CAPÍTULO 17

Antes tinha um receio de segurar armas, pensava que poderia sem querer apertar o gatilho e acabar com a vida de alguém inocente. Não pensava em usar uma arma, mas hoje vejo o que estava perdendo por pensar desse modo.

Segurar uma arma me dá todos os prazeres da vida, me animo só de imaginar que ninguém desconfiará de que estou armada. Usei arma em outros tipos de caso, porém dessa vez é diferente. Eu me vejo nessas jovens.

Mattia escolhe sua arma primeiro. Logo em seguida pego a minha favorita, P-96M. Saímos do departamento e entramos no carro.

Sei que não vamos dar de cara com nenhum assassino na faculdade, pelo menos não um que dê a entender que matou as jovens, mas estou confiante que vamos conseguir mais pistas.

- Por quê está sorrindo? – pergunta Mattia me fazendo sair de meus pensamentos.

- Não disse antes, mas sou apaixonada por armas.

- Acho que está no trabalho errado então. – diz sorrindo enquanto dirige.

- Não gosto de matar ninguém. Gosto de ter a sensação de segurá-la.

- Entendo essa sensação. Foi assim comigo também.

- Você tem noção que estamos em ação? A partir de agora vamos descobrir mais coisas.

- Verdade. Falar com os familiares e amigos é um pouco demorado.

- Iremos descobrir como realmente era o comportamento delas na faculdade.

- Sua confiança me anima Angel. E amo te ver sorrir desse jeito.

- De que jeito? – pergunto um pouco envergonhada olhando-o.

- Como se nada importasse. Você tem certeza que vamos resolver.

- Não podemos desanimar Mattia. – repreendo-o.

- Por isso me animo com seu jeito. – diz apontando para mim.

***

Quando chegamos na faculdade sinto um leve arrepio e lembro do que aconteceu anos atrás comigo. Mattia não faz ideia de que estudei aqui ou o que passei, também não vou contar. Não faz muita diferença agora, contarei um dia a alguém com quem começar a sair sério. Porque o assunto também é sério.

Saio do carro e olho para Mattia que está observando a faculdade, que bom que ele não observa do mesmo jeito do que eu: aonde minha vida foi totalmente mudada.

Ainda tem policiais rondando o local e alunos com medo de olhar para eles. Alguns alunos olham para nós e alunas babam por Mattia. Entendo a reação delas, também babaria se pudesse.

- Vamos. – digo confiante andando em sua frente.

Passamos pelo extenso pátio da universidade. É um prédio gigante, dividido em alas, aonde fica cada curso específico. Não é mais da mesma cor de quando estudei aqui, agora está com tons brancos com azul marinho. Porém ainda me lembro de quando andava por esses corredores como uma simples estudante.

Quando me encontrava as vezes com Isadora. Quando minha vida virou de casa para baixo. Prendo um pouco a respiração e olho para Mattia que está andando do meu lado.

Se eu contasse o que aconteceu, ele entenderia? Somos amigos agora, mas não sei se estou pronta para outra pessoa saber o que aconteceu. Meu psicólogo me ajudou tanto que tenho certeza que vou sempre me consultar com ele. Poucas pessoas sabem o que houve, quando Mattia souber, vai me achar fraca?

Ele tem uma visão de mim sendo poderosa, independente, a que manda no caso e ele obedece. Eu realmente sou assim. Mas tenho um passado e esse passado pode mudar sua visão sobre mim. Não quero que Mattia tenha pena do que passei e nem fique tomando cuidado comigo; Se eu contar, quero que ele continue me tratando do mesmo jeito.

Solto a respiração e batemos na sala do diretor. O meu antigo diretor.

- Podem entrar, por favor. – ele diz do outro lado da porta.

Mattia abre a porta para que eu entre primeiro, sinto que meu coração está batendo fora do meu corpo. Depois da faculdade nunca mais apareci aqui, realmente me afastei de todos. Os professores e o Sr. Morales me deram apoio, mas não tinha mais porque ter contato.

- Bom dia. – diz Mattia do meu lado.

