Capítulo 12
5729 palavras - Arco amigos e família
Edan abre seus olhos, se vendo sozinho e de pé em um local estranho. O chão era de pedra em tons cinza claro, que se estendia por todos os lados, e além disso o chão estava coberto por pelo menos dois centímetros de água. Em volta não havia absolutamente nada, nenhuma construção, nenhuma luz, nada. Apenas o chão se estendendo para qualquer lado que se olhasse. O rapaz olhou para uma direção, e então para outra, mas tudo que enxergava era no máximo cinco metros de distância de si, e tudo que havia era o mesmo chão, sem nada ao redor, e um véu enegrecido recaindo sobre o que parecia ser o céu.
Olhou para suas mãos, e então tocou a si mesmo, estava vestido com roupas pesadas, um casaco longo e de gola alta cinzento, uma confortável calça jeans escura, e também tênis macios. Iniciou uma caminhada lenta, tentando encontrar algo, seus passos ecoavam de forma serena pelo ambiente, a água sob seus pés ondulavam lentamente em sua volta a cada passo, se dissipando a certa distância. O lugar parecia cada vez mais estranho ao rapaz, que gradualmente sentia algo. O lugar não era estranho em seu total.
Sentia estar dentro de um grande vazio, quase como se estivesse enxergando uma parte de si mesmo. Edan entendia que aquele vazio era ele mesmo.
O mesmo vazio que sentia que o engolia mais a cada novo dia. O mesmo vazio que seguia o matando com sua total autorização. Todas as sensações que o atacavam quando estava sozinho voltaram a surgir, emergindo da escuridão e atraídas a ele. O medo, solidão, desespero, e tantas outras sensações surgiam, e ao mesmo tempo o conforto de estar sozinho em meio a tamanha escuridão, sentindo que aquele era o lugar que deveria permanecer. Sabia que ninguém sentiria sua falta, uma vida tão ínfima não tinha nenhuma importância, e tudo que fazia era machucar quem o rodeava. Deveria permanecer ali até cair em esquecimento. Deveria aceitar tudo, e então cair no abismo.
Além de seus passos e de sua própria respiração, o silêncio se instaurava. Porém, um forte estrondo pode ser ouvido e sentido logo a frente, e um vento violento começa de repente, fazendo respingos de água voarem por todo lado, forçando Edan a se proteger com os braços. A sensação é como se algo imenso acabasse de se chocar contra o chão logo a sua frente. Á água se acalma aos poucos após o impacto, e o vento cessa. O rapaz respira apressado, sentindo o úmido gelado em suas roupas e em sua pele. O silêncio retorna após um demorado minuto, tanto que pareceram ser uma eternidade para Edan. Quando o silêncio absoluto recaiu novamente sobre o lugar, novos passos são ouvidos, porém não os de Edan. O garoto estava parado, vendo uma figura surgir da escuridão a sua frente. Edan não conseguia enxergar nada além da silhueta a sua frente. A silhueta de uma pessoa. Tentando forçar sua visão, podia ver o que parecia um casaco negro, e um sorriso por entre as sombras.
- Ainda não está na hora... – Ouviu uma voz calma, e então um estalo.
Dito isso, Edan se ergue, se encontrando no sofá de sua casa, sua respiração estava descontrolada. Tocou seu rosto, sentindo o quão suado estava. Olhou em volta, tudo estava encoberto pela penumbra, o forçando a ligar a luz de imediato. O ambiente se ilumina, mostrando tudo em sua normalidade. A sala está do mesmo jeito que sempre esteve, a casa permanece em silêncio.
- O que foi isso...? – Edan se questiona, tapando seu rosto com uma mão.
*****
Jogado no sofá assistindo um canal de desenhos animados, Edan tenta achar a melhor maneira de passar o tempo e esquecer a mordida que recebeu. Mudou o canal uma vez para esportes onde passava uma partida de vôlei, trocou para um canal de culinária, e então para um de filmes, mas nada o agradava. Estava enjoado da internet, dos jogos e agora até a televisão o enjoa fácil, coisa que imaginava que não acontecer sempre. Por um segundo, pensou em tentar se levantar para tentar qualquer coisa diferente, mas logo seu corpo se recusou e o forçou a se manter no lugar. Edan relembrou que sequer tinha muito ânimo para essas coisas, então nem mesmo tentava, apenas em caso de obrigação.
