Capítulo 34
9066 palavras - Arco Anne
Por Edan
Já fazem pelo menos três semanas desde que voltamos às aulas, e duas semanas desde a festa. Esse evento foi um tipo de marco, as férias aconteceram muitas coisas. Na festa aconteceram muitas coisas extremas, e depois dela continuaram a acontecer muitas outras coisas.
Nesses últimos tempos, eu e Anne nos tornamos cada vez mais próximos, ainda mais do que éramos antes. Estamos juntos em quase todos os momentos, sejam esses na escola, na casa dela, ou na minha.
Normalmente, quando ela está em casa, Anne gosta de ficar me olhando preparando as coisas na cozinha, por mais simples que seja, mesmo que seja uma refeição pronta, Anne gosta de me observar, e por várias vezes me ajuda em preparar algo. Eu aprendi a gostar dessa companhia dela, é algo que me faz muito bem, além de ter alguém para conversar e passar o tempo.
Nas aulas, fazemos quase tudo em dupla, nos ajudando das mais diversas formas durantes as matérias. Durante as aulas eu simplesmente não consigo deixar de olhar para ela pelo menos umas... Cinco vezes por aula? Não, é mais do que isso.
Independente de qualquer coisa, ficamos próximos.
Não namoramos, mas estamos muito próximos, tanto que alguns olham para nós como se fossemos um provável casal. Pelo menos todos os dias nos intervalos de aulas estamos juntos. Retornamos para casa juntos, seja para a minha ou para a casa dela, ou normalmente saímos da escola e vamos a algum lugar aleatório que surge na imaginação, algum parque, shopping ou seja lá onde for, sempre falando de tantas coisas diferentes parece até que os assuntos não acabam entre nós dois.
As vezes que ela está em casa comigo, ela gosta de colocar músicas para tocar, e nunca consegue ficar parada. Em quesito de danças, eu sou uma verdadeira múmia, por isso sempre me contento em apenas assistir Anne. Quando não está se soltando, ela gosta que eu deite sobre suas pernas para mexer no meu cabelo e me fazer carinho. Já perdi as contas de quantas vezes essas coisas aconteceram.
Em todas as vezes eu olho para ela, admirando em cada segundo, me vejo sorrindo sozinho apenas por ela estar ali comigo, por olhar para ela... Mas acho que nunca sorri na frente dela.
Isso para não dizer sobre a conexão que sinto entre nós, que parece cada dia mais forte. É algo diferente, eu nunca me senti tão ligado a alguém como é com Anne. É um elo que não sei descrever, e na verdade eu nem quero. Apenas sentir me parece o suficiente.
Desde a festa, não ficamos sabendo mais nada concreto sobre Fabiano. Ele não apareceu mais na escola, não mandou notícias a ninguém... Fabiano simplesmente desapareceu, não apenas ele, mas sua família também desapareceu do mapa.
Tudo que restou na primeira semana foi apenas a casa abandonada com todas as coisas dentro, toda aberta e com várias rachaduras que se espalharam por quase todas as casas do bairro inteiro. Tem boatos de que a casa está recentemente trancada, e ele e sua família foram vistos, mas ninguém tem certeza disso. Espero que ele não volte para nos incomodar.
Além do mais, tenho que pensar em algo para reaproximar Gisele do meu tio. Ele esteve bem focado em seu trabalho, então não tem tido tempo de falar comigo, fora que minha tia Clarice também resolveu sumir do mapa sem dar notícias, e isso deixou minha prima meio abandonada na própria casa. Imagino que minha prima pensa que estou fazendo pouco caso dela, mas realmente não consegui pensar em nada realmente funcional para ajudar.
- Por que essa carinha Edan? – Anne me pergunta de repente, chamando minha atenção. Me viro para ela, a vendo com o rosto apoiado sobre a mão e um pequeno sorriso. Olho em volta, me encontrando na sala de aula.
- Nada demais, estou apenas pensando em algumas coisas. – Acabo dando de ombros.
Ela continua me olhando, mantendo seu sorriso para mim – Entendi, é que pelo que senti de você, parecia ser algo que está te preocupando.
- É, um pouco sim... – Acabo suspirando – Caso de família. Ainda não sei como fazer para meu tio e minha prima se reaproximarem.
Ela balança a cabeça – Sabe que eu posso te ajudar com isso, não é?
Eu gostaria de poder lidar com isso sozinho, o problema é que não tenho ideias. Acho que terei que aceitar alguma ajuda – Tem ideias do que fazer?
- Algumas... – Anne comenta rindo – Da para ir na linha do obvio sabe, fazê-los se encontrarem em algum lugar. O que acha do shopping?
- Pensei nisso mas não achei tão eficaz... Mas me diga, talvez sua visão seja melhor que a minha versão pessimista. – Acabo dando de ombros.
Anne passa a mão pelo rosto, olhando para baixo – Acho que... Você pode se sentar com sua prima na praça de alimentação, ficar conversando por um tempo... E se o seu tio aceitar, você pode fazer eles se encontrarem.
- Meu tio não aceitaria isso... – Comento em voz baixa.
- Você tentou? – Anne me questiona, me deixando em um silêncio. Ergo o indicador, pensando em falar, mas logo desisto. Ela com certeza sabe que eu não tentei, e isso a faz rir – Se me lembro bem, o problema é sua tia. Talvez seu tio queira ver a filha pelo menos. Vale tentar.
Concordo com a cabeça – É, eu deveria ter pensado nisso.
- Sabe como é, uma vez alguém me disse que é fácil achar a solução de um problema quando se está olhando de fora... Quem será que me disse isso? – Anne sorri, me olhando de canto.
Usando minhas lógicas contra mim mesmo. Francamente, o que dizer dela?
- É, tenho que concordar... Bem, é escolhermos um dia para isso.
- Escolhermos? – Ela me diz rindo – Estou inclusa nisso?
Arqueio as sobrancelhas – É claro. Você me ajudou a ter uma ideia, então está inclusa.
- Gostei bastante disso. – Ela ri, se espreguiçando. – Só precisa falar com eles e marcar um dia.
Concordo balançando a cabeça, e percebo Raquel se espreguiçando, vindo até nós. – Alguém ai quer um pouco de sono?
- Eu dispenso. Tenho bastante comigo. – Anne diz rindo.
Minha irmã se vira para mim – Nem vem Raquel. Eu to fora disso.
Ela ri, se sentando sobre minha mesa – Seus chatos. Mas ainda são meus dois chatos favoritos.
- Quanto carinho. – Digo, me espreguiçando – Qual o assunto da vez?
Raquel me olha, erguendo uma sobrancelha. – Sei lá. Acabei de chegar, vocês que me digam qual o assunto da vez.