Encaro o Sr. Morales na minha frente, agora um pouco mais velho e vários fios de cabelo brancos. Reconhecimento passa por seus olhos e sinto que não deveria estar aqui. Continuo de cabeça levantada e por fim sorrio para ele.

- Senhorita Castillo? – pergunta se levantando de sua mesa – No que posso ajudar a senhorita?

- Bom dia Sr. Morales. Viemos conversar sobre as jovens que estudavam aqui.

- Oh sim. Como a senhorita está? – pergunta olhando para mim e depois para Mattia.

- Estou bem. E o senhor? – pergunto sorrindo.

O Sr. Morales sempre foi um ótimo diretor para essa universidade. Gostava muito de como a dirigia no tempo que estudei aqui.

- Que bom. Estou no mesmo emprego que amo.

- O senhor é bom nisso. Valorizava muito seu trabalho.

- Obrigada por me dizer isso senhorita. Você foi a melhor aluna dessa instituição.

Mattia me observa e sei o que está pensando. Viro-me para ele e seus olhos curiosos dizem tudo.

- Obrigada senhor. – digo envergonhada.

- No que está trabalhando agora? Para falarmos das jovens?

- Sou psicóloga e me tornei psicóloga forense também. Ajudo os policiais em alguns casos. Como esses assassinatos.

- Fico tão feliz que você conseguiu se tornar essa mulher. Que conseguiu superar seu passado.

Meu passado.. Aquele cara.. Minha virgindade.. Enfim tenho certeza que superei. Fico com vontade de chorar por saber que aquela época está superada com ajuda psicológica. Mattia deve estar cada vez mais curioso sobre mim.

- Sim senhor. Aquilo foi superado. – digo calmamente tentando não chorar de felicidade – Sobre as jovens, elas eram colegas de classe, certo?

- Sim. Estudavam na mesma sala.

- Poderia nos passar a grade dos professores, por favor? – pergunta Mattia.

- Claro que sim. Só terei que imprimir. Esperem um instante. – diz saindo de sua sala e deixando eu e Mattia sozinhos.

- Você estudou aqui? – Mattia pergunta surpreso.

- Sim. Bem-vindo a minha antiga universidade. – digo dando um sorrisinho.

- Não duvido que tenha sido a melhor. Você é perfeita em tudo o que faz.

- Você também não é um mal policial.

- Admite que somos incríveis juntos Angel.

- Somos incríveis juntos.

O Sr. Morales volta com os papéis impressos em suas mãos e me entrega. Vejo os nomes dos professores e seus horários, passo as folhas para Mattia que também os observa atentamente.

- O senhor nunca notou nada suspeito aqui? – pergunto levando meu olhar para o Sr. Morales.

- Sempre soube de festas que acabavam muito mal, mas nunca pensei que jovens dessa universidade acabariam mortas.

- Entendo. É muito difícil.

- O senhor tem algum suspeito? – pergunta Mattia.

- Pode ser qualquer um daqui, certo?! Algum aluno, professor ou alguém da diretoria. – diz o diretor em minha frente sussurrando.

- Isso mesmo. Como todos têm reagido ao caso?

- Alguns alunos ficam cochichando por aí, mas não sei o que pensam. Os professores estão muito assustados.

- Podemos começar pelos alunos? – questiona Mattia ao diretor.

- É claro. Mas são muitos.

- Não tem problema. Por isso viemos aqui. – responde olhando para fora da sala.

- Ok. Vamos nos retirar Sr. Morales. Alunos nos esperam. – digo virando-me para a porta.

- Lembrei! – diz o diretor olhando em nossa direção – Existe um grupo de apoio. Pergunta aos alunos sobre ele.

- Qual o nome desse grupo de apoio?

- Empezar de nuevo: poderosas mariposas. – responde o senhor Morales.

“Recomeçar: Borboletas poderosas?”, penso tentando entender. Em segundos consigo juntar as peças, olho para Mattia que retribui mostrando que também entendeu. O broche.. A borboleta.. Tudo está conectado.