Pensou se já não estava ficando velho, ou então se já não haveria vivido por tempo demais.
Sua casa estava escura e bem fria como de costume. A única fonte de luz é a própria televisão, que se mantinha em um volume mínimo em um canal que passava um documentário sobre a vida marinha. Repentinamente a campainha toca, poucos segundos toca novamente, e de novo. Estranhando por não esperar visitas, principalmente alguém assim aparentemente impaciente, o rapaz se levanta e vai até a porta.
Pensou que poderia ser Anne, mas desde o ocorrido com Fabiano na hora da saída a dois dias atrás, ela mal cogitou a ideia de ir em sua casa. Leandro trabalha e Raquel tem seus treinos diários, então os dois também não são opções. Sua tia não iria volta a aparecer por pelo menos um mês, então não sabia quem poderia ser dessa vez. Colocando só a cabeça para fora de casa pela porta, Edan não enxerga ninguém a primeira vista. Antes de fechar a porta e regressar ao sofá, ouve uma voz:
- Ei! Você mesmo ai na porta, estou te vendo! – Uma voz feminina. Estranhou a primeiro momento, e olhando outra vez, percebeu que é Carol.
Quase atordoado pela visita inesperada do dia, Edan pega sua chave e vai até o portão, com questionamentos em sua mente – Como sabia que moro aqui?
- Eu andei seguindo você. – Ela disse, isso faz Edan semicerrar os olhos e parar antes de abrir o portão, quase que de imediato.
- Você andou me seguindo... – Edan diz em voz baixa, de um jeito que Carol ainda conseguiu ouvir – Estranho isso...
- Calma, estou brincando. – Carol ri com a reação do rapaz – Perguntei ao pessoal da sua sala, e eles me falaram o lugar exato.
- É, e isso nos leva a próxima pergunta... O que veio fazer aqui? – Pergunta, abrindo o portão para a garota.
- Perguntas e mais perguntas. Você é um menino bem curioso. – Ela diz, arqueando as sobrancelhas e levando as mãos a cintura.
- Talvez... Um pouco desconfiado também.
A garota abre um sorriso de canto – Vim conhecer onde fica a casa do rival do meu colega de sala, esse é o principal dos motivos de eu estar aqui.
Edan mantém o olhar cerrado, levemente confuso com essa informação. Refletindo por alguns segundos, ele leva a mão a testa e bufa, entendendo do que se trata – Ah não... É sério? Aquele cara ainda acha isso?
- Não só acha como tem certeza. – Carol ri para si mesma – Aquilo que aconteceu na segunda, na hora da saída, foi por causa dessa neura do Fabiano...
- Percebi... Parece cachorro atrás de um osso.
- E como ele estava com isso fixo na cabeça de "Vou perder ela para um maluco que tem cara de morto não enterrado", ele me pediu para vir aqui... E... Aqui estou eu.
- Não tenho nada a dizer. – Deu de ombros – Eles já não namoram?
- Pelo que da pra ver ainda não... Mas acho que logo isso muda se ele continuar tentando.
Edan encosta no portão e cruza os braços – Se eu disser que me importo, estarei mentindo... A Anne me da mais trabalho do que qualquer outra coisa, e ela é só a colega da minha sala que é chata e muito complicada de lidar – diz levando a mão até o rosto.
- Reclama, mas não se afasta dela. – Carol ri.
- Você não é a primeira que diz isso... – Ele responde, se lembrando de quantas vezes Raquel já falou exatamente a mesma coisa tempos atrás – Por algum motivo não me afasto dela. Não me pergunte qual motivo é, por que não sei...
Se esticando um pouco e olhando todo o quintal, com um olhar de aprovação, Carol diz – É uma bela casa.
- Eu faço o que posso pra manter assim. – Responde.
- Você? Não seus pais? – a garota perguntou, erguendo as sobrancelhas.
- Não, sou eu mesmo que dou conta de tudo... – O que recebeu como resposta foi um olhar de curiosidade.
- Só você mora aqui? Isso é impossível. – Ela diz.
- É bem possível, só eu mesmo quem vive aqui. – Hesitou um pouco antes de continuar – Mas é horrível ter que cuidar de tudo sozinho. Quando o chuveiro queima ou alguma lâmpada da problema, eu que preciso resolver.
