes isso não acontecia tanto.
- É, as coisas pioraram bastante de uns tempos para cá. – Anne diz em um suspiro – Acho que por causa do que o Fabiano fazia com nós, todas aquelas drogas, e juntando com minha imunidade baixa, minha doença deve ter avançado muito mais rápido.
Me viro para ela – Você sabia disso Raquel?
As duas me olham. Com pesar em seus olhos, Raquel afirma – Sim, eu sempre soube...
- Por que não me contou quando fui te perguntar? – Questiono novamente, agora mais irritado.
- Você não precisava saber Edan. – Ela me responde quase que de imediato. O tom de Raquel foi seco, que me causa um certo espanto e me impede de responder. – De que adiantaria eu ter te contado antes sobre o que Anne tem? Apenas para você saciar sua curiosidade?
Ela está certa. De que adiantaria eu saber isso antes? O que eu faria se soubesse que Anne tinha qualquer coisa que seja? Eu lá teria feito alguma coisa, ou sequer teria me importado com ela?
- Não acho que ficarmos assim vai ajudar em qualquer coisa que seja. – Leandro comenta, limpando a garganta. Uma clara tentativa de apaziguar as coisas.
Raquel acaba respirando fundo, sem olhar para mim – Sim, está certo. Temos que esperar uma melhora e que Anne saia logo.
A porta é aberta, e uma médica aparece, com uma prancheta em mãos – Desculpe, o horário de visitas está acabando. Vocês tem mais 5 minutos apenas.
- Tudo bem, obrigado. – Leandro afirma com a cabeça, se virando para mim e para Raquel, dando um suspiro – Então... Vamos?
Vejo minha irmã se levantando. A preocupação está estampada em seu rosto. – Vamos. Quando pudermos nós te visitamos de novo.
Hesito por um segundo, olhando para eles – Vão na frente, os encontro depois. Ficarei com Anne só mais um pouco.
Eles se entreolham, Leandro assente com um gesto, e então eles saem em passos rápidos, claramente para nos deixar a sós. A médica chega perto da bolsa de soro, olhando alguma coisa, e logo saindo. Finalmente estamos apenas eu e Anne aqui. Me sento na beirada da cama, sem olhar para Anne.
- Desculpe não ter te contado... – Escuto ela dizendo.
- Tudo bem... Raquel estava certa. O que mudaria se eu soubesse? O que eu teria feito por você se tivesse me contado? – Questiono, olhando para minhas próprias mãos, irritado com minha incapacidade de poder fazer qualquer coisa para ajudar Anne.
Não só isso, mas irritado porque mesmo se eu soubesse, eu não teria feito nada...
Anne se aproxima de mim, se sentando ao meu lado, pegando uma das minhas mãos e dando um leve aperto – Não se preocupe com isso Edan, pensarmos o que teria acontecido não vai mudar nada agora.
A observo, respirando profundamente. Não consigo só aceitar isso. Apenas "aceitar" me causa uma sensação estranha no peito, é algo ruim, mas Anne está certa. – Realmente, acho que não mudaria mesmo...
Fecho os olhos por um segundo, sentindo tantas coisas. Sentimentos meus e de Anne que se embolam em um grande nó na minha cabeça. As incertezas que tanto eu quanto ela sentimos juntos, as minhas expectativas pela melhora de Anne juntamente a confusão que Anne está sentindo pelo seu estado atual.
Nossa ligação é uma maravilha em alguns momentos, sabermos o que o outro está sentindo pode ser muito bom... Mas em contraparte é quase uma tormenta completa, ainda mais quando não consigo sentir algo dela. Imagino se Anne está quase surtando igual eu estou.
- Definitivamente estou. – Anne me diz com um sorriso de canto, encarando o chão.
- Você tem uma péssima mania de ficar espiando meus pensamentos Anne. – Digo, o que arranca risos dela, e um pequeno sorriso meu.
- Você fica espiando o que eu sinto, acha que não percebi? – Ela diz, dando risadas, encostando-se a mim – Eu só devolvo o que faz comigo.
- Acho que eu sou o invasivo agora. – Arqueio as sobrancelhas.
Anne concorda, balançando a cabeça – Só um pouquinho.
Viro meus olhos para Anne – Então também está quase surtando?
- É, estou sim... Tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo, minha cabeça está uma bagunça completa. – Ela diz, dando de ombros.
Olho para nossas mãos, dou um leve aperto o que atrai sua atenção – Você vai sair dessa Anne. Em pouco tempo estará longe desse hospital, e não vai voltar mais aqui.
- Quero poder acreditar nisso do mesmo jeito que você Edan... – Anne comenta com um pequeno sorriso. – Obrigada por estar comigo.
Passo a mão pelo seu cabelo, descendo pelas suas costas. Trago Anne para mais perto para mim, a abraçando firme. – Não precisa me agradecer...
Permanecemos abraçados alguns instantes, sem falarmos nada um para o outro. Dou um suave beijo na sua testa, me levantando na sequência. Anne me observa com um pequeno sorriso. Deixa-la aqui me incomoda, mas infelizmente eu não tenho escolha a não ser fazer isso.
- Eu voltarei em pouco tempo... – Digo, parado ao lado da porta. Ela me observa.
Um misto de sentimentos vem de Anne. Ela não quer ficar aqui no hospital, sente que ficará sozinha. Ela quer vir junto, e como eu quero levar ela comigo. Apesar disso, ela sabe bem que é pelo bem dela, então fará esse esforço. Mesmo nessa situação, ela me lança um sorriso – Sei que virá, e logo vou sair daqui. Aliás, eu posso pedir uma coisa?
- Claro, o que quiser... – A observo, vendo um pequeno sorriso surgindo em seu rosto.
- Eu queria... Que me trouxesse algumas folhas, um caderno de desenho... – Ela diz, brincando com seus dedos. Não esperava ver ela sem jeito por um pedido tão simples quanto esse – É que aqui é um tédio sabe... E eu queria alguma coisa para poder me distrair, fazer algo que me lembre você.
Concordo com um gesto – Ficar desenhando, entendo.
- Eu adoraria pintar também, mas duvido que aceitem tintas aqui. – Anne da um sorriso tímido e logo da de ombros. – Mas ficarei feliz em já poder desenhar.
- Feliz e menos entediada. – Digo, e Anne ri – Pode deixar Anne. Quando eu voltar, trarei o que pediu, também trarei um dos livros antigos que fiz, o que acha?
- Eu amei a ideia, se não for te incomodar eu quero sim. – A vejo completamente animada, e gosto de ver Anne assim.
A observo por alguns segundos. Meu corpo se recusa em deixar esse quarto, mas infelizmente é preciso. Me forço a desviar meus olhos de Anne e sair do hospital.
Uma sensação estranha toma conta de mim, é quase como uma agonia que cresce no meu peito, mas neste momento, eu não sei dizer se isso vem de mim, de Anne... Ou de ambos.
*****
Já fazem três dias que Anne está hospitalizada, e simplesmente não tem previsão de quando ela poderá sair.