- Esse grupo de apoio todos podiam participar? – pergunto tentando assimilar tudo.

- Não. Apenas vítimas de estupro.

Engulo em seco, esse caso está mesmo mudando minha vida.

- Vamos procurar saber mais. – diz Mattia gesticulando para ir na frente dele.

Nos retiramos da sala do diretor e meu coração está batendo muito rápido. Comecei esse caso achando que seria mais um de assassinato, mas estou cada vez mais conectada com ele. Sei o que cada jovem passou e em como devem ter tido problemas de se aceitarem depois do ocorrido.

Espero que cada uma delas tenham tido tempo para se perdoarem de algo que não estava em suas mãos.

- Podemos ficar em uma sala e depois chamarmos os alunos um por um. – digo parando no meio do pátio.

- Pode ser senhorita. Vou chamar alguns alunos. – Mattia fala saindo do meu campo de visão.

Aproveito para ir atrás de alguma sala vazia para conversarmos com os alunos. Viro para esquerda que leva as salas e subo a escada, vejo quadros nas paredes com certificados da universidade; quando chego no andar das salas, bem no fundo do corredor, me deparo com um quadro que nunca tinha visto antes, talvez seja porque nunca estive aqui depois que me formei. No quadro tem fotos dos melhores alunos de cada ano e para todos verem, noto uma foto minha, de Gregory (psicólogo do Dylan) e de Isadora.

Não gosto de me expor muito, apesar de gostar bastante de tirar fotos, mas nunca postá-las em lugar nenhum. Por todos esses anos os alunos viam fotos minhas, será que já fui inspiração para alguns deles?

Entro em uma sala e deixo minha mente me levar para longe. Por anos me culpei por tudo que aconteceu aqui, mas agora preciso resolver um caso relacionado com este lugar. Nunca mais falei com Isadora e saber que não sabemos nada uma da outra é um pouco deprimente demais, éramos um tipo de amigas que todos achavam que sempre iríamos nos falar. Não me culpo por ter deixado ela ir embora, todos fazem suas escolhas e ela escolheu se afastar.

Aqui nesta sala, percebo que, se anos atrás eu soubesse como seria o futuro, não teria pensado em desistir, não pensaria em acabar com tudo, não deixaria meus problemas tomarem conta de mim. Porque agora, aqui no futuro, vejo que tudo o que houve serviu de aprendizado. Seja por meio de amizades, amores, luto, família, transtornos psicológicos. Nada acontece por acaso e tudo o que passei me transformou nessa mulher incrível que sou hoje.

Tenho orgulho de mim por não ter cortado a raiz da minha vida, por ter deixado ela crescer mesmo com tantos defeitos e se tornar essa magnífica árvore.

A sua raiz hoje pode está fragilizada e talvez você pense que é mais fácil cortá-la fora para não sofrer mais, em quase todos os momentos de nossa vida vamos ter algum problema, o que devemos fazer é seguir adiante porque no final você se tornará uma árvore maravilhosa e só você saberá o quanto sofreu para estar naquele lugar.

Suas folhas serão lembrete de um passado superado, cicatrizes curadas. Suas raízes não serão mais frágeis e não se afetarão tão fácil com os problemas porque você será a grandiosa árvore curada do seu jardim. Se a vida está difícil demais pense no futuro, pense com orgulho sobre seu futuro e em como todas as coisas que você quer realizar, vão te mostrar que você sobreviveu.

Eu sobrevive, foi difícil, foi uma luta todos os dias querer acordar, mas estou viva, tendo outra oportunidade de ser feliz. Você também tem essa oportunidade, não deixe passar. Aproveite cada segundo dela.

Sou tirada de meus pensamentos quando ouço Mattia entrar na sala com o primeiro aluno para nossa entrevista. Desvio-me das janelas e viro-me para eles que já estão sentados, os olhos de Mattia me analisam com carinho. Mesmo em serviço ele consegue ser bonito com toda a sua escuridão.

Respiro fundo fechando meus olhos, abro-os soltando a respiração e sento na cadeira do lado de Mattia.

Eu estou viva.

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