MONTANHA RUSSA


Katy.


Bati minha mão sobre o lado direito da cama. Tinha me esquecido que não havia mais alguém ali comigo e que as minhas manhãs, agora, eram todas solitárias. Me levantei e me sentei aos pés da cama, e por incrível que parecesse, eu ainda dormia apenas no lado esquerdo, como se alguém continuasse a dormir comigo. Segurei o panfleto sobre a reunião do grupo de apoio, que acontecia todos os sábados de manhã, pensei e repensei se deveria realmente ir, mas, como sempre, acabava indo parar lá sem ter muitas opções do que fazer.

“Venha compartilhar sua dor conosco e ser curado”.

Isso foi a única coisa que li antes de amassar aquele panfleto e jogá-lo sobre a cama. Por mais que eu não quisesse ir, eu teria apenas duas escolhas: ficar em casa em frente à TV, talvez chorando e comendo; ou ver pessoas, mesmo que isso parecesse estranho, porque eu não conversava com nenhuma delas.


***

Voltei meus olhos para os detalhes que haviam sobre o caminho até a reunião. Não eram muitos, apenas pessoas e mais pessoas, carros e mais carros, e um frio intenso que provavelmente faria nevar até o anoitecer. Porém, eu gostava da neve, ela me fazia lembrar de Connor. Como uma coisa tão frágil poderia ser tão fria e, ao mesmo tempo, tão gentil?

Apesar de achar que não deveria estar ali, eu até que me sentia bem estando rodeada por pessoas desconhecidas – que já as via há quase um ano, no mesmo lugar, na mesma hora, e para falar sobre o mesmo assunto, ainda que eu, em todo esse tempo, não tivera coragem de dizer nada.

De todas essas pessoas, apenas uma havia se tornado um grande amigo, o Sr. Marc, responsável por realizar as reuniões, e que sempre respeitou o meu tempo. Ele era ciente do fato de que eu nunca quisera contar nada, e por isso gostava dele. Não éramos obrigados a dar depoimentos, apenas se assim quiséssemos.

Olhei para o relógio na parede e percebi que havia chegado um pouco atrasada. Me sentei e olhei para todos que estavam naquela roda sobre perdas recentes. Me dei conta de que ali não havia ninguém que não estivesse com a vida arruinada e que, praticamente, ninguém sabia o que fazer agora – o pior de tudo não era o agora, mas o que vinha depois... E isso não poderia ser evitado, não é mesmo?

Talvez eu estivesse um pouco longe, imaginando como seria diferente se eu não tivesse me recusado a sair naquela manhã, se eu estivesse ao seu lado. Achava que minha vida não estaria tão ruim agora e que a culpa não apertaria tanto em meu peito.

Enquanto todos contavam suas histórias e explicavam como faziam para suportar a dor, reparei que sempre havia uma cadeira vazia, uma cadeira que ninguém se sentava, que ficava bem à minha frente. Talvez a pessoa que deveria estar ali preferia estar em outro lugar, pois nem todos conseguiam falar sobre suas perdas.

— Katy, quer nos contar algo hoje?
O simples jeito como o Sr. Marc me olhou, esperando que eu finalmente falasse e não apenas estivesse ali para ouvir, me deixou um pouco sem jeito. A atitude dele me fez acordar do meu devaneio e relembrar o real motivo que havia me feito aceitar frequentar esse lugar, meses após me despedir de Connor.

— Tudo bem, Katy? — Perguntou ele.

Suspirei fundo antes de começar a falar qualquer bobagem e abaixei meus ombros, encostando-os lentamente na poltrona, à qual eu estava sentada. Aquela manhã estava completamente fria, e lá fora algumas gotículas de neve insistiam em cair.

— É. Não sei como começar — sorri um pouco sem jeito.
Me calei, porque me sentia perdida. Eu nunca havia falado nada até esse momento. Mas então me questionei: “E se fosse o momento certo?”.

— Katy, não precisa ter medo, todos aqui perdemos alguém assim como você — alguém desconhecido sorriu para mim.

Apesar de querer negar essa oportunidade que havia para falar naquele instante, eu realmente queria dizer alguma coisa, sentia que precisava fazer isso, algo que talvez quisesse há muito tempo, mas que, sinceramente, não sabia como começar a falar da pessoa que eu mais amei.

Eu me lembrava de tudo: do dia que ele me fez descer na montanha russa; do dia que ele me levou até o pequeno parque que havia do outro lado do rio; do dia que dividimos um pequeno cachorro-quente; do dia que corremos na chuva juntos para chegar em casa. Foram tantos dias, todos eternizados na minha memória. Ainda assim era muito difícil falar sobre isso.

Eu estava com medo – talvez eu sempre estivera assim –, imaginando como seria agora. Eu nunca fui uma pessoa muito corajosa, mas Connor me fazia ser com o seu sorriso, o que fazia tanta falta naquele exato momento de caos completo.

