Capítulo 32 - O monastério

OS GRITOS QUE ESCAPAVAM DA garganta de Beatriz ecoavam pelas paredes do monastério à medida que Iolanda a torturava. Uma força invisível a mantinha presa com os braços para trás, enquanto ela tentava desesperadamente fazer com que a dor que lhe subia pela base do ventre parasse. Indefesa, a jovem brasileira sentia como se um pedaço de ferro em brasa estivesse atravessado em seu corpo, a cortando de baixo para cima de maneira dolorosamente lenta.

— Quem as mandou aqui, garota? Diga logo ou eu intensificarei a dor que está sentindo agora.

Com lágrimas a escorrerem de seus olhos, Beatriz se recusou a responder o que quer que fosse, o que fez com que a bruxa espanhola cumprisse com a sua promessa. Após murmurar um feitiço no linguajar enoquiano, ela moveu os braços no ar para formar círculos concêntricos e, com isso, intensificou a dor com que afligia a moça de cabelos negros. Ela soltou um berro ainda mais agonizante.

— Seja lá quem a tenha treinado, é alguém que fez bem o seu trabalho — Iolanda estava a menos de trinta centímetros do seu rosto. Queria observar de perto as expressões de dor da garota. — A sua mente é quase impenetrável. Infelizmente para você, nada permanece tão fechado que não possa ser aberto com um pouco mais de sofrimento.

Incapaz de se soltar e sentindo toda a dor da amiga através de seu elo psíquico, Fabiana agora era interpelada por Irene, que há pouco tempo, havia revelado a sua real natureza. A bruxa de Zaragoza rodeava a menina ruiva com as costas curvadas e falava com ela em uma entonação esganiçada.

— Admito que demorei a perceber que estavam mentindo a respeito dos seus estudos sobre religiosidade, porém, no momento em que citei os pontos sagrados das Linhas Ley, todo o seu disfarce caiu por terra. Vocês duas denunciaram que estavam escondendo informações de mim e que não tinham desembarcado na França por acaso.

Fabiana encarou os olhos castanhos da mulher de cabelos frisados exprimindo desprezo antes de lhe responder:

— Agora entendi porque se disfarçou de estudante para nos abordar. Você ficou com medo que a gente fosse ridicularizar essa sua cara murcha de uva passa, sua velhota!

Um bofetão atingiu o rosto de Fabiana no momento em que Iolanda interrompeu a sua tortura em Beatriz. Exausta, a garota se curvou para a frente e ficou a soluçar conforme tentava se recuperar. Ao seu lado, Fabiana sentiu o sangue a escorrer de seu nariz, mas curvou os lábios em um sorriso provocativo que irritou ainda mais a sua agressora.

— Insolente!

Prestes a desferir novos golpes na garota, Irene foi contida por Iolanda, que a forçou a se afastar. As duas se aproximaram das outras cinco mulheres ao fundo do monastério e a líder do Pacto das Sete disse, em sussurro:

— Não consigo ver nada na mente da garota morena. Ela possui um bloqueio mais forte do que eu previa. Ela foi treinada nas artes místicas, isso eu tenho certeza. Só precisamos saber por quem.

De onde estava, Irene lançou um olhar carregado do mais puro ódio para Fabiana, que continuou a sorrir em sua direção.

— Encontramos os passaportes na mochila que uma delas carregava nas costas — dizia Mercedes, empunhando os documentos que havia tirado de dentro da bolsa de Beatriz. — Elas são brasileiras, têm vinte anos de idade e seus documentos confirmam que ambas estiveram recentemente em Istambul e em Israel, como a nossa investigação indicava.

Iolanda e Irene se entreolharam antes que Zora se aproximasse da roda formada pelas outras mulheres.

— Vasculhamos os seus bolsos e não há mais nada junto a seus pertences que indique a pessoa ou o grupo a quem elas obedecem. Continuamos sem saber quem as mandou aqui.

— Isso é apenas uma questão de tempo — disse Iolanda, afirmativa. — Quem quer que as tenha enviado, as instruiu bem a seguir da Hagia Sophia até o Mont Saint-Michel. No entanto, o seu mestre, ou mestra, foi incapaz de ensiná-las a ocultar os rastros místicos que elas deixam por onde passam. Foi muito fácil segui-las da Turquia, o que denota inexperiência no uso de seus dons. Creio que com um pouco mais de empenho, logo saberemos a qual de nossos inimigos elas servem e o que querem com a página do grimório de Enoque.

As mulheres lançaram um olhar quase concomitante em direção ao rolo de pergaminho que jazia encimando a mesa próxima. Um suporte metálico mantinha o pedaço de couro erguido em posição vertical, e a luz das chamas do candelabro acima dele o mantinha num tom amarelado, quase laranja para quem o via daquela distância.

— Enquanto eu as fazia acreditar que era uma estudante universitária, as duas citaram alguns professores que as estariam esperando em Londres — completou Irene, ainda em tom de voz baixo. — Acha que podem ser as pessoas que as orientaram a chegar até aqui?

Iolanda ficou pensativa por um instante e se voltou temporariamente para as duas garotas ainda ajoelhadas, subjugadas pelo seu imenso poder psíquico.

