Capítulo 29
7641 palavras - Arco aniversário
Por Edan
Desperto lentamente, encontrando um espaço vazio a minha volta. Sinto a familiaridade daqui, é quase como se eu já tivesse estado nesse ambiente outras vezes... Mas eu simplesmente não me lembro de ter estado aqui.
Olho em volta, prestando atenção no que puder. O espaço é completamente enegrecido, o chão coberto com uma camada de água. Tento me concentrar, mas não existe som além de um distante gotejar que não sei de onde exatamente está vindo. Sinto uma brisa, mas nem mesmo ela emite qualquer ruído que seja.
Caminho lentamente, esperando encontrar qualquer coisa que possa ser, apesar da certeza de não conseguir encontrar nada, por mais que eu procure. Apesar disso, consigo ter a impressão de ver algo... Vultos passando por dentro da escuridão.
Seres estranhos, criaturas que me lembram animais, pessoas caminhando de um lado ao outro, seres maiores e mais indefinidos, como se fossem grandes robôs animatronicos, ou então seres mais fantásticos de alguma obra de ficção, aves, e uma imensa criatura alada, mas todos eles logo desaparecem quando viro meus olhos a eles.
Uma pequena luz surge de repente, se aproximando de mim. Ela é ínfima e pequena, quase nula, e se aproxima timidamente de mim. Estendo minha mão para alcança-la e ver melhor, e ela se intensifica. Fica maior e muito mais brilhante, ofuscando minha visão completamente.
O brilho lentamente se enfraquece, tornando as coisas nítidas novamente. Não estou mais no vazio enegrecido, me vejo em um lugar diferente, mas ainda coberto pela penumbra. Estou em um quarto, meu quarto. Olho em volta, tentando reconhecer esse ambiente. Alguns pequenos gibis largados sobre a estante, o guarda-roupa aparentemente organizado, nada de roupas espalhadas pelo chão e... Minha cama, e um colchão bem ao lado da cama?
Olho as paredes, notando algo, existem muito menos desenhos colados na parede do que eu me lembro, e nenhum deles parece ter sido coberto de poeira em algum momento... Parecem ser bem recentes.
Tomo um desses desenhos em minha mão, um que tenho a certeza de já estar completamente apagado, mas está aqui, nítido na minha frente. Lembro dele, foi um dos desenhos que melhor caprichei depois que aprendi a desenhar. Nele estão um homem e uma mulher com roupas coloridas e capas, claramente heróis na minha visão de criança, não apenas isso, foi uma outra visão que eu tinha dos meus pais. É, eles eram meus heróis.
A porta lentamente é aberta, e vejo uma pessoa um pouco mais alta que eu, ofuscada pela pouca luz que vem do corredor, e essa pessoa carrega algo nos braços, acho que duas crianças.
- Vocês já brincaram muito, deitem que amanhã acordamos cedo para ir ao lago... – Escuto essa voz grave, a reconhecendo. É definitivamente meu pai.
- Mas pai, eu não quero... Ainda não estou com sono... – Escuto a mim mesmo, com a voz de criança manhosa. Caramba, minha voz era assim? Que vergonha...
- Nada de desculpas filho, vocês dois precisam descansar. – Vejo meu pai com poucas dificuldades, mas conseguindo deitar o pequeno eu na cama, e então a outra criança na outra cama. Percebo ser uma menina de cabelos escuros – Prometo que amanhã será divertido.
- Ta bem pai... Prometo tentar dormir... – Vejo a mim mesmo se ajeitando na cama, pegando a coberta dobrada na ponta e se aconchegando. Fico olhando meu pai, ele se vira e segue em direção a porta – Pai... Pode deixar a luz ligada?
Vejo que meu pai parou e me olha sobre o ombro – Não tenha medo do escuro, você é maior que os monstros que vivem nele.
Eu lembro disso. E como eu me lembro. Era algo que meu pai me dizia todas as noites, que faziam me sentir tranquilo. O pequeno eu somente se ajeita na cama, enquanto meu pai deixa o quarto. – Seu pai é alguém bem legal. – Escuto a menina dizendo, sua voz é muito familiar para mim...
- Né? Ele é incrível, apesar de ser bem sério muitas vezes... – Olho minha versão menor chegando perto da beirada da cama – A mãe me diz que ele é assim só por fora.
- Sim, eu percebi... – Ela diz com a voz tímida – Ele me assusta um pouco.
Escuto minha risada contida – As vezes ele também me assusta, mas é só o jeito do meu pai. As vezes a mãe faz ele rir de repente, e ele parece uma criança igual nós.
- Eu quero ver isso alguma hora. Deve ser legal. – A menina diz, se virando de lado e olhando para o pequeno eu. Percebo que ela está bem contida pelo sem tom. Parece bem tímida.
- Tinha que ver quando nós montamos a estufa para a mãe. – O pequeno eu está bem mais animado agora – Meu pai não gosta muito de se sujar, e sempre fica arrumado. Mas foi engraçado ver ele ajudando e se sujando todo. Minha mãe riu muito.
- E seu pai, ficou como? – Percebo uma pequena curiosidade na voz tímida da garota.
- Ficou sujo e bravo. – Abaixo um pouco o olhar. Eu lembro bem desse dia. Ele ficou bravo por se sujar de terrar, mas logo depois... – Mas logo depois, só de ver minha mãe feliz, ele ficou animado também.
A menina da uma pequena risada – Ele é sério por fora, mas um manteiga derretida por dentro.
- Isso mesmo, alguma hora você vai ver ele rindo. Ele não fica nada sério. Minha mãe diz que ele só tem tamanho. – Vejo as duas crianças rindo, e eu preciso concordar. Meu pai realmente era assim. Sério por fora, mas sempre se empolgava depois.
