Capítulo 4
Ambos olhamos para a sala vazia como se isso fosse explicar o porquê do sumiço do pessoal. Vou até o sofá e me sento emburrada com os braços cruzados. Não posso acreditar que cedi à provocação de Léo. Será que sou tão boba assim? Argh, esse garoto me tira do sério, sinceramente.
-Aonde será que aqueles idiotas foram... -Léo vai até a porta e espia o corredor também vazio.
-Vai ver eles ficaram de saco cheio de você e resolveram ir embora. -Provoco. Não consigo evitar, é uma coisa que sai assim, tão fácil como respirar.
-Ou talvez, não conseguiram ouvir a sua voz irritante por mais tempo. -Revida e eu mostro a língua para ele. Isso Clarinha, mostra pra ele como você é madura! Aff.
-É melhor você chamá-los de volta, ou não conseguiremos fazer nada sozinhos. -Sugiro, mas agindo totalmente o contrário do que disse, o garoto fecha a porta e senta na cadeira bem em frente a mim. Imediatamente me sento o mais reto possível no sofá. Sabe quando o Homem-Aranha sente que algo de ruim está por acontecer e os pelinhos dele se arrepiam todos? É exatamente isso que estou sentindo nesse exato momento.
Léo me olha estranho, a sensação que tenho é de que ele ou quer me beijar ou quer me estrangular. Aposto que é a segunda opção que passa na sua cabeça.
Não me atrevo a abrir a boca nem pra respirar, o garoto está completamente sério e até consigo ver as rugas na sua testa, apesar de a sala estar meio escura nesse momento. Aliás, quando eu cheguei estava mais iluminada essa sala!
-É o seguinte... -ele começa e eu respiro fundo, confesso que estou muito assustada -eu obviamente não gosto de você.
-O sentimento é mutuo, pode acreditar... -retruco. Mas nunca que vou ficar calada. Léo coloca os dois dedos no meio da testa e puxa uma respiração sofrida. Que dramático.
-Senhor, me dê paciência... -resmunga e depois me olha serio novamente -Escuta Clara, está mais do que na cara que não somos muito fãs um do outro, porém somos profissionais e se você quer mesmo levar essa porcaria de aposta adiante, vai ter que se comportar e...
-Eu me comportar? Ah, mas essa é boa! -Me levanto de repente e quase derrubo a mesa de centro no processo.
-Deixa eu terminar de falar garota! Dá pra ficar calada uma maldita vez na sua maldita vida! -Léo também fica de pé, o rosto completamente vermelho de raiva. Acabo soltando uma risada de nervoso e ele fica mais bravo ainda.
-Tudo bem... continua. -Suspiro e volto a me sentar.
-Você tem que prometer que vai se comportar assim como eu prometo que vou fazer o mesmo. E você vai ter que lidar com o fato de que vamos cantar juntos, essa foi a aposta, e Rafa não quer saber de gravar com você, então é pegar ou largar.
-O-okay...eu prometo me comportar e espero que você faça o mesmo. -Ele não responde, apenas balança a cabeça. Como assim o moicano man não quer cantar comigo? Eu hein, o que essa banda acha que é?
Olho bem na cara de Léo e percebo que por mais que ele aparentemente não esteja mais com raiva, as rugas permanecem no seu rosto, como se fossem parte desse seu personagem "cantor bad boy de bandinha de rock paulera".
Ficamos alguns minutos sem dizer nada dentro da sala e o silencio começa a me incomodar tanto que decido acabar logo com essa tortura.
Pego meu caderno de anotações dentro da minha bolsa e começo a escrever as letras que aparecem na minha cabeça. Sempre faço isso quando estou: magoada, feliz, triste, com raiva... é a minha maneira de liberar o meu estresse e ao mesmo tempo de escrever minha música.
-O que está fazendo? -Léo se senta do meu lado e eu pulo de susto. Por um instante, esqueci que havia um embuste aqui dentro comigo.
O garoto tenta bisbilhotar meu caderno, mas eu o fecho rapidamente.
