Prólogo
DOIS ANOS ANTES
-Clarinha! Clarinha! -Mamãe passa toda esbaforida pela porta da nossa casa, segurando um papel na mão e o telefone celular na outra.
-Meu Deus mãe, o que aconteceu? -Pergunto assustada.
-Você não vai acreditar! Sabe aquela gravadora famosa que você fala quase todos os dias? Como chama...
-A-a SpinOut Records? -Gaguejo, gravar nessa gravadora é literalmente o meu sonho.
-Isso! Um tal Jhon Carpenter acabou de ligar e disse que viram os seus vídeos no YouTube, eles querem te conhecer pessoalmente minha filha! -Ela solta tudo de uma vez e eu fico abrindo e fechando a boca igual um peixinho bobo. Como assim a SpinOut quer me conhecer? Alguém me belisca por favor?
Eu canto desde que tenho consciência, mamãe sempre me apoiou e inclusive foi ela quem deu a ideia do canal do YouTube! E eu que pensava que ela daquelas mães que não sabem nada de tecnologia...
-Quem? Quero dizer, quando querem me ver? -Me seguro para não começar a pular e gritar como uma doida.
-Esse sábado, às nove da manhã, eles disseram para você levar um demo e que pode ser que peçam para você cantar também!
-Sábado! Mas faltam dois dias! Como vou gravar um demo em tão pouco tempo? -É como dizem né? Alegria de pobre dura pouco. Como diabos vou gravar um demo em dois dias?
-Fica calma meu anjo, nós vamos dar um jeito, se preocupa em se preparar que eu tento achar um lugar para você gravar o seu demo okay? -Eu já disse que amo essa mulher?
-Obrigada mãe, eu te amo viu? -Dou um beijo estalado na sua bochecha e corro para o quarto, não posso perder um segundo sequer, preciso terminar aquela música que comecei a alguns dias.
Escuto mamãe conversando pelo telefone, seguramente tentando achar um estúdio para que eu grave o demo.
Ela é minha rocha, somos eu e ela contra o mundo. O doador de esperma, vulgo meu pai, nos abandonou por uma garota mais jovem quando eu tinha aproximadamente cinco anos, depois disso nunca mais vi sua cara de sem vergonha por aí. E sabe de uma coisa? Ele nem faz falta. Mamãe sempre me cuidou e me sinto na obrigação de cuidar dela também. Se... se não, quando eu ficar famosa, a primeira coisa que vou fazer é nos mudar dessa casa emprestada.
Já fomos humilhadas o suficiente pela minha tia e não que eu seja má agradecida nem nada, muito pelo contrário, sem essa casa nós estaríamos na sarjeta, mas é que paciência tem limites né? Minha prima é uma sem noção que acha que por que vivemos na sua casa ela pode entrar e sair a hora que quiser. Outro dia ela trouxe um namorado! Um maldito idiota cheio de piercings espalhados por todo o copo e um monte de tatuagens... mas isso nem era o problema não, o fato de ele entrar e dizer "qual é, tem cerveja nessa casa não?", ah isso sim foi o problema. Enxotei os dois a vassoradas da casa e minha tia ficou furiosa com a gente! Em vez de castigar a filha periguete dela... Mas isso vai acabar, se depender de mim e da SpinOut em poucos meses teremoa nossa própria casinha para viver tranquilas e sem pressão.
Agora o que me resta é ensaiar e ensaiar e terminar essa música de uma vez.
SÁBADO 09:00 AM
-Então Maria Clara, nós vimos o seus vídeos no YouTube e gostamos muito sa sua voz e da sua presença, mas você sabe que hoje em dia existem várias programas que melhoram a voz né? Então é por isso que precisamos que você nos mostre que não é mais uma no montão, você consegue fazer isso? -Jhon me pergunta sem deixar de me olhar nos olhos nenhum momento. Ele acha que pode me intimidar, mas eu já passei por tanta coisa na minha vida que isso é fichinha!