Carol balança a cabeça – É a vida de quem mora sozinho. Mas como você sustenta tudo isso?
O rapaz passa a mão pelo cabelo, incerto se diz ou não sobre a ajuda de custo que recebe de seu tio. Sendo fuzilado por um olhar curioso, resolve desconversar. – Eu dou meus pulos de gato.
- Pulos muito bem feitos... – Ela diz rindo, aparentando ficar ainda mais curiosa. A garota então nota o braço enfaixado de Edan, mudando o olhar curioso para um mais preocupado. Edan, assim que percebe o olhar de Carol, tenta se esconder inutilmente – O que aconteceu ai?
- Mordida de um cão de rua, nada demais.
- Nada demais? – Questiona cruzando os braços.
Erguendo o braço e dando uma olhada avaliativa, confirma – Sim, logo isso melhora.
- E já foi no médico ver isso? – Ela questiona quase de imediato.
Edan balança a cabeça afirmando, mentindo para a garota. – Já, mas não deu problema, nem infecção, nem nada...
Carol o encara – Mesmo?
O rapaz ergue uma sobrancelha. – Você fala de mim, mas também é curiosa, pergunta bastante... Relaxe, isso aqui não é nada, já está melhorando.
- Isso é bom... Muito bom... – Carol parece recompor sua postura – Bem, eu tenho que ir.
- Assim do nada? Não quer comer nem beber algo? – Ele ergue a sobrancelha – Não quer nem entrar um pouco?
- Não, obrigada. Preciso mesmo ir... – Carol da um pequeno sorriso, e então continua – Tenho curso e se não me apressar vou chegar bem atrasada.
- Então acho melhor correr para não se atrasar. – comentou, gesticulando com a mão para ir.
- Quando puder, posso voltar aqui? – Ela pergunta de repente.
Edan pensa se sim ou não, enfim responde. – Claro, quando quiser. Estou sempre em casa.
Se virando e indo embora a passos rápidos, a garota acena de longe e deixa seu campo de visão. Se encostando no portão, pensou no que faria pelo restante do dia.
Olhou para o céu claro, avaliando o clima. Estava calor, e não estava ventando, a noite parecia que faria um clima mais abafado. Olhou para trás, vendo algumas das flores de sua mãe espalhadas pelo quintal em alguns vasos. Pensou e pensou, enfim decidiu então o que faria o resto do dia. Passaria a tarde molhando as plantas, e logo depois se forçando a desenhar por mais que não tivesse vontade, sendo acompanhado de músicas que foram recomendadas por Leandro, e então a noite irá sair um pouco.
*****
Com um regador cheio em uma mão, e a chave na outra, Edan atravessa o quintal, caminhando em passos curtos, seguindo em direção a estufa. Ele olha em volta, avaliando se havia esquecido de molhar alguma das várias plantas. Ele avaliava seu trabalho, comparando ao que fazia quando ajudava seu pai anos atrás. Edan para em frente a estufa, ainda olhando o quintal.
Para onde olhava, lembranças saltavam em sua memória, tão nítidas que tinha a impressão de conseguir enxergar essas lembranças a sua frente.
Uma imagem surge em sua mente, uma versão mais jovem de si mesmo com sua mãe, levando alguns vasos de plantas para algum canto do quintal. Em outro canto, uma nova imagem surgia, de estar sobre os ombros de seu pai, brincando com um aviãozinho tentando deixar ele no ponto mais alto que podia com os incentivos de seu pai. Uma terceira imagem aparecia para Edan, de quando ele estava sentado em um pequeno banquinho ao lado de sua mãe, que ficava passando um dedo levemente por suas costas dando uma sensação de cócegas com um pequeno calafrio, enquanto seu pai vinha com um prato cheio de carnes que preparou na velha churrasqueira, que agora jazia abandonada e bem enferrujada no canto do quintal. Ele se lembra bem de como todos riram naquele dia quando sua mãe derrubou um copo de refrigerante sobre si, e apenas viram graça na situação.
