Capítulo 28

6129 palavras - Arco transitório

Por Edan

Só agora percebo que os últimos quatro dias passaram muito rápido, até porque saímos muito.

Ir almoçar na cidade próxima e ficar andando pela cidade enquanto os pais da Anne resolviam alguma coisa em um dia, sair pra ir visitar um lago próximo no outro dia, que por detalhe me obrigou a tirar ainda mais fotos com todos, e de noite todos fazendo questão de contar "causos peculiares" de suas vidas.

Coisas como Paulo ter sido ejetado de uma bicicleta por apertar o freio da roda da frente, Carol ter estragado e quase explodido uma panela cheia de carne cozida e ter dado ao seu cachorro, Carlos ter queimado um celular novo ao pular em uma piscina desatento do aparelho em seu bolso, e Leandro inventando uma doença só para escapar de um almoço de família foi o básico que falaram. A sensação que tive foi de estar em um show de comédia stand-up.

Admito que essas histórias foram, no mínimo, bem engraçadas de se ouvir.

Bem, agora estamos na van, começando a pegar a estrada de volta para casa. O dia está ensolarado, mas estava com um vento frio desde cedo. Uma parte de mim não quer voltar.

Acabei encontrando uma calma muito grande nesse lugar, e voltar para tanto barulho da cidade de novo, não é lá uma coisa muito agradável. Além disso, passar esse tempo com todos, longe da bagunça da escola, se mostrou mais agradável do que eu esperava, de certa forma eu pude conhecer melhor cada um. E com certeza, o clima frio e as belas visões são as melhores coisas desse lugar. Não sei nem se estou preparado para voltar. Mas, fazer o que...

Estou no mesmo banco de antes, praticamente prestando atenção na estrada do mesmo jeito que fiz quando estávamos vindo. Carol está ao meu lado, segurando minha mão e deitada no meu ombro, e todos estão fazendo a mesma bagunça de antes.

- E ai, o que achou da viagem? – Carol diz ao meu lado, em um tom de voz tão baixo que pelo jeito só eu escutei.

- Foi boa, eu consegui me divertir. – Respondo de forma igualmente baixa. Ela da um sorriso de satisfação ao me ouvir dizer isso – Aconteceram coisas boas que ajudaram a ser divertido.

- Eu sei que sim Edan, sei muito bem. – Ela diz com uma risada, que me pareceu maldosa até demais. – Lembra o que conversamos antes de sairmos de viagem?

- Dos momentos da vida que devemos ir sem pensar muito? – Ergo uma sobrancelha. Essa foi, literalmente a primeira coisa que apareceu na minha mente.

Ela confirma com a cabeça – Viu? Eu estava certa. E eu sei muito bem que se divertiu, muito mais do que está mostrando.

Fico com isso na cabeça. Agora eu que me pergunto se realmente me diverti mais do que demonstro. – Eu gostaria de saber como pode ter tanta certeza disso.

Sinto um leve aperto de sua mão na minha, mas não deixo de olhar em seus olhos. – Eu tenho meus métodos meu caro.

Ergo as sobrancelhas, esperando que ela explique. Não é isso que acontece – Pode me dizer quais métodos são esses?

- Acho que seria muita gentileza minha. – Ela diz com um sorriso de canto, e uma clara superioridade. Não acho que estarei errado se imaginar que Carol está jogando comigo e se aproveitando muito dessa pequena "vantagem" que tem sobre mim.

Passo os olhos em volta, me certificando de que ninguém está prestando atenção em nós ou no que falamos. Por sorte, acho que estão distraídos demais na bagunça que fazem.

Penso em perguntar mais sobre isso a Carol, mas ela me impede colocando um dedo sobre a minha boca.

- Não precisa pensar nisso agora meu querido... – Ela diz em um sussurro. Lentamente ela se aproxima de mim, com os olhos fixos nos meus. Suas mãos envolvem meu rosto e logo correm para atrás do meu pescoço, me dando um suave e discreto beijo, fazendo eu me perder em meus pensamentos. – Outra hora conversamos sobre isso.

- Eu irei te cobrar... – Digo, e pelo sorriso de canto que Carol está fazendo, eu devo estar com a minha pior cara de tédio.

- Me cobre mesmo, estarei esperando. – Ela diz, voltando a me beijar. Sinto suas unhas arranhando levemente meu pescoço e descendo aos meus ombros. Ao contrário do que penso, Carol intensifica esse beijo mais a cada segundo, sem se afastar sua boca da minha por um mínimo momento que seja, e eu não reclamo. Levo uma mão até seu cabelo e a outra passeio por seu braço, pensando em como me comportar por ter tantas pessoas a volta. Pela intensidade do momento, de cada segundo desse beijo, tenho noção de que ela teria ido muito mais longe, tudo que falta para isso acontecer é estarmos sozinhos.