Tudo começa a clarear, a ponto da minha visão se tornar ofuscada. Lentamente me percebo em um lugar. Um quarto de hospital. Na cama está meu pai, e ao lado estão minha mãe e o pequeno eu. Começo a me lembrar desse dia.
- Você vai melhorar né pai? – Escuto o pequeno eu falando.
- Claro filho. Sabe que nada derruba seu pai. – Ele diz com um sorriso fraco – Logo eu estarei saindo daqui. Semana que vem estarei fora daqui, e iremos comemorar seu aniversário juntos.
Respiro fundo ao ouvir isso, desviando o olhar. – Promete?
- Prometo sim, eu estarei lá com você... – Ouço meu pai dizendo.
- Ta bem... Mamãe, estou com sede... – Escuto o pequeno Edan dizendo.
Minha mãe da um pequeno suspiro. – Tem um bebedouro virando o corredor, de frente com as janelas filho. Vai lá, e não fale com o ninguém.
Vejo como o pequeno eu se afasta devagar – Eu vou lá e trago água para vocês.
- Não precisa Edan, mas volte logo senão vou atrás de você. – Minha mãe diz, vendo enquanto o pequeno eu deixa o quarto. Eu mesmo permaneço imóvel, olhando para os dois. Minha mãe acaba de dar um suspiro pesaroso – Você está morrendo, não é?
Meu pai abaixa o olhar – Não conte para o Edan... Ele não precisa saber disso. Só quero aguentar até o aniversário dele.
Minha mãe se senta na beirada da cama, pegando as mãos do meu pai. – Você irá aguentar, e passar por isso. Eu não perdi as esperanças.
Vejo meu pai dando um sorriso fraco – Obrigado querida. Eu realmente espero aguentar.
Percebo que de repente o quarto escurece, e então se ilumina, percebo como isso é proveniente da larga janela de vidro do quarto, da luminosidade que só vem devido a ela. Esse ciclo se repete por várias vezes, até finalmente se clarear uma última vez.
Continuo no quarto, olhando em direção a cama. Neste momento, tanto minha mãe quanto o pequeno eu estão aqui, ambos olhando para a cama onde meu pai estava. Os olhos do meu pai estão fechados, e vejo como minha mãe e minha versão criança estão chorando.
Eu gostaria que isso fosse verdade. Do fundo do meu coração eu gostaria, mas infelizmente eu sei que não é... Meu pai... Não conseguiu cumprir sua promessa.
Ele resistiu, sei que sim, sei que ele aguentou o máximo que podia... Mas... No dia do meu aniversário eu soube da notícia quando chegamos ao hospital.
Meu pai havia morrido.
A partir desse dia eu entendi... Não existem motivos para se comemorar, não existe nada em especial. É apenas um dia normal, onde perdemos o que é importante, como todos os outros.
E então, desse aniversário em diante, que recebi o pior dos presentes, eu deixei de comemorar. É meu motivo de não comemorar, de sentir apenas dor e ser bombardeado de lembranças agora inalcançáveis para mim.
Tudo começa a se acinzentar e desfazer a minha volta. A imagem dos meus pais desaparece da minha frente, retornando ao enegrecido de antes. Mas percebo algo, existe uma porta aqui. Uma imensa porta de pedra a uma certa distância.
Me vejo surpreso. Quero me aproximar, e é isso que eu faço. Dou alguns passos, mas algo... Ou alguém surge a minha frente. Alguém enegrecido como esse ambiente. Ele olha para a porta, e então se vira para mim lentamente. Eu pisco uma vez, e aquele alguém desaparece, ressurgindo a minha frente repentinamente.
Tento ter qualquer reação, mas meu corpo recebe um impacto. Fecho os olhos, e quando reabro, me vejo no quarto, arfando desesperado, sentindo o suor pelo meu corpo.
Tudo isso foi... Mais um pesadelo?
*****
Hoje é o dia, aquele que eu tanto gostaria de evitar. Não tenho um motivo em especial para não gostar desse dia, apenas não gosto... Não... A realidade é que existe um motivo maior. Dizem ser especial, mas nada nele é especial. Não para mim. É apenas mais um dia entre tantos, um dia vazio como todos.
O que as pessoas veem de tão especial no próprio aniversário?
Dizer que este é "meu dia" é presunção demais, egoísmo e egocêntrico da minha parte, e não sou assim. Não sou grande coisa, muito menos a ponto de merecer um dia só para chamar de meu. Se for sobre ficar mais velho, eu fico mais velho todos os dias, a cada novo segundo. A única coisa é que hoje eu completo apenas mais um ciclo terrestre, e mais nada. São só 16 anos. Isso em si não tem nada de especial.
A casa está escura, nenhuma das luzes ligadas, e nem as janelas estão abertas. Nenhuma fonte de luz, nem da televisão, um lugar assim é tudo que me parece confortável. Me vejo sentado no sofá, meu olhar está perdido entre a escuridão, minha mente gritando mil coisas que eu desisti de tentar organizar, mas quantas vezes já não me encontrei dessa forma? Eu perdi a conta. Meu celular vibra sobre a mesa de centro de repente, o que atrai minha atenção. O tomo em minhas mãos, olhando para a mensagem na tela, é do tio Marcos.
"Olá Edan, feliz aniversário sobrinho. Sei que você não está nem ai para seu aniversário, mas eu faço questão de parabenizá-lo. 16 anos, está ficando cada vez mais velho, e por quantas coisas você já passou. Gostaria de poder passar por ai para dar parabéns pessoalmente, mas infelizmente estou com o tempo apertado. Quando der, passarei por aí."