Edan olhava para tudo, essas e mais lembranças de momentos felizes que tinha com sua família saltavam em sua mente, e logo submergiam ao mesmo lugar de onde surgiram. Momentos felizes que sabia que nunca voltariam, não importando o que fizesse. Não importando o quanto tentasse lutar. Um aperto surgia em seu peito, agoniante e sufocante, o que faz Edan levar a mão até a dor para tentar abafa-la, mas não conseguia. Por mais que apertasse sua mão, a dor estava dentro de si, em um lugar que não conseguiria abafar. Seus olhos pesavam, e sua boca tremia, o sentimento da saudade crescia dentro de si. Tudo que tinha de importante e especial antes foi embora, restando apenas o agora. Ele respira profundamente, permitindo que palavras escapassem – Por que vocês tiveram que ir embora?
Balançando a cabeça e afastando tudo de sua mente como podia, ele se vira para a estufa. Imaginava quanto tempo não entrava nela, e imaginava como as coisas estariam ali dentro. Mesmo de perto não conseguia enxergar através do vidro. Sacando a chave, ele destranca o pesado cadeado e abre as portas da estufa, adentrando o local.
Como de costume, o ambiente estava diferente do mundo. A estufa parecia cada vez mais ter um clima próprio, estar ali conseguia acalmar tanto a mente como o corpo de Edan, até mesmo sua respiração se tornava mais leve. Edan sabia que independente de quanto tempo ficasse fora daquele lugar, as plantas dali nunca morriam ou murchavam. A passos curtos, andou pelo lugar, tocando as folhas das plantas. Ele se lembra de cada uma dessas plantas, do dia que ajudou seus pais a organiza-las, a posicionar cada vaso ali, seja de um vaso com um pequeno pé de pimentas que já estavam cheias de frutos, ou então o vaso com Espadas de São Jorge. Ele lembra bem de cada dia com sua família, era seu conforto e também parte de sua dor.
Ele começa a molhar as plantas, tentando manter o mesmo carinho que sua mãe tinha, e da mesma forma precisa e cuidadosa que seu pai gostava de fazer as coisas. Apenas nesses momentos, Edan tentava ao máximo usar essas características de seus pais, sendo uma das poucas coisas que poderia herdar deles. Uma das últimas coisas que mantinha as memórias de seus pais viva era aquela estufa, e pelo menos aquilo Edan fazia questão de cuidar. Uma leve brisa passa por Edan, e um calafrio junto a uma leve sensação de cócegas sobre pelas costas de Edan, tão suave e preciso que o faz estremecer seu corpo. A mesma sensação que era causada a muitos anos atrás.
- Mãe...? – Ele diz, com a voz estremecida. Sua mão e seu corpo tremem, e sente como se algo o abraçasse, tão terno como a muito tempo não sentia.
A brisa percorre pelo seu corpo, o atraindo para um lugar. De frente a foto de sua mãe, que colocou a tempos atrás. A foto e o quadro, ainda permaneciam intocados, tanto por ele mesmo quanto pelo tempo. Parecia que até mesmo estavam protegidos. Se sentindo convidado, Edan se sente de frente ao quadro, apoiando os braços sobre os joelhos que agora estavam quase na altura do rosto, e assim fecha seus olhos. Os calafrios não o assustam, não o incomodam, na realidade o confortam, de forma que a muito tempo não sentia.
- Não sei se consegue me ouvir mãe... Mas sabe, faz tanto tempo que eu queria falar com você, o tanto de coisas que eu queria poder conversar... – A brisa passou pelo seu corpo por mais uma vez, o que o faziam se encher com um pouco de uma alegria perdida a muitos anos – Primeiro eu quero saber, como meu pai está? Com certeza o meu velho está aí, cuidando bem de você como sempre vi fazendo...
O rapaz olha em volta, pausando sua fala por um segundo. O ambiente por inteiro lhe dava a sensação de acolhimento.
- Ele sempre esteve com você, então com certeza está agora... Vou falar um pouquinho agora, não que eu seja algum tagarela... Longe de mim... – Edan bate os dedos no joelho, e então começa – O que posso te dizer primeiro é que estou cuidando da casa, acho que consegue ver como cuido das plantas. Eu não deixaria algo ruim acontecer aqui... Sei como são importantes para você, me lembro bem do carinho que você tinha, irei cuidar delas... – Edan pausa um segundo, mantendo seus olhos bem fechados.
