Capítulo 21 - A origem do mal
OS PAIS DE IOLANDA COLUMBUS eram dois aristocratas espanhóis que ansiavam por ter um herdeiro que aceitasse seguir em frente com o legado da família. Ainda férteis, na casa dos trinta anos, não entendiam porque não conseguiam gerar uma criança, mesmo tendo passado tanto tempo desde o seu casamento. Ele, Javier, um proeminente militar condecorado. Ela, Martina, a herdeira da família de maior relevância na Espanha.
Após várias tentativas, no entanto, a mulher engravidou em 1715 — segundo os boatos, de um dos mais fiéis amigos de Javier. —, dando à luz em uma sexta-feira 13 do ano seguinte. Embora Javier nem desconfiasse da traição de sua esposa, as más línguas do povoado onde viviam em Córdoba diziam que ela tinha sido amaldiçoada por tal feito, e que, por isso, veio a ser castigada por tudo que se sucedeu em seguida com a criança nascida naquele dia chuvoso e nublado.
Embora a quisessem muito e almejassem torná-la parte da herança que pretendiam deixar, Javier e Martina se viram, de repente, acuados por todas as coisas estranhas que aconteciam em torno da filha Iolanda, que desde muito pequena, parecia possuir algum tipo de dom que lhe permitia controlar os animais de estimação da casa, ou fazer com que objetos se movessem sozinhos.
Quando as bizarrices causadas pela jovem herdeira se tornaram insustentáveis em seu lar, envergonhando-os perante às demais famílias tradicionais espanholas e, principalmente, ameaçando manchar o bom nome dos Columbus, o casal teve a ideia de forjar um acidente de coche na estrada que levava até Córdoba, alegando, posteriormente, que a pequena filha de seis anos havia falecido durante o desastre.
Enquanto os pais encenavam um enterro no cemitério da cidade, os fiéis empregados do casal levaram a menina secretamente até um orfanato, onde a deixaram à própria sorte a partir de então.
Dos seis aos dez anos, a pequena Iolanda viveu momentos de horror no orfanato católico espanhol. Por conta de seu temperamento explosivo — causado, sobretudo, pelo abandono dos pais — e por seu cada vez mais crescente dom místico, a garota era castigada dia e noite pelas freiras que tomavam conta do local de acolhimento, sendo ferida gravemente muitas vezes.
Perante as demais crianças que lá viviam, Iolanda era vista como a "bruxa" pelas coisas estranhas que podia fazer com o poder da mente. Em seus melhores dias — aqueles em que não apanhava ou que não era obrigada a ficar em uma espécie de solitária, ajoelhada sobre grãos de milho por sua desobediência às regras —, a menina se divertia derrubando quadros das paredes em cima das colegas de confinamento ou trancando as freiras no banheiro com o seu poder de telecinese.
Embora ela não soubesse, de fato, que possuía poderes sobrenaturais ou o motivo pelo qual era diferente das demais crianças, Iolanda seguia sua vida sendo provocada pelas meninas do orfanato, além de passar os seus dias em uma constante luta por sobrevivência. Como punição, via de regra, ela era privada de comida e até mesmo de água para beber ou fazer a sua higiene pessoal.
Quando os feitos estranhos da garota saíram do âmbito do orfanato e ganharam as ruas espanholas — com ela prestes a ser enviada aos domínios da Igreja Católica para ser exorcizada —, uma mulher misteriosa apareceu à porta do local querendo ter uma conversa em particular com Iolanda. A herdeira renegada dos Columbus tinha, então, dez anos, e houve uma espécie de conexão imediata com a tal visitante, que se apresentou como Gabriela Castañeda, uma legítima filha de feiticeiros espanhóis.
Embora as crianças só pudessem sair do orfanato com um documento assinado pelos próprios tutores, ou pelas pessoas dispostas a adotá-las, na primeira oportunidade de se verem livres de Iolanda, as freiras permitiram que ela fosse levada por Castañeda que, para elas, se apresentou como a representante de uma casa de acolhimento especial no sudeste da Bulgária, a mais de três mil e quatrocentos quilômetros de distância dali.
Foi aí que começou a jornada da pequena menina em busca dos conhecimentos que a tornariam uma das mais temidas bruxas da história.