Termino de ler, e deixo o celular de canto. Francamente, isso não é preciso. Independente disso, eu responderei agradecendo depois.
Vou em direção ao quintal, vendo o Mítico rolando no chão assim que passo pela porta, mas ele sequer me nota. Ele está entretido demais para me perceber. Escolho um canto, e me sento no chão. Apesar do clima ensolarado, está frio e com um suave vento gelado, o que me obrigou a me manter agasalhado. Não estou afim de ter uma hipotermia.
Percebo que o Mítico se levantou, e está olhando para mim, do mesmo jeito estranho de sempre. Dessa vez eu não tenho medo dele, não ligo se ele vai me atacar ou não, eu sei que sentir mais dor não será nada. Eu sequer reajo.
Ele vem na minha direção em passos lentos, seu olhar não se desgruda de mim do mesmo modo que faço com ele. Mas ao invés de me atacar, ele para ao meu lado, deitando sobre o meu colo. Isso foi uma surpresa, e não sei como reagir. Eu olho para ele, que acabou fechando os olhos. Hesitando um pouco, faço uma ínfima tentativa de carinho nele. Por mais patético que seja meu desempenho, ele corresponde lambendo minha mão.
Já ouvi uma vez que cães conseguem sentir quando as pessoas não estão bem... Será que ele enxerga como eu estou?
Ouço a campainha tocando, o que faz Mítico se levantar, e olhar para mim como se me perguntasse o que estava acontecendo. Eu afago sua cabeça suavemente. – É só a campainha garoto, temos uma visita inesperada.
Espera, porque eu expliquei isso para o Mítico?
Caramba, eu realmente estou enlouquecendo. Mas o pior é que ele me observa como se ele me entendesse. Ele se levanta e corre até o portão, enquanto eu procuro a chave pela sala com uma rápida passada de olhos, encontrando sobre a mesa de centro. Eu a pego e retorno para fora, indo ver quem é a visita incômoda do dia, justamente quando eu mais gostaria de ficar sozinho em casa. Meu pensamento muda de repente.
- Anne? – Deixo escapar da minha boca, tentando esconder a surpresa por ser ela a estar aqui.
- Euzinha! – Ela me responde, com um largo sorriso no rosto. Caramba, a quanto tempo ela não aparece aqui em casa, chega até a ser nostálgico, além de me causar uma sensação estranhamente boa. – Tudo legal Edan?
- Sim... Eu acho que sim... E você, como está? – Destranco o portão e a deixo entrar. Não consigo deixar de olhar para ela de cima a baixo, sem acreditar que Anne realmente está aqui no meu portão de novo – Alias, o que ta fazendo aqui?
- Eu estou bem, e sabe como é... Estava bem atarefada esses dias de férias, muita coisa pra fazer, e consegui um tempinho livre hoje... – Ela para de falar, olhando para o Mítico que a observava animado, e por sinal, todo brincalhão. Anne se abaixa, deixando a sacola que ela trouxe consigo no chão. – Oi garoto bonito, tudo bem? Então foi você que mordeu o Edan? Mas que cachorrinho atrevido, legal assim nem parece que faz algo de ruim.
Como resposta vejo Mítico deitando a sua frente, rolando e ficando totalmente brincalhão enquanto é mimado por Anne. Cada vez mais ele me faz parecer um mentiroso sobre ter me mordido.
Anne então se levanta novamente – É um amor de cachorro, tem certeza que foi ele quem te atacou? – Apenas ergo as mãos em resposta, e não digo nada. – Bem, voltando ao assunto, eu consegui um tempinho livre hoje, e como faz muito tempo que não venho aqui, decidi vir fazer uma visita. Aliás, posso usar sua geladeira pra guardar isso? – Ela aponta para a sacola.
- Claro, a vontade... – Ela abre um sorriso e corre para dentro de casa sem me dizer mais nada, me deixando plantado do lado de fora.
Eu olho para o Mítico, mas ele apenas pende a cabeça para o lado, do mesmo jeito que eu sempre faço. Ele é realmente meu cachorro, até tem gestos iguais aos meus, francamente. Eu deixo Mítico no quintal e a sigo até a cozinha. Assim que entro, Anne acaba de fechar a geladeira. Isso atiça minha curiosidade ainda mais – O que é isso que trouxe?
- Não é nada, só umas coisas que comprei e depois levo para casa... Sabe como é, faltando coisas e aproveitei para comprar logo cedo... – Ela da de ombros.
- Mas... Assim cedo, seria mais fácil comprar na volta pra casa... Parecia uma caixa, e uma das grandes... – Anne vem até mim, colocando um dedo sobre minha boca, me fazendo parar de falar na hora. Ela balança a cabeça negativamente.
- Você está pensando demais Edan. Não se preocupe, aquilo ali não é nada... – Ela me da um sorriso tão doce, que só ela consegue fazer.
Tirando o dedo da minha boca devagar, e parecendo um pouco sem jeito, ela se aproximou devagar de mim, e me beijou. Muito mais calmo do que antes, sem pressa ou voracidade, podemos aproveitar com tranquilidade, aqui não seremos pegos por ninguém. Não seremos interrompidos. Eu a puxo para mim por sua cintura, e ela envolve meu pescoço com os braços, nos deixando mais próximos, aprofundando nosso beijo cada vez mais, e ambos estamos nos entregando. A mesma vontade de antes volta tanto a mim quanto a ela, posso sentir isso nesse momento... Da forma que queria continuar antes, agora eu posso. Agora posso beijar ela, aproveitar cada vez mais a cada novo segundo.
Nos afastamos aos poucos, e ela me abraça mais forte do que antes – Feliz aniversário, idiota...