Lentamente ela rompe o beijo, me olhando com a respiração apressada e um sorriso de canto. Vejo ela espalmando sua mão no meu ombro, e se endireitando em seu banco, como se nada tivesse acabado de acontecer.

Quando estivermos a sós, irei perguntar sobre isso. Por enquanto, devo apenas sobreviver a viagem de volta.

*****

A viagem foi bem mais rápida do que eu esperava. Bom, eu dormi em boa parte do tempo, então nem vi as horas passando. Me questiono, como que eu consegui dormir no meio da bagunça que estavam fazendo?

Tanto faz, acabei tendo um pesadelo com meu pai. Eu preferia não ter dormido.

Estamos estacionando em frente à casa da Anne, e ainda não está escurecendo. Pego meu celular no bolso e vejo as horas, ainda não são nem cinco da tarde. O quão rápido nós viajamos?

Assim que a van para, dou leves tapas nas minhas pernas com a intenção de fazê-las funcionar. Não seria nada legal tentar levantar, e as pernas estarem dormentes. Essa vergonha eu não passo.

Saímos aos poucos, indo para trás da van para resgatar minha mala, e enquanto isso vou prestando atenção na conversa.

- ...Só queria ter ficado lá por mais tempo, sabem? – Raquel comentou rindo. É inesperado ela pensar dessa forma, se lembrar do detalhe que ela foi quem mais sofreu por falta de internet por todos esses dias – Tipo, mais uns quinze meses.

- Mas se me lembro bem, era você que estava choramingando todas as manhãs por que não tinha internet... – Leandro zomba, dando uma risada,

- Foi uma meia ironia! – Ela rebate, erguendo o indicador – Gostei muito de lá, mas sem contato com a civilização moderna, fica bem mais difícil de lidar.

- O lugar é calmo, da para aproveitar sem internet. – Ricardo quem diz – Perfeito para podermos desestressarmos de verdade.

- Eu sei, mas pelo menos uma horinha por dia... – Raquel tenta fazer manha, mas logo desiste.

Carlos abre a porta da van, nos deixando livre para pegarmos nossas malas, se afastando devagar para a porta do condutor. Já nós, começamos a nos organizar para pegar todas as nossas coisas – Esses dias sem internet foram muito bons, acho que eram férias que nós precisávamos... Aliás, vocês todos ainda não tem tanta noção do que é estresse de verdade. – Tamires comenta rindo.

- Quando der, faremos uma parte dois dessa viagem! – Anne comenta com a empolgação de sempre.

- Que nessa parte dois, já tenham instalado antenas e sinal de internet decente... – Raquel zomba, causando riso entre todos eles.

- Eu topo a ideia de uma parte dois. – Fabiano comenta, percebo todos em volta olhando para ele. Como sempre chamando a atenção de todos com sua presença e sua voz. Não sei como ele suporta um "talento" desses. – Uma parte dois seria perfeito para relaxarmos ainda mais.

- Quem sabe nas próximas férias nós voltamos? – Ela diz com um sorriso, que eu não consigo deixar de dar atenção, por mais que seja com o canto dos olhos.

- Na próxima, o que acham de fazermos um churrasco? – Leandro diz, passando as mãos próximas a boca como se saboreasse uma carne inexistente.

- Adorei a ideia! – Iris comenta, e a vejo tentando ao máximo, não copiar o gesto de Leandro

Raquel e Anne se entreolhando, pelo rosto delas, acho que gostaram até demais da ideia de um churrasco – Claro que sim, nada melhor que um churrasco! – Fabiano diz com animação.

- Veremos se podemos marcar já para as próximas férias. – Anne completa.

- Um churrasco pelo menos da para fazermos nesses próximos dias. – Leandro comenta, sem conter a empolgação na voz.

- Podemos fazer algo na minha casa. – Fabiano atraiu a atenção de todos, acho que todos aqui gostam demais de churrasco – Não só churrasco, façamos uma festa inteira. O que acham?

Ignoro a conversa a partir daí, simplesmente odiei a ideia. E também, já tive contato até demais com pessoas esses últimos dias, por mais que tenha sido bom.