Olho para Anne, e então digo – Sobre a sua ideia de ir correr de kart. A ideia ainda está de pé?
As duas me olham com uma certa surpresa. Raquel toca minha testa com as costas da mão por alguns segundos – Ele não está com febre.
- Por que essa reação mesmo? – ergo uma sobrancelha.
Começando a rir, Raquel me olha, cruzando os braços – Porque você é alguém que foge de coisas assim. Onde que você iria querer sair de casa?
- Onde que eu disse que eu irei sair de casa? – Apoio o rosto na mão, olhando pela janela.
Anne e Raquel acabam rindo – Esse é o Edan que conhecemos. – Raquel diz, tocando meu ombro – Te respondendo, a ideia está de pé sim. Talvez esse fim de semana.
- Quem mais vai? – Anne questiona, brincando com uma caneta entre seus dedos.
Raquel cruza seus braços – O Ricardo já confirmou, o Leandro e a Iris também. Só resta saber vocês dois.
- Eu já estou mais do que confirmada. – Anne diz rindo, me olhando novamente – Só resta ele.
Dou de ombros – Talvez eu apareça, não garanto.
- Vai ser muito bom se você vier junto Edan, será bem melhor – Raquel diz empolgada. Imagino como ela realmente vai gostar caso eu vá junto. Com minha visão periférica, percebo Anne sacando seu celular e tocando algumas vezes e então enviando, guardando logo depois.
- Eu concordo, vai mesmo... Algo assim é melhor em grupo. – Anne compartilha da empolgação de Raquel.
Sinto meu celular vibrando no meu bolso segundos depois. Eu o pego e vejo uma mensagem de Anne na tela. Desbloqueio a tela e leio.
"Podemos tentar resolver a situação com seu tio e sua prima no mesmo dia que sairmos com a Raquel. O que acha?"
Concordo balançando a cabeça discretamente. Perdi o fio da conversa entre as duas nesses poucos segundos, mas me viro para elas – Tudo bem, já me decidi. Eu gostei da ideia de kart, e irei junto.
*****
Estou rumando a casa, me espreguiçando. Hoje Anne não veio comigo, disse que precisava voltar para casa e ajudar sua mãe em alguma coisa. Se não me engano, tinham que comprar alguma coisa, talvez não poderia ir em casa, mas que iria me mandar mensagem.
É um pouco solitário voltar para casa sozinho, depois de ser tão mal acostumado da forma como Anne fez. Mas entendo que algumas vezes é normal de acontecer. Já estou perto de casa pelo menos. Quando chegar, decidirei algo para fazer.
- Ei Edan, me espera! – Escuto atrás de mim. Vejo Carol se aproximando de mim. Pela forma ofegante que ela está, parece ter corrido um pouco. Ela está encurvada para frente, se erguendo devagar e dando um sorriso. Qualquer preocupação que poderia ter desapareceu.
- Eu poderia dizer que você correu uma maratona... – Arqueio as sobrancelhas, vendo o suor caindo pela testa dela.
- Não é pra tanto, só andei rápido para te alcançar... – Ela cruza seus braços, abaixando um pouco seu olhar – Não temos conversado direito desde que teve todos aqueles acontecimentos, ai bateu a saudade pra te encher.
- Você sentiu falta de ficar me enchendo? – Acabo torcendo a boca, fazendo ela rir.
- Também... É que eu preciso falar com você. Podemos falar agora, ou melhor depois?
- Podemos falar agora mesmo... – Digo, a observando de canto. Ela volta a andar pelo mesmo caminho que eu estava indo. Presto atenção em sua expressão, ela está um pouco cabisbaixa, dando um longo suspiro – Aconteceu algo?
Ela nega com a cabeça – Não, é que... Eu só queria te agradecer Edan.
O que ela diz me deixa curioso – Por que está me agradecendo?
- Por tudo. – Ela diz, com um pequeno sorriso – Por como tem agido comigo por todos esses últimos meses, por como cuidou de mim quando só aparecia no meio da noite depois de alguma festa, por ter ficado comigo... Foi tudo tão bom...
Ergo uma sobrancelha. Não sei onde ela quer chegar – Carol, o que você...
Não consigo terminar de falar. Ela me olha de uma maneira melancólica. Ela sorri de forma contida, algo que nunca vi em Carol. – Eu mesma não sei o que dizer, é algo diferente que surgiu nos últimos meses, não sei explicar.
Não consigo falar. Eu tento achar palavras, mas sei que não devo falar.
- Sabe, eu sempre repetia para todos que nós não temos nada sério, e não somos nada além de bons amigos... – Ela hesita por um segundo – Eu comecei a negar minhas vontades.
Estou mudo. A única coisa que consigo é ouvir, enquanto nos aproximamos cada vez mais de casa. Sinto algo se revirando dentro do meu estomago, algo que não sei o que é.
- Bem, com certeza você sabe que nesses últimos tempos eu tenho ficado com você, muito mais do que na minha própria casa, e isso tem uma razão. – Ela me olha, com um sorriso. Nós paramos em frente ao portão de casa. Abro e permito que ela entre primeiro, enquanto aguardo que ela continue. Termino de trancar tudo e me viro para Carol. Ela da de ombros, com um sorriso de canto – Desde a primeira vez que te vi naquela lanchonete, eu quis você só pra mim... Eu fiquei negando isso por muito tempo, mas a verdade é que sou louca por você.
Não sei o que dizer a ela. Por muitas vezes eu mesmo suspeitei de como eu me sentia em relação à Carol. Ela resolveu aparecer e ficar comigo mesmo sem nenhuma obrigação, ela também cuidou de mim, foi uma companhia que eu não esperava ter. Eu mantenho meu silêncio até entrarmos na sala e irmos ao sofá – Carol, eu...
Ela ergue uma mão, e balança a cabeça negativamente – Não precisa me dizer nada. Era eu quem precisava falar... Mesmo dizendo sempre que não era sua namorada, eu agi como uma, porque na verdade era o que eu queria ser... Só queria te agradecer por tudo, por ter sido meu namorado não namorando. – Carol sorri de forma meiga.
Hesito por um segundo, enquanto ela segura minha mão – Acho que eu que precisava agradecer também. Você esteve comigo por muito tempo, fez tantas coisas únicas quando eu pensei que você só me odiava. Eu não te entendia.
Carol acaba rindo – Eu sou tão complicada assim?
- Um pouco sim... – Dou de ombros. – Não que isso seja um problema.
- Muito obrigada pela parte que me toca. – Carol leva as mãos a cintura, ainda rindo.
Fico a olhando enquanto ela continua rindo. – Aprendi a gostar de você Carol, bem mais do que eu mesmo esperava, por quem você é, por tudo que também fez por mim... – Antes que eu terminasse de falar, Carol se silenciou.