Fico pensando em como ela ficou sabendo que era hoje. Minha mente ecoa também o questionamento se Anne sabe que eu não comemoro meu aniversário. Isso não importa, pelo menos não agora. Apenas retribuo no abraço, sentindo bem o conforto e o calor que o corpo da Anne consegue me passar tão naturalmente – Obrigado, chata...
Não nos afastamos, continuamos próximos. Tão próximos que nossos rostos quase se tocam, sinto sua respiração, e não consigo deixar de olhar em seus olhos. Definitivamente eu não quero perder essa garota da minha vida de jeito nenhum. É o ponto de chatice que faz as coisas não serem tão iguais.
Aos poucos ela se afasta, mantendo seus olhos em mim. O mesmo sorriso bobo da última vez reaparece agora em Anne. – Bem, vamos começar a ajeitar as coisas por aqui...
- Ajeitar? – Estranho o que ela diz, porém essa animação na voz dela vez deixa tentado a aceitar sem nem saber o que é, e sei bem como isso pode me render problemas. Apesar que, acho que desde sempre Anne consegue ter esses efeitos em mim com seu sorriso, por menor que seja esse tal efeito e eu conseguisse mantê-lo sob controle – Mas por que?
- Acha que sou só eu que vai vir aqui hoje? – Ela ergue uma das mãos, fazendo um gesto negativo com o indicador, e com uma expressão convencida – O Leandro e a Raquel também virão aqui, daqui a pouco estão chegando.
- Pra que? – Tá, essa foi uma pergunta meio retórica e, mas não contenho minha vontade de perguntar e de ter uma resposta. Eles sabem do meu jeito e que não comemoro.
- Pra comemorarmos o seu aniversário juntos ué! – Não tenho uma resposta para isso. Anne da um sorriso de satisfação, levando uma mão a cintura e outra ao queixo – Eu fiquei sabendo que alguém aqui não comemora, então achei interessante vir aqui e movimentar as coisas, e eles concordaram em me ajudar com isso.
Espera, então a Anne sabe que eu não comemoro, mas ainda assim veio. Não só ela, a Raquel e o Leandro também. O que posso dizer, algum dia esses meus amigos vão me enlouquecer ainda mais. Somente bufo em resposta.
- Ah, e mais uma coisa... – Anne diz de repente, me fazendo retomar minha atenção a ela – Eu não tenho ideia do quão mal eu te fiz por me afastado de você, por todas as coisas que eu falei, e agora eu quero consertar as coisas com você.
Vendo essa atitude de Anne, não acho que devo ser tão indiferente, talvez nem consiga ser. Mas eu mesmo nem ligo pra isso. Eu só dou de ombros, e então digo – Está livre para tentar isso. Apesar que, eu acredito que você saiba minha opinião.
- Eu sei Edan, você não se importa nenhum pouco... – Ela termina de falar e sorri, acabo prestando atenção no sorriso dela por mais tempo do que esperava – Só me deixe consertar as coisas. É um tempo que não vai voltar, então eu quero aproveitar essa nova chance... É uma coisa que eu preciso fazer.
O tom de voz de Anne, apesar de ser o habitual, me pareceu estranho. Tenho a impressão de sentir uma coisa escondida por entre suas palavras. É como se ela me escondesse algo... Tem alguma coisa muito errada. Eu não tenho ideia de como sei, apenas sinto – Bem... Você tem essa chance...
- Obrigada Edan – Ela segura minhas mãos e me puxa – Agora vamos começar a arrumar tudo. Temos bastante coisa pra fazer hoje... Mas... Você está sentindo algo?
Pendo a cabeça para o lado – Sentindo... Tipo o que?
- Uma brisa gélida... Nossa, um calafrio subindo bem no meio das minhas costas, mas é estranho. Ele é confortável. – Ela me diz, abraçando a si mesma.
Eu entendo o que pode ser, logo sinto essa mesma brisa passando pelo meu corpo, seguido pelo fio gélido. Eu estremeço e sinto meu corpo se arrepiando. – Eu sei o que é...
Anne me observa, com curiosidade nos olhos.
- São meus pais... – Digo, conseguindo sentir a presença deles bem perto de mim.
Olho para Anne, imaginei que ela iria caçoar de mim, mas ela não o faz. A garota tem uma expressão surpresa – É sério? Eles... Estão aqui? Os dois?
Concordo balançando a cabeça – Sim, os dois aparecem algumas vezes, me fazem companhia... Me confortam e então se vão...
Vejo Anne dando um sorriso – Consigo sentir... A sensação deles, a presença, eu me sinto acolhida... Nem sei explicar... Mas é bom...
- As vezes nem eu sei... E o melhor, eles vieram logo hoje, no meu aniversário... – Respiro fundo, sentindo a saudade tomando posse de mim – É um presente deles para mim.
Anne se aproxima, me abraçando. A sensação que vem dos meus pais se intensifica ainda mais, como se acolhesse tanto a mim quanto Anne – Eles também vieram por você... Iremos comemorar todos juntos.
*****
- E olha que dia é hoje, o aniversário do chatolino mais legal do mundo! – Raquel me diz com bastante animação na voz, assim que abro o portão. Percebo que ela tem algumas caixas nas mãos. Ela as equilibra em uma das mãos, e então me da um abraço – Feliz aniversário seu mala.
Olho para Leandro, que está com algumas várias sacolas penduradas nos braços, e mais algumas caixas nas mãos. Copiando o que Raquel fez, Leandro equilibra tudo em apenas uma mão com total maestria, e me cumprimenta com um toque de punhos – Feliz aniversário Edan. Nem pensar que deixaremos esse dia passar na simplicidade.