— Elas não possuem carimbo no passaporte da sua chegada à Londres, logo, é certo que entraram no país por meios clandestinos. É possível que tenham usado um dos Portais do Infinito para alcançarem instantaneamente à Inglaterra.

— Elas citaram uma estadia recente em Machu Picchu. A cidade peruana é um dos pontos místicos das Linhas Ley — confirmou Irene à Iolanda.

— Acha que elas são aprendizas de Pietra Del Cuzco?

A pergunta de Madalena causou uma inquietação em Iolanda, que decidiu voltar para perto das duas jovens. Disposta a continuar a sua tortura, ela segurou o queixo de Beatriz e a forçou a encará-la.

— Diga-me, mocinha. Foi Pietra Del Cuzco quem as treinou? Foi a maldita peruana quem mandou as duas aqui atrás do Tomo de Enoque?

Beatriz franziu o cenho ao encarar a mulher à sua frente, mas não disse uma só palavra. A menos de dois metros dela, perfilada, Fabiana a insultou:

— Aí, bafo-de-sarcófago! Deixa a minha amiga em paz!

Iolanda estreitou os olhos antes de virar o rosto em direção à de cabelos rubros. Fechou o punho direito e aplicou um murro no rosto de Beatriz, a atirando contra o chão.

— Sua... filha da puta! — Fabiana a insultou, irada.

Comandando um poder incalculável, a bruxa espanhola abriu os dedos da mão e puxou telecinéticamente Beatriz de volta à posição original. A área afetada pelo soco tinha ficado inchada e ela parecia tonta pelo efeito da ação agressiva, ainda de joelhos.

— Por que não tenta a sorte comigo, sua múmia? Por que não me solta e tenta me bater também?

Inesperadamente, Fabiana sentiu a força invisível que mantinha os seus braços e pernas imóveis desaparecer e ela precisou de um segundo para recobrar o equilíbrio. Se levantou de um pulo e ergueu os punhos como a uma boxeadora experiente, mantendo a guarda fechada próxima ao queixo. Ela esperava uma luta física justa, porém, as suas expectativas foram frustradas.

— Sua idiota!

Com um gesto rápido de mãos, Iolanda projetou um pulso telecinético que golpeou a caixa torácica da garota, a arremessando violentamente contra uma mesa fixada na lateral esquerda do monastério. Com a força do impacto, os quatro pés do móvel cederam e uma nuvem de poeira se levantou com a queda de Fabiana em cima dele. Ouviu-se um gemido de dor.

— Prendam essa criança insolente — disse Iolanda, em direção a Adenike e Mahara. — E tratem de mantê-la calada. A voz dela me irrita.

A indiana e a nigeriana fizeram como tinham sido ordenadas. As duas levantaram Fabiana bruscamente do meio dos destroços da mesa de madeira e, em seguida, a puseram novamente de joelhos. Foi Mahara quem prendeu uma mordaça na boca da brasileira.

Iolanda voltou para perto de Beatriz e se inclinou para se nivelar ao seu rosto. Havia agora fúria nos olhos cor de mel da latina.

— É inútil resistir, menina. Diga logo o que eu quero saber e você e a sua amiga serão poupadas de mais agonia.

Naquele momento, toda a história envolvendo os seus antepassados espanhóis e portugueses passeou por sua mente. Beatriz tinha, enfim, percebido que estava diante da sua hexavó, e que ela era mesmo tão cruel quanto Pietra Del Cuzco a havia alertado.

"A bruxa a que as estou orientando a deter incendiou uma vila de pescadores com mais de cem pessoas com a força do pensamento. Ela andou por cima dos seus cadáveres depois de assassiná-los e gargalhou. Essa mesma mulher seria capaz de seguir o rastro de seus entes queridos e amigos para torturá-los, descarná-los e, finalmente destruí-los. Isso tudo apenas por diversão".

— Se quer tanto saber quem eu sou e quem me mandou aqui, por que não examina o sangue que acabou de arrancar de mim?

Por um instante, Iolanda se deteve a olhar para os nós dos dedos. O sangue de Beatriz havia manchado a sua mão e ela voltou à sua posição ereta, curiosa com aquela pergunta. A menina à sua frente sentia algo viscoso a escorrer de seu rosto e logo deduziu que estava ferida.

— O que pode haver de tão especial no sangue de uma vira-lata de Terceiro Mundo?

Ainda intrigada, Iolanda caminhou de volta para perto de Mercedes, junto à pilha de corpos formada pelos monges assassinados por elas. Os homens em suas batinas apresentavam marcas de queimadura em mãos e rostos, e a grande maioria deles tinha sido morta antes mesmo que soubessem que estavam na presença de bruxas cruéis e ardilosas. Ignorando os cadáveres no chão e de maneira nada polida, Columbus tomou os passaportes estrangeiros das mãos da sua aliada. Leu o nome de Beatriz num dos documentos e ficou por um instante a ruminar de onde conhecia o seu sobrenome, Diniz.