- Eu também pensei que você me odiava. – Ela diz em voz baixa. – Eu sei que não devia, é um pouco de egoísmo da minha parte... Mas quero te pedir algo.
Concordo balançando a cabeça – O que quiser Carol...
- Sei que você e Anne se adoram, isso está claro para todos... Vocês estão quase juntos, isso se já não estiverem, e na realidade eu fico feliz por vocês, por ver você tão bem, mas... Eu queria você para mim, eu sei que isso é impossível, afinal ela é mais especial para você do que eu... Nem eu posso competir com isso. – Carol junta suas mãos em frente ao seu corpo, mantendo seus olhos em mim. – Mesmo assim, caso eu tenha alguma chance, eu quero pedir para que seja o meu "não-namorado" ... Não... Quero que seja meu namorado, só por mais um dia... Se me disser não, eu sinceramente irei entender.
- E depois...? – Abaixo meu olhar por alguns segundos, voltando a Carol – Como nós dois ficaremos depois de hoje?
- Continuaremos sendo bons amigos como nós já somos... Mas eu precisarei me afastar apenas um pouco para não ser um obstáculo... Estarei torcendo por vocês dois em todos os dias, para que fiquem juntos e não farei nada que signifique atrapalhar vocês. – Ela me da um sorriso, balançando a cabeça – Se precisarem, eu estarei aqui para apoiar os dois, ajudar no que puder... Afinal, você é especial para mim também.
Não espero ela me dizer mais nada. Avanço sobre Carol, passando a mão em volta de sua cintura e trazendo para mais perto de mim, a beijando em uma voracidade. Ela fica surpresa, mas logo me abraça de volta correndo as mãos por mim, devolvendo cada beijo com ainda mais intensidade. Muito mais intenso do que qualquer vez que estivemos juntos antes.
Ela se deita no sofá, me puxando para junto dela sem sequer afastar sua boca da minha. – Essa é minha resposta... – Sussurro para ela, passando a mão pelo seu rosto, dando cada vez mais beijos. Puxo sua camisa subindo pelo seu corpo, logo em seguida ela também retira minha camisa, tão rápido quanto pode. Me aproximo novamente de Carol, sentindo suas mãos passando ao meu redor, me abraçando lentamente, me dando leves arranhões. – Por hoje, eu serei apenas seu Carol...
Ela sorri para mim, olhando bem nos meus olhos. Ela acaricia meu rosto me puxando para mais perto – Somente meu... E eu serei somente sua...
*****
Estou chegando na escola, completamente esgotado. Apesar do intenso cansaço que estou sentindo no corpo inteiro, meu corpo está bem mais leve, e o humor bem amigável, por mais que minha cara diga totalmente o contrário.
Carol acabou ficando em casa e acabou dormindo comigo. Bem, acho que posso concordar comigo mesmo que dormir foi a última coisa que fizemos. Dormir só aconteceu mesmo lá pelas quatro da madrugada, quando nós dois já estávamos esgotados.
Olho para Carol, ela está radiante com um largo sorriso no rosto. Desde a hora que ela acordou até agora, ela está nesse bom humor todo, mesmo tendo dormido tão pouco.
Agora que percebo melhor, Carol está mais distante de mim do que normalmente fica em todas as manhãs que estamos juntos. Entendo bem o motivo. Ela realmente manterá sua palavra, e acho que por consequência, precisará se afastar um pouco mais de mim.
Hoje de manhã, ela me deu um último beijo, muito mais apaixonado do que ela jamais fez, me abraçou por um tempo, agradecendo por tudo, por cada momento que tivemos. Sei bem que ela está se despedindo de mim, de tudo que tivemos e de cada momento juntos, que não poderemos mais ter.
Esse clima de despedida me deixou sem jeito, eu não sabia como reagir ao sentimento de estar perdendo algo, mas sei que foi necessário. Carol deve estar se sentindo muito pior que eu, e mesmo assim está sorrindo e bem humorada.
- Bem... – Ela diz de repente, respirando profundamente e então me olhando – Acho que nós ficamos por aqui Edan.
- É... Eu acho que sim... – Digo, abaixando o olhar. Eu sei que não tenho nada com Carol, mas não tenho como negar que ela realmente se tornou presente em cada um dos meus dias.
Me fez ter muitas sensações, e tivemos muitos momentos. Construímos algo entre nós, e a sensação que tenho é de que realmente estou perdendo algo, e isso está me deixando com uma sensação estranha percorrendo meu corpo e minha mente.
Ela me observa, dando um pequeno sorriso meigo, tão diferente dos sorrisos de ousadia que ela sempre carrega consigo. – Não fique assim Edan... Foram momentos únicos entre nós, sei como é difícil, eu sei de verdade... Eu não quero, só eu sei como estou mal por isso. Mas pelo menos... Pelo menos eu vou manter cada uma das lembranças bem vivas em mim. Não esquecerei nada.
Ela ergue sua mão, e apesar de hesitante, eu faço o mesmo. Firmamos um aperto de mão, em um momento de despedida. Inegavelmente, me sinto triste por isso, mas tenho certeza que não se compara com o que Carol está escondendo por trás de seu sorriso.
- Eu também não me esquecerei Carol... Não me esquecerei de nada... – Balanço a cabeça levemente – Obrigado por cada momento que tivemos, por estar comigo quando precisei, por ter sido minha companhia por todos esses meses... Obrigado por tudo.
Ela sorri, vejo uma pequena lagrima surgindo em seus olhos – Eu que agradeço. Por me aturar, por me acolher nas minhas andanças, por cuidar de mim, por estar comigo, por fazer esses meses felizes, por ser o meu querido "não-namorado"... Obrigada Edan, por tudo.
Carol passa a mão pelos seus olhos, se afastando de mim dando um passo para trás – Para o que precisar, pode contar comigo. Estou sempre aqui para você.
- Igualmente... Para o que precisar, você pode vir até mim.
Ela me olha uma última vez, e então Carol se vira, entrando pelo pátio da escola. Fico parado, olhando em sua direção, ela olha para trás uma última vez, me da um sorriso e então deixa meu campo de visão.
Mesmo já tendo saído da minha vista, continuo parado onde estou. Ergo a cabeça, dando um pesado suspiro entristecido. Eu estarei mentindo ao dizer que não estou triste e incomodado.
Mas... Apenas sigo em frente, entrando logo depois.
As coisas precisam ser assim.
*****
Me vejo sentado em uma mesa do refeitório, olhando meu celular em minhas mãos. Acabei de mandar uma mensagem para meu tio, questionando se ele gostaria de encontrar com minha prima e tentar uma reaproximação. Estou um pouco nervoso com a reação dele. Anne está ao meu lado, batucando os dedos sobre a mesa e dando um longo bocejo.