Olhar tudo isso que eles trouxeram me deixa bem apreensivo, mas consigo impedir que essa sensação apareça no meu rosto – To com medo de perguntar, mas o que é tudo isso?
- Festinha! – Raquel diz, erguendo as caixas para o alto.
Ela se virá e entra em casa, enquanto Leandro está rindo ao meu lado – É sério isso?
- Muito sério, estamos planejando desde semana passada – Ele responde entre risadas contidas. Encaro Leandro com o canto dos olhos, deixando nítido minha cara de tédio – Não olhe pra mim, isso foi ideia da Anne.
- Tinha que ser coisa dela... – Leandro deu de ombros rindo, e seguiu para dentro. Eu tranco novamente o portão e entro em casa.
A música que Anne escolheu e deixou tocando na televisão invadiu meus ouvidos antes mesmo de eu entrar na sala, e agora parece que o som está mais alto. Passo o olho em volta, reparando que algumas das sacolas já foram abandonadas no sofá, passando os olhos em volta, vejo a organização que eu e Anne precisamos fazer mais cedo. Tivemos que deixar todas as portas e janelas abertas, guardar meus travesseiros e cobertas no quarto para arrumar a sala, que pelo menos deixei limpa recentemente, tivemos que lavar uma parte da louça e deixar a mesa da cozinha livre, além de varrermos tudo, o lado aceitável é que pelo menos minha casa tá organizada de novo. Escuto as vozes deles vindas da cozinha, e é pra lá que eu vou.
- Pare de comer Leandro, ainda nem começamos a comemorar ainda! – Escuto Raquel dando uma bronca, e vejo a cena assim que entro. As caixas de antes estavam sobre a mesa, e uma dela estava entreaberta, me permitindo ver que tinham salgados dentro, acho que bolinhas de queijo.
Acho que isso promete, eu me encosto no batente da porta e assisto a cena.
- Vou fazer o que se está bom? – Ele responde dando risada. – Pega também. Tem bastante, olha o tanto que encomendamos.
- Você tá brincando comigo, só pode ser isso... – Raquel diz rindo, eu a vejo pegando um dos salgados e logo lançando na boca, enquanto está esboçando uma pequena dança ao ritmo da música que toca na sala – Você não pode comer assim tão fora de hora. Não encomendamos tanto e pode acabar rápido.
- Por que não? – Ele ergue as mãos.
- Porque ai eu vou querer comer também... Aliás, já estou comendo. – Ela resmunga, cruzando os braços.
- Eu concordo com a Raquel. – Anne se pronuncia, eu sequer tinha percebido que ela estava parada ao meu lado. Inevitavelmente eu olho em sua direção. Ela da um passo a frente, pescando um dos salgados e comendo – Não devemos comer tudo, senão vai acabar antes da hora.
- Mas... – Ele para de falar, eu vejo Anne e Raquel pescando mais e mais salgados.
- Mas nada... – Anne solta suspiros a cada segundo. Pelo jeito que ela reage os salgados estão realmente bons. – Não pode exagerar Leandro.
- Como assim não posso? – Ele ri das duas garotas – Pegamos cinco caixas de salgados... E aliás... Vocês duas que estão comendo!
- Nós podemos! – Raquel responde com a boca meio cheia entre risos, ela então pega a caixa em suas mãos e estende a Leandro – Pega logo e para de perder tempo, senão nós duas vamos comer tudo sozinhas.
- Não vou perder essa chance! – Ele avança sobre os salgados pegando uma quantidade em suas mãos, não sei se ele realmente quer comer todos, ou se está apenas salvando de Raquel e Anne. Ele então se vira para mim – Venha comer também Edan. As bolinhas de queijo estão uma maravilha, e o melhor, ainda estão quentinhas.
Antes que eu pense em responder, vejo Raquel abrindo as outras caixas e despejando mais salgados dentro da primeira, posso perceber coxinhas, mini risoles, empadinhas, e alguns que eu nem me lembro de ter visto. A vejo ajeitando todos os salgados em um chacoalhar controlado, agora amontoados de forma bagunçada na caixa. Raquel a fecha, claramente esmagando todos os salgados ali dentro, e então sacode a caixa freneticamente. Posso perceber que ela faz isso com a língua pra fora da boca, parecendo uma maluca. Essa é a minha irmãzinha, não consigo não gostar desse jeito dela. É uma das coisas que a tornam bem única e me fazem vê-la ainda mais como minha irmã. – Não vamos ficar só nas bolinhas de queijo.
- Eu concordo, vamos comer de tudo! – Anne pega um mini risole e vem em minha direção, praticamente me entregando. Quando vou pegar, ela desvia a mão e me abre um sorriso – Não, abra a boca.
- Que? – Questiono, erguendo uma sobrancelha.
- Isso que você ouviu, pode abrir a boca. – Anne insiste, e apesar de relutante, eu faço o que ela pede, e ela deixa o salgado na minha boca. Isso é estranho, não esperava Anne me dando algo na boca, mas pelo menos o sabor de presunto e queijo do risole faz essa situação estranha valer muito a pena.
- Perai, ele ganha direto na boca? – Raquel questiona rindo.
- É só por hoje, por ser aniversário dele. – Anne rebate, erguendo os ombros e dando um sorriso meigo, que combina bem com seu tom de voz de agora.
- Certeza que é só isso? – Raquel comenta, puxando mais um salgado e comendo.
Anne acaba passando seus braços ao meu redor, me abraçando forte e dando risada, que cada vez aparenta ficar mais agradável – O que você acha?
- Eu não acho, tenho total certeza disso. – Raquel responde em risos. Eu gostaria de entender o que exatamente estão falando. Meu olhar vai para Leandro, e pelo jeito que ele está rindo, ele sabe o que essas duas estão falando. – Você quer fazer isso mais vezes.