Concomitantemente a isso, Fabiana ouviu uma voz estranhamente familiar ecoar em sua mente. Ela ainda estava grogue devido ao golpe que a arremessara por mais de cinco metros de distância, mas as palavras ditas em espanhol soaram nitidamente altas em meio aos seus pensamentos:

"As chamas dos candelabros nas paredes. Use a sua forma astral para intensificá-las. Queime as bruxas próximas com elas e corra em direção à porta de saída".

A ruiva não sabia de onde vinha aquela voz e, embora estivesse indefesa sob a vigilância de Mahara e Adenike, ela ousou olhar para a direção sugerida. Ao fundo do monastério, jaziam três candelabros acesos, fixados na parede a uma distância de dois metros do chão. O pergaminho enrolado que ela havia identificado mais cedo estava em cima de uma mesa baixa, erguido por um suporte de leitura. Mercedes, Madalena e Zora estavam reunidas a menos de um metro do móvel antigo, ao alcance da chama que, porventura, fosse atiçada dos objetos na parede.

Naquele momento, ela começou a estudar uma maneira de executar a ação ofensiva que lhe havia sido aconselhada.

Enquanto isso, de posse do seu passaporte, Iolanda voltou para perto de Beatriz. A observou por alguns instantes tentando reconhecer os seus traços, mas não encontrou qualquer semelhança com alguém que lhe fosse próximo. Então, com uma agilidade sobrenatural, a mulher avançou a mão nos cabelos lisos da menina e lhe arrancou um tufo considerável de fios da cabeça, fazendo menção de que pretendia farejá-los em seguida.

— Ai, sua maluca!

A herdeira dos Diniz fez uma careta, sentindo o couro cabeludo dolorido. Iolanda sacudiu a mecha de cabelos no ar, depois, a guardou no bolso da calça.

— Se está tentando ganhar tempo com essa história de sangue, minha cara, você falhou miseravelmente. Minhas irmãs do Pacto das Sete as têm seguido desde que pisaram na ilha de Mont Saint-Michel. Nós as temos vigiado bem de perto e sabemos que são mais do que simples estudantes de Arqueologia em visita ao país. Nós só não sabemos por que estão aqui e como foi que chegaram a esse monastério.

Os olhos de Bia se desviaram rapidamente para o objeto de seu desejo ao fundo do local, encimando a mesa de madeira próxima às demais bruxas. Iolanda sorriu ao perceber o seu intento.

— Acha mesmo que pode passar por nós sete e pegar a página do grimório de Enoque, sua tola? — indagou Iolanda, com a voz carregada de escárnio. — Acha que domina o poder necessário para isso?

Subitamente, a mente de Beatriz foi invadida pela voz da sua amiga, que gritou desesperada para que ela agisse imediatamente no intuito de atrair a página do livro para si telecinéticamente.

"Eu vou dar a deixa e você usa o seu poder psíquico para roubar o pergaminho!"

No mesmo instante, a forma astral da ruiva atravessou a distância de quase oito metros que separava o seu corpo físico do fundo da sala e, sem saber se aquilo daria certo ou não, o seu ego etéreo investiu contra os candelabros, atiçando as suas chamas sobre Madalena, Zora e Mercedes.

— Pelo fogo do Inferno!

Antes que pudessem prever, as três bruxas viram as suas vestes lambidas pelo fogo que pareceu se derramar sobre elas feito lava. Em desespero, elas começaram a correr em direção ao centro da casa de oração e acabaram se chocando com Irene e Iolanda no caminho.

— Mas, que diabo!

Livre do poder invisível que a mantinha presa com os braços para trás, em posição subjugada, Beatriz ergueu a mão diante do corpo e atraiu para si o rolo de pergaminho que jazia na iminência de queimar com o fogo que agora se espalhava rapidamente pela sala. Ela viu Fabiana lançar uma esfera mística incandescente em direção a Adenike e Mahara para mantê-las ocupadas, então, as duas se aproximaram ombro a ombro, prontas para deixar o monastério ardendo em chamas.

— Para a porta, Bia! Agora!

Um som nítido de fechadura se destrancando foi ouvido no momento em que as duas latinas se precipitaram à saída. Sem olhar para trás, elas arreganharam a porta e começaram a correr em desespero para o pátio largo que dava para uma escadaria, e de onde podiam alcançar o caminho em direção à abadia.

— Corre! Temos que alcançar os outros visitantes da ilha antes que as bruxas nos detenham.

Beatriz teve coragem de olhar um segundo para trás. Viu Iolanda e Irene saírem chamuscadas de dentro do monastério, mas incapazes de alcançá-las daquela distância. Logo depois, as duas dobraram uma esquina e continuaram a correr em direção ao ponto mais visitado do monte. Lá, elas se misturaram aos turistas e, algum tempo depois, estavam seguindo com eles em direção à passarela de acesso à ilha, para os transportes que conduziam os visitantes de volta à Paris.


NOTA DO AUTOR: "Rosa & Dália: O Despertar das Bruxas" de Rod Rodman é um trabalho de uma vida toda e houve muita dedicação na construção desse universo. Se você chegou até aqui, não esqueça de votar no capítulo e comentar o que está achando da história. A sua opinião é muito importante para o autor. NAMASTE! 


Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top