Capítulo 14

Acordo com o corpo pesado como se tivesse bebido todas e agora estou de ressaca. Não dormi quase nada a noite toda e meu corpo está sentido o resultado. Depois que tive esse sonho maluco, fiquei mexendo no celular até tarde e quando percebi faltavam poucas horas para amanhecer. Mas o bom de tudo isso é que tive uma ideia para a música.

Me levanto a duras penas, tomo um banho quente e desço para a cozinha preparar o café da manhã. Como mamãe fez compras, temos uma variedade de coisas para preparar.

Opto por ovos mexidos, café com leite e pão com manteiga e algumas frutas. Coloco tudo em uma bandeja e subo devagar até o quarto de mamãe.

Abro a porta lentamente com certa dificuldade e percebo que ela ainda está dormindo.

Coloco a bandeja no criado mudo e sento na cama bem ao seu lado.

Dou um beijo na sua bochecha e ela abre um olho e ao me ver dá um sorriso.

-Acordou cedo hoje filha... -Diz com sua voz rouca ainda de sono.

-Na verdade eu quase nem dormi... -mamãe franze a testa e eu solto um suspiro. -Fiz o café da manhã pra gente. -Espero que ela se sente e coloco a bandeja entre nós, com duas xicaras com café com leite, um prato com frutas e dois pratinhos com omelete e o pão. -Eu queria pedir desculpas por ontem... e mais tarde vou me desculpar com Josué também. -Fiquei muito arrependida por tê-los tratado assim, eles só se preocupam por mim, agi como uma completa imatura.

-Tudo bem meu anjo, nós entendemos... -Morde um pedaço do pão e me olha com um sorrisinho torto na boca.

-Entendem o que mesmo? -Pergunto confusa, eu conheço esse seu olhar e sei o que significa.

-Que você ainda está ferida pelo que aconteceu com Marcelo, por isso não quer admitir que gosta do Léo. -Quase cuspo todo o leite que havia bebido na cama.

-O quê? Claro que nã...-ela levanta uma sobrancelha antes mesmo de eu conseguir terminar de falar. Respiro fundo e solto um suspiro. -Bom... não é que eu odeie..., mas eu também não gosto dele, é só que quando estou perto dele eu... eu me sinto diferente, como se...

-Como se você pudesse ser você mesma, como se ele te entendesse perfeitamente? -A frase me pega totalmente de surpresa.

-Como a senhora sabe disso? -Pergunto espantada e mamãe solta uma risada daquelas bem espontâneas e bebe mais um pouco do café com leite antes de passar a mão no meu rosto.

-Porque eu sinto o mesmo quando estou com Josué, meu bem. -Agora sim eu estou chocada e acho que ela percebe o espanto no meu olhar porque olha pra mim divertida. -O quê? Não posso me apaixonar é? -Zomba e eu balanço a cabeça imediatamente.

-Claro que pode mãe! Na verdade, eu estou muito feliz por vocês sério, mas não acho que eu sinta o mesmo por Léo, eu quase não suporto ficar perto dele...

-Ah Clarinha, isso é porque ele não é como as outras pessoas que você conhece que fazem de tudo para te agradar, ele te contraria e isso te deixa agitada, além do mais, você ainda deve guardar algum rancor dele... isso não é saudável meu bem, você deveria se abrir a ele e perguntar porque ele fez o que fez, quem sabe se surpreenda com a resposta. -Concordo com a cabeça igual aqueles cachorrinhos de enfeite, mamãe tem algo de razão, mas eu não sei em qual parte. Provavelmente eu guarde rancor dele mesmo.

-Algum dia mãe, algum dia... -Divago e como se não houvesse um amanhã. Ela apenas ri e nega com a cabeça como se soubesse de alguma coisa que eu não sei.

Terminamos de comer em silencio e quando ambas estamos satisfeitas, levo a bandeja até a cozinha e lavo tudo e guardo no seu devido lugar. Volto para o meu quarto e me troco para sair. Me despeço de mamãe prometendo que vou voltar para o almoço e ela responde dizendo que vai fazer algo bem gostoso pra nós.

Quando chego na porta, Josué está parado me olhando com cara de poucos amigos. Merda.

-Bom dia... -Digo meio tímida.

-Bom dia Clara. -Ele responde sério. Josué quase nunca me chama de Clara...

-Hoje vamos primeiro na casa do Beto tudo bem? Ele praticamente implorou para voltar a trabalhar, vamos dar uma carona pra ele. -Falo e falo enquanto coloco o cinto de segurança, estou super nervosa.

-Ok. -Responde simplesmente e dá partida no motor, nos colocando na rota da casa do meu representante.

O caminho todo é feito em um silencio desesperador até que eu já não aguento mais.

-Josué, me desculpa. -Massageio a minha cabeça enquanto tento encontrar as palavras certas. Ele apenas levanta os ombros emburrado. Agora quem está sendo imaturo? -Olha, eu já falei com a mamãe, não deveria ter gritado com vocês daquele jeito...

-Você pode gritar o tanto que quiser comigo Clara, porém o que me chateou foi ter gritado com a sua mãe. -Seu rosto ficou só um pouco feliz ao falar nela, caramba ele ama mesmo minha mãe.