Em 1726, Iolanda foi apresentada à diretora do Conciliábulo Dubhghaill, Alanna, e conheceu também os demais aprendizes que residiam no casarão usado para estudos e práticas de magia branca. Ela era, com certeza, a mais jovem entre os frequentadores do instituto, porém, nem de longe deixou que isso a impedisse de aprender cada dia mais sobre aquilo que, até então, considerava uma espécie de maldição.
Afinal, não foram seus estranhos dons psíquicos que causaram a ira de seus pais e os levaram a rejeitá-la?
Nas salas especiais do casarão, seja com Gabriela ou com Alanna, Iolanda e os demais jovens acolhidos em Plovdiv aprendiam cada dia mais sobre os segredos do mundo místico. Com o auxílio devido, estudavam tomos antigos de magia que datavam de mais de dois séculos. Treinavam a manipulação de ervas naturais e o preparo de inúmeras poções e, além disso, tinham aulas específicas de controle mental, a fim de que soubessem conter as suas emoções.
Enquanto recebia instruções de Alanna, Iolanda logo percebeu que, além de suas instrutoras, ela era a única naquele lugar com dons naturais, herdados pela genética, e não adquiridos através de livros e pergaminhos antigos.
Em uma conversa franca com a criadora do conciliábulo búlgaro, ela chegou a ser questionada a respeito de sua árvore genealógica e o que podia haver de especial em seus ancestrais para que ela tivesse herdado o que a própria Alanna chamava de "benção".
Por ter sido abandonada cedo, no alvorecer dos seus seis anos, a garota mencionou que não sabia dizer nada a respeito de seus avós maternos ou paternos, ou se havia algo de especial em sua linhagem. No entanto, o simples levantar daquela questão em sua conversa particular com Alanna bastou para que ela desconfiasse que os seus ancestrais deviam ter sido bruxos, e que eles lhe transmitiram por meio do sangue aquilo que a fizera ser rejeitada por Javier e Martina.
Mas qual das famílias teria lhe abençoado com os seus dons bruxos? A do pai ou a da mãe?
Conforme amadurecia em seu treinamento místico, Iolanda começou a ficar obcecada em descobrir mais a respeito das suas origens, bem como encontrar um meio de fazer com que os pais biológicos pagassem pelo erro de terem-na abandonado na porta de um orfanato. As agressões, os castigos, as punições e as humilhações que sofrera naquele lugar por ser diferente dos demais órfãos tinham feito crescer um sentimento vingativo dentro de si, o que passou a ser o seu grande meio de canalizar a magia da qual tanto Alanna e Gabriela mencionavam em suas aulas.
Segundo as suas tutoras, uma bruxa bem treinada podia encontrar inúmeros meios de absorver a energia da qual pretendia fazer uso — para o bem ou para o mal —, e Iolanda aprendeu logo que a sua ira era o mais poderoso deles.
Quando ela já estava com os seus doze anos e uma sagacidade acima da média para qualquer aprendiz com aquela idade, a menina preparou uma fuga do casarão em Plovdiv e esquematizou tudo para que chegasse em segurança a Madrid, por meio de um comboio terrestre que partiu da Bulgária e atravessou vários países até alcançar o seu destino.
Na ocasião, o seu intuito era procurar os pais e vigiá-los a fim de descobrir o que havia se sucedido aos dois após abandoná-la no orfanato. Porém, naquele período, Javier e Martina tinham se mudado da antiga mansão onde moravam e o seu paradeiro era desconhecido.
Alanna mandou que um de seus mais habilidosos alunos rastreasse e encontrasse a menina na Espanha. Assim, algum tempo depois, o mexicano Raul Calderón obteve êxito em sua missão, a levando de volta para a Bulgária sã e salva. Embora não tivesse sido castigada por Gabriela, a garota passou a ser vigiada dia e noite por ela dentro da escola de magia, e nunca mais teve a confiança de sua mentora.
Um ano após a sua fuga da escola, Iolanda ainda não tinha desistido de seu intento de amadurecer os seus dons e, com isso, reencontrar os pais. Embora fosse terminantemente proibida a prática de magia arcana dentro do casarão, a garota começou a desafiar tais ordens superiores e, com isso, se apossou de um tomo obscuro guardado nos aposentos de Gabriela. As páginas da publicação mencionavam vários tipos de feitiçarias apenas praticadas por bruxos das trevas.
Ao questionar a sua mentora sobre a razão de ela não poder aprender algo que um de seus livros ensinava, Castañeda foi taxativa em lhe explicar que o culto à magia arcana era um caminho sem volta, e que se ela começasse a aprendê-lo, jamais poderia retornar de lá.