- Alguma resposta dele? – Ela diz, com a voz carregada de sono.
Nego com a cabeça, olhando fixamente para a tela. – Nada.
- Isso dificulta um pouco. Ele está bem focado no trabalho mesmo. – Ela me olha de canto, enrolando um fio de cabelo no dedo.
- Um pouco... Olha só, ele está online... – Viro o celular para que Anne veja.
Ela olha a tela alguns segundos – E sua prima? Falou com ela?
- Ainda não. Estou esperando meu tio falar qualquer coisa que seja antes de falar com Gisele.
- Vamos esperar ele falar algo... Eu espero que dê certo. – Ela diz, com um sorriso.
- Também espero isso... – Eu largo o celular sobre a mesa, e então me espreguiço. Anne fica me observando, com um pequeno sorriso, isso atrai minha atenção. – O que?
- Só aproveitando o momento. – Ela sorri, pendendo a cabeça para o lado.
Fico olhando para Anne, levando minha mão ao seu cabelo e fazendo carinho suavemente, passando os dedos lentamente. – Sei muito bem como é isso.
Meus olhos seguem os movimentos de Anne. Ela se aconchega em mim, deitando sua cabeça na minha perna e assim ficando. As sensações vindas dela são agradáveis, acolhedoras, eu consigo enxergar dentro dela, e tenho a nítida sensação de que ela consegue enxergar todas as minhas sensações também, sendo as boas ou as ruins. Além de que gradualmente conseguimos compartilhar nossos pensamentos. – Queria ficar assim para sempre.
- Apenas aqui? – arqueio as sobrancelhas.
- Sim, apenas aqui. Que o tempo parasse e nunca mais andasse. – Ela diz, dando um suspiro com um sorriso manhoso.
- Se isso acontecer, não poderemos fazer outras coisas juntos. – Sussurro, ainda acariciando seu cabelo suavemente. Anne não me responde, seu olhar está perdido.
Ela fecha seus olhos, passando seus braços ao meu redor – Sim, você está certo... O tempo não pode parar... É só porque eu queria ficar para sempre assim, pertinho de você.
- Eu sempre estarei perto de você Anne. – Digo, isso faz ela se erguer, olhando nos meus olhos.
- Você promete? – Ela pergunta, com um sorriso tão meigo que somente ela é capaz de fazer. É um sorriso tão único que me faz sentir coisas boas, uma sensação agradável.
- É claro que prometo, tem minha palavra, minha chata... – Toco seu rosto lentamente, e ela me da um sorriso, se aconchegando em mim.
- Confio em você... Meu idiota... – Anne me diz em um sussurro, lentamente cochilando sobre meu colo com um sorriso em seu rosto. Posso sentir como ela está confortável, e uma sensação vinda dela. Algo tão profundo que eu não consigo entender o que é. Por mais que eu tente enxergar, não consigo ver nem decifrar.
Percebo meu celular vibrando. Eu o pego e vejo a tela. Meu tio respondeu finalmente. Viro meus olhos para Anne, sem deixar de fazer carinho nela. Eu seguirei seu plano.
*****
Já tenho tudo pronto. Custei a convencer o Tio Marcos a se encontrar com Gisele, levei quase o dia inteiro para isso. Ele tentou dar a desculpa de trabalhar, mas consegui cortar sua argumentação ao falar que seria no fim de semana, ao sábado pelo horário de almoço. Eu disse que seria algo agradável e pedi para que confiasse em mim. Provavelmente eu o venci pelo cansaço.
Minha prima concordou na hora que falei para ela me encontrar, que eu contaria o que planejo. Bem, a realidade é que será uma surpresa para ela. Ela disse que viria me encontrar aqui em casa, e então iriamos andar um pouco pelo shopping, onde eu farei os dois se encontrarem e conversarem. Acredito que Anne não vai poder me encontrar logo cedo no shopping, mas tudo bem. Estou preparado para lidar com tudo isso sozinho.
Em contraparte, também já confirmei os horários com Raquel, iremos nos encontrar na pista que fica um pouco mais ao norte, praticamente na divisa com o centro da cidade. Será fácil de encontrar. Ela parecia muito empolgada por eu realmente ter concordado em ir. Eu mesmo não sei o que dizer, simplesmente senti a vontade de ir. Acredito que será bom ver todos animados, é algo que fará bem a todos nós.
Já cuidei da casa inteira, já limpei tudo, cuidei de todas as plantas da minha mãe, molhei todas, inclusive todas as plantas que residem dentro da estufa. Como sempre, dentro da estufa o clima é diferente do mundo, além de algo unicamente agradável lá dentro.
Neste momento me vejo no meu quarto, sentado na minha cadeira analisando uma folha em branca, rodando uma lapiseira em meus dedos. Deixei uma playlist de suaves músicas tocando no navegador do meu computador. Neste momento nenhuma ideia me surge em mente, nenhuma criação.
O que Anne desenharia se estivesse aqui agora? Ela colocaria algo relacionado ao seu futuro? Algum sonho?
Sim, definitivamente ela faria isso. Tornarei isso como minha inspiração.
O que eu poderia querer neste momento... Qual o sonho que eu poderia ter...?
Eu nunca pensei nisso de verdade.
Permitirei que isso venha de dentro de mim. Minhas mãos começam a mover sozinhas, criando traços suaves pela folha. Se Anne diz que desenhar é uma maneira da minha alma se comunicar com o mundo, eu anseio por uma mensagem dela. Mas não algo fúnebre como da última vez, desejo ver algo que seja maior que morrer, por mais que eu saiba como isso é difícil. Afinal, como combater minha maior vontade?
Fecho meus olhos, permitindo que tudo flua para fora de mim. Eu não vejo a folha, não vejo os traços com meus olhos. Mas posso sentir. Sinto perfeitamente cada um deles como se estivessem dentro de mim, uma energia que percorre por dentro do meu corpo. Eu enxergo além dos meus olhos nesse momento. Eu estou sentindo muito além do meu corpo físico, como um transe. Os ruídos vindos do atrito do grafite com folha inundam meus ouvidos, quase abafando o som da música, que logo se sobrasai novamente.
Cada vez mais algo toma forma, algo que meu corpo deseja ver, meus olhos querem contemplar, por mais que minha mente e eu mesmo já temos consciência do que seja. Respiro profundamente por um segundo, recuperando o folego que eu sequer sabia que havia perdido.
Suaves brisas frias tocam meu corpo, passando por através das roupas e tocando minha pele, não... Tocam dentro de mim, na minha alma ferida. O mesmo fio gélido de sempre surge, muito mais lento, mais intenso do que jamais foi. É quase como se eu pudesse realmente sentir o toque da minha mãe nesse momento.