Estou indo visitar ela todos os dias, fazendo companhia para Anne no tempo que temos disponível. Ela tenta me mostrar que está bem, está animada... Mas ela não consegue esconder tão bem. Consigo ver como ela se sente, além do tédio de estar presa no hospital, ela também não sente que tem chances de melhorar ou de sair.
É como se, quanto mais tempo Anne fica dentro do hospital, mais suas esperanças diminuem...
Isso sem mencionar uma estranha sensação profunda nela, algo que ainda não consegui ver ou entender. Cada vez mais isso me preocupa, e como posso eu tento manter ela confortável de que logo irá sair.
Não acredito que cheguei ao ponto de ser o apoio de alguém. E esse alguém sendo logo a Anne, a pessoa com mais vida que conheço.
Na escola, algumas pessoas já me questionaram sobre o porquê de Anne não estar indo, vendo pelo suposto fato de que eu e ela namoramos. Francamente, esse pessoal que presta mais atenção na vida alheia do que na própria. Mas sendo bem sincero, eu não os culpo por pensarem isso e virem perguntar a mim sobre Anne. Nos últimos tempos estávamos muito próximos, quase todos os dias na escola ficávamos juntos, com certeza levantamos alguma suspeita de um namoro e eu seria a melhor opção para saberem do estado dela. Mal sabem eles como estão enganados.
Eu simplesmente não sei ao certo.
Esses últimos dias eu fiquei prestando mais atenção nela, tentando decifrar seu atual estado. Fisicamente ela parece bem, está conseguindo andar normalmente, não pareceu sentir nenhuma dor, e muito menos senti que ela estava mentindo para mim. Mas se ela parece estar tão bem, por que ela continua lá? O que Anne pode ter de tão grave que a impede de deixar o hospital, mesmo aparentando estar bem?
Vejo uma explosão na televisão, me arrancando dos meus pensamentos em um susto. Não imaginava que houvesse deixado à televisão tão alta.
Olho em volta, percebendo o cômodo vazio. De uns tempos para cá, ficar em casa está sendo muito estranho. Sinto como se algo estivesse faltando, alguma coisa grande, mas não tenho a menor ideia do que seja. Deve ser só uma impressão errada, sei lá.
Levo as mãos ao rosto, esfregando lentamente algumas vezes. Me levanto, indo até o quintal, me espreguiçando. O clima está pesado, me sinto incomodado desde o momento que cheguei em casa. Olho para o Mítico, e ele está deitado em um canto, sem olhar para mim, e não consigo ver Kayle. Olho para a estufa, faz alguns dias que não entro nela, vai ser bom entrar e jogar uma água nas plantas.
Não que elas precisem, uma vez já fiquei mais de dois meses sem nem chegar perto da estufa, e quando entrei as plantas estavam intactas. Várias vezes eu me perguntei como que elas conseguiam ficar tanto tempo assim sem uma atenção minha, será que a presença da minha mãe dentro da estufa é tão forte a ponto de manter elas vivas mesmo sem nenhum contato com o lado de fora?
Bom, deve ser, senti a presença dela pela primeira vez dentro da estufa, então isso pode explicar muitas coisas.
Vou até meu quarto, pegando a chave da estufa dentro de um pote que sempre deixo guardado e volto a sair. Encho o regador até uma boa quantidade e caminho até a estufa, girando a chave entre meus dedos lentamente. Seria péssimo eu girar essa chave muito rápido, e ela acabar voando para uma direção aleatória.
Paro em frente à estufa, sentindo algo horrível assim que toco o cadeado. Algo que faz um frio correr pela minha espinha. Meu corpo fica estático enquanto encaro o cadeado. Aconteceu alguma coisa, tem algo muito errado. Destravo o cadeado com pressa e o lanço ao chão, puxando a porta da estufa e abrindo de uma vez.
O que...?
Tudo aqui dentro... Todas as plantas da minha mãe, as flores que ela tinha tanto carinho, que ela se dedicou tanto em cuidar... Elas estão mortas.
Recuo um passo com a surpresa que tenho, sentindo meu corpo tremendo, assombrado com o que vejo... Não... Isso não pode ser real. Isso não pode estar acontecendo.
Avanço para dentro da estufa em passos hesitantes, olhando para as plantas, tocando os vasos, tomado por uma aflição em todo meu corpo. Olho para todas, cada uma delas. O chão está coberto por folhas retorcidas, secas e se esfarelando em cada passo que dou aqui dentro. Todas, sem nenhuma exceção, estão caídas, murchas, sem nenhuma vida. Não restou nenhuma.
O que aconteceu aqui?
A sensação dentro da estufa... É apenas o frio, o vazio, e mais nada... Não... Eu não sinto nada, não sinto mais a presença da minha mãe... É como se esse lugar estivesse abandonado.
Fecho os olhos, tentando sentir qualquer coisa que seja. Me concentro, tentando perceber qualquer coisa, o mínimo de presença dela, do meu pai...
Minha respiração para por um segundo. Eu não sinto nada, de nenhum dos dois.
Minhas pernas cedem, me fazendo ficar de joelhos. Meu corpo cedeu em um impacto que parece atravessar meu ser até atingir minha alma. Olho tudo em volta, completamente atônito com o ambiente.
Essa sensação de estar faltando algo... Agora entendi tudo, finalmente vejo a realidade... Entendi porque tudo aqui está morto. Eu não percebi que a presença deles havia desaparecido.
Eles se foram de vez. Meus pais foram embora.
Eles me abandonaram...
*****
Não sei por quanto tempo permaneci em silêncio na estufa. Incapaz de falar, incapaz de chorar. Eu perdi completamente minhas forças, tudo que consegui foi encarar aquele ambiente desprovido de vida. Foi como se um novo vazio, tão aterrador quanto o anterior se instalasse.
Quando finalmente tive forças parar sair dali, já tinha anoitecido, e o frio estava muito mais pesado. Na hora que saí, meu corpo estava gelado e tremia sem parar, e as sensações eram ainda mais estranhas.
Tudo estava escuro, tanto do lado de fora quanto dentro de casa não havia nenhuma luz. Eu já perdi as contas de quantas vezes eu estive no escuro, mas o sentimento que tive ontem foi diferente. Foi como se, pela primeira vez, eu realmente estivesse me tornando sozinho naquela casa, e a aflição que senti crescia a cada segundo. Cada canto da casa me amedrontou, eu estava hesitante em cada passo.
Eu ansiava por sentir qualquer presença, qualquer acolhimento que fosse vinda dos meus pais, mas não senti nada. Tudo que me recebia era o silêncio e a solidão.
O mesmo silêncio de quando Anne estava no hospital e eu não sabia. Tudo em casa parece que perdeu o sentido, o significado em sua totalidade. Eu não consigo acreditar, por mais que algo na minha mente diga e me faz ter a certeza, eu me recuso em acreditar que meus pais foram embora em definitivo. Sem eu saber, eles estavam ali comigo, cuidado de mim e me acolhendo como podiam quando eu precisei... E de repente eu não os sinto mais em nenhum lugar, eles foram embora.