Anne sorri, me apertando mais – Tenha total certeza disso, eu quero e muito.
- Usando a desculpa do aniversário, você é esperta Anne. – Leandro diz rindo.
Anne encosta sua cabeça no meu ombro, isso faz Leandro arquear as sobrancelhas com um largo sorriso, e Raquel aumentar ainda mais o sorriso no rosto – É preciso ser esperta.
- Aliás, o que podemos fazer de bom agora? – Leandro questiona.
- Nós podemos... – Vejo Anne erguendo o indicador, mas ela logo para de falar. – Nós podemos... Ah... Não sei...
- Também não tenho ideia nenhuma. – Raquel comenta, eu a vejo levando as mãos a cintura.
- Vocês todos vieram aqui na cara de pau, sem nenhuma ideia do que fazermos? – Questiono, cruzando os braços.
- É, bem... O nosso plano é fazer uma festa, mas nem pensamos em coisas para fazermos, além de trazer salgados para comermos – Leandro comenta, dando de ombros.
Sério, não acredito nesses meus amigos. Acho que precisarei resolver as coisas – Bem, já que é assim... Podemos só ver algum filme, ou algo do tipo...
- Não, só isso é pouco... – Anne comenta, olhando para baixo por um segundo – O que acha de um baralho, truco... Ou talvez algum jogo de tabuleiro... Você tem algum desses?
Tento pescar na memória antes de responder – É, sei que tem algumas coisas perdidas em umas caixas lá no meu quarto... Baralho e algumas outras coisas acho que tenho sim...
- Banco imobiliário?! – Raquel diz quase de repente, esse sim com certeza eu tenho e está bem conservado. O clássico banco imobiliário, que sempre é desenterrado do fundo do guarda-roupa em momentos como esse. – Menos que isso eu não aceito!
- Contando que você não fique no banco e nos ferre com suas taxas abusivas, por mim tudo bem! – Anne reclama.
- Pera, que história é essa de taxas abusivas? – Questiono, olhando um a um a minha volta.
- Você não sabe a tortura que é jogar banco imobiliário com a Raquel... – Leandro diz fingindo um sussurro para mim – Eu e a Anne já passamos por isso algumas vezes... Essa maluca da Raquel cobra uma fortuna de taxas se pegarmos um empréstimo no banco...
- Nossa... – Me permito dizer, olhando para Raquel. Ela faz uma cara de santinha, tentando me mostrar alguma inocência. Eu não sei se confio nesse rostinho de anjinha da minha irmã.
- Nem lembra isso... – Anne comenta, fazendo bico – A Raquel me levou a falência nas duas últimas vezes que jogamos todos juntos... Ela não segue as regras do banco...
- Vocês jogam a muito tempo? – É a única coisa que minha curiosidade me permite perguntar.
- Já fazem uns dois meses... – Anne pensa, passando a mão em volta do meu braço – Jogamos sempre na casa do Fabiano, nos reunimos muito lá. E a Raquel sempre bagunça o jogo.
- Parem de me difamar! – Raquel reclama, revirando os olhos para o alto e dando uma risada – Só porque perdem de mim sempre, não precisam exagerar. Vocês vão assustar o Edan, como eu vou falir ele se vocês dois ficam me fazendo parecer uma monstrinha? Deixem ele saber isso na prática!
Ergo uma sobrancelha com o que minha irmã acaba de falar, enquanto ela tapa a boca com as mãos, fingindo uma surpresa. – Não sei mais se eu quero jogar com você Raquel...
- Não fica assim. Eu prometo pegar leve com você... Não é porque todos tem péssimas experiência ao jogar comigo, que você terá o mesmo. – Raquel da um sorriso bem malandro. Com certeza ela não vai aliviar para mim.
- Ta bom... Vou tentar acreditar.
- E depois, o que acham de umas partidas de videogame lá na sala? – Leandro continua, o que faz as garotas concordarem balançando a cabeça. Acho que estão se empolgando.
- É uma ótima ideia... O que acha Edan? – Anne me questiona.
Admito que ver eles assim, quase me deixou em órbita. A quanto tempo não estou dentro de uma conversa com eles. Com todos eles. A sensação é quase tranquilizante, além de nostálgica.
- Claro, podemos fazer dessa forma. – Digo, sem sentir a necessidade de ir contra eles.
*****
Eu deveria ter levado os "avisos" de Anne e Leandro a sério. Em poucas jogadas, a Raquel simplesmente desbalanceou o jogo inteiro a um nível tão extremo, que eu senti que estava devendo até minhas roupas para ela, e o pior disso tudo é que não faço a menor idéia de como ela conseguiu essa façanha. Não duramos nem meia hora jogando com ela. Acabamos mudando para uma partida de truco, o que nos entreteve por bem mais tempo.
Acabamos vindo para a sala depois de uma partida apertada, acompanhados de alguns pratinhos de salgados junto, e também um rolo de papel toalha pra não deixarmos os controles em péssimo estado pela oleosidade, e deixamos tudo sobre a mesa de centro. Acabei deixando eles se sentarem no sofá, e peguei uma cadeira da cozinha para mim.
Liguei o videogame para todos nós aproveitarmos, o jogo escolhido inicialmente foi Bomberman R, nem sei quantas partidas disputamos entre nós e todas muito bem equilibradas, logo trocamos para SpeedRunners, outro bom jogo para disputarmos de forma bem relaxante... Ou nem tanto, teve momentos que acabamos cedendo a um pouco de euforia por causa das partidas tão apertadas. E por fim Overcooked para trabalharmos em equipe quando o assunto é culinária, todos games que deu para nós quatro jogarmos juntos.