Não apenas isso, a presença que sinto está mais forte, muito mais do que nunca. Uma sensação de tranquilidade e segurança que meu pai me passava também está aqui. É como se meus pais estivessem aqui presentes do quarto comigo, assistindo enquanto desenho. Sem abrir meus olhos, eu me viro na direção que sinto a presença deles.
Em meio à escuridão a minha frente, proveniente de meus olhos fechados, eu enxergo duas fortes luzes brancas com leves tons dourados, lentamente tomando a forma de duas pessoas, que se aproximam de mim. Lentamente a luz se apaga, e tudo em volta toma forma. A essa altura, meu quarto por inteiro se formou ao meu redor. Acredito que abri meus olhos, mas sei que estou com os olhos fechados.
As luzes lentamente se dissipam, e os dois estão ali, me observando.
Meus pais.
Eu não contenho um sorriso ao vê-los. Eles se aproximam de mim e me abraçam. Eu... Posso sentir o toque deles, posso sentir os dois aqui comigo, tocar e abraçar eles, como eu sempre quis. Uma felicidade que há muito tempo eu não sentia atravessa meu corpo. Eu sei, eu estou acordado, isso é tudo um sonho, eles não estão aqui de verdade, mas eu não ligo. Sentir os dois outra vez comigo era tudo que eu queria, mesmo que em um sonho.
O calor vindo deles me inunda, aquecem meu corpo e me causam conforto... Muito maior do que sempre foi. Não saem palavras da minha boca, nem ouço eles dizendo nada. Lentamente eles se afastam de mim, olhando em minha direção com sorrisos que não vejo há muitos anos. Meu pai toca meu ombro, com um gesto de aprovação para mim, enquanto minha mãe mexe no meu cabelo, tocando meu rosto em suaves caricias.
Seus olhos migram de mim para a folha a minha frente. Sei que me pedem para continuar. Eu me viro lentamente, ajeitando meus braços sobre minha mesa. Retorno ao meu desenho, sob os olhos dos dois, que permanecem ao meu lado. Sinto a presença deles por inteiro, até o momento que termino finalmente. Eles me dão um último abraço, com toda a força. Novamente posso sentir o calor vindo dos dois. Suavemente eles se afastam de mim, começando a se dissipar a minha frente em pequenas luzes levemente douradas e levadas pelo ar, ainda me olhando.
Em um último momento, posso ver minha mãe falando algo. Eu não escuto sua voz, mas consigo ler seus lábios. Ela me disse "Nós te amamos Edan".
Eu os observo até desaparecerem completamente, como aconteceu nas outras vezes. Com dificuldade, abro meus olhos, me vendo novamente no meu quarto. Olho em volta, novamente escutando as músicas que coloquei para tocar no computador. Lentamente eu viro meus olhos em direção a mesa, olhando o que fiz.
É um rapaz que se assemelha muito a mim mesmo, com os braços unidos em frente ao meu corpo, e uma garota o abraçando, e duas imensas asas, e tons levemente enegrecidas ao redor das asas como sendo um outro par de asas ocultas, mais suavemente a nossa volta. Ao que identifico, a pessoa se assemelha muito a Anne, mas as asas não vêm dela, vem de uma direção que não poso ver por ser o limite da folha.
Eu paro por um segundo, analisando o desenho, enquanto deixo a lapiseira na minha mesa, e juntando as mãos a minha frente. Meus pais, e então um desenho onde estão eu e Anne. Começo a olhar, tentando interpretar. Cada asa é diferente em seu estilo, como se fossem de duas pessoas diferentes. Elas parecem representar meu pai e minha mãe, em um símbolo que eles continuam comigo, como eles sempre estão comigo, cuidando de mim mesmo depois de mortos. A imagem que se assemelha a Anne, tão próxima e me abraçando, é como se ela fosse quem cuida de mim hoje, sendo a luz que meus pais eram.
O que não entendo são os tons enegrecidos. Eles eu não consigo interpretar de forma alguma.
Fico olhando o desenho uma última vez, dando um último sorriso que logo se desmancha. Levanto-me, desligando as músicas e logo em seguida o computador, retornando a sala.
*****
Fim de semana, finalmente!
Sábado de manhã. Dia de resolver os problemas familiares, fazer meu tio Marcos e minha prima Gisele se reaproximarem e voltarem a ser pai e filha... Ou pelo menos tentar.
Não estou tão confiante assim, mas Anne me deu uma motivada a me manter ao plano e com minha vontade de fazer eles se reaproximarem. Ela disse que, se é algo que eu realmente quero, então devo me manter firme nisso.
Sei como tanto meu tio e minha prima estão enfrentando um sofrimento difícil de suportar, tudo por causa de como minha tia os influenciou negativamente. Eles naturalmente não confiam um no outro, minha prima Gisele contém um pensamento de que seu pai a abandonou para sofrer sozinha e ela tem medo de que ele a odeie, enquanto meu tio Marcos teme que sua vida volte à mesma situação de antes. Os dois tem medo, e estão enfrentando a dor por causa desse medo. Não mais, eu cuidarei disso, para que tudo acabe e a dor deles desapareça.
Anne me deu esse incentivo, e apesar de não muito confiante, eu farei o que eu puder por eles.
Por falar em Anne, algo inesperado aconteceu. Ela chegou aqui em casa na tarde de sexta-feira, dizendo que iria me ajudar com o plano.
O resultado disso, ela ficou aqui em casa até muito tarde fazendo os planos, pedi uma comida pronta para nós, descongelei uma torta de mousse de chocolate que peguei no mercado e fizemos como nossa sobremesa. Logo depois disso fomos a sala para assistirmos filmes e de tabela acabarmos ficando aos beijos e aproveitarmos juntos por algum tempo, e assim ficamos até atingirmos altas horas da madrugada, e Anne acabar dormindo comigo no sofá.
Simplesmente adorei como as coisas se desenrolaram.
Agora a vejo deitada, abraçada com o travesseiro com as cobertas até seus ombros, em um sono tranquilo. Fico a olhando por alguns segundos, a admirando. Toco seu rosto e seu cabelo, subindo levemente aos seus cabelos, tão macios e agradáveis. Simplesmente linda.
Me ergo, indo para a cozinha enquanto me espreguiço. Logo Anne vai acordar, e provavelmente estará com fome, então prepararei um bom café da manhã, tanto para ela como para mim. Não comi pouco ontem, mas a fome está bem forte agora. Olho pela janela da cozinha, vendo a luz do sol tocando o quintal. Provavelmente será um dia quente. Enfim, tenho coisas para fazer.