Como uma maneira de desestimulá-la a querer estudar aquele material, Gabriela trancou o seu livro dentro de um cofre cuja fechadura apenas ela possuía a chave e proibiu a sua aprendiza a adentrar o seu aposento sem permissão.
O que Castañeda não sabia, no entanto, era que Iolanda possuía uma boa memória, e que ela tinha conseguido decorar ipsis litteris um dos feitiços contidos no livro, o mais perigoso deles: o de canalização de energia extraterrena.
Bruxos e feiticeiros experientes eram capazes de absorver a energia necessária para seus encantamentos, especialmente, dos elementos naturais como terra, fogo, água e ar. Mas era através da comunicação com o além que alguns deles conquistavam mais habilidades, a ponto de se tornarem mais poderosos que outros com a mesma experiência de práticas místicas.
Assim sendo, através de um véu tênue que conseguiu rasgar entre a realidade física e a metafísica, com o uso de um feitiço que havia aprendido em sua bisbilhotice, Iolanda abriu um canal de comunicação com o Inferno.
Num primeiro momento, ela não conseguia compreender o que os seres do outro lado do plano tentavam dizer a ela, o que nem de longe a deixou inclinada a desistir. Em sua ânsia por mais aprendizado, ela começou a estudar a língua das criaturas, vindo a descobrir que se tratava do enoquiano, o idioma dos anjos.
Trancada em seu quarto, dia e noite, a obstinada adolescente passou a estudar os verbetes, expressões, substantivos e flexões daquele meio de comunicação tão peculiar e, logo, era capaz de compreender o que lhe era dito do outro lado, bem como verbalizar o que ela queria que eles entendessem.
Não demorou até que um pacto fosse estabelecido entre ela e um dos seres que a atendiam da dimensão cáustica. Ela queria poder além dos limites estabelecidos por sua mentora, Gabriela, e em troca, estava disposta a oferecer a própria alma se fosse necessário.
O ser que a atendeu, no entanto, não se interessava pela sua alma, que era corrompida e sombria, mesmo em se tratando de uma jovem garota. Para que o pacto fosse selado, era necessário que alguém mais puro de coração fosse oferecido em sacrifício e, até que tal pessoa fosse morta por ela, Iolanda não teria o que tanto almejava.
Onde ela conseguiria tal oferenda, se Gabriela a vigiava obstinadamente e não permitia que ela botasse meio pé para fora do casarão?
Sem ter como deixar a sede do conciliábulo ou procurar nos arredores de Plovdiv alguém que atendesse às exigências da criatura que a atentava do lado de lá do véu dimensional, a bruxa resolveu encontrar entre os colegas de confinamento aquele que seria ideal para o abate. Assim, ela escolheu Rayna, uma jovem aprendiza búlgara que era descendente de celtas, como Alanna, e que mal tinha completado os seus dezoito anos quando pisou a primeira vez no casarão.
Assim como a própria Iolanda, Rayna era uma das poucas alunas da escola que possuía dons psíquicos nativos e que estava sendo preparada para ser uma das guardiãs dos dez Portais do Infinito, assim como Raul Calderón e Thomas Blackwood, outro dos vários aprendizes da casa.
Apesar de seu enorme potencial com a magia, entretanto, a jovem garota não suspeitou que estava prestes a ser assassinada por sua colega bruxa, e teve o pescoço cortado por uma faca de cozinha em uma noite de lua cheia, como havia pedido a voz que a comandava além do véu sombrio.
Enquanto Rayna se esvaía em sangue, deitada no chão de piso rústico do corredor que dava para os aposentos superiores do casarão, Iolanda concluiu o ritual oferecendo o coração da moça inocente para a entidade demoníaca, no que acabou sendo descoberta e contida pelos demais moradores da casa, chocados com o que a espanhola tinha sido capaz de fazer.
Rayna foi morta de maneira traiçoeira e cruel, o que tornou inadmissível que Alanna e Gabriela ainda aceitassem ter Iolanda convivendo com os seus demais aprendizes. Sem terem mais o que fazer e certas de que haviam tomado a melhor decisão, as duas mentoras resolveram expulsar a herdeira dos Columbus do Conciliábulo Dubhghaill, proibindo-a para o todo o sempre de voltar a praticar magia em seu nome.
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