Eu não consigo me sentir bem com isso, não consigo ficar bem de nenhuma forma. Sinto uma agonia percorrendo do meu estômago pelo restante do corpo. Isso me deixa inquieto por dentro, minha mente fervilha com tantos pensamentos, tantas coisas surgindo e permanecendo, martelando na minha mente incessantemente.
Olho pela janela da minha sala, tentando me distrair com tantos pensamentos. Fico olhando o ambiente, a cidade, mas isso não me distrai. Volto meu olhar pela sala, analisando lentamente cada um. As conversas de todos os outros alunos estão abafadas na minha mente. Eu os ouço, vejo os sorrisos que eles dão, cada um dos seus gestos animados, mas parecem tão distantes nesse momento. Vejo Raquel do outro lado da sala, em uma conversa igualmente animada, e Leandro está junto a um grupo de outros alunos, jogando cartas na sala.
Me sinto deslocado, se ter uma chance, eu vou me levantar e sair andando para fora dessa sala. O intervalo de aulas é daqui a pouco, e o professor está ocupado demais olhando seu celular ao invés de controlar a sala ou passar matéria. Olho para a porta, está escancarada. Se eu sair, com certeza não serei percebido, só preciso fazer isso de um jeito que não seja obvio.
Espero alguns minutos, vejo o professor se levantando e indo assistir o jogo de cartas, e ao mesmo tempo me levanto, indo devagar até a porta da sala. Do jeito que, na minha mente é disfarçado, eu salto para fora da sala. Com toda certeza alguém deve ter me percebido. A questão agora é, para onde ir para fugir desse barulho todo?
Só existe um lugar nessa escola onde posso ir e não serei pego por ninguém.
Vou em passos rápidos até o último andar, rumando ao almoxarifado onde existe a passagem para os fundos da escola. Subo as escadas correndo, e logo alcanço o almoxarifado. Giro a maçaneta, por sorte não está trancado.
Entro no ambiente, sentindo o ar pesado desse cômodo fechado e mal iluminado. Puxo o armário e entro pela passagem coberta. Ligo a lanterna do celular e atravesso a passagem, chegando até as escadas do outro lado. Para onde vou dessa vez? Eu subo, ou então eu desço?
Decido por descer, mergulhando cada vez mais pelas escadas escuras. Esse silêncio daqui é profundo, o único som é da minha respiração, e dos meus passos. Apesar de lentos, eles ecoam como se eu pisasse com toda a afobação possível. Demoro um pouco, até finalmente alcançar a pesada porta no último lance de escadas. Faço um pouco de força para empurrar a porta, que estava emperrada igual da primeira vez.
A luz do dia me cega no primeiro segundo, mas logo me adapto a luminosidade. É horrível voltar para a luz depois de ficar tanto tempo no escuro.
Percebo que a porta não voltou a sua posição original, mas eu arrumo isso quando voltar. Sinto uma estranha pressão aqui, mas não sei de onde vem essa sensação. Fico observando em volta, o lugar parece diferente... Parece não, ele está diferente. Tem coisas em lugares diferentes, além muito mais coisas espalhadas por aqui.
Tem mais caixas espalhadas, todas estão abertas, com mais ferramentas, longas barras de ferro com altas manchas de ferrugem. Outras caixas estão pelo canto, todas abertas, me aproximo vendo roupas dobradas, todas parecendo em muito bom estado. Logo ao lado vários papeis com várias cores diferentes, mas não chego a ler o que está escrito nesses papeis. Acho que não estou sozinho aqui, tenho a impressão de ouvir passos, vindos de dentro da antiga quadra, onde a maior parte das caixas estão empilhadas.
Melhor sair daqui. Me viro para ir embora logo, e percebo que mais alguém está saindo da porta por onde vim. São duas pessoas olhando em volta com total curiosidade. Logo identifico serem Carol e Tamires, ao mesmo tempo que elas me percebem.
- Também veio fazer um passeio fantasma? – Tamires me questiona com um sorriso.
- É... Mais ou menos... – Digo, olhando para trás por cima do ombro. – Eu precisava esvaziar a cabeça, e aqui seria o melhor lugar.
Carol sorri, passando por mim e batendo de leve no meu ombro – Escolheu o lugar certo, aqui está cheio de coisas novas. Já olhou tudo?
- Não, eu cheguei a pouco tempo. – Fico olhando para as duas, que olham as caixas curiosamente. Estou inquieto, quero sair daqui.
- Então vamos olhar juntos. – Carol diz, olhando para a caixa de roupas – Viemos correndo para ver mais coisas, só não esperávamos que teria coisas novas.
- A escola deve mesmo usar esse lugar como um depósito, sei lá. – Tamires diz, pegando uma das roupas e analisando. – Só não sei porque guardam certas velharias.
- Tipo quais? – Questiono, erguendo uma sobrancelha.
Tamires passa uma mão pelo rosto, indo para uma outra caixa, retirando o que parecem ser apostilas de aulas. Ela olha para uma de capa azulada – Acho que isso é um bom exemplo. Apostilas de cinco anos atrás.
- É sério que tem uma dessas? De qual turma é? – Carol se aproxima, olhando a capa por alguns segundos – Terceiro ano, legalzinho.
- Fala se isso não serviria muito bem para a reciclagem? – Tamires comenta, enquanto folheia a apostila.
- Ou para uma fogueira. – Dou de ombros, indo em direção à quadra. Sei que posso ter escutado passos, mas quero ver o que é – Vocês tem razão, muita coisa aqui daria para jogar fora.
Carol acaba rindo – Então vamos ficar olhando na total clandestinidade antes que pensem em uma dessas possibilidades.
- Sermos penetras, com uma pitada de risco de tomarmos uma advertência totalmente gratuita, é justamente o risco que eu preciso para animar meu dia. – Tamires acaba rindo assim que para de falar.
- Você precisa de pouco para animar seu dia Tamires... – Digo, sem olhar para elas.
- Falou como se o que estamos fazendo aqui fosse pouca coisa. – Escuto Tamires comentando com certa animação – Só para avisar, o que estamos fazendo agora pode nos render um bom passeio de viatura.
- E você já passou por isso? – Questiono.
- Algumas vezes, sabe o que acontece quando policiais te abordam depois das onze da noite e você está com um grupo de amigos e várias latinhas de cervejas vazias? – Escuto a voz de Tamires se recheando de empolgação.
- Prefiro não saber... – Balanço a cabeça, parando em frente à quadra. Tenho a sensação de que a pressão acabou de ficar mais intensa.
Abro a porta da quadra, que eu tenho a sensação que vai cair pelo rangido nada discreto. Em passos curtos, eu entro no local, vendo as várias caixas empilhadas quase como um muro bem alto. Olho para trás, achando que Carol e Tamires estavam se aproximando, mas me engano, elas mal se aproximaram da quadra. Ainda estão olhando as caixas e conversando entre elas, então... De quem são esses passos que estou ouvindo?
Avanço devagar, me escondendo e olhando com cautela, percebendo de relance que havia alguém ali parado, observando as caixas. Isso me rende um susto em primeiro momento, me seguro ao máximo que posso para não fazer nenhum barulho. Droga, com certeza o zelador já deve saber que eu e as garotas estamos aqui. Estamos realmente encrencados...