Assim que vejo minha mala, a alcanço dentro do bagageiro e a puxo para meu lado. Olho em volta, e ao que vejo, todos estão distraídos com o assunto da festa. Perfeito, estão ocupados demais para me notarem.

- Vamos indo, Edan? – Carol me questiona em voz baixa. Eu a olho, ela está parada bem próxima de mim, e poso ver que sua mala já está em mãos também. As vezes me impressiono como essa garota consegue ser tão mais rápida do que eu. Por sorte não tomei um susto.

- Claro, melhor hora impossível... – Todos ainda estão distraídos, então é o momento ideal para sair de fininho. – Além de que não tenho mais o que fazer por aqui.

- Esse seu jeito desinteressado me encanta cada dia mais. Eu adoro. – Ela ri de seu próprio comentário, porém eu mesmo não sei direito como responder. Esses gostos dela para comigo conseguem ser bem peculiares, isso pra não dizer estranhos. Aproveitando da distração alheia, nos afastamos cada vez mais em passos praticamente silenciosos – Posso ir para sua casa hoje, pelo menos para descansar um pouco?

- A vontade... – Ergo os braços acima da cabeça e me espreguiço, ao mesmo tempo que tento alongar meu corpo – Só preciso ligar para o meu tio e avisar que estou de volta.

- Pode ficar tranquilo que eu não farei bagunça. Nem vai me notar lá. – Ela ergue uma mão ao dizer isso, parecendo até estar se desculpando por algo.

Balanço a cabeça – Você não precisa se preocupar com isso, não será um incomodo. Acredite, você é irritante sim... Mas é menos irritante do que imagina.

Ela sorri, arqueando as sobrancelhas – Não sei se tomo isso como elogio ou um insulto.

- Melhor como elogio. – Dou de ombros.

- Como elogio, então estou grata.

Imaginei que ela diria mais algo, porém isso não acontece. Um silêncio recai sobre nós. Ela passa seu braço em volta do meu, e então segura minha mão até nossos dedos se entrelaçarem em um firme e confortável aperto.

Me pergunto, sempre afirmamos um ao outro, e também ao mundo que não somos um casal, nem nunca firmamos nada entre nós além de uma amizade... Mas então, qual a razão de agimos dessa forma?

Esses pensamentos desaparecem, acho que não vale a pena perder tempo pensando nisso. Continuamos com o nosso silêncio de volta para casa.

*****

Nada como chegar em casa. Francamente, ainda não sei se eu quero estar de volta, mas acho que não tenho outra escolha. Olho pelo quintal assim que entro, mas não consigo ver Mítico em nenhum lugar.

Mais de uma semana fora, e o quintal continua intacto. Nenhuma das plantas parece terem sido tocadas pelo Mítico. Desde que eu o adotei, ele nunca foi um cachorro baderneiro. Nunca destruiu coisas, como os vasos e as plantas, não rasga sacos de lixo nem nada do tipo. Ele não é um cão destruidor, só é ranzinza. Aliás, agora que pensei nisso, onde será que esse cachorro se enfiou?

Abro a porta e deixo Carol entrar primeiro, e entro logo em seguida. Aqui dentro continua gelado como sempre, mas fazer o que. Vejo Carol se jogando no sofá, enquanto levo minha mala para o quarto, e então volto para a sala.

Agora que posso me sentar de novo no sofá de casa, paro pra pensar em como deve estar meu tio. Espero que ele não tenha tido nenhuma recaída nas bebidas, além de continuar indo trabalhar. Provavelmente eu ligarei para ele assim que me der mais vontade.

Enquanto isso, tentarei apenas aproveitar de um filme com a Carol.

*****

Digamos que Carol é uma companhia de filme muito mais calma do que Anne. Acabamos escolhendo um filme ação, depois de muito tempo rodando pelos canais. Ela simplesmente não reage tanto aos momentos mais intensos, se mantém atenta de um jeito que nem parece piscar no decorrer do filme, e fala somente o necessário nos curtos comerciais.

É impressionante ver como ela consegue ficar calada por tanto tempo, sabendo o jeito que ela gosta de falar.

Agora que ela está na cozinha preparando uma mini pizza que eu tinha comprado meses atrás, e que por algum milagre divino ainda estavam dentro da validade. Até confirmei pra ter certeza.

Quanto a mim, estou com o número do meu tio na tela da minha querida bomba-relógio que chamo de celular, e assim ligo para ele.

O número chama por algumas vezes, o que gradualmente vai arrancando minha paciência aos poucos, e quando estou próximo de querer desligar, ele atende. – Olha só quem voltou de viagem! – A voz animada dele sai em alto e bom som.