Sempre soube que Leandro e Raquel tinham uma queda por jogos, mas nunca esperei que Anne fosse uma jogadora tão boa, me impressionei com ela.
Eu nunca imaginei que ter jogos assim poderiam ser tão úteis, muito menos esperei que fosse chegar um dia que eu me sentaria com meus colegas e poder jogar tranquilamente com eles, da mesma forma que falei com Leandro a bastante tempo atrás... Em que olharia eles dando risadas de diversão e me sentiria bem com isso.
Sinceramente, eu nunca achei que teria isso na vida.
- Aliás... – Começo a falar, ao fim de mais uma partida – Porque só vieram vocês?
- Queria que viesse mais gente Edan? – Leandro questiona, arqueando as sobrancelhas.
- Não é isso... É que todos vocês namoram, fiquei pensando porque não vieram com eles.
- Ah sim, sobre isso é fácil explicar. – Raquel comenta, brincando com uma mecha do seu cabelo – Pensamos em fazer uma coisa só nossa... É menos bagunça e poderíamos aproveitar bem mais. Expliquei para o Ricardo que faríamos uma festinha só entre nós, e ele entendeu. Ele apoiou bastante a ideia.
- A mesma coisa com a Iris. – Leandro diz com um sorriso – Achei que ela não fosse concordar, mas ela apoiou a ideia da festa... A única pessoa que não foi tão bem é a Anne.
- Por que? – Questiono quase de imediato.
- Motivo óbvio. O Fabiano não apoiou, e disse que não colocaria os pés aqui nem se pagassem ele... – Anne acaba soltando um pesado suspiro – E pensar que ele ficou todo emburrado por eu dizer que iria vir do mesmo jeito.
- Que chato dele... Mas né, se tratando do Edan, é esperado ele ficar irritadinho. É muita atitude de criança, isso irrita. – Raquel comenta, revirando os olhos.
- Só deixa ele pra lá, o Fabiano não tem nenhuma importância agora. Depois eu me resolvo com ele. – Anne da de ombros, isso me deixa inquieto. – O principal nós já estamos fazendo.
- Concordo, já estamos mesmo aproveitando, não vamos pensar em uma coisa que acabe desanimando todo mundo. – Leandro comenta, se encostando bem no sofá.
Vejo que Anne se levantou, e foi em direção ao vaso com as duas rosas. Não consigo ver seu rosto e não sei como, mas sei para qual das duas rosas ela está olhando. Ela então se endireita e segue para a cozinha, enquanto Raquel se levanta também e a segue. Ignoro isso e me espreguiço, dando um longo bocejo, sentindo um pouco de sono. Olho para o lado, e vejo Leandro mexendo no celular, bem concentrado no que fazia. Ele digita algumas coisas, olha por alguns segundos, e logo o guarda no bolso. Balanço a cabeça e volto meus olhos a tela, selecionando as opções para mais uma partida.
- Três, dois, um! Agora meninas! – Leandro diz de repente, atraindo minha atenção para ele, que está apontando para a porta da cozinha.
Vejo Raquel saindo da cozinha batendo palmas que logo são seguidas por Leandro, e Anne vem logo atrás, com um grande bolo em suas mãos – Parabéns pra você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida!!!
O que? Mas... Por que isso?
Olho para cada um deles, todos batem palmas, cantam... Um bolo? Fazem isso pra mim? Por mim? Eu não entendo, por que?
- Hoje é seu dia Edan! Não vamos deixar passar em branco nem hoje, nem nunca mais! – Leandro me diz animado, passando o braço em volta do meu ombro.
- Já chega de passar sempre sozinho maninho, nós estamos aqui pra você, sabia disso? – Raquel segura uma das minhas mãos, ficando bem ao meu lado.
- Por que tudo isso agora...? – Consigo dizer. Não imaginei que falaria tão baixo.
- Porque você sempre fica sozinho, acha que não é importante, nem que merece nada disso... – Anne ergue o bolo um pouco mais para mim – Cansamos disso, cansamos de te ver sozinho, sofrendo... Nós vamos te convencer do contrário Edan. Porque todos nós aqui gostamos de você, estamos aqui pra você, queremos te ver bem, nos importamos com você... Nós te queremos aqui com nós todos os dias, te queremos vivo.
O que ela acaba de dizer mexe comigo de alguma forma. As palavras de cada um deles ecoa na minha mente. Eu não sei o que dizer, a nenhum deles. Não tenho nada a dizer.
Vejo Anne colocando o bolo sobre a mesa de centro, e se erguendo novamente para mim.
- Vocês... Não precisavam ter feito nada disso... – Consigo dizer, eu não esperava minha voz sair tão fraca, e até tremula como está agora.
- É claro que precisávamos. – Leandro me diz, dando alguns tapas nos meus ombros.
- Nem pense em dizer que não merece, porque de todos nós, você é quem mais merece. – Agora Anne é quem fala, sempre com esse sorriso bobo dela – É simples, mas de coração.
Consigo somente olhar para eles, minha mente está uma bagunça, e existe um nó na garganta que me impede de falar qualquer coisa facilmente. Não sei por quanto tempo olho para cada um, cada segundo parece uma verdadeira eternidade... Nem mesmo sei dizer como estou agora.
- Sabem... O motivo de eu nunca comemorar? – Começo a falar, com uma longa pausa pra recuperar o fôlego que nem sabia que havia perdido, meu olhar se perde – Desde que... Meu pai morreu na madrugada do meu aniversário por causa daquela estranha doença, eu nunca mais senti a mesma alegria no meu aniversário. Quando minha mãe partiu, foi quando perdeu de vez todo o sentido... – Eles se entreolharam, mas nenhum diz nada... Mas posso ver que algo surgem em suas expressões, culpa, receio... Mas não é isso que eu quero dizer a eles. Puxo a mão de Anne a trago mais perto de mim, e logo trago também Leandro e Raquel, e antes que eu perceba, eu os abraço. A chata, minha irmã e meu melhor amigo. – Vocês conseguiram fazer hoje ser um dia diferente, melhor do que muitos que já tive em anos... Obrigado, a todos vocês.