-Escrevendo. -Respondo simplesmente.
-Escrevendo o que?
-Música.
-Ok. -Volta a sentar no seu lugar e eu continuo escrevendo.
Deve passar mais de uma hora quando eu tiro minha vista das folhas amareladas do caderno. Minha mão dói tanto e eu nunca tinha escrito tanta coisa de uma só vez.
Mexo o meu pescoço para liberar a tensão que começou a me incomodar, respiro fundo e solto o ar lentamente. É como um ritual, sempre faço a mesma coisa quando escrevo, como uma forma de me desligar desse sentimento que me atormentava.
-Posso ver o que você escreveu?
-Não. -Guardo o caderno de volta na bolsa. Procuro Léo pela sala e o encontro deitado em um dos sofás enormes com uma guitarra nas mãos. Ele começa a dedilhar uma canção lenta e eu fico hipnotizada com a cena. O garoto é extremamente talentoso, não posso negar, mas isso não muda o fato de que é um idiota.
Ele vira o rosto na minha direção e suas íris marrons acabam me prendendo no lugar. Ele continua tocando sem nem olhar para a guitarra. Essa melodia é desconhecida para mim, nunca tinha a escutado. Fecho os olhos e mais letras começam a surgir na minha mente, mas dessa vez não são palavras que ferem, e sim que curam.
Corro até o lugar onde deixei minha bolsa, tiro o caderno novamente e escrevo tudo. Léo para de tocar de repente, se senta no sofá e me olha curioso.
-Continua tocando essa música. -Peço enquanto passo as palavras para o papel.
-Porque eu deveria? -Provoca.
-Porque estou tendo algumas ideias para a nossa música, e sua melodia está ajudando bastante... de quem é? -Pergunto, a curiosidade me corroendo. Preciso encontrar o autor e dar os parabéns, porque ela é simplesmente linda. Não tem nada a ver com o estilo dos indecentes, muito pelo contrário, é algo mais ameno, quase... romântico.
-É minha. -Ele responde enquanto volta a tocar. Merda! Nem a pau o felicito agora.
-Ah... que bom. -Digo simplesmente e ele solta uma risada rouca.
-Você é um pouquinho orgulhosa, não é mesmo? Não consegue nem dizer que gostou da minha música. -Droga.
-Não sou orgulhosa, só não vou com a tua cara mesmo. -E a carranca está de volta. -Mas tenho que admitir, é bonita. -Solto quase me engasgando. Ele olha para a guitarra e vejo um pequeno sorriso brotar no canto da sua boca. Ah então a dondoca gosta de receber elogios? -Mas não vai se achando não viu, porque não sou muito fã do resto das músicas de vocês. Acho muito.... Escandalosa.
-Escandalosa? -Ele ri mas continua tocando.
-Sim... vocês gritam demais, pulam demais e.... vestem preto demais.
Outra risada, mas essa é bem sarcástica.
-Agora vai querer mandar até na nossa roupa? Prefiro gritar e pular do que cantar essas músicas cheias de "eu te odeio, mas te quero de volta", "você me magoou mas te perdoo porque sou uma menininha" ou "porque você é tão mau comigo, huh?" -Debocha e até faz um biquinho na última frase.
-Ei, minhas músicas não são assim! Você por acaso escutou alguma delas? -Pergunto irritada, a inspiração foi totalmente embora.
-Não! Mas não preciso escutar para saber que você é péssima no que faz. -Grita e aí meus queridos, vou à loucura.
Quando percebo estou pulando em cima do garoto e gritando que quem é horrível no que faz é ele, que fica pulando igual uma minhoca em areia quente. Digo um monte de palavrões na sua cara assustada enquanto ele tenta decidir entre me segurar ou segurar a guitarra que está prestes a cair. Dou tapas no seu peito (surpreendentemente musculoso) e ele começa a rir. Ele começa a rir!
-Qual é a graça, idiota? -Pergunto ainda mais irritada.