Mas... A porta da quadra estava encostada. Por que o zelador, ou seja lá quem for, iria deixar a porta encostada, sendo que só teria ele aqui?
Espera um pouco, se fosse o zelador, ele não viria pela escada de emergência, mas sim pela área de direção da escola. É o pensamento mais óbvio.
Olho novamente, agora mais devagar, vendo a pessoa mexendo em uma caixa logo a sua frente, percebendo algo. Ele está vestido com o mesmo casaco negro que já vi antes. Recuo, me afastando devagar e indo até a porta da quadra, acenando para elas. Tanto Carol quanto Tamires me olham de forma estranha, se entreolham, e chegam perto de mim em uma pequena corrida. Gesticulo desesperado para que façam silêncio
- O que foi? Achou algo legal? – Carol questiona em um sussurro.
- Mais ou menos... – Digo, olhando para trás por instinto. – Se eu falar "cara do casaco", você vai achar legal?
Percebo que ambas as garotas se assustam com o que digo. Nos olhos das duas parece haver algo, estão assustadas. Tamires de imediato recua um passo, mas Carol se mantém firme onde está. Para minha surpresa, e de Tamires também, Carol acaba avançando – Eu preciso ver isso. Onde ele está Edan?
Tamires entra logo em seguida, a segurando pelo braço – Você endoidou de vez Carol? Pra que quer ver o cara do casaco garota, nós temos é que sair daqui!
- Uma coisa que eu sou é doida, e qual problema tem dar só uma espiada? – Carol diz, sussurrando de volta para Tamires.
Eu olho em volta, me certificando de que ele não tenha nos percebido aqui tão perto. Apesar disso, vou no mesmo lugar que o vi, e olho na mesma direção, ele ainda está ali, assoviando e aparentemente descontraído, retirando algo de uma das caixas. Droga, eu ainda não consigo ver seu rosto, então não faço ideia de como ele possa ser – Ele ainda não percebeu que estamos aqui, da para sairmos. – Digo, me virando para elas.
- Se não nos percebeu, podemos olhar! – Carol se solta e vem em minha direção, olhando na mesma direção que ele está. – Isso é uma piada Edan?
- O que? – Questiono, erguendo as sobrancelhas. Tamires se aproxima de mim, e imitando o movimento da amiga, Tamires me encara, incrédula.
- Onde ele está? – Carol questiona, ainda sussurrando – Não tem ninguém aqui!
- Nossa... Que brincadeira de mal gosto Edan... – Tamires leva a mão sobre o peito, dando um pesado suspiro. – Você quase me mata de susto com isso. Pensei que o cara do casaco estava mesmo aqui.
- E na realidade, eu estou mesmo... – Escuto uma voz atrás de nós me causando um calafrio assombroso, ao mesmo momento que a uma pressão esmagadora surge junto ao que parece ser uma nevoa negra tomando o ambiente. – Sabem, em matéria de descrição, todos vocês estariam reprovados. Percebi vocês aqui há muito tempo.
Eu não consigo me mexer, o que está acontecendo?
- Carol, Edan e Tamires, é um grande prazer encontrar todos vocês. – Escuto a voz em um tom calmo e divertido, juntamente a passos vindos dele – Mas me digam, o que fazem aqui?
Tento falar, mas eu não tenho a menor ideia do que dizer. Olho para Tamires, e então para Carol, tentando pensar em algo – Sabe como é... Intervalo de aulas... – Escuto Carol falando com uma risada contida. Tanto eu quanto Tamires olhamos para ela.
- Sério? É intervalo agora? – Silêncio por poucos segundos – É, o horário está batendo. Só não entendi por que vieram até aqui. Esse lugar é fechado a vocês alunos.
- Curiosidade... – Tamires força um sorriso, mas está claro como ela está nervosa.
- Ah sim, entendo... Já ouviram que a curiosidade costuma matar gatos? O que será que faria com vocês três? – Escuto a voz dele agora de forma até desafiadora, junto a uma risada que me causa medo. Tento me mover, mas não consigo. Ouço os passos dele, e então caixas sendo abertas calmamente – Relaxe Tamires, estou só brincando. Não tenho a intenção de fazer nada com vocês. Logo irei solta-los, só preciso achar uma coisa e irei embora. Mas nada nos impede de conversar um pouco até lá, o que acham?
- Conversar sobre...? – Questiono, não sei como consegui falar.
- Sei lá, qualquer coisa. – Ele diz com um riso. – Podem começar falando como conseguiram chegar aqui nos fundos. A única passagem convencional que tem é pela sala da direção...
- E um buraco que abrimos na parede... – Carol diz, contendo a voz.
Escuto ele rindo sem parar, claramente sem se importar com o barulho. – Uau. A aula de vocês deve ser muito tediosa para chegarem ao ponto de derrubar paredes.
- Pode dizer... Por que está aqui? – Tamires questiona, com a voz contida.
Escutamos sons que parecem de sacolas sendo abertas – Estou observando uma pessoa.
- Observando? – Consigo dizer, respirando fundo.
- Sim... Lembra que te falei sobre isso quando viajamos? – Tamires diz, arfando de leve. Percebo em seu rosto como ela está tensa. – Pelo jeito ele ainda está observando.
Ouço ele dando um suspiro – Sim, é só uma pena ver como as coisas estão acontecendo. Eu não imaginava que os efeitos da minha presença seriam tão severos a ela.
- Do que está falando? – Questiono.
- Esqueça. Acredito que não é preciso você ter conhecimento disso. – Ele comenta com um pesar em sua voz, o que me deixa confuso. – Você já está enfrentando muita coisa.
- Você... Sabe o que eu estou passando? – Não sei como consegui falar. Tantas coisas acontecendo, tantas sensações, perdas.
- É... Eu sei, mais do que imagina. – Ele diz, ainda em um tom pesaroso.
Lentamente Carol se vira, olhando na direção dele. Não sei como ela consegue se mexer. Parece que meu corpo está completamente preso, e Tamires parece estar da mesma forma – Tenho algo para perguntar... O que fez com o Fabiano?
- Me impressionando de novo Carol. Que garotinha cheia de surpresas. – Ele diz com um riso, e posso ouvir seus passos, cada vez mais próximos de nós. Percebo como Carol acaba recuando um passo à medida que ouço seus passos cada vez mais perto – Eu não fiz nada que ele já não merecia antes.
- Ele desapareceu por uma semana! – Tamires bufa.
- Tá, talvez eu tenha exagerado um pouco, mas quanto a ele ter desaparecido eu não tive culpa nenhuma... Foi ele quem convenceu a família de que deveriam sumir por alguns dias. – Ouço mais algumas sacolas sendo mexidas – Ótimo, vocês estão liberados. Voltem antes que percebam que sumiram de vista.
A pressão desaparece de repente, e consigo mover meu corpo livremente. Olho na direção de onde antes ele estava, mas agora não tem mais nada. Carol está com um olhar surpreso em direção ao alto. Ele desapareceu.