- "Alô" pra você também tio Marcos... Mas é, estou de volta a civilização.

- Aproveitou bem a viagem Edan?

- Mais de uma semana longe de tudo, escola, barulhos alheios, respirando o ar puro do mato ao meu redor, e vendo lugares bonitos... – Termino de falar, e escuto a gargalhada de diversão do meu tio do outro lado da linha – Sei lá, se aproveitei bem... Talvez?

- Uau, que mágico! – Escuto ele falando com animação – Deve ter sido tudo de bom.

- É, foi até bem relaxante... – Digo pensativo, quando escuto latidos de fundo.

- É o tipo de relaxamento que muita gente por ai adoraria ter.

- Aham... – Balanço a cabeça para mim mesmo – Que tipo de gente?

- Um monte, eu inclusive. Pergunte pra qualquer pessoa adulta se gostaria de ir para um lugar calmo, longe da surtada tecnologia, da atualidade brutal, e dos problemas por mais de uma semana. – Posso ouvir ele dando uma risada – Você teve um fim de semana desejado por muitos.

- É, talvez... – Me lembro nitidamente da noite estrelada, da aurora que pude ver, lembro também da visão no mirante, da cachoeira que fomos, do lago na outra cidade, o simples restaurante de comidas típicas brasileiras muito saborosas. Em especial me lembro da Anne, de voltarmos a nos falar nessa viagem, e do que aconteceu naquele mirante – Em alguns aspectos, eu realmente aproveitei.

- Acredito, você precisava desse momento para relaxar um pouco... – Novamente ouço latidos de fundo, – O que foi garoto... Ah sim, mas que mimado... Você gosta disso né, sei que você adora garotão...

- O que? – Questiono.

- Edan, eu tenho que te dizer... Que cachorro amigável você conseguiu. – Arqueio as sobrancelhas ao ouvir isso – Imagina um bichinho brincalhão e ao mesmo tempo bem educado.

- Você não está falando do Mítico... – escuto mais latidos do outro lado da linha, o que parecem bem animados. – Eu lembro bem de como era aquele cachorro antes de eu ir viajar, e ele podia ser tudo, até educado... Mas não amigável.

- Então você vai se surpreender quando ver ele. – Não consigo acreditar no que ele diz – Até o visual ele tá diferente, sabe como é... Dei um banho que ele estava precisando.

- Tudo bem, se está dizendo.

- Logo irei levar ele de volta pra você. Acho que ele está sentindo sua falta.

- Aliás, como conseguiu entrar com ele no apartamento?

- Aqui tem isolamento de ruídos, então se tiver um barulho aqui, os vizinhos não escutam... Só se for algo muito forte – Meu tio fica quieto por alguns segundos – A principal regra que tem para animais de estimação é apenas de sair pra andar com os animais ao ar livre, e não deixar arruaça ou sujeira. Eu fiquei surpreso quando o síndico falou que estava tudo bem.

- Isso é bom, muito bom... – Algo me vem em mente – Quero perguntar algo, o que você queria mostrar antes de eu ir viajar.

Meu tio deu uma risada – Quando eu ai para levar o seu cachorro, então falaremos disso.

Oh saco, nunca falam logo e me poupam tempo. O que vai custar me falarem logo as coisas? 

Dou um pesado suspiro. – Tá bom, então quando vier conversamos... Aliás, eu estou um pouco cansado da viagem, vou ir descansar.

- Tudo bem, vá dormir um pouco. Outra hora nos falamos. – Ele termina de dizer, e posso ouvir os latidos de fundo outra vez – Se cuide Edan, logo nos falamos.

Desligo o celular e deixo sobre a mesa de centro. Só agora percebo o cheiro da mini pizza vindo da cozinha, mas o cheiro parece diferente, e isso atraí minha atenção.

Entro na cozinha, encontrando Carol de frente ao fogão, olhando atenta para o forno. Estranhando isso, olho para o micro-ondas, que é onde supostamente a mini pizza deveria estar, mas ele está desligado. Olho em volta, vejo alguns itens sobre a pia: a tábua, um ralador e uma faca, bacon, queijo tomates, um molho de pimenta e alguns potes de temperos. Eu sei que não tinham aqui em casa, o queijo pelo menos eu tenho certeza que tinha acabado.

- Ai Edan! Não apareça assim do nada! – Olho para Carol, ela está apoiada na pia, abanando o rosto com uma mão, claramente surpresa – Não me assusta assim!