A sensação ao seu redor se mantém, ainda o abraçando e o mantendo no lugar onde estava. Tudo o convidava a continuar falando
- Eu também estou indo bem na escola, não tenho tido reclamações, e tento manter minhas notas boas, mas é tanta coisa difícil para se estudar ultimamente. As vezes me da uma dor de cabeça para aprender aquelas coisas, não sei como vocês tiveram ânimo para uma faculdade... Alias, eu tenho meus amigos também, a Raquel, o Leandro e a chata da Anne, ela já dormiu aqui em casa antes por uma brincadeira da Raquel... Eles todos são legais, mas as vezes um pouco chatos demais... Mas tenho que admitir, eu gosto desse bando de irritantes, de todos eles, são bons amigos e nunca tiveram intenções ruins... E uma coisa chata, esses dias eu fui mordido por um cachorro, mas eu estou bem, nem está doendo tanto assim... E eu estou tentando me manter bem alimentado, até peguei gosto por cozinhar, mas a maioria das vezes eu faço arroz e feijão com bife, ou macarrão com salsicha. É um pouco enjoativo comer só isso, então as vezes eu vareio o cardápio, ou pelo menos tento variar... – Edan muda seu olhar para um vaso – E olha ali mãe, naquele vaso que você me disse ser especial nasceram aquelas rosas, apesar que não tem nada de especial ali... Eu ainda não sei o que você queria dizer, mas pelo menos tenho que admitir que são rosas bonitas... A branca é mais, a preta está um pouco murcha...
Ele solta um pesado suspiro, e seu tom de voz muda.
- Eu não vou mentir para você mãe, as coisas não estão sendo fáceis para mim... Tem sido complicado lidar com tudo sozinho desde que você e o pai se foram, a cada dia eu sinto que as coisas fazem menos sentido... Ficar sozinho aqui em casa é horrível... Conseguir dormir é um pesadelo, e acordar é pior, eu não sei porque devo sair da cama, quase sempre eu só queria não acordar... – Seus olhos se tornam pesados, sua boca treme e sua voz enfraquece. A dor retorna em seu peito junto a solidão. Edan abaixa a cabeça, apertando suas mãos em seus joelhos e aperta os dentes tentando segurar o que sentia – Sabem, eu queria ouvir vocês me dando bom dia, e boa noite todos os dias... Queria poder ouvir algumas broncas, e depois ficar bem com vocês... Queria sentar no sofá, jogar ou ver filmes com vocês, ou então sair aos fins de semana... Queria poder abraçar vocês dois, ouvir suas vozes... Saber que estariam aqui para mim quando eu chegasse em casa... Queria tudo isso, pelo menos só mais uma vez...
Edan pausa por um segundo, sua voz já carrega toda a dor que carrega sozinho.
- Sinto saudades de vocês, queria que ainda estivessem aqui comigo... Por que vocês tiveram que ir embora?
*****
Por volta das 19 horas, Edan olha pela janela de seu quarto, confirmando as condições climáticas que imaginou. Estava exatamente como o previsto. Anoitecendo e ficando abafado.
Analisou o relógio do computador, e com um suspiro, se empurra para fora da cadeira. Abriu o guarda-roupa, vestiu uma calça e uma camisa com capuz que existiam aos montes entre suas roupas, julgando ser as vestimentas que mais combinavam com o clima e sendo ainda dentro do seu padrão de aceitável.
Hesitou por um segundo, se questionando se realmente queria sair, se havia vontade em fazer isso. Não se sentia realmente bem para sair, mas ficar em casa também não o faria bem. Sua mente iniciou um longo debate se deveria mesmo sair, ou apenas se lançar de volta ao sofá para olhar o teto. Ele olha para a sala, não estava tão bagunçada, mas fria como sempre. A televisão e as luzes estavam apagadas. Olhou o controle da televisão e do seu videogame largados sobre a mesa de centro, e um travesseiro no sofá. Se decidindo finalmente, alcançou suas chaves, trancou tudo e saiu de casa, antes de mudar de ideia.
Durante o começo da noite, e até bem próximo da meia noite, a rua de Edan continua movimentada. Pelo menos uma vez por semana, algum dos moradores faz churrasco, arrecadando uma quantidade de cada pessoa que queira participar. Do outro lado da rua, quase pelas esquinas, adolescentes permanecem juntos falando sempre de coisas que o rapaz não entende bem. Mas como sempre, a rua é movimentada.