- É cada vez pior quando ele aparece... – Tamires diz, pendendo o corpo para frente, respirando ofegante. Ela está suando.
Carol abraça a si mesma, com o olhar se perdendo pelo chão – Sim, é mesmo... Acho melhor só sairmos daqui.
Fico olhando para as duas, sinalizando com um gesto de mão para sairmos desse lugar, enquanto tento organizar meus pensamentos. Eu não tenho a menor ideia do que acabou de acontecer aqui, e nem sei se devo tentar entender. É como Tamires me disse, o melhor é ficar longe dele.
*****
Eu não sei como ainda não enlouqueci de vez. Tantas coisas acontecendo, situações que eu não queria nunca ter que enfrentar. O estado de Anne que parece não melhorar, meus pais terem ido embora de vez, a aparição do cara do casaco. Tudo isso está me deixando uma verdadeira pilha de nervos.
Depois que o cara do casaco desapareceu, as garotas e eu deixamos o lugar às pressas. Acabamos prometendo uns aos outros não voltar naquele ponto da escola pra mais nada, acho que já tivemos experiências demais ali, então é bom não voltarmos. Na realidade, eu tenho minhas dúvidas se iremos falar disso algum dia.
Estou andando pelos corredores do hospital, rumando ao quarto de Anne. Pelo menos será esse o momento do dia que eu poderei ter um mínimo de paz, se é que isso é possível na minha vida.
Antes de vir para cá, passei em uma papelaria e comprei tudo que poderia ser necessário para Anne. Um pacote de folhas sulfite brancas, duas lapiseiras com refil para cada uma, uma para traços e outra para detalhes mais precisos, borrachas, e alguns lápis de cor também. Deixei tudo na minha mochila e vim para o hospital. Eu espero que ninguém fique irritando Anne por causa disso.
Chego ao quarto de Anne, dando um pesado suspiro antes de entrar. Vejo Anne parada em frente à janela, olhando curiosamente para algo que não sei ao certo o que é. Paro ao lado da porta, apenas olhando para ela. Mesmo depois de dias aqui no hospital, ela continua sendo a garota mais bonita que já vi.
Ela se vira para mim, abrindo um largo sorriso – Já estava com saudades.
- O sentimento é mutuo. – Vejo Anne segurando a barra de ferro ao seu lado, onde mais uma bolsa de soro estava, já vazia. Já perdi a conta de quantos desses eu já vi presos a Anne, e esse não parece que está ligado a ela. – Eu trouxe o que me pediu.
- Mesmo? – Ela diz animada, caminhando até sua cama. Estranho seus passos estarem menos espontâneos como sempre foram. Ela se senta na ponta da cama, balançando os pés igual a uma criança. Paro ao seu lado, abrindo minha mochila e entregando primeiro o pequeno livro que peguei em casa, e logo em seguida as várias coisas que comprei para ela. – Mas... São muitas folhas, não precisava de tudo isso.
- Quem disse que vai fazer tudo sozinha? – Ergo uma sobrancelha, recebendo um olhar junto a um sorriso curioso dela. – Vou te acompanhar enquanto estiver aqui. Tem onde guardar tudo isso?
- Tenho sim. – Ela sorri, apontando para um pequeno móvel do lado da cama. – Minhas coisas podem ficar guardadas ali. É sério que vai me acompanhar em desenhos?
Abro o pacote de folhas, entregando uma a ela e sacando uma para mim, puxando uma pequena cadeira que sempre esteve aqui no quarto – Nunca fizemos isso antes, então por que não fazer agora?
Anne sorri, se ajeitando na cama pegando a folha, e usando o pacote que deixei na cama como apoio. Alcanço um caderno que já estava na minha mochila, criando o meu apoio. Observo Anne olhando para a folha, já começando a rabiscar algo – Só você em Edan. Fica melhor em cada segundo.
- Eu poderia dar mil motivos para discordar e te fazer mudar de ideia – Digo em um contido tom de brincadeira, que ainda assim faz Anne rir.
- Dê quantos motivos quiser, eu não mudo minha opinião! – Ela comenta, tocando a ponta da lapiseira no seu rosto, voltando a rabiscar enquanto eu ainda mal comecei a desenhar qualquer coisa que seja. Me concentro mais em olhar para ela, aproveitando o momento que temos juntos. Definitivamente, estar perto dela me faz bem. Anne é o meu sol, a luz na minha vida. Posso ver um sorriso em seu rosto, ela me ouviu pensando, mas não tem problema.
- Não darei motivos... – Digo em um sussurro, começando a rabiscar a folha a minha frente, tentando me concentrar. Mantemos um silêncio entre nós, acho que não precisamos dizer nada agora, da nossa forma, estamos aproveitando nosso momento juntos da maneira como podemos.
- O que pensa em fazer? – Ela diz, chamando minha atenção. Seus olhos estão na folha em minhas mãos.
- É uma boa pergunta. – Digo, fazendo ela dar um sorriso divertido. – Ainda não pensei. Talvez um ambiente, algum animal de estimação... Vou improvisar alguma coisa.
- Parecem boas ideias... – Anne diz, em um pequeno suspiro – Eu já tenho algumas ideias do que posso fazer.
Dou um pequeno sorriso – E por que não consigo espiar essas ideias em seus pensamentos?
Anne me olha com um sorriso – Porque deixei bem escondidas. Serão uma surpresa.
- Vai me deixar ansioso com isso. – Olho para Anne, que volta a rabiscar a folha, e acabo fazendo o mesmo. – Não vai me contar?
- Saberá na hora certa. Até lá, sofra na curiosidade. – Ela diz rindo.
- Malvada... – Digo em um sussurro que a faz rir. Balanço a cabeça negativamente, continuando a fazer os vários traços pela minha folha.
Logo tomarão alguma forma, que ainda não sei qual é. Acabo me concentrando em Anne por alguns segundos, querendo saber como ela está se sentindo, quais emoções e os sentimentos agora. Ela está feliz, simplesmente feliz. Não sinto duvidas, receios, medos, nada. Apenas como ela está feliz, alegre, tudo de uma forma intensa. Ela está aproveitando esse momento ao seu máximo, como se ele pudesse ser interrompido e acabar em qualquer segundo.
Eu a entendo, estou da mesma forma. Aproveitando esse momento com essa chata que conheci esse ano e já bagunçou tudo na minha vida. Tornou-se um momento que não me preocupo com nada, não penso em nada. Não preciso pensar em absolutamente nada agora, tudo que passei na minha vida, tudo o que enfrentei, tudo o que perdi... Tudo, toda a dor simplesmente se acalma quando estou perto dessa garota. Não sei como Anne consegue, mas eu não sei por quantas coisas eu teria que agradecer ela.
Volto meus olhos para ela. Anne está concentrada no que fazia, levando uma mecha de seu cabelo para trás da orelha, pousando o indicador em frente à boca, logo voltando ao que fazia. Acho que me tornei incapaz de olhar para Anne e não a admirar. A beleza do seu olhar, o seu rosto, cabelos... Tudo nela parece me encantar, é tão bela... Tão... Única.
- Vai me deixar sem graça me olhando assim... – Ela sussurra, me olhando de canto.