- Não acredito que tenha se assustado com tão pouco. – Me aproximo, vendo como ela perdeu o controle da própria respiração, e tanta ao máximo recuperar a postura. Paro bem ao seu lado, olhando em direção ao fogão – O que está fazendo ai?

- Eu achei a mini pizza muito simples... grandinha, mas simples... – Ela olha para as coisas sob a pia – Eu decidi que deveria aprimorar um pouco para nós. E agora está bem mais bonita, atrativa... Imagino que mais saborosa...

Eu posso ver como ela está quase babando de vontade. Acho que para Carol, ela vai amar o sabor, mesmo se estiver ruim.

Olho para dentro do forno, realmente a pizza parece bem mais atrativa do que normalmente fica na embalagem. – Entendi, gostei da sua ideia. Vejamos se sua invenção ficará boa.

- Só espero que não queime. – Ela da uma risada.

- Pode deixar que cuido disso... Comigo de olho, as chances da pizza queimar são dobradas... – Escuto as risadas dela, e também a porta do armário sendo fechada, o que atrai meu olhar. Carol está indo para a geladeira, e pegando uma jarra com água, além do que parece ser sucos de saquinho em suas mãos. Penso em questionar, mas só deixo pra lá.

Ela prepara um suco rápido, e vem até mim com um copo em cada mão – E agora, um brinde e uma pizza para terminarmos a viagem... Que com certeza foi boa para nós dois.

- Tem tanta certeza assim que foi boa? – Questiono de maneira retórica, enquanto pego um dos copos. Coisa minha sempre agir assim. Realmente foi boa, mas por algum motivo, algo me incomoda. Carol me deu um sorriso maldoso agora.

- Tenho muita certeza disso, aliás... Quero te contar um segredo... Isso fica só entre a gente, não conta da ninguém senão pode dar problema... – Arqueio as sobrancelhas com esse comentário. Carol olha de um lado ao outro, fingindo checar se tem alguém por perto, ela então me olha e se aproxima de mim, colocando sua mão atrás da minha cabeça e chegando bem perto – Eu vi o que você e a Anne fizeram.

Um choque se espalhou pelo meu corpo ao ouvir essas palavras, como ela sabe?

Carol toca meu copo com o dela, e mantém um largo sorriso – Mandaram muito bem.

- Mas... Como você... – Eu tento falar, mas ela ergue a mão.

- Eu vi ué, eu estava lá. – Ela sorri e da de ombros – E mais, gostei da sua tática da blusa, adorei na verdade, está de parabéns. Foi muito bem pensado.

Eu fico paralisado, isso deveria ser um total segredo. Mas agora a Carol sabe, e o pior é que pelo jeito ela viu muito.

- Ei, não precisa ficar tão tenso... Só não deixe o Fabiano ficar sabendo disso. – Ela da um suspiro – Odiaria ter que ver você de olho roxo por culpa dele de novo.

- Espera... O que?

- Não adianta fingir que não entendeu, eu sei o que aconteceu Edan, todos nós sabemos... Sei a versão dele pelo menos... – Fico cada vez mais surpreso com quanta coisa essa doida sabe – Ele cantou para mim e para outras pessoas que descarregou a raiva no morto que esqueceram de enterrar... Só poderia ser você pela descrição... Por consequência, a Anne e a Tamires também souberam a parte que você perdeu a cabeça e atacou ele primeiro.

Sinceramente, não sei o que dizer para ela. Não sei se fico feliz ou incomodado por só a versão do Fabiano ter sido espalhada. Carol deve saber muito mais coisas do que eu imagino.

- Só deixando claro aqui, ele quem começou tudo... – Digo, e isso cria uma interrogação na expressão de Carol.

- Pode me explicar direito essa história? Porque tipo... – Ela ergue as mãos – Só sei o lado dele da história, onde você foi o total culpado.

Respiro profundamente, não queria ter que contar, mas fazer o que – Aconteceu um dia depois que você veio em casa a primeira vez, eu estava indo para a escola, e ele estava no caminho... Veio querendo fazer perguntas sobre a Anne, não acreditou em mim, me chamou de mentiroso, e veio para cima todo irritado só porque eu disse que ele não se garante por se sentir ameaçado por um cara que não ta nem ai pra nada.

Ela me encara, cerrando o olhar. Não sei dizer quantas perguntas surgiram em sua mente – Na versão do Fabiano, ele disse que você foi o agressor, e que foi pra cima dele... E não o contrário.

