CAPÍTULO 18
Estamos na sala há mais de três horas conversando com vários alunos e nenhum deu informações suficientes para suspeitarmos de alguém na faculdade. Porém, minha intuição diz que ainda vamos falar com alguém que nos dará o que queremos.
- Quer dar uma pausa? Ou ainda está disposta a continuar? – pergunta Mattia do meu lado.
- Podemos continuar. – digo olhando para ele.
Semanas atrás não acreditaria que eu e Mattia viraríamos amigos, mas acabou acontecendo. Sinto ainda arrepios por ele porque fazia tempo que ninguém despertava essa sensação em mim. Só que será apenas isso, sensação.. Porque Mattia está em um relacionamento e não me sinto bem em ser a “outra”.
- Já imaginava. Uma pessoa determinada nunca desisti tão fácil. – diz sorrindo mostrando seu lindo sorriso que me fascinou.
- Não conseguiria sem sua ajuda. De verdade. – digo tocando sua mão.
Mattia se assusta por um segundo com nosso contato físico. Passa uma corrente elétrica invisível entre nós e tento acalmar meu coração. Mattia me encara com seus olhos verdes intensos e prende a respiração. Não sei o que ele sente, mas deve ter sentido o que senti nesse momento.
Limpo a garganta e tiro minha mão da dele.
- Vou chamar o próximo aluno, okay? – digo me levantando da mesa e cortando nossos olhares.
Abro a porta da sala e um garoto alto com óculos redondos aparece para entrar.
- Qual seu nome? – pergunto olhando para ele.
Como sou baixa, preciso esticar meu pescoço para olhá-lo. Nunca achei justo existirem pessoas tão altas assim.
- Fernando Neves. – diz o menino todo tímido.
- Fernando pode entrar. – digo me afastando da porta.
Caminhamos à mesa aonde Mattia está sentado.
- Pode sentar. – Mattia diz esticando o braço a cadeira do outro lado da mesa.
- Obrigado.
Fernando se senta e fica nos olhando todo encolhido. Sento-me também e espero o garoto relaxar um pouco antes de enchê-lo de perguntas.
- Então, Fernando, há quantos anos estuda aqui? – pergunto quebrando o gelo depois de alguns minutos.
- Estou no penúltimo período. Curso Economia. – diz ele mexendo as mãos nervoso.
- Ok. Já percebeu algo suspeito na universidade? – pergunta Mattia para o garoto.
- Suspeito? Envolvendo as mortes? Não, nunca achei que terminaria a faculdade desse jeito.
- Entendo. Você conhece o grupo de apoio que envolve esse broche? – pergunto colocando o broche encima da mesa.
Fernando observa o broche por minutos demais e noto que tem algo a dizer sobre o assunto.
- Sim. Conheço o grupo de apoio. Eu participava dele, mas foi fechado por causa das mortes das garotas.
Ajeito minha postura e olho para o jovem a minha frente. Imagino como deve ser difícil contar essas coisas para um desconhecido. Principalmente porque existe um certo “tabu” em relação a estupro de garotos. Mattia parece um pouco chocado com o que nos foi revelado.
- Como era nesse grupo de apoio? Sobre o que conversavam? – pergunto com delicadeza para não assusta-lo.
- Acontecia duas noites por semana. Contávamos sobre como estava sendo nossa semana, o que tínhamos aprendido como sobreviventes. As garotas.. – Fernando trava ao lembrar das jovens que eram do mesmo grupo de apoio dele – Elas.. Falavam que estavam bem, mas tinha dias que chegavam no grupo de apoio tristes e sem motivação.
- Elas agiam de que modo na universidade? – Mattia pergunta.
- Não estudava com elas e nossos horários eram diferentes, mas agiam normal. Agiam como jovens na universidade.
- Quem administrava o grupo de apoio? – pergunto curiosa.
- Josh. Josh Bernardes. Ele era um ex-aluno daqui.
Josh? Ele era o garoto que fazia as festas da universidade. Lembro-me de falar com ele algumas vezes para colocar meu nome na lista das festas. Nunca iria imaginar que se tornaria o líder de um grupo de apoio para vítimas de estupro.
Noto que Mattia anotou o nome de Josh em seu caderno e tenho certeza que iremos procurar saber mais dele em breve.
- Josh estava administrando o grupo quando as vítimas foram mortas? – pergunto olhando para Fernando.
- Não. Ele não estava comparecendo. Estávamos nos reunindo sozinhos sem alguém administrando. Tinham falado que Josh estava passando por uns momentos complicados e não iria nos aconselhar por um tempo.
- Então, os jovens que participavam acharam melhor continuar se reunindo? – pergunta Mattia anotando mais alguma coisa.
- Sim. Nos fazia bem.
- Eram quantos jovens? – pergunto.
- Doze. Contando com as cinco garotas.
- Pode nos passar os nomes, por favor?
- Claro. – diz Fernando pegando seu celular do bolso.