- Deve saber que não consigo mais controlar. – Volto meu olhar ao meu desenho, sem retirar meu pequeno sorriso do rosto. É a verdade, quero olhar para ela, estar com ela cada vez mais.
- Acabei de descobrir que não consegue... E nem precisa controlar, afinal isso não é um problema. – Novamente em sussurros. Apesar de estarmos sozinhos, ela parece ter cuidado para que nada nos escute, nem o vento.
- Não me dê tais liberdades, vou me sentir um idiota. – Apoio o rosto na mão, deixando o meu lápis sobre a cama.
- E você não é? – Ela vira seus olhos para mim, de forma brincalhona. Respondo o olhar dela com minha melhor expressão de tédio. – Do mesmo jeito que eu sou uma chata.
- Ainda bem que sabe disso. – Assim que falo, Anne contém uma gargalhada. Lentamente uma preocupação começa a tomar conta de mim. – Como está se sentindo?
Vejo como seu olhar e seu sorriso se tornam mais melancólicos – Se eu falar que estou bem, estaria mentindo... Meu corpo dói quando tento me mover muito, tenho que fazer tudo devagar por causa disso... E me sinto cansada em quase todos os momentos.
Mantenho meu silêncio, sem saber o que dizer para ela. – Não tem uma previsão de melhora?
- Ainda não... – Anne da um suspiro, se ajeitando na cama – Estou fazendo exames quase todos os dias para descobrir exatamente o que eu tenho, mas até agora os médicos não tem a menor ideia do que seja.
- Se não sabem o que é, não poderiam estar injetando aquilo, não acha? – Aponto para a bolsa de soro.
- Aquilo é para amenizar a dor. – Anne sorri de uma maneira que sei que apenas ela consegue fazer – Sem aqueles remédios, eu simplesmente enlouqueceria. Dói demais sabe?
Abaixo meu olhar, encarando a cama.
- Esses dias quando estava sem o efeito do remédio, chorei de tão aguda a dor era... E ela não passa por nada, só ficava mais forte a cada dia... – Ela diz, forçando um riso.
Ela está tentando fazer com que não pareça nada, que está tudo bem... Tentando fazer com que eu não me preocupe, exatamente como... Como eu faria...
- Eu entendo... Espero que tudo isso passe logo... – Digo, sem conseguir olhar para ela.
- Também espero isso... Mas não se preocupe... – Anne pousa uma mão sobre minha cabeça, fazendo um leve carinho. – Eu ficarei bem logo.
Hesito por um instante. – Você promete isso?
Ela me olha, chegando perto de mim e tocando meu rosto, aproximando-se e me dando um suave beijo – Sim, eu prometo...
Concordo balançando a cabeça, olhando em seus olhos. Eu continuo preocupado pelo estado de Anne, torcendo pela sua melhora, com medo de perder ela. Começo a perceber algo, novas sensações em Anne... As incertezas, o temor por sua vida, receio de não melhorar e nunca mais sair daqui, medo de não me ver mais. Uma angustia toma meu peito.
Saio da cadeira, chegando mais perto de Anne e a abraço. Abraço forte, tentando ao máximo mantê-la perto de mim, tentar dar algum conforto a ela, por menor que seja esse conforto. O que eu puder fazer, irei fazer por ela. – Vai ficar tudo bem...
Anne se aconchega em mim, escondendo seu rosto no meu ombro e passando seus braços a minha volta, segurando em minhas roupas com força.
Independente do que aconteça, eu estarei aqui para Anne. Não sei se conseguirei, mas serei o conforto que ela precisa. Dentre nós, já basta eu que sempre senti dor, não posso e não vou permitir que ela também sinta. O que eu puder, eu farei por ela.
- Obrigada por estar comigo... Obrigada de verdade... – Escuto Anne dizer em um sussurro, o que me faz a abraçar ainda mais.
- E continuarei com você, estarei aqui quando sair desse hospital... – Digo, acariciando seu cabelo em suaves movimentos.
Afastamos lentamente, seus olhos se encontram com os meus. Seguro suas mãos, sem deixar de olhar para ela, o que a faz dar um pequeno sorriso. Eu estou certo do que eu disse, estarei aqui quando Anne sair desse hospital, darei todo o meu apoio. Nunca me senti de tal maneira antes.
Eu sei que eu não devo, sei como isso é errado. Eu não posso permitir que isso aconteça, mas eu simplesmente não consigo mais impedir. É mais forte do que eu.
Eu quero desesperadamente negar isso, mas sei que é impossível agora.
Eu amo Anne...
*****
Não sei o quão difícil foi deixar aquele quarto de hospital, mas foi preciso. Eu e Anne conseguimos aproveitar bem o tempo juntos. Os pais dela entraram no quarto, nos encontrando em uma conversa sobre o que estávamos desenhando. Imaginei que precisaria sair, mas por ser em um quarto onde apenas Anne estava, poderiam ficar mais que um acompanhante, mas o limite parece ser de até quatro pessoas no quarto, isso me permitiu ficar com ela por bem mais tempo. Eu acho que dei muita sorte.
Acabou que todos nós ficamos lá com Anne fazendo companhia. Carlos fez questão de ficar contando algumas coisas bem engraçadas para deixar um clima bem mais descontraído, e funcionou, Anne ficou muito bem humorada. Sei que esse clima se manteve agradável até a noite, quando precisamos ir embora pelo horário de visitas ter acabado. Eu não queria ir e deixar Anne ali, minha vontade era de levar ela comigo, mas infelizmente eu não posso fazer isso.
Enquanto voltávamos, me senti na necessidade de perguntar para Regina e Carlos logo de cara se eles sabiam de qualquer coisa sobre o estado de Anne. Imaginei que os pais dela poderiam ter sido informados de alguma coisa, qualquer novidade, mas eles estão no escuro igual nós. Bem, é impossível eu saber de algo assim de imediato, afinal eu não sou nada de Anne além de colega de escola.
Eles me ofereceram carona de volta para casa, mas eu neguei. Eu preferi voltar para casa andando, queria um tempo para poder esfriar a cabeça, tentar ficar mais leve como eu podia... Meio difícil, sabendo o tanto que eu fico pensando em alguns momentos. Apesar de relutantes, os pais de Anne parecem ter entendido minha vontade, e não insistiram muito.
Apesar de eu querer muito, não andei pela cidade. Estou seguindo direto para casa, tentando aproveitar a noite. Estava uma noite estrelada com uma refrescante brisa. Em poucos minutos o céu foi encoberto por nuvens, tornando o céu um mar cinzento enegrecido. Caminho pela rua, percebendo um leve sereno começando a cair. As minúsculas gotículas molham meu rosto e minhas roupas, me dando a impressão do frio atravessar pelo meu corpo em cada passo que dou.
Chego em casa, destrancando o portão e entrando. Mítico e Kayle estão acuados próximos à porta, e logo que me percebem, eles vem em minha direção. Nenhum dos dois vem afobados, eles caminham calmamente até estarem próximos de mim. Me abaixo em frente a eles, acarinhando como de costume.