- Não preciso mentir Carol, você conviveu comigo por três meses então deve saber. Olha na minha cara, e me diz se eu pareço alguém que vai pra cima de outra pessoa, ainda mais por motivos tão pequenos. – Ergo as sobrancelhas.

A vejo abaixando o olhar, parecendo pensativa. Ela bebe um pouco de seu suco, que eu já até esqueci que estava em nossas mãos – É, sua versão parece ser mais verídica que a dele... Vou te falar, conheço ele a muitos anos, e ela nunca fez algo assim... Já me ajudou muito e também fez por outras pessoas, sempre bem divertido, espontâneo... Eu o Fabiano já tivemos alguns momentos sozinhos bem... Íntimos, e ele nunca mentiu pra mim, não consigo acreditar que ele tenha feito isso...

- É, mas fez. Deu no que deu, ele não acreditou em mim e veio para cima... Não me defendi por não ter necessidade... Alguém inseguro como ele não valia a pena nenhum esforço – Dou um pesado suspiro e olha para Carol.

- Eu sou a culpada... Naquele fim de semana, vim até aqui pra poder saber o ande você morava, tanto por ele me pedir para descobrir, quanto por eu ter interesse em você... – Ela torce a boca, dando uma pesarosa suspirada – Ele me perguntou o seu endereço pra, segundo ele mesmo, só saber de curiosidade, não imaginava que ele viria atrás se você... A Tamires brigou comigo por achar que fui uma cúmplice do Fabiano, mas eu não esperava que daria tudo isso. Desculpa Edan, de verdade, eu não sabia que isso iria acontecer, senão não teria falado nada.

- Relaxa, isso já passou faz tempo... Está tudo bem agora – Dou de ombros, tentando mostrar que não tem nenhum problema – E agora você sabe o que aconteceu na viagem.

Ela toca meu rosto – Fica tranquilo, que por mim ele não ficará sabendo de nada... E vocês dois deram um pouco do que o Fabiano merece.

- O que ele merece? – Só consigo perguntar isso, por mais que outras dúvidas apareçam.

- No tempo certo você vai saber, te prometo... – Ela me da um sorriso e pisca para mim.

*****

Como esperado, Carol acabou dormindo essa última noite aqui em casa. Depois de três meses de convivência, quase a ponto de morando juntos de tantas vezes que ela vem para cá, acabei aprendendo o ritmo dela, e até sei prever algumas das atitudes que ela vai ter.

Eu já estava acordado bem antes dela, o que me permitiu ir na padaria. Logo quando ela acordou, servi um café da manhã no mínimo decente, ela pôde aproveitar uma vasta porção de biscoitos de água e sal com manteiga que fiz para dividirmos, e também para completar um misto quente com queijo bem derretido. Acho que não foi algo lá a melhor escolha de café da manhã, mas ela gostou bastante. Depois assistimos um filme, e logo quando acabou, ela voltou para casa para, segundo ela mesma, dizer a seus pais que está viva e voltou inteira.

De volta ao sofá, desfrutando da minha rotineira monotonia solitária. Depois de tanto tempo em um lugar barulhento, acho que acabei me acostumando a bagunça deles, e principalmente a estar rodeado de tanta gente ao mesmo tempo. Voltar para casa, ao meu silêncio, parece algo estranho. Apesar que, pensando agora, sempre estou rodeado de gente e por bagunça na escola, mas nunca me acostumei com esses detalhes.

Olho para o vaso onde as rosas estão, elas parecem intocadas, e o estado é o mesmo de antes. A rosa branca está grande e bem bonita, e a rosa preta está murcha e caída. Me permito chegar próximo ao vaso e olhar mais de perto.

Por algum motivo, minha atenção é voltada a rosa branca, não consigo desviar meu olhar, é quase como se fosse atraído. Não sei o porquê, e é bem louco pensar assim, mas essa rosa branca me lembra a Anne.

Tão grande, tão viva, bonita, além de parecer ter uma luz própria. Realmente me lembra muito a Anne, olhar para essa rosa tão bonita é como olhar no rosto daquela chata. Já a rosa preta, apesar de estar um pouquinho mais bonita e em melhor estado que da última vez, ela continua tímida e apagada, e não parece ter nem metade da vida que a rosa branca. Olhar para essa rosa escura é quase como olhar para mim mesmo.

Mas o que é que estou pensando?

Acho que minha falta de sono está afetando meus pensamentos, pensar esse tipo de coisa é sem-noção demais até para mim mesmo.