Vou primeiro ao armário, me certificando que os pães de ontem estejam em bom estado, logo deixando na mesa. Na geladeira, pego alguns ovos, queijo, presunto e outras coisas para criar um tempero. Alcanço uma frigideira no armário embaixo da pia. Começo a preparar primeiros os ovos, logo picando o queijo, seguido do presunto e junto aos ovos, movendo até ficar em uma consistência firme e visualmente satisfatória.
Começo a sentir o agradável cheiro, me virando para colocar nos pães e preparando como um bom lanche da manhã.
Vou até o armário, encontrando um pacote de biscoitos de maizena, pego um pote de creme de avelã com cacau e uma colher e deixo sobre a mesa. E para acompanhar, preparo um suco e deixo dois copos a postos, apenas aguardando o momento de ser servidos.
Vou à porta da cozinha, vendo que Anne se mexia no sofá, começando a dar indícios de que acordaria. Me movo mais rápido do que costumo.
Deixo os lanches e as bolachas a postos em uma bandeja que esteve a tanto tempo guardada no armário, sirvo os sucos em cada copo. Olho tudo, avaliando meu desempenho. Parece que tudo está em mais perfeita ordem. Vou ao batente da porta da cozinha e aguardo. Em menos de dois minutos, Anne desperta.
- Bom dia, minha chata. – Digo, atraindo seu olhar sonolento em minha direção. Ela se espreguiça e da um singelo sorriso para mim, com um brilho em seus olhos.
- Bom dia, meu idiota... – Ela diz, com sua voz embargada de sono, se sentando devagar no sofá, dando um longo bocejo e pendendo o corpo para frente em uma expressão preguiçosa, quase me dando a impressão de que irá dormir novamente. – Que horas são?
Chego perto dela, pegando meu celular e olhando – Vai dar oito da manhã.
- Tá cedo ainda... – Ela diz preguiçosa, estendendo seus braços até mim, me puxando para um abraço confortável. Sua voz ao acabar de acordar faz com que eu me encante ainda mais por essa garota – Podemos dormir só mais um pouco?
Afago seu cabelo ruivo lentamente, me sentando ao seu lado, me perdendo no azul de seus olhos. Quanto mais eu a olho, mais eu aprendo a gostar de Anne – Infelizmente não, lembre-se que daqui a pouco minha prima pode aparecer, e temos coisas para resolver hoje.
- Ela vai vir às dez da manhã no mínimo Edan... Da tempo sim... – Ela me diz com a voz e um sorriso manhoso, e quase fazendo bico.
Me afasto devagar – É, daqui a pouco, talvez de tempo... Aliás, tenho uma pequena surpresa.
Anne me acompanha com os olhos, com um sorriso curioso para mim. Vou até a cozinha, alcançando a bandeja e voltando, a equilibrando em uma mão. Assim que me vê entrando na sala, eu vejo Anne abrindo um largo sorriso, misturando euforia e timidez em seu rosto.
- Ai meu... Café da manhã na cama... – Ela diz, cobrindo o sorriso animado com uma mão. Pelo visto, ela ficou sem jeito.
- Na verdade não é na cama, é no sofá. – A corrijo, enquanto olho para o sofá que serviu de cama para nós essa noite, e também em noites anteriores que acabamos dormindo juntos.
Ela começa a rir do meu comentário, o que acaba me tirando um pequeno sorriso, enquanto me aproximo e deixo a bandeja sobre a mesa de centro. – Você entendeu! Nem sei o que dizer com você me mimando assim. – Ela diz, alcançando seu lanche e comendo, suspirando profundamente enquanto saboreia.
- Sim, eu entendi. Só não podia perder essa chance... – Me sento ao seu lado, alcançando meu lanche e começando a comer também. O sabor está melhor do que eu esperava. – Gostou?
- Amei! – Ela diz, se virando para mim e me dando um suave beijo – Obrigada, eu amei a surpresa Edan...
Fico olhando para ela, vendo ela saboreando o café da manhã que preparei. Eu acabo abraçando Anne, passando minha mão por seu cabelo – Aproveite Anne. Se quiser, pode cochilar um pouco mais depois de comer. Eu vou cuidar da bagunça que fiz, e te acordo quando for nove horas para esperarmos minha prima.
Ela me olha, dando um sorriso meigo – Tem certeza que você tem só 16 anos?
- Gosto de pensar que sim... – Dou de ombros. Realmente, por tudo que faço, as vezes eu pareço ser muito mais velho do que realmente sou. – Não vamos pensar nisso agora.
Com um gesto com a cabeça, Anne concorda comigo, voltando a comer seu café da manhã, já eu me concentro em olhar para ela, admirar essa garota em cada segundo, como se ela não fosse real e fosse desaparecer na minha primeira distração. Ela me encanta e consegue atrair minha atenção de uma forma que eu sequer sei descrever.
Ela percebe que continuo a olhando, dando um sorriso tímido – Será que em tudo que você faz, precisa me deixar sorrindo e sem jeito?
Dou de ombros, dando um sorriso de canto, ainda olhando para ela. – Talvez sim, é bom te ver dessa forma.
- Me ver tímida? – Ela mantém um sorriso bobo nos lábios.
Assinto a observando em cada detalhe, cada vez mais perdido em uma beleza que não acredito não ter reparado antes. Não sei o que Anne está fazendo comigo, mas não quero que pare de jeito nenhum – Sim, te ver desse jeito é agradável. Eu gosto bastante.
- Tem como não gostar de você só por um só segundo? – Anne questiona, olhando em meus olhos – Se tiver um jeito, eu não quero saber.
- Fazer o que né... Você fica me enchendo, mas não sai de perto – Acabo olhando para tudo que preparei para ela de café da manhã – Eu não consigo me sentir realmente bravo... Quando você me incomoda, logo me faz esquecer dos motivos de estar irritado...
Anne acaba rindo – E você que consegue o mesmo efeito só de olhar para mim... De me acalmar e esquecer qualquer coisa ruim, por mais que eu não queira esquecer...
- Temos efeitos curiosos um com o outro. – Mexo em seu cabelo por alguns segundos, descendo a mão e tocando seu rosto devagar, sentindo a maciez de sua pele ao mesmo tempo que tento ser carinhoso a ela – Agora coma um pouco e descanse, que depois irei cuidar de tudo.
Anne assente, mantendo seus olhos em mim por alguns segundos. Por enquanto, tudo que nos resta é esperar dar o horário combinado.
*****
- Você gosta mesmo de andar Edan... – Escuto Gisele comentando, se abanando com uma mão. Percebo o suor caindo pela sua testa.
- Você ainda não viu nada Gisele. – Respondo dando de ombros.
- Nem eu, você não tem tanto costume de sair Edan. – Anne rebate, me fazendo revirar os olhos. A vejo envolvendo meu braço com o seu, segurando minha mão. – Apesar que ultimamente você tem saído bastante.