Olho para o alto, imaginando o frio que pode fazer essa noite. Desde que chegaram em casa, nenhum dos dois fez qualquer bagunça, nem destruíram nada daqui de casa. Não vou deixá-los do lado de fora, seria crueldade demais. Hoje os dois dormem dentro de casa.
Abro a porta da sala e ligo a luz, dando espaço para que eles entrem. Kayle sobe no sofá, e Mítico apenas se encosta perto da porta, se deitando. Fico olhando para eles, balançando a cabeça negativamente.
Vou direto para o meu quarto, preciso tirar essa roupa úmida e colocar uma seca. Pelo jeito que esfriou, o clima amanhã estará bem ameno, provavelmente precisarei me agasalhar. Retiro todas as minhas roupas, correndo ao banheiro e tomando um banho quente para poder me aquecer antes de me agasalhar. Fora que ainda preciso jantar alguma coisa.
Saio do banho e vou direto para meu quarto, pegando algumas roupas para me aquecer. Uma boa calça de moletom e uma camisa de manga longa. Me espreguiço, indo até a estante do quarto. Pelo menos não está tão coberta de poeira. Lembro que fiz uma boa limpeza esses dias, quando Anne não estava hospitalizada, e ela fez questão de me ajudar, ela quis organizar boa parte das coisas que tinha aqui, por mais que eu achasse desnecessário.
Percebo um pequeno quadro ao fundo, que há muito tempo eu sequer olhava. O quadro está deitado de frente, de forma que eu não consigo ver a foto, além disso, ele está com uma nítida camada de poeira sobre a madeira da moldura. Eu o tomo em minhas mãos, tendo uma surpresa. A foto não está aqui.
Pisco algumas vezes estranhando o que vejo, colocando a moldura vazia de volta ao seu lugar. Estranho, a foto sumiu, mas a tanto tempo que não mexo nele... Nem lembrava da existência dele... Será que o deixei vazio por todo esse tempo?
A julgar por toda a poeira que tem nele, acho que sim... Parece até que toda a estante foi limpa, mas apenas esse porta retratos não foi tocado, que bizarro.
Penso em apenas ignora-lo, mas não posso. Algo martela em minha mente, eu não deixei esse quadro vazio... Pelo menos é isso que eu imagino, e ver apenas um porta retratos vazio me incomoda bastante. É quase um desperdício.
Irei colocar uma foto aqui, mas isso significa revirar partes do meu passado. Tudo bem, será por apenas alguns minutos.
Saio do meu quarto, seguindo pelo corredor, rumo ao quarto dos meus pais. Hesito um pouco na porta, mas entro. Acendo as luzes, observando o cômodo perfeitamente arrumado como sempre gosto de deixar.
As vezes entrar aqui me causa uma sensação estranha,de que poderei ver os dois apenas dormindo tranquilamente depois de um longo dia de trabalho... E ligar a luz de forma tão repentina iria resultar nos meus pais acordando no susto, me questionando se minha intenção é matar eles de susto... Esses pensamentos sempre me fazem sentir um aperto no peito, e hoje não foi diferente.
Respiro fundo, seguindo para o guarda roupa, abrindo as portas centrais devagar. Observo algumas poucas coisas que ainda restam aqui, que de forma alguma penso em me livrar, são parte das minhas recordações deles.
O guarda-roupa possui uma divisória central e o total de três estantes dentro. De um lado deixei preservadas algumas coisas da minha mãe. Um frasco de perfume doce que ela costumava usar em alguns momentos, uma pequena caixa de joias que ela mantinha com uma leve desorganização que sequer ousei tocar com medo de perder a essência dela, além de algumas poucas roupas que mantenho e cuido como forma de manter minhas lembranças.
Do outro lado estão as coisas do meu pai, que mais pareciam as coisas de alguém com picos de idades. As roupas perfeitamente alinhadas como ele gostava, dividindo um pouco do espaço com mangás e também algumas figuras de ação que imaginei que eram suas favoritas. Lembro vagamente do meu pai parado no sofá, apenas olhando essas figuras, e admito que já tentei imitar seus movimentos de forma de tentar me sentir mais próximo dele. Além disso, ainda tem uma colonia que ele também tinha costume de usar.
E juntas, estão as alianças do casamento deles... Passaram os anos, mas por mais que o tempo passe, o brilho dourado das alianças se mantém forte. Minha mãe ficou com a aliança do meu pai assim que ele faleceu, e deixou guardada consigo, seja nos bolsos ou até usando a aliança dele... E assim que ela morreu, tempos depois meu tio Marcos me entregou ambas as alianças, dizendo que as manteve consigo esperando um momento de me entregar.
Eu tinha ambas as alianças comigo, e decidi deixá-las juntas, como uma última memória dos meus pais, que também simboliza como eles eram unidos...
Aperto os olhos, afastando qualquer pensamento da minha cabeça. Eu já esperava por isso, reviver tudo isso, o passado me afetaria com tanta força como sempre afetou, mas não posso me deixar abater, ainda tenho algo a fazer aqui.
Desço os olhos para um gaveta, a última do guarda-roupa. A abro, vendo uma mala em tons marrons um pouco estufada. A puxo para fora da gaveta, sentindo todo o peso da mala. Me pergunto quantas coisas estão aqui dentro, sem contar as pastas com documentos que permaneceram na gaveta.
Abro a mala com certa dificuldade, o zíper velho emperrou por algumas vezes, mas logo não tive mais problemas. Dentro da mala estão vários álbuns, alguns pequenos e outros bem maiores e pesados, e apesar do tempo, todos estão muito bem preservados.
Tomo o primeiro álbum em mãos, um pequeno, olhando as fotos dentro. Vejo uma foto que entregam o quão antigas são, antes de eu nascer. Vendo como estão meus pais, acho até que é de quando estavam na faculdade, ou um pouco antes de eu nascer.
Algumas fotos mostram eles na praia durante o dia, ou então fotos da minha mãe enquanto ela comia algo que claramente foram tiradas de surpresa vendo seu olhar. Ou então fotos dos dois juntos em sorrisos sinceros.
Em outras fotos estão aqui em casa com menos coisas do que hoje, acho que haviam acabado de comprar a casa nessa época. Muitas das fotos são da minha mãe olhando para algo, ou então enrolada em cobertas, e algumas poucas do meu pai, acho que todas as fotos do meu pai era quando minha mãe o encontrava distraído...
Uma foto em especial chama minha atenção, dos dois no sofá, debaixo das cobertas deitados de uma maneira muito parecida com a qual eu e Anne dormimos no sofá tempos atrás, tanto da primeira quanto na segunda vez. Uma lembrança dessas, minha e da Anne...
Pego outro álbum, vendo uma foto de quando estavam em uma viagem, parece até ser um outro estado pela região montanhosa ao fundo. Por um momento, até chego a pensar que o lugar de fundo é o mesmo mirante que fui com todos, e onde pude estar com Anne. O lugar é extremamente semelhante, a vista de fundo parece até a mesma, mas ao mesmo tempo existem suas diferenças, muito mais arvores, grossas barras de ferro quando aquele mirante que visitamos tinha um parapeito balaustrado até meio velho, que me fazem desistir da ideia por mais que exista semelhança.