Bem, não sei quanto tempo faz que essas rosas, ou que as plantas aqui de casa não recebem um pouco de água. Me levanto e vou até a cozinha buscar um copo de água, e despejo sobre as rosas bem devagar. O vaso fica com uma pequena camada de água, que logo é absorvida pela terra. Somente agora percebo um detalhe. Pétalas brancas dentro do vaso, suavemente pousadas sobre a terra do vaso. Tomo uma das pétalas em meus dedos, e uma sensação horrível recai no meu peito, uma agonia diferente da que sempre senti mas que é igualmente horrível... Não, parece pior.

Será que Anne está bem?

*****

Estou quase dormindo no sofá, tanto tempo longe da televisão, videogame ou internet, e tudo ainda me parece tedioso demais. Achei que molhar as plantas da casa ajudaria a me entreter por mais tempo, mas acabei tudo muito rápido. De repente, escuto latidos muito próximos daqui, mas facilmente julgo ser na rua.

A porta da sala é abruptamente aberta por uma figura não muito pequena, de pelos castanho escuro, que vem correndo na minha direção e que pula sobre mim e começa a lamber meu rosto. Espera, esse é o Mítico?

- Olá sobrinho, tudo bem? – O tio Marcos entra pela porta, rindo assim que olhou pra mim.

- Tirando o fato que estou com o rosto todo babado, eu acho que tô bem. – Tento desviar o rosto, mas não consigo evitar essa chuva de lambidas animadas.

Meu tio cruza os braços, com um largo sorriso – Acho que alguém sentiu saudades.

- É, estou vendo... – Meu tio se senta ao meu lado, e então o Mítico para com suas lambidas, indo para o chão e ficando a nossa frente. Ergo uma sobrancelha ao olhar para ele – Esse é mesmo meu cachorro?

- Claro que é. Ele só está de banho tomado. – Olho para meu tio, tentando acreditar nele – Você não tem ideia da quantidade de sujeira tinha nele... Os pelos estavam cinza com preto.

Olho para meu suposto cachorro, cerrando meu olhar o analisando – É, o tamanho é igual, os mesmos olhos e focinho, mas ele ta amigável demais.

- Ele devia ficar assustado com você... Imagine o que ele deve ter passado antes de você adota-lo.

- Assustado por três meses? Isso não é tempo demais? – Questiono.

- Pode acontecer... Mas parece que agora ele está bem melhor, não é garotão? – vejo meu tio estendendo uma mão, e o Mítico respondendo erguendo a pata, quase como um cumprimento entre eles. – E alias, como foi sua viagem? Aproveitou?

A primeira coisa que me lembro é do mirante, do momento em que eu e Anne estivemos juntos, toda a reaproximação que tivemos desde o primeiro dia, dos lugares que todos nós visitamos. – É... Eu acho que aproveitei bastante, mais do que eu esperava.

- Pela sua cara, eu não tenho dúvidas disso – Eu o vejo dando um largo sorriso.

- O que quer dizer com isso? – Ergo uma sobrancelha.

- Da pra saber, você está eufórico no jeito de falar... Por mais que continue sério como sempre. – Ele deu de ombros.

Balanço a cabeça uma vez, ignorando o que ele disse – Considerando que fomos a um mirante, visitamos uma cachoeira, realmente não tem como discordar que deu pra aproveitar.

- Uma cachoeira, tirou fotos lá?

- Eu não, já a Raquel... – bufo só de lembrar a quantidade de fotos que precisei tirar por culpa dela.

Meu tio cai na risada – Pelo visto essa sua amiga envolveu você nessas fotos.

- É, infelizmente... – Balanço a cabeça negativamente – E por aqui, como foram as coisas?

- Foram bem, senti vontade de beber recentemente... – Meu olhar é atraído assim que ouço essas palavras – Mas estou tentando sobreviver com cervejas de adolescentes.

- Que? – Arqueio a sobrancelha – Isso existe?

- Existe, é cerveja sem álcool, por mais que se pareça um refrigerante sem gás, com sabor guaraná ou framboesa. – Ele respira profundamente – Da pra começar a se acostumar depois da décima garrafa dessa coisa.

- E o senhor tomou quantas?

- Duas. – Ele deu de ombros. – Pelo menos não bebi nada alcoólico... Me lembrei de algo bem estranho que aconteceu aqui.

- Estranho?

Ele confirmou com a cabeça. Seu olhar se direciona para a estante – Envolvendo aquelas rosas bem ali.

- Tá... E que tipo de coisa aconteceu?