Ele fizeram algo único por mim, e sou grato por isso... Eu simplesmente odeio todos eles...
*****
Agora são quase nove da noite. Já fazem pelo menos uma hora que todos foram embora. Nem acredito nisso, eles fizeram mesmo uma festa de aniversário para mim, eles são fogo.
Acabamos comendo boa parte do bolo, além de tirarmos algumas fotos por insistência da Raquel e também da Anne... Aliás, por sinal a Anne fez questão de tirar uma foto comigo, somente nós dois, mas eu não sei o porquê disso.
Um pouco antes de irem embora, todos me ajudaram a cuidar de boa parte da bagunça, sejam as coisas espalhadas na cozinha, os salgados ou o bolo... Fora que o Leandro alimentou o Mítico com vários salgados, só espero que esse cachorro não passe mal depois. Boa parte das louças estão pela sala ainda, mas cuidarei delas mais tarde.
Escuto a campainha tocando, o que atraiu bastante minha atenção. Quem seria agora?
Saio ao quintal, e vejo que se trata de Carol. – Olá "fantasma"!
- Carol, por aqui tão cedo? – Digo, imaginando de qual 'social' ela pode ter fugido.
- Cedo? Estou aqui bem tarde... – Ela diz, enquanto abro o portão e dou espaço para ela – Era pra eu ter vindo mais cedo, mas estava ocupada demais ajudando minha mãe com a limpeza da casa.
- Complicado... – É tudo que consigo dizer a primeiro momento – Muita coisa pra fazer?
- Muita, é daquelas limpezas que se arrasta e levanta tudo da casa, tira manchas dos armários, encerar o chão... – Ela bufa, posso ver nitidamente seu cansaço, enquanto a sigo pelo quintal – Só de lembrar eu já me canso.
- Poderá descansar um pouco por aqui.
Assim que ela entra na sala, ela para de andar – Tem certeza que vou descansar? Mas o que aconteceu por aqui?
Relembro a bagunça que ficou pela sala, mas não pretendo usar a Carol pra me ajudar com essa bagunça – Não se preocupe com isso, eu dou um jeito nessa bagunça toda. Pode descansar.
- Mesmo? – Ela para ao lado da porta e me olha – Eu posso te ajudar sem problema nenhum.
- Pode relaxar, da pra ver que você está um caco. – Dou de ombros.
- Você quem sabe... Se precisar, estou aqui. – Ela me da um sorriso.
- Tudo bem, mas é pouca coisa agora. A maior parte da bagunça o pessoal já me ajudou a arrumar. – O olhar de Carol entrega sua curiosidade – A Anne, Leandro e a Raquel passaram aqui hoje.
- Que ótimo ter uma visita hoje, melhor do que ficar sozinho. – Ela comenta com bastante animação na voz.
- É, eles fizeram hoje ser um dia e tanto depois de tantos aniversários horríveis... – Eu me calo. Ai não, eu falei demais. Olho para Carol, ela está com as sobrancelhas no alto e boquiaberta.
- É seu aniversário hoje?! – Ela diz de repente. Hesito um pouco, olho de um lado ao outro e confirmo balançando a cabeça uma vez – E porque não me falou antes? Eu poderia ter comprado algo, ou feito um presente para você.
- Não precisa disso Carol, sério... – Ergo as mãos, tentando fazer com que ela se acalme e esqueça disso. – Eu não comemoro meu aniversário.
- Precisa sim, eu não posso fazer uma desfeita dessas com você. – Ela diz, passando a mão pelos cabelos que agora estavam na altura nos ombros. – E agora está muito tarde pra conseguir te comprar qualquer coisa que seja.
- Não acha que está exagerando Carol? – Questiono, erguendo as mãos.
Ela me olha, mas algo está diferente de alguma forma. Ela levanta uma sobrancelha – Com certeza não estou.
- Está tudo bem... – Antes que eu termine de falar, Carol coloca sua mão no meu peito, me empurrando de leve para trás. Isso me pega desprevenido. Tento ver para onde ela me leva, e quando dou por mim, estou quase deitado no sofá, e Carol está subindo em cima de mim, arrancando minha camisa de forma que eu mal tenho defesa.
- Acabei de pensar aqui... – Ela leva minhas mãos a sua cintura, retirando a camiseta que estava usando, seu olhar nunca esteve tão malicioso como agora, posso ver uma carga de desejo muito forte vindo dela. Posso ver muito bem o corpo dela, que antes apenas insinuava para mim. As roupas provocantes e apertadas que Carol sempre usam escondiam um corpo bem mais atraente do que eu imaginava. Ela me da um sorriso, enquanto passa a língua pelos lábios e sua mão passeia em mim – Se eu não posso te comprar nenhum presente, então eu serei seu presente. Feliz aniversário Edan...
Considerações Finais:
E aqui acabamos mais esse capítulo. Aniversário do Edan, tudo ocorrendo em apenas um único dia. Lembranças e revelações sobre o que houve com o pai do Edan, da perda que teve em seu aniversário que acabou sendo um forte impacto. E além disso, teve a tentativa de todos de fazer ser um dia melhor.
O que acharam do capítulo? Opiniões, teorias, comentários, já sabem o que fazer. Espero que estejam gostando, que continuem acompanhando... E até o próximo capítulo.
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