Se pondo a andar, o rapaz se pergunta onde poderia ir. Pensou que, praticamente, todo e qualquer lugar que fosse seria uma quebra de tédio perfeito, afinal nunca saia de casa. Assim que pensou nisso, por um único momento, Edan percebeu o quão "bicho-do-mato" ele era.
Com a mão no queixo, optou em ir até o shopping de sua cidade, este não era longe e estava bem próximo de alguns parques e outros bons lugares para se distrair, e caso encontrasse algo mais interessante no caminho, seria esse seu novo objetivo.
Andou por um tempo, se distraindo por algumas pequenas coisas no caminho, evitando todo e qualquer cachorro que o encarasse. Em sua mente, já havia tomado mordidas demais por uma vida. Enquanto caminhava, ficou com uma estranha sensação de que algo, ou alguém estava o observando de algum lugar. A sensação permaneceu por alguns minutos, porém Edan tentou ignorar como podia, afinal estava cercado de pessoas de todos os lados, alguém poderia olhar de relance em sua direção. Enquanto mais caminhava cidade adentro, mais a barulheira de carros e vozes deixavam Edan atordoado mentalmente e quase perdido da calma que estava habituado. Quando chegou ao shopping, se perguntou o que estava fazendo ali, e o que poderia achar dentro daquele lugar. Por já estar ali e não querer perder a viagem, Edan entra com as expectativas no ponto mais baixo, por considerar isso como um tipo de aventura.
Assim que entrou, não sabia se ficava intrigado com a quantidade de luzes, quantidade de lojas ou por tantas pessoas estarem ali. Estava tão impressionado por tantas coisas ao mesmo tempo, que nem tinha ideia de onde focar primeiro sem se perder. Decidiu em primeiro olhar para cima, buscando se recompor antes de explorar o lugar. Respirou fundo e seguiu para a primeira loja que viu, uma de roupas.
Chegou perto da vitrine, encarou o primeiro manequim, as roupas que vestia, e os preços estampados de forma chamativa em uma lista logo abaixo. Logo em volta estavam outros vários manequins, com mais diversas roupas e as mais diversas listas de preços. Detrás dos manequins, viu algumas pessoas com sacolas da loja, amontoadas de roupas. Se perguntou que tipo de roupas iria achar caso entre na loja, porém desistiu de entrar para descobrir. Sem se distrair por muito tempo, voltou a andar, se acostumando melhor com as luzes.
A próxima loja que parou foi uma doceira. Se vendo interessado, Edan entra na loja para ver melhor. Acabou vendo vários pacotes de balas diferentes, caixas de chocolate único e chocolate variados, trufas dentro de uma geladeira separada, sorvetes e mais coisas. Conhecendo a atração contida que Raquel tem por doces, sabia que a colega iria amar estar ali, com todas as forças, e muito provavelmente faria manha para conseguir ganhar algumas trufas. Talvez até Anne gostaria de estar ali, afinal as duas tem gostos parecidos. Se contentando apenas em olhar, Edan deixa a loja. Imaginou quantas outras coisas poderia achar no shopping.
Andou por algum tempo, desbravando lojas de móveis e eletrodomésticos, seguido de perfumes, e por outras afins. Cada nova loja despertava seu interesse, a quantidade de produtos que apresentavam nas vitrines e pelas estantes o impressionava cada vez mais. Querendo ou não, era quase como conhecer um mundo novo. Em sua andança pelo lugar, encontrou uma área com quatro escadas rolantes. Ficou tomado pela curiosidade e aproximou-se delas, com intuito de descobrir mais do que haviam nos demais andares. Acima dele estava uma praça de alimentação e logo abaixo mais lojas. Cada vez mais acabava se perdendo no pensamento de quanta coisa poderia existir alí. Desceu pela primeira escada-rolante que viu, disposto a descobrir mais. Aos seus primeiros passos, sente uma mão no seu ombro – Olha só quem encontro aqui... O fantasma. – Se virou para ver quem era, percebendo Tamires.
- Também por aqui Tamires? – disse assim que olhou para a garota.
- Contra minha vontade, mas sim... – A garota bufa, levando as mãos a cintura – Estou surpresa em encontrar você, e ainda por cima logo por aqui no shopping.