-Com certeza senhor Jhon, eu vou mostrar isso e muito mais! -Respondo confiante enquanto tiro o violão do estojo e afino algumas cordas no ouvido mesmo, só pra impressionar ainda mais esses engravatados. -Se vocês não se importarem, cantarei uma música de minha autoria...
Um dos caras arregala os olhos e eu sorrio por dentro. Isso aí rapaziada, Maria Clara não é nenhuma bobinha não.
Fecho os olhos e começo a tocar os primeiros acordes e logo após faço uma pausa dramática. Vi na internet que isso ajuda a criar mais expectativa e a impressionar, vamos ver se você está certo, cara do Blog "Tudo sobre música".
Canto as primeiras estrofes da canção e vou aumentando o tom até que minha voz sai bem aguda, porém super afinada, depois volto ao meu tom normal e entro no coro. Faço um solo com o violão e repito a última estrofe antes de terminar com notas bem lentas e compassadas, dando pequenos golpezinhos na madeira do violão velho que ganhei de presente de um amigo a muitos anos atrás.
Abro os olhos novamente e todos estão me olhando com a boca aberta. Caramba!
Puxo o ar algumas vezes antes de dizer qualquer coisa. Meu coração está batendo tão rápido que acho que vou ter que ir daqui direto para o hospital!
-Então... o que... acharam? -Digo entre uma respiração e outra. Nenhum deles diz nada e como se fosse uma cena de um filme macabro, olham na mesma hora para Jhon.
-Então, você canta muito bem Maria Clara, meus parabéns...
-Obrigada.
-Mas... -Quem inventou essa palavra? Eu vou matar essa pessoa! -Há muitas coisas que você tem que melhorar, sua respiração é uma delas. Precisa fazer alguns exercícios, nada muito dificil.
-Ok. -Respondo envergonhada.
-Nós vamos analizar tudo e te ligamos na próxima semana para lhe dar uma resposta, ok? -Se levanta e eu me levanto junto. O cumprimento e agradeço a grande oportunidade e ele sai da sala sem nem se despedir de ninguém.
Graças à mamãe eu consegui gravar um demo em um estúdio que está começando agora, com a condição de falar deles no meu canal. Eu tenho alguns milhares de seguidores, então é aquela típica relação ganhar-ganhar.
Me despeço de todos e saio saltitante da sala. Quando chego na porta, um grupo de pessoas está entrando. Há quatro garotos rodeados por cinco seguranças. Jesus para quê tudo isso?
Observo os garotos. Um tem o cabelo azul e piercing na boca e o corpo de dar inveja a qualquer um, o outro tem a cabeça completamente raspada e uma cara amarrada de dar medo, o terceiro me olha curioso, o moicano roxo na sua cabeça quase me dá vontade de rir, mas me seguro, não quero criar problemas e ser despedida antes mesmo de ser contratada.
O último garoto caminha lentamente como se fosse o dono do pedaço. Ele é o único com o cabelo 'normal', a madeixa castanha chega até o pescoço e combina perfeitamente com os olhos da mesma cor, o rosto meio arredondado e a boca grossa dariam um charme a mais, se não fosse essa sua expressão fechada de quem comeu e não gostou. Assim como os outros, ele tem um piercing na sobrancelha e posso ver algumas tatuagens no braço esquerdo.
Todos eles são bem musculosos e vestem roupas pretas da cabeça aos pés. Alô! É da funerária, pediram suas roupas de volta!
Tenho que esperar que as dondocas entrem com todo o exército pessoal e só depois consigo sair.
Sou praticamente empurrada para fora da gravadora, mas não importa, nenhuma banda emo, punk, gótica ou o que seja, vai me tirar essa sensação de alegria.