Algo que eu não poderia deixar de notar nessas fotos, minha mãe grávida. Não arrisco dizer quantos meses de gravidez, mas a barriga estava imensa. Ela parecia tão feliz, muito mais radiante do que nas outras fotos, e meu pai compartilhava dos sorrisos da minha mãe, e acho até que ele parecia ainda mais próximo dela nessas fotos.
Um nó se forma na minha garganta com o próximo álbum, eu vejo minha mãe com um recém nascido nos braços, enrolada em uma manta branca, e meu pai estava logo do lado abraçando ambos, bem no sofá de casa. Um momento em que todos estivemos juntos... Uma lembrança reduzida a uma foto, algo que minhas memórias não trazem por ser muito novo, mas foi um momento que todos estivemos juntos como uma família...
O aperto no meu peito aumenta, meus olhos pesam e aperto a boca tentando conter tudo dentro de mim... Todas essas lembranças, quanto mais eu vejo, tudo que eu sempre senti, saudades, tristeza, coisas que eu enfrento sozinho, e sempre enfrentei todos os dias... Então por que não consigo superar? Por que não consigo deixar tudo para trás?
Por que isso me dói tanto? Por que eu não sou forte o bastante para superar tudo?
Já deveria ter superado, apagado tudo que sempre senti, mas tudo sempre volta a me golpear, sempre e sempre... Cada vez mais forte... Se eu sempre enfrentei isso, como ainda sou tão fraco?
Pensamentos... Tantos pensamentos, sempre me destruindo a cada momento, mas eu ignoro, como sempre fiz. Apenas ignorar, isso não é importante, não merece nenhuma atenção... Eu sou dispensável afinal, uma vida inútil e sem significado, então por que me preocupar tanto...
Uma parte de mim grita que devo me preocupar, que não devo ignorar... Que tenho motivos para me preocupar, que tem pessoas que dependem e precisam de mim...
Se eu cair, minha ausência neste mundo seria percebida? Sentiriam saudades de mim?
Uma parte de mim grita que não, e outra parte, uma bem pequena, diz que sim, que minha ausência seria percebida, que sentiriam sim minha falta... Mas como sentiriam falta de alguém dispensável, de alguém fraco e sem vida como eu?
Fraco e incapaz de lutar e fazer pelo bem de suas pessoas queridas... Incapaz de ajudar, incapaz de salvar quem ama, uma pessoa assim é lembrada pelos outros?
Respiro fundo, sacudindo a cabeça por várias vezes. Não. Eu não posso pensar nisso. Não posso pensar em nada disso. Meus pensamentos são minha ruína, e não posso ceder a eles... Eu não sei porque, ou por quem... Mas eu ainda não posso cair.
Com a pouca força que ainda tenho, preciso me manter de pé.
Meus olhos voltam ao álbum a minha frente, unido a minha tentativa de afogar quaisquer pensamentos que eu possa ter.
Passo os olhos por mais fotos, tentando ao máximo me lembrar do que eu vim fazer aqui. As lembranças, todas elas me fazem bem, mas ao mesmo tempo apunhalam o que restou de mim, me fazendo relembrar qualquer dor que eu já tenha sentido... Escolher uma foto! isso, eu tenho que escolher uma foto!
Mas qual? Uma de todos juntos? Uma que mostra somente meus pais?
Passo as fotos uma a uma, analisando uma que poderia ser uma boa opção boa para aquele quadro, mas são tantas que não tenho a menor ideia do que escolher. Todas parecem ser muito boas, vendo que todas me trarão lembranças dos meus pais, então a dúvida do que escolher se torna cada vez mais presente.
Uma das fotos chama minha atenção, e passo a analisá-la. Vejo uma versão menor de mim mesmo, arrisco dizer que é de quando eu tinha meus seis anos. Um tempo que eu ainda não tinha um cabelo tão longo como agora.
Permaneço analisando como eu era por ainda mais tempo. A diferença é nítida de tantas formas que até chega a me impressionar um pouco. Quando criança eu não era tão pálido como agora, não tinha olheiras de muitas noites maldormidas, além que o brilho que eu tinha nos olhos era claro, muito diferente de como é hoje... Pelo menos o tom verde dos meus olhos nunca mudou, acho que é a única coisa que permaneceu igual.
Eu era uma criança bem sorridente, isso é inegável e essa foto reforça muito isso. Eu era feliz, meus pais faziam isso, e agora que definitivamente não os tenho comigo, tudo parece mais vazio do que antes. A única coisa que ainda me faz acreditar que pode haver uma luz é Anne. Olho melhor para a foto, dando atenção a algo que até agora ignorei, uma garota de cabelos negros ao meu lado com um sorriso tímido.
Curioso isso, agora que penso melhor, essa mesma garota... Ela...
Ela já apareceu nos meus sonhos antes, em alguns deles ela estava lá, tenho certeza disso. Eu me lembro dela, estava sempre perto do meu "eu" pequeno, mas não sei quem é ela, nem faço a menor ideia de quem seja. Eu não me lembro dela em nenhum momento da minha infância.
Percebo algo nessa garota de cabelos escuros. Esse sorriso dela, esses olhos, o formato de seu rosto... Ela se parece... Espera, Anne?
Não, isso é impossível. Eu não conhecia Anne quando era criança, não pode ser ela. Essa garota é semelhante demais, mas... Quanto mais eu olho, mais parece com a Anne, mas eu tenho certeza que é ela... Mas por que não consigo me lembrar?
Encaro a foto por mais alguns segundos, tomado por dúvidas. Não posso acreditar que Anne já esteve na minha vida antes e eu sequer me lembrei. Retiro a foto do plástico do álbum e me levanto, ignorando completamente a mala aberta. Eu ajeito tudo daqui a pouco.
Saio do quarto dos meus pais encostando a porta, indo correndo de volta ao meu quarto. Olho para a foto por mais uma vez, e deixo a mesma perto da minha mochila. Amanhã quando eu for ver Anne no médico, eu irei tirar isso a limpo. Eu quero algumas explicações dela.
Saio do meu quarto, vendo que meus animais estavam bem acomodados, praticamente dormindo no sofá. Acho que ignoraram totalmente eu ter corrido tão perto deles. Olho para o móvel ao meu lado, onde as duas rosas estavam.
Me aproximo do vaso, olhando fixamente para elas. A rosa negra está caída e murcha como sempre esteve antes, e a rosa branca está no mesmo estado... Não, ela está pior, mais do que jamais esteve. Olho para as várias pétalas brancas caídas sobre o móvel, o que faz uma imensa dor tomar meu peito, junto a uma certeza que eu jamais poderia querer.
Anne está morrendo.
Considerações finais:
Terminamos aqui mais um capítulo. Em específico do 37 ao 40 deixarei o vídeo de uma playlist que acho adequadas para o final da obra (e que utilizei para escrever essa reta final). Acredito que dará uma profundidade maior nas sensações.
Espero que estejam gostando, e continuem acompanhando esse final. Os aguardo no próximo capítulo.
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