Edan passou a mão pelo longo cabelo – Eu estava entediado...
- Mesmo assim, te ver fora de casa é uma surpresa, e por um lugar como esse é uma surpresa ainda maior. – Ela diz rindo – Achamos que você nem saísse de casa.
- E eu não saio mesmo. – Deu de ombros – Hoje é uma... Exceção...
- Exceção? – Ela ri, cruzando os braços.
- É, eu precisava tomar um ar hoje... E por essa cidade ser um ovo de tão pequena, acabamos nos encontrando... – Ele comenta, enquanto Tamires acena positivamente.
- Falou tudo, essa cidade é um ovo quase tudo. – Ela ergueu as mãos – Mas temos que concordar, aqui tem coisas muito boas.
- É... Talvez.... – Edan responde, sem conseguir ser convincente para a mais velha – Aliás, está aqui contra sua vontade?
- É... Minha irmã mais nova queria fazer compras, mas não podia vir sozinha... – A garota leva à mão a testa – Então estou aqui.
- Sua irmã não sabe se cuidar sozinha?
Tamires cruza os braços e ergue seu olhar. — Até que sim, eu acho que sim... Bem, não tenho tanta certeza. Minha irmã as vezes é uma coisa.
- O que quer dizer? – Edan pendeu a cabeça para o lado.
- Quero dizer que ela sabe se cuidar, mas às vezes passa dos limites... Compra coisas demais, chega muito tarde em casa... Fora acontecimentos maiores.
- Tipo o que?
- Não ligue, não é importante... Além disso, lá vem ela bem ali, melhor ela não ouvir eu falando dela, senão faz chilique. – comentou apontando.
Edan se vira na direção que a garota apontou, e de cara viu o que parecia uma versão um pouco menor de Tamires, vestida com uma blusa cinza calça e tênis, trajes bem melhor cuidados que o da irmã mais velha, segurando algumas sacolas de roupas.
- Olha só quanta coisa bonita eu comprei. – Disse recém chegada, levantando as sacolas.
Tamires olhou dentro das sacolas, demonstrando surpresa – Como comprou tanta coisa? Eu não te dei tanto dinheiro assim.
- Essa é uma das únicas lojas do shopping que tem coisas de qualidade e acessíveis, mas por você não ter me dado mais dinheiro, eu tive que ficar garimpando todas as roupas para achar coisas baratas e também bonitas minha cara – Disse, passando a mão pelos cabelos soltos, os fazendo voar por um segundo – Comprei muita coisa bem baratinha, e que são muito bonitas!
Tamires cruza os braços e balança a cabeça – Se não passou do limite...
- Acredita que ainda sobrou troco para um lanche? – Ela riu, até notar Edan, pendendo a cabeça um pouco para o lado. – Ué, e esse ai quem é?
- Ah sim, esse aqui é o Edan, um fantasma do colegial que conheci esses dias.
- Fantasma? – Ela perguntou com um pequeno sorriso curioso.
- Pequena história... – Edan disse, passando a mão no queixo – Sua irmã pode contar depois.
- Trate de me contar mesmo, parece interessante. – disse para a mais velha.
- Enquanto voltamos para casa. Prometo te contar em detalhes. – Tamires tenta negociar.
A garota da um largo sorriso – Claro, contanto que me conte. – Como pode, a garota ergue a mão, estendendo o dedo mindinho para Edan como uma tentativa de cumprimento – Me chamo Daniela, prazer em conhecê-lo.
- Igualmente. – respondeu, correspondendo o cumprimento com o mindinho.
- Desculpa o excesso de sacolas. – Daniela comentou. – O que aconteceu com seu braço?
- Ah, isso... Mordida de cachorro... – Edan respondeu dando de ombros.
- E como foi isso? – Tamires questiona, cruzando os braços.
- Eu estava andando na rua, quando do nada um cachorro não foi com a minha cara e me mordeu.
- Do nada? – Daniela pergunta.
- Do nada. Ainda dói um pouco, mas já está bem melhor que antes. Já fui no medico, mas não falaram nada preocupante... – Ele disse, refletindo que mesmo se fosse algo para se preocupar, ele não se importaria em nada.