-Você! -Responde enquanto coloca a guitarra no chão sem nenhum cuidado. -Não está nem doendo! Na verdade, estou sentindo cosquinhas, sabia? -Agora ele está gargalhando ou fingindo porque dá para ver de longe que não é uma risada sincera. Ainda bem que ele canta porque se fosse ator ia ser péssimo. Dou um tapa bem forte no seu peito e agora ele fica sério. -Ai, garota, essa doeu! Sai de cima de mim sua doida!
-Era para doer mesmo! Só saio quando você pedir desculpas por ter me insultado! -Continuo batendo nele.
-Ah então pode se preparar para ficar um bom tempo aqui, porque isso não vai acontecer, além do mais, desde quando dizer a verdade é um insulto?
-Ahhhh não, agora você vai ver! -Apelo para outra tática. Se os tapas não funcionam, uso uma técnica de tortura muito antiga: começo a fazer cosquinhas nele. -Pede desculpas! -Ordeno enquanto ele ri tanto que chega a derramar lagrimas.
-Jamais! -Desafia e eu continuo o atacando.
-Pede desculpas ou juro que vou te continuar até que você molhe sua calça! -Ameaço e ele fica serio por alguns minutos. Ué?
-Tudo bem, tudo bem... des... rum... desculpa. -Solta de repente.
-Desculpa o que?
-Desculpa ter te insultado. Pronto agora sai logo de cima de mim por favor? -Roga com os olhos arregalados. O que deu nesse garoto agora?
-Tudo bem, eu vou sair, mas você não se atreva a me insultar novamente ou farei algo muito pior do que umas simples cosquinhas. -Digo bem na frente do seu rosto. Sua cabeça se mexe para cima e para baixo e sua respiração de repente começa a acelerar. Tento entender o porquê dessa mudança, quando me dou conta da posição em que me encontro. Estou quase deitada em cima dele, meu corpo muito bem posicionado. Se alguém entrasse nesse momento na sala, diria que estamos... fazendo coisas que não devemos.
Saio de cima dele em um pulo, pego a minha bolsa e saio praticamente correndo da sala deixando o garoto completamente sozinho lá dentro.
Encontro o resto da banda no hall de entrada da gravadora e me despeço deles com um até logo. Não consigo olhar na cara de nenhum deles, estou totalmente envergonhada. O que será que eles pensam que estávamos fazendo lá dentro esse tempo todo?
Balanço a cabeça e entro no carro como um furacão. Acabo acordando a Josué na base do susto. Ele me olha com uma expressão horrorizada e depois de acalmar o segurança e dizer que eu estou bem, peço para que me leve o mais rápido possível para casa. Durante todo o caminho, penso na cena de mais cedo.
Merda, como eu fui parar naquela posição? E porque gostei dessa sensação? Argh! Tinha que ser o Léo? Não podia estar aos pegas com outra pessoa não? Espera! Eu NÃO estava aos pegas com Léo! Estava batendo nele ou fazendo cosquinhas o que seja!
Quando finalmente chego em casa, agradeço e desço do carro como quem viu uma assombração. Corro direto para o meu quarto e nem lembro de ir ver como mamãe está. Deito na cama e por alguma razão, lágrimas começam a sair como enxurrada pelos meus olhos. Elas descem silenciosas até morrer no meu queixo. Uma melancolia toma conta de mim e me sento de costas para a parede, abraço os joelhos e dirijo o meu olhar vazio para o nada.
Depois de alguns minutos, mamãe entra no quarto com cara de quem acabou de acordar e ao ver minha situação, senta do meu lado e começa a passar as mãos nos meus cabelos castanhos.
-O que aconteceu meu amor? Está tudo bem? -Pergunta preocupada.
-Sim, estou bem... aconteceram algumas coisas hoje, nada de mais, acho que estou muito esgotada. -Minto, porque nem eu sei o que está acontecendo!
-Meu bem, se estiver acontecendo algo, você promete me contar?
-Sim mãe, eu prometo, é só que... eu não sei. Não sei porque estou assim... eu...