- Na maioria das vezes é contra minha vontade. – Acabo bufando – Se serve de consolo, falta pouco para chegarmos ao shopping. Lá estará bem mais agradável.
- Estou torcendo por isso. Eu deveria ter vindo com roupas mais leves. – Gisele puxa a gola de sua camisa levemente e sacudindo, tentando se refrescar.
Chegamos finalmente no quarteirão do shopping. Caminhamos em silêncio até finalmente entrarmos. Percebo com o canto dos olhos, Gisele está nos observando, Anne e eu – Que foi?
Disfarçadamente, Anne me acerta uma leve cotovelada. Talvez eu tenha sido grosseiro demais no meu tom de voz, mas não foi necessariamente minha intenção – Nada demais, eu só estou olhando. Vocês formam um casal bonito. Namoram há muito tempo?
Vejo Anne ficando vermelha, mas um pouco sem jeito – Nós não namoramos.
- Sério? – Gisele ergue as sobrancelhas – Está perdendo tempo Edan.
Fico sem saber o que falar, mas sinto Anne apertando minha mão levemente, encostando-se ao meu ombro. – Está tudo bem... – Escuto em minha mente, me fazendo olhar para ela. Anne me observa com um pequeno sorriso.
- Bem... No momento certo, quem sabe não aconteça algo... – Respondo Gisele, mas minha voz sai mais fraca do que eu esperava. – Bem, temos algo para resolver. Vamos achar um lugar para sentar, e então resolvemos isso.
- Tudo bem, estou ansiosa por isso... – Gisele dá um pequeno sorriso.
- Alias... A Clarice continua daquele mesmo jeito de sempre? – Questiono. Nós já chegamos a praça de alimentação, escolhendo uma mesa, e logo nos sentando.
Em um silêncio momentâneo, Gisele hesita – Minha mãe só foi embora, sem dar nenhuma notícia. Recebeu a carta de divórcio, pegou algumas coisas e sumiu no mundo.
Ouvir isso me dá um embrulho no estomago, por mais que eu já soubesse da situação. Anne a observa. Não é preciso muito para sentir a surpresa vinda dela – Como assim, ela só foi embora? E como você está cuidando de tudo?
- Isso foi há duas semanas acho. A carta de divórcio chegou em casa, ela leu e logo depois largou na mesa. Ligou para alguém e arrumou algumas coisas e saiu pela porta sem me falar nada. – Gisele cerra seu olhar, com um sorriso forçado – Eu devo ser mesmo uma péssima filha. Primeiro meu pai, e depois minha mãe.
- Não fale dessa forma. – Anne comenta, tentando acalmar Gisele. – Os problemas dos seus pais refletem em você, mas você não é a culpada desses problemas.
- Eu sei, mas... Não deixo de ser culpada por eles se afastarem, ou me abandonarem. – Posso ver Gisele balançando a cabeça.
- Espera, como assim? – Cerro o olhar.
Minha prima não me responde de imediato. Ela vira seus olhos para mim e então para Anne, suspirando pesadamente – Era o que minha mãe me mostrava. Que tudo deu errado a partir do momento que nasci. Que meu pai nunca me quis, e que só me odiava.
Ouço Anne xingando minha tia em voz baixa, mal sabe ela que pode fazer isso em alto e bom som que, a essa altura do campeonato, não iremos nos incomodar. – Ela te mostrava isso?
- É, me fazia acreditar que meu pai estar sempre esgotado e com pouco humor era culpa minha, só pela minha presença. Ela repetia tanto isso que passei a acreditar que meu pai nunca me quis na vida dele. – Ela da uma risada – E depois disso, passei a ficar distante dele, e querer odiar meu pai por causa da minha mãe. Acho que realmente sou a responsável por tudo.
- Você não é culpada... – Anne tenta dizer – Você vê como as coisas estão hoje, sabe que a culpa das coisas estarem dessa forma nem de longe é sua.
- Sei disso, mas... Depois de escutar esse tipo de coisa todos os dias, chega uma hora que se acredita nisso. – Ela da uma risada – Acho que sempre me verei como culpada nessa história toda, mesmo que só um pouco.
Posso sentir a dor vinda dela. Ela se sente culpada por todos os problemas entre seus pais? Não acredito que Clarice tenha ido tão longe e colocado isso na cabeça da minha prima. O que Clarice ganharia colocando pai e filha um contra o outro? Gisele deve se martirizar todos os dias por causa de como tudo aconteceu.
Eu não permitirei que isso continue. Tudo isso acabará hoje.
- Nós daremos um jeito nisso... – Digo simplesmente.
- Obrigada Edan, depois de tudo e você ainda me ajudando... – Gisele balança a cabeça, com um pequeno sorriso.
Escuto algo na minha mente – Edan, estou vendo seu tio... Vou dar uma desculpa para sair e buscarei ele. – A voz de Anne ecoa em meus pensamentos. Eu concordo em um discreto balançar de cabeça, como se eu respondesse minha prima. Anne então se levanta – Vou ali pegar um menu para escolhermos algo. Já volto.
Acompanhamos Anne com o olhar, até ela parar de frente a uma das lojas e olhando para o alto, como se olhasse os preços. Ela disfarça de uma forma até bem convincente, tanto que até eu chego a quase acreditar nela.
Volto meu olhar para Gisele, que acompanha meu movimento – Ela é uma garota bem amigável, além de muito bonita. Você tem bom gosto.
Balanço a cabeça negativamente, batendo a ponta do dedo na mesa – Não tenho nada a dizer.
Ela me da um sorriso de canto – Não mesmo, afinal está escrito na sua cara que você está doidinho por ela.... E existe uma recíproca vinda dela. A Anne também é louca por você.
Cerro o olhar. Isso me incomoda. – Tenho que discordar disso. Ela acabou de sair de um namoro problemático. Namoro esse, que ela entrou por culpa minha.
- Tão problemático e agora, ela está aqui com você. – Gisele diz rindo. Não me lembro de todo esse ânimo dela ao falar comigo. É nostálgico, mas não dei essa liberdade toda. Pelo menos, estou tendo uma conversa no mínimo descontraída com minha prima. Isso deve ser algo bom para nós finalmente nos reaproximarmos também.
Apesar disso, sinceramente eu mesmo não sei o que falar sobre a Anne. Eu ainda não sei o que realmente sinto por essa chata, com quem tenho um elo tão forte. Eu estou lutando comigo mesmo todos os dias, evitando pensar em como ela me encanta, como ela atrai meu olhar, minha atenção, meus desejos, tudo em mim é atraído por ela. Estou ocultando meus pensamentos o máximo que eu posso para que ela não os escute.