- Ainda bem que não deu nada maior... – Tamires comentou – Agora, melhor irmos para casa – atraiu toda a atenção da mais nova – Você já comprou coisa demais. E está ficando tarde.
- Mas já? – Ela fez manha.
- Sim, precisa ser agora – ela suspirou – Você lembra que temos que voltar para casa antes das 22h?
- Verdade, nosso pai fica uma fera só com 5 minutos de atraso... Então tá bem. – A mais nova se vira para Edan – Novamente, foi bom conhecer você, alguma hora que eu estiver com menos sacolas nós conversamos melhor, talvez até sem minha irmã por perto eu seja mais legal e bem mais amigável que ela.
- Ahn... Claro, eu acho... – Edan ergueu a sobrancelha com o comentário.
- Nem pense nisso mocinha atirada – Tamires a deu um puxão na orelha da mais nova – Nós nos vemos na escola fantasma Edan, até mais.
As garotas se afastam com alguns risos. Edan as observa até que saiam de sua visão. Assim que somem, Edan continua suas andanças pelo shopping. Com o passar do tempo, o shopping foi esvaziando, Edan perdeu a noção do tempo.
Ainda sem vontade de ir para casa, o rapaz deixa o shopping, se perguntando o que ainda poderia fazer. De sua maneira estranha, estava se entretendo, imaginando por ser algo tão fora da rotina. Optou por continuar andando pela cidade.
Estava começando a esfriar e a ventar. O vento faz o cabelo de Edan voar, isso o fez vestir seu capuz e manter seu passo. As várias lojas estavam fechando, e todas as luzes começavam a se apagar. As ruas estavam mais vazias. Notou a entrada de um parque, e lá ainda haviam pessoas. Atraído pela movimentação, entrou no parque para explorar mais.
Algumas pessoas fazendo uma corrida passaram por Edan, suados e quase exaustos. Um homem passou andando com um cachorro ao seu lado, com uma corda em sua coleira. Alguns grupos rindo, um casal jovem, velhinhos, adultos. Todos aproveitando o momento. Não demorou para notar que, diferente das várias pessoas, Edan estava andando sozinho, quase que seguindo pela direção oposta de todos, e isso o deixou pensativo. Por acaso deveria estar junto de algum grupo de amigos naquele momento?
Aliás, o que realmente estava fazendo ali? O que buscava? O que ele realmente queria?
Essas, e outras perguntas acabaram sem resposta. Edan não sabia nenhuma dessas respostas.
Um lugar chamou a atenção de Edan, o tirando de seus pensamentos. Estava bem iluminado, se compunham de várias pedras imensas formando um corredor, o chão também era inteiro de pedra, porém não conseguiu ver o que existia dentro do corredor. A primeiro momento, pensou que em nenhum momento viu algo daquele tipo, e nenhuma pessoa estava por lá. Sua curiosidade o provocou a ver mais de perto.
Edan atravessou o gramado suave até as duras pedras, bem na entrada do corredor, e bem ao lado uma pequena placa informativa. Imaginou ser a obra de arte a céu aberto que Leandro comentou a pouco tempo atrás. Olhou mas não viu nada, apenas um longo caminho. De longe parecia ser um lugar grande, mas não tanto. O vento estava forte, o jovem sentiu seus braços doerem com o frio, e o local da mordida deu uma pontada aguda de dor. Edan olhou uma faixa que bloqueava a entrada e, pensou que em sua situação atual, não deveria entrar ali, algo dizia isso. Deu uma última olhada, percebeu algo de fundo, mas não soube o que era a primeiro momento. Forçou um pouco de sua visão, enxergando o que pareciam estátuas, e uma pessoa parada lá. Recuou um passo, e decidiu em voltar para casa.
Já havia aproveitado demais, estava frio e precisava voltar para casa.
Considerações Finais:
E aqui acabamos mais esse capítulo, um que podemos considerar como uma montanha russa, variando bastante entre o passado de Edan, as lembranças dele, sua depressão, e também ao sobrenatural, e também o que podemos chamar de mistérios... Ou no mínimo, levantei algumas dúvidas.
Enfim, espero que tenham gostado, que sigam acompanhando a história. Se gostaram, odiaram, não hesitem em falar. Tem teorias do que acontecerá a seguir? Sinta-se livre a falar. Eu os espero no próximo capítulo. Até logo ^^
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