- Foi no quarto dia da sua viagem se não me engano, vim aqui deixar algumas compras nos armários, e aquela rosa negra que sempre tá esfarrapada pareceu diferente... – Ele para um segundo, passando a mão pelo seu rosto, coçando a pouca barba – Me chame de louco se quiser, mas eu percebi que, por uns vinte minutos a rosa negra ficou idêntica a branca, cheia e bonita do mesmo jeito... E logo depois não sei o que aconteceu, mas ela ficou mais murcha do que antes.

Penso em forçar uma risada pra mostrar o quanto achei isso ridículo, mas não faço – Tem certeza que não bebeu esses dias?

Ele balança a cabeça, seu olhar está sério. Ao que parece, o tio Marcos deve ter bebido sim, e acreditou na própria alucinação de bêbado – Posso te garantir que no dia, estava tão sóbrio quanto hoje.

- Ta bom, vamos fingir que eu acredito nisso... – O meu ceticismo nunca foi tão grande – Quando que foi isso mesmo?

- No terceiro, ou quarto dia da sua viagem, algo assim... – Ele diz, posso ver bem que ele está forçando a memória.

Penso um pouco antes de falar – Olha, ao que parece, o senhor só... – Paro de falar, algo me surge em mente. É estranho, parece ser algo obvio para mim, uma ligação quase. Meu tio está me observando, esperando eu terminar de falar – Que horas foi isso tio?

- Umas... Dez da manhã? – Ele pergunta ao si mesmo, e arqueia a sobrancelha – O que está pensando?

Dez da manhã, é quase o mesmo horário em que eu e Anne estávamos no mirante, quando nos acertamos e pudemos conversar depois de tanto tempo, e principalmente quando acabamos nos beijando. Algo surge em minha mente, como se fosse uma informação lançada a mim por um estranho elo. Meu olhar é atraído até a rosa negra, sinto novamente que olhar para essa rosa é como... Olhar um reflexo de mim mesmo...

Uma rosa quase morta, tomada por escuridão, assim como eu e minha vida. A rosa que sempre foi murcha, parecendo quase não ter nenhuma vida, algo que parecia ser uma visão da escuridão, ela esteve inteira e bonita pela primeira vez, justamente no mesmo dia em que eu me acerto com a Anne e que acabamos nos beijando, o mesmo dia que eu me sinto realmente bem, como não me sentia a muito tempo. E a rosa branca, observar ela me da a sensação de olhar diretamente para a Anne, ela que é sempre tão alegre e animada, tão viva e quase irradiando positividade. Anne é um sol, uma luz, tão semelhante a rosa branca.

Minha mente me faz lembrar de algo que Anne contou, a lenda das rosas gêmeas. Pessoas ligadas, destinadas a serem uma a mais importante para a outra. Mas... Isso é impossível. Não, será que essa tal lenda é verdade? Estou vivendo ela?

Não, não pode ser. Isso é ridículo, fantasioso demais. Ela não me disse nada sobre cada um se refletir nas rosas, mas então... Por que me sinto diretamente ligado a essa rosa negra, e agora também ligado a Anne?

- Edan? – Meu tio estala os dedos, me fazendo voltar a realidade.

- Desculpe, eu só... – Penso um pouco – Estava tentando lembrar se já ouvi algo desse tipo antes. Mas não lembrei de nada.

Olho para o Mítico, que ainda está parado na minha frente, pendendo a cabeça para o lado do mesmo jeito que eu faço. Curioso ver ele fazendo isso.– Ah é? Bem, eu nunca vi nada do tipo... Enfim, está ansioso?

- Para o que? – Paro e então entendo o que ele quer dizer. Aquele dia... – Não, não estou nada ansioso.

- Deveria, será um dia para você aproveitar bem. – Ele da um sorriso.

- Sinto muito tio Marcos, mas esse dia é igual a todos os outros...

Eu não gostaria de precisar passar por isso. Simplesmente queria passar o mais despercebido que eu puder, mas acredito que não conseguirei escapar. Bem, já é semana que vem, o dia que quero tanto evitar.

Meu aniversário.

Considerações finais: 
E ficamos por aqui com esse capítulo, o ultimo capítulo do arco da viagem e já uma transição para um próximo acontecimento bem fatídico. Espero que tenham gostado desse capítulo, e também do arco da viagem em si, de tudo que aconteceu e que estejam ansiosos pelos próximos capítulos.

Gostaram, tem opiniões sobre o capítulo e o arco da viagem em qualquer momento que seja, teorias sobre o que mais irá acontecer, diga que eu gosto de saber. Eu os aguardo no próximo capítulo, até lá.

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