— Bom dia — disse, um pouco acanhada. — Como vocês sabem, eu me chamo Katy, tenho 22 anos e perdi meu namorado em um acidente de trânsito há 1 ano. Ele era a pessoa mais incrível do universo, e eu precisei me despedir dele.

— Bom dia, Katy — todos compartilharam seus sorrisos comigo. — Seja bem-vinda ao nosso grupo.

Permaneci em silêncio por poucos segundos. Às vezes me sentia tão exausta de guardar tudo isso que, se não fosse por esse motivo, provavelmente não estaria em um grupo de apoio.

— Connor era o nome dele, e ele jamais será esquecido. Ele foi e é a pessoa mais importante que já existiu na minha vida sem graça — parei e respirei antes de prosseguir. — Amei ele demais e jamais irei esquecê-lo, e mesmo que tentasse, eu nunca conseguiria esquecer aquele sorriso que melhorava qualquer dia; aquele jeito de me tirar uma gargalhada em momentos sérios; do seu modo bobo de encantar a todos que o conheciam; do seu jeito de comprar flores e café para mim; e até do seu suspiro fundo ao dormir. Esquecer isso seria impossível — sorri, olhando para o chão. — Confesso que não vai haver um dia em toda a minha vida que eu não me lembrarei dele. Apesar de tudo, quero sempre me lembrar dele, e nunca, jamais esquecê-lo.

Antes de terminar meus últimos minutos, resolvi contar tudo o que estava me sufocando. Era tanto sentimento preso, tanta dor camuflada, que talvez ninguém pensasse que alguém como eu pudesse ser tão fraca – e eu era e muito. Connor era o único porto seguro que eu tinha. E agora ele não estava mais comigo.

— De todas as coisas que eu gostava nele, eu gostava de acordar ao seu lado; gostava de ir ao cinema; gostava de andar de bicicleta com ele; gostava de ir ao karaokê nos sábados à noite; gostava de visitar nosso parque preferido; e até da montanha russa, que eu tinha muito, muito medo, eu gostava — limpei meu rosto com a manga da minha blusa. Eu gostava de tudo ao seu lado, tudo era tão incrível e intenso. Connor tinha o seu jeito de me fazer ser otimista, mesmo quando não havia esperanças, e isso era uma de suas virtudes. Eu sei que a morte dele foi uma injustiça, mas não posso culpar alguém por isso, por que quem seria eu para fazer isso? Eu só queria que ele fosse eterno, que algumas pessoas fossem na verdade, porque o mundo perdeu uma pessoa muito incrível.

A vida era cheia de manias estranhas para arruinar e arrumar as coisas, as quais eu não saberia bem ao certo se poderiam ser chamadas de justiça ou karma.

Levantei minha cabeça e olhei para todos ali, que provavelmente haviam se acabado em algum vício, e eles ainda olhavam fixamente para mim. Fiquei em silêncio.

— Katy, você está bem? — Sr. Marc me perguntou.

— Eu não sei, às vezes sim, às vezes não. Desde o dia que Connor se foi, eu carrego essa... Culpa. Às vezes acho que as pessoas só querem que eu diga isso, que estou bem, que isso vai passar, quando, na verdade, tudo vai continuar igual, e o fato de Connor ter morrido nunca vai mudar. Agora eu entendo quando as pessoas falam que a vida é uma porcaria injusta. — Todos as pessoas continuavam olhando para mim.

— Katy, por favor, não diga isso — o Sr. Marc me olhou sério. Talvez ele não tivesse compreendido o porquê estava com tanta raiva, ou medo. Mas eu sabia o real motivo.

— Eu havia brigado com ele na manhã do acidente, deixei ele ir sozinho para o trabalho. Nós discutimos por algo tão insignificante, e se eu estivesse com ele, será que nós dois teríamos partido? Ou será que talvez isso não tivesse nem acontecido?

— A vida é assim: nem sempre terminamos com quem começamos. Mas isso não quer dizer que seja culpa sua — olhei para o rosto do Sr. Marc percebendo como o seu cabelo estava praticamente grisalho. Realmente ele havia dito uma verdade, cruel, mas uma verdade.

O fato mais importante era que, independentemente de como fosse nossa vida, com certeza ela se tornaria melhor em algum momento e pior em outro. E por isso seria sempre bom compartilhá-la com alguém.

Olhei para o pequeno vaso de flores à minha esquerda, suspirei fundo e me levantei.
— Uma vez ele me perguntou: “você tem medo de altura?”. E eu sorri, porque não tinha entendido... Mal sabia eu que, naquele dia, ele me faria descer em uma montanha russa.

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Espero que tenham se emocionado com essa história ♥️
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