Fernando passa os próximos minutos citando o nome dos jovens do grupo de apoio. Tanto eu quanto Mattia anotamos tudo, cada nome e o número de telefone.
- Obrigado por colaborar. – diz Mattia levantando e apertando a mão de Fernando.
Também fico de pé e aperto sua mão.
- Suas respostas ajudaram muito.
- De nada. Podem pedir minha ajuda no que precisarem.- diz tímido e sai da sala.
Olho para os nomes que anotamos e nenhuma dessas pessoas ainda foram entrevistadas, por isso Fernando foi o primeiro a falar do grupo de apoio.
- Estamos avançando no caso. – diz Mattia sorridente.
- Estamos sim. Precisávamos entrar nessa faculdade. Sempre disse isso.
- Você sempre está certa Angel. Em tudo.
- Vou me lembrar disso quando você negar alguma coisa. – digo provocando.
- O que eu poderia negar?
- Foco no caso Mattia. – digo piscando e me retirando da sala.
- Aonde vai? – pergunta Mattia gritando ainda na sala.
- Preciso de ar. Já volto. – grito de volta.
Realmente preciso de ar, mas por um motivo. Ficar no mesmo ambiente que Mattia é muito difícil. Principalmente por saber que ele é comprometido.
Sua beleza faz meu coração acelerar de um jeito que nunca senti antes. Seu modo de lidar comigo, por ser tão transparente, ser aberto sobre tudo, nunca vivi isso com ninguém. Pelo visto também não irei viver com ele.
***
Passamos as horas seguintes ligando e fazendo perguntas aos jovens do grupo. Todos sempre falavam a mesma coisa: “O grupo de apoio nos fazia bem", “Me sentia acolhido naquela sala", “Não, as jovens não agiam estranho”, “Sim, as meninas conseguiam se abrir todas as noites”.
Todos os jovens que falamos cooperaram em responder todas as perguntas e se mostraram abertos em tudo. Confirmaram que Josh Bernardes administrava o grupo, mas que uns meses antes, parou de se reunir com eles. Por motivos pessoais.
Anotamos o que nos foi respondido e colocamos em prioridade procurar saber mais sobre os motivos de Josh Bernardes parar de administrar o grupo de apoio.
Respiro por alguns segundos e a sala fica em silêncio. Terminamos com os alunos, avançamos com o caso, estou feliz nesse momento. Abro meus olhos e noto que Mattia olha para mim, viro-me para ele. Ele também está feliz por estarmos indo bem no caso, está transparente em seu olhar.
Meus olhos percorrem os intensos e brilhantes olhos de Mattia, depois vão para sua barba preta bem-feita, chegando em seus lábios vermelhos carnudos. Engulo em seco e sei que notou meu olhar em sua boca. Sinto os mesmos arrepios que ele provoca em mim e mordo meus lábios ainda olhando para a boca dele.
- Angel. – diz Mattia com sua voz roca.
Fecho meus olhos novamente e percebo que passei dos meus limites profissionais. Levanto apressada da mesa e olho para ele.
- Desculpa. Isso.. – aponto para nós – Não deveria acontecer.
- Por quê? Por quê não mistura a vida pessoal da profissional? – diz ele se levantando da cadeira também.
- Você namora Mattia! – digo séria.
- E você é linda Angel. Acha que queria isso? Não estava nos meus planos.
- Muito menos nos meus. Só queria achar esse assassino. – digo baixinho.
Mattia caminha até mim e fico nervosa, sinto a corrente elétrica passar por nós e meu coração se agita no meu peito.
- Angel. – ele diz me encostando na parede – Se eu não namorasse, aqui e agora, você me beijaria?
Tento respirar para ele não escutar o barulho que meu coração está fazendo. Óbvio que o beijaria, penso nisso desde o momento que o vi. Mas ele ainda namora e eu não quero ser a outra.
- Não faz isso Mattia. – digo sussurrando – Não é justo comigo. Muito menos com ela.
Tiro seus braços de mim mesmo querendo beija-lo. Me afasto aos poucos e Mattia continua no mesmo lugar me olhando.
- Me perdoa. Realmente passei dos limites. – diz arrependido.
- Tudo bem. Só não quero ser a outra.
- A outra? Angel, para mim você é a única.
- Vamos focar no caso, por favor. Não faz isso comigo. – digo nervosa e querendo começar a chorar.
- Vamos para os professores agora? – Pergunta Mattia mudando de assunto.
- Sim. Pode chamá-los? – pergunto aliviada.
- Claro. Já volto.
Assim que Mattia sai da sala sinto um sentimento sendo puxado com ele. Um que nunca tinha experimentado antes. Um que ele também sentia. A corrente que nos liga ficou mais intensa hoje.
Em toda minha vida fui uma mulher intensa. Nunca senti pouco. Era tudo profundo demais comigo. Demonstrava muito e me jogava nos sentimentos. Hoje quis me arriscar nesse novo sentimento. Um sentimento reprimido.
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