Em nenhuma circunstância Anne pode ser importante para mim, por mais que eu queira o contrário. Anne não pode ser importante para mim. Não importa o que aconteça, ela não pode. Essa possibilidade me desespera... Mas ao mesmo tempo, ela está se tornando aquilo de mais importante que tenho na vida. – É, você está certa... Eu e Anne passamos por muitas coisas complicadas nos últimos tempos. E Agora, ela está aqui.
- Vocês se gostam... – Gisele diz com um sorriso.
Hesito por um segundo pelo que Gisele diz com tamanha tranquilidade. Observo minhas mãos a minha frente, temendo que minha prima esteja certa.
Gostar da Anne definitivamente é pouco, é algo que não só parece... É maior do que isso. Essa possibilidade me assusta, tennho medo disso... Mas ao mesmo tempo me agrada. Não consigo esconder isso de mim mesmo, e na verdade, eu não quero esconder isso. É algo que esteve crescendo desde aquela viagem até agora, do momento que nos reaproximamos até agora. Eu a vejo de outra forma, me sentindo de outra forma quando olho para Anne, e não estou conseguindo mais impedir. – Você está certa Gisele.
- Você não deveria perder tempo... Por que não conversa com ela sobre como se sente? Tenho certeza que ela está da mesma forma. – Gisele comenta, sem descolar os olhos de mim.
Penso se Anne não está ouvindo meus pensamentos agora. Realmente, eu espero que não, eu ainda devo tentar conter tudo. Olho sobre o ombro de Gisele, vendo Anne e meu tio Marcos se aproximando em passos curtos. – Eu... Pensarei sobre isso Gisele... De verdade.
- E eu espero que de certo. – Ela diz sorrindo. Continuo olhando sobre o ombro dela, enquanto Anne se aproxima e se senta. Meu tio está nos observando bem de perto, segurando algo em suas mãos que levo alguns segundos para identificar o que é.
- Desculpem a demora... – Anne diz com um sorriso, segurando minha mão. – Eu demorei para encontrar um menu para olharmos.
Gisele olha para ela, erguendo uma sobrancelha. – Ué, e cadê o cardápio pra escolhermos?
- Serve esse aqui? – Meu tio diz com um sorriso de canto, atraindo o olhar de Gisele quase que de imediato.
Gisele fica estática no banco, olhando para mim e para Anne com um olhar incrédulo. Vejo meu tio abrindo levemente os braços, e minha prima se levanta, correndo para abraça-lo.
Apoio o rosto na minha mão, assistindo o reencontro deles, e então olhando para Anne, que também assiste com um sorriso contido.
Depois de tantos problemas que passaram, finalmente parece que serão pai e filha de novo.
Eles conversam algumas coisas em voz baixa, sem se afastarem de começo. Quanto finalmente minha prima se afasta, ela está em um misto de euforia e felicidade, claramente estampada por seu sorriso e por algumas lágrimas que caem sobre seu rosto. Balanço o rosto negativamente, não sei bem como agir em situações assim, mas posso dizer que me sinto satisfeito pelo que estou vendo. Esses dois queriam isso, e foi bom ter ajudado eles.
- Pensei que não queria mais olhar na minha cara... – Ouço minha prima dizendo, sua voz está fraca nesse momento.
- Eu pensava a mesma coisa... Eu fui embora, pensei que nunca mais você iria querer ter o menor contato comigo. – Meu tio diz em um tom que entrega sua animação.
Minha prima abaixa a cabeça – Eu fui injusta com você pai... Por causa da minha mãe, eu...
- Eu entendo filha... – Tio Marcos a interrompe, levando a mão aos ombros de Gisele – Sua mãe fez coisas horríveis para nós... De muitas formas...
Vejo um suspiro de Gisele – Desculpe por todas as besteiras que fiz pai...
- Desculpo somente se me desculpar por ter ido embora... – Ele diz com um sorriso.
- Não sei o que fazer para agradecer vocês... – Gisele comenta, se virando para olhar eu e Anne.
- Vocês não precisam nos agradecer. Era algo que vocês dois queriam. Nós só... Demos um jeito de unir as duas partes. – Anne diz, enquanto nos levantamos.
- Ainda assim, não temos como não agradecer vocês. – Meu tio comenta, com um largo sorriso em seu rosto.
- Imagino que vocês tem muito o que conversar agora... – Comento, enquanto Anne segura minha mão – Daremos esse tempo para vocês colocarem os assuntos em dia. Se cuidem.
Antes que nos digam qualquer coisa, nós dois nos afastamos. Damos alguns passos, olhando para eles por cima do ombro. Meu tio e minha prima acabam de se sentar. Logo volto meus olhos para frente, enquanto Anne olha mais alguns segundos.
- Conseguimos. – Comento, olhando para Anne de canto.
- Sim, conseguimos... – Anne me responde com um sorriso e apertando minha mão com um pouco mais de intensidade. Com nossas mãos livres, realizamos um cumprimento alto. – Acho que formamos uma boa dupla.
- Você acha? – Ergo uma sobrancelha.
- Acho sim, você não? – Anne devolve a pergunta dando risadas.
Mantenho o silêncio por um segundo, abaixando meu olhar e dando um pequeno sorriso que não pude conter. Ela me olha com uma expressão surpresa – Eu não acho, tenho certeza disso. Fazemos uma ótima dupla.
Anne me da um largo sorriso, sinto toda a animação vinda dela. Seu sorriso faz com que eu me perca por completo. Cada vez essa garota parece mais única para mim.
- Você não sabe como ouvir isso me deixa feliz. – Ela entrelaça seus dedos aos meus. O que sinto vindo de Anne se torna mais forte, é uma felicidade que não cabe em Anne. – Te ver sorrindo assim pela primeira vez, isso enche meu coração.
- Na verdade eu sei sim. Consigo sentir, vindo de dentro de você. – Eu digo de forma séria e neutra, que logo arranca uma gargalhada de Anne.
- Seu estraga prazeres! – Ela diz rindo, me dando um tapa no ombro.
- É minha melhor habilidade. – Respondo, e ela volta a rir – Agora minha chata, vamos ir comer alguma coisa, e então vamos encontrar com a Raquel. Temos mais coisas planejadas para hoje.
- Com certeza sim meu idiota. – Anne diz, me mostrando a língua – Eu irei para onde você for.
Fico olhando para Anne. Não tenho mais como negar isso.
Eu estou completamente louco por essa garota.
E isso me assusta.
Considerações Finais:
E aqui ficamos com mais esse capítulo. Capítulo grande, sim realmente, mas com acontecimentos, muitos inclusive. O que estão achando a essa altura?
Dê sua opinião, está gostando? Está odiando? Tem opiniões e teorias? Não hesite em contar, ainda tem bastante história pela frente, muitas coisas para acontecer. Espero que estejam gostando, que continuem acompanhando, e sem mais... Até o próximo capítulo.
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