Passo em um mercado no caminho e compro um monte de comida nada saudável, depois corro para casa e conto tudo para mamãe com os mínimos detalhes e ela me surpreende ao abrir uma garrafa de champanhe (na verdade era uma sidra guardada na geladeira desde o natal passado, mas é quase a mesma coisa não é mesmo?) e comemoramos como duas adolescentes: bebendo e comendo porcarias enquanto vemos filmes horríveis sobre a típica mocinha pobre que conhece o cara rico, se apaixonam e vivem felizes para sempre.
UMA SEMANA DEPOIS
-Clarinha, sai de perto desse telefone meu bem, eles vão ligar, não se preocupa.
-Eu sei mãe, mas vai que eles ligam e eu não estou aqui para atender? -Coloco o celular para carregar sem sair um minuto sequer de perto dele. Já passou uma semana e nada.
Nenhuma ligação, nem uma mensagenzinha sequer dizendo "hey menina, você está dentro, começa amanhã". Nada. Reinicio várias vezes o celular na esperança de encontrar uma ligação perdida da gravadora. Vai que esse aparelho jurássico resolveu ter alguma falha técnica e não toca né?
-Meu amor, isso não vai resolver nada, vai tomar um banho que eu fico aqui vigiando. -Sou puxada do sofá e empurrada para o banheiro, caminho lentamente como um preso indo para a forca e quando estou quase chegando no banheiro, eis que o milagre acontece: o bendito celular começa a vibrar e a tocar a música horrível que coloquei como toque.
Volto correndo como se tivesse sido livrada de todos os crimes e tiro o celular da tomada tão delicadamente que quase arranco a parede junto.
-Alô? -Atendo ofegante.
-Maria Clara Diniz? -Uma voz feminina pergunta do outro lado da linha. Porque esse pessoal insite em dizer meu nome completo?
-Sim, ela mesma. Quer dizer, sou eu mesma. -Meu Deus, acho que meu cérebro caiu na corrida do banheiro até aqui!
-Então Maria Clara Diniz, -De novo, sério? -estou ligando da gravadora SpinOut Records e....
Ai meu coração, me segurem que acho que vou desmaiar, mãe traz a água com açúcar...
-.... e nós sentimos muito lhe informar que não poderemos te representar por enquanto, estamos com muitos projetos em mente e temos que dar prioridade à quem nos contratou primeiro...
-O quê? -Eu não estou entendendo bulhufas, como assim não vão poder me representar? Que palhaçada!
-Nós não poderemos te representar no momento, quem sabe em um futuro? Até logo, tenha um bom dia. -E desliga. Mas que merda acabou de acontecer? Eu esperei esse tempo todo para nada? Eles sequer se importaram em me ligar antes para avisar. Que raiva!
Jogo o telefone no sofá e sento no chão encostada na parede fria. Mamãe me olha preocupada e de repente, lágrimas e mais lágrimas começam a descer pela minha bochecha, inundando minha blusa branca.
-Eu sinto muito meu bem. -Me abraça enquanto afaga os meus cabelos. Ela entendeu tudo só por ver minha expressão. -Eles são os que estão perdendo uma garota muito talentosa. Nós vamos achar outra gravadora que te represente e você vai ser tão famosa que eles vão implorar para te representar, escuta o que estou de falando!
UM ANO DEPOIS
-Clarinha, são eles de novo... o que eu digo? -Roberto meu melhor amigo e representante me pergunta ao atender a quinta ligação da SpinOut essa semana.
-Diga que eu não quero vê-los nem pintados de ouro. -Respondo enquanto reviso as respostas para as perguntas de hoje. Fui convidada a mais um programa de entrevistas. Já é o quarto e ainda estamos nem na metade do mês. Depois que fui enxotada da gravadora daqueles idiotas, comecei a cantar em bares e eventos para me promover e ganhar uma grana extra, Roberto me encontrou e disse que eu era muito talentosa e que conhecia uma gravadora que estava começando e que precisava de artistas como eu, que também estavam começando, eu aceitei na hora e gravamos um disco experimental. Colocamos as músicas no Spotify y ITunes e um mês depois, era a número dois no ranking do bilboard como melhor artista juvenil. Só perdi para aqueles idiotas.