Sou interrompida pelo barulho do meu celular. É uma notificação de mensagem nova. Pego o aparelho e fecho a cara quando leio o texto na tela brilhosa.
"Chegou bem? "
-Ah, mas é muito cara de pau mesmo. -Solto sem querer e mamãe me olha curiosa.
-Quem é? -Pergunta.
-Uh... ninguém importante. Mãe eu não quero te enxotar do meu quarto, mas estou muito cansada e queria dormir... -peço e ela se levanta rapidamente.
-Ah, sim, sim, desculpa filha, durma bem e não se esqueça que te amo, Okay?
-Jamais! -Dou um beijo na sua bochecha e ela devolve o ato de carinho em mim antes de sair pela porta.
Pego o celular novamente e escrevo várias coisas, mas no final acabo apagando a mensagem. Queria dizer algo tipo "o que te importa? " ou "quem é você mesmo?", mas no final das contas acabo mandando um emoji de joinha. Eu sou uma covarde mesmo.
Não recebo nenhuma outra mensagem então desligo o celular e tento dormir.
Rolo na cama sem conseguir realmente conciliar o sono. Penso em tantas coisas que me sinto com energia para correr uma maratona. Depois de me dar por vencida, me levanto e me sento na escrivaninha, preciso fazer alguma coisa.
Olha as horas no despertador e já passam das três da manhã. Droga, queria ligar para Pri e contar o que aconteceu hoje. Acabo navegando na internet, vendo páginas de besteiras e vídeos de gatinhos fofinhos no youtube, até que meu telefone vibra nas minhas mãos, outra mensagem acaba de chegar.
"você quebrou a minha guitarra." -mas esse garoto é bem doido, só pode.
"não quebrei não." -respondo.
"quebrou sim! Tem uma parte faltando, ela deve ter caído quando você subiu em cima de mim igual uma louca." -Ah, mas isso é o cúmulo da sem noçãozisse.
"que eu saiba, quem tem culpa de tudo isso é você, bem feito por ter dito essas coisas tão feias pra mim, é até bom que você aprende que comigo o buraco é mais embaixo!" -quase soco o celular para digitar a frase e o som da minha respiração pesada chega a dar eco no quarto.
"eu não estou nem aí, você vai ter que pagar o concerto, e se prepara porque é uma guitarra bem cara."
"vai sonhando, querido! (e não se acha não porque o querido foi bem sarcástico)"
"você que sabe gata, mas que fique bem claro que alguém vai ter que pagar" -aaaargh!
"gata é a sua vovozinha!" -digito furiosa e ele me manda uma mensagem com uma foto de uma mulher idosa e muito bonita por sinal.
"era gata mesmo, foi até miss."
"babaca! Me deixa em paz!"
"hummmm acho que não."
"vai dormir!"
"vai você! Você não manda em mim, garota!"
"porque estou te respondendo afinal de contas hein?" -pergunto irritada, e depois percebo que não faço o menor sentido. Deve ser o sono que resolveu aparecer de repente.
"porque você não resiste à mim."
"hahahaha estou ligando para o hospital, claramente você caiu e bateu a cabeça, coitadinho."
"pelo menos eu não sou doido igual você."
"quer saber, eu vou é dormir, que ganho muito mais! Espero que tenha muitos pesadelos!"
"você já me disse isso, não tem criatividade não?" -provoca e eu fico ainda mais furiosa.
"na verdade tenho muita, só não quero desperdiçar com um idiota igual você! Que durma muito mal, adeus!"
Desligo o meu celular e deito na minha cama ainda soltando fogo de raiva. Inexplicavelmente, consigo dormir alguns minutos depois.
Começo a ter o mesmo sonho com o gato do Chris, porém quando chega na parte que ele sai da água, é o rosto e o corpo de Léo que caminha com prepotência até ficar bem diante de mim, e ao contrário do outro sonho, ele nem sequer chega a fazer a declaração, já vai tascando um beijo de tirar o folego e me deixar totalmente desnorteada.
-Não! Não! Não! Não! Você não vai me azucrinar até nos meus sonhos Léo Moura!
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