Hoje em dia até agradeço pelo pé na bunda da SpinOut, afinal, não há pé na bunda que não te impulse para frente não é mesmo?
-Essa é a minha garota! -Ele ri e responde a ligação o mais profissional possível. -Clara, -Roberto fica sério de repente -tenho uma má notícia...
-Ah, não Beto o que foi agora? Não me diga que vão cancelar! -Era só o que me faltava, eu me preparei quase uma semana para essa entrevista, se eles cancelarem vou ficar puta da vida, eu ia pedir a arrecadação para o lar dos velhinhos, poxa!
-Não, nada disso, fica tranquila. -Suspiro aliviada, mas volto a ficar nervosa quase dois segundos depois. -Ele virá hoje com a banda.
EU NÃO ACREDITO NISSO!
-Beto eu juro para você que tem horas que quero cometer um homicídio sabia? Já não basta aquele tal do Léo me roubar a oportunidade na SpinOut, agora quer roubar a cena também? Eu tô ficando mole mesmo!
-Clara...
-Ele é tão... tão...egoísta, só pensa em si mesmo! E aquela banda? Que nome é esse "Os Indecentes", mais trash impossível, juro!
-Clarinha...
-Aposto que ele vai querer responder a todas as perguntar e nem vai me deixar pedir as doações para o lar dos velhinhos, porque ele é assim... Só quer a atenção para ele e o resto que se foda!
-Clara pelo amor de Deus! -Beto me segura pelos ombros com os olhos tão arregalados que chega dar medo.
-O que é criatura? -Pergunto com medo dele estar tendo algum tipo de ataque. Se eu perder o Beto eu tô ferrada!
Ele faz um sinal com a cabeça indicando algo bem atrás de mim.
-Ah não... Não me diga que...
-Uhum. -Balança a cabeça lentamente.
-Merda! -Coloco a maior cara de taxo no rosto e me viro lentamente até dar de cara com um par de olhos castanhos me encarando furiosamente. -Léo que... surpresa você por aqui... -Começo a dizer mas ele me corta tão rápido como um ninja japonês.
-Guarda essa sua falsidade para usar com outra pessoa garota. -Rosna com uma voz grossa me causando só um pouquinho de medo, e passa por mim, não sem antes quase me derrubar com o ombro ridiculamente musculoso e cheio de tatuagens.
-Será que ele escutou? -Pergunto a Beto que cai na gargalhada.
-Você ainda pergunta Clara? O cara tá muito pistola com você, quase faz uma jogada de futebol americano com o seu corpo!
-Não é pra tanto Beto! E você sabe que ele merece!
-Olha, isso sim, mas caramba... agora as coisas ficaram feias para o seu lado menina.
Deixa eu explicar o que aconteceu para que não me chamem de uma garota mimada que quer a tevê só para ela.
Vocês já sabem que fui enxotada da SpinOut e que depois encontrei o Beto né? Agora a parte que não contei, é que uns dois meses depois que comecei a ter mais visibilidade na mídia, fui convidada para várias reuniões e eventos, em um deles, estava Jhon e o representante da banda Os Indecentes (eca) e Beto escutou uma conversa deles na qual o representante dos Indecentes agradecia a Jhon por ter escutado a Léo na sua exigência senão eles iriam perder uma banda com muito potencial e ficar comigo, nas suas palavras "uma criança que acha que sabe cantar". Resumindo, por culpa de Léo eu não fui contratada, porque se eles fizessem isso, então Os Indecentes deixariam a gravadora e perderiam milhares de dólares. Agora eu pergunto: que ser diabólico faria uma coisa dessas, destuiria um sonho de toda uma vida, por um capricho bobo? Nem precisa responder, pode deixar que eu faço isso: o projeto de Lúcifer, Léo Moura.
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