-Eu sei, e eu não sou de fazer essas coisas, e prometo que isso não voltará a acontecer com ela, nem com você. Você sabe que a minha relação com você é muito mais do que patrão e empregado, não sabe? Eu gosto muito de você e não sabe o quanto estou feliz de que você seja a pessoa que conquistou o coração de mamãe... -Solto sem querer e ele freia de repente. Quase bato a cabeça no banco da frente e olho assustada para ele. -O que aconteceu? -Olho para todos os lados imaginando o que possa ter ocorrido.

-Ela disse isso? -Josué me olha com os olhos arregalados. Ahhhh... entendi.

-Droga. Ela disse algo parecido, mas suponho que não deveria estar te contando... merda... -resmungo a última parte, mas ele escutou tudinho.

Josué me surpreende ao abrir o maior sorriso que já vi na sua cara. Os dentes branquinhos faltam brilhar de felicidade.

-Tudo bem Clarinha, está desculpada. -Dá um tapinha na minha cabeça e volta a dirigir como se nada tivesse acontecido me deixando totalmente confusa.

Depois de alguns minutos, chegamos na casa de Beto e ele já está na porta esperando ao lado da sua noiva. Os dois caminham até chegar perto do carro e Beto se despede da moça com um beijo digno de cinema até que Josué coça a garganta e eles se soltam. Beto fica vermelho e entra no carro rápido enquanto eu cumprimento e me despeço da Marcela ao mesmo tempo. Sorrio cumplice e ela me olha envergonhada me fazendo sorrir ainda mais. Os dois formam um casal bonito de se ver. Ela é loira de olhos claros e ele moreno. Pelo que Beto me contou, no começo muita gente olhava para eles com receio e até já disseram que ele era muito feio para ela, mas eles superaram todo esse preconceito e estão mais do que felizes. Deram literalmente um tapa na cara da sociedade. Isso não deveria ser algo com que as pessoas se surpreendessem, mas infelizmente ainda existe muito preconceito nesse mundo.

-Como anda essa vida de casado? -Zombo e Beto me olha engraçado.

-Não sei se você sabe, mas ainda não casei Clara. -Diz sério mas sei que ele está fingindo.

-Jura? Porque aquele beijo parecia de um casal em lua de mel... -Provoco e ele fica envergonhado novamente. Josué solta uma risada de porquinho e em segundos todos estamos rindo à gargalhadas daquelas de arrancar lágrimas, e nesse momento eu sei que escolhi as melhores pessoas para trabalhar comigo.

Quando chegamos na minha gravadora, cada um vai para o seu lado e começa a trabalhar. Beto coloca em dia tudo de maneira eficiente e eu ligo para as pessoas que tinha que ligar e vejo minha agenda de shows e eventos. Merda, daqui dois dias tenho outra entrevista com a Rita, é nessas horas que eu gostaria de ter uma irmã gêmea, ou uma dublê igual nos filmes. Confirmo a data e mando um e-mail para a produção explicando o de sempre. Há muitas coisas relativas à minha carreira que eu prefiro fazer, não gosto de ninguém tendo acesso à minhas contas pessoais, ou tendo poder sobre minhas decisões.

Nem um minuto depois, o meu e-mail apita avisando que chegou uma mensagem nova. É uma resposta da produtora.

"Querida Clara, recebemos o seu e-mail, ficamos muito felizes pela confirmação e como você já sabe como funciona tudo, não vamos mais te incomodar, estou mandando um anexo com horários e algumas sugestões.

Ah, já ia esquecendo, o Léo também participará do programa, estou te avisando para não te pegar de surpresa como da outra vez.

XoXo Susan P."

O texto reflete bem a sua personalidade "curta e direta" e apesar de sentir um frio na barriga ao saber que ele estará lá comigo, estranhamente não me sinto com raiva. É como se já tivesse me acostumado à sua presença.

Coloco o meu telefone na mesa e vou até o frigobar pegar uma garrafinha de água. Quando estou voltando, o aparelho apita novamente. O levanto pensando que é algum outro e-mail de Susan, mas sinto o sangue gelar ao ver o conteúdo da mensagem.

-Precisamos descobrir quem é esse idiota! -Exclama Beto enquanto olha pela milésima vez o meu celular. -Porque você não me avisou Clara! -Me olha indignado.

-Eu não queria te incomodar, e Léo ficou comigo até mamãe chegar aquele dia.... além do mais, até agora ele só mandou esse tipo de mensagens. -Aponto para o celular em suas mãos. Hoje chegou outro tipo de mensagem.

"Não adianta você querer escapar, eu vou te encontrar, você é minha Clara, não se esqueça disso. P."

Ele sabe que eu não estou mais na minha outra casa. Pelo menos na casa que estou agora, a segurança é superior. Quem quiser entrar tem que passar por dois portões dos quais um é vigiado por um porteiro que só libera a passagem quando eu autorizo e o segundo só abre com um controle que apenas funciona de dentro da casa e outro que somente eu, mamãe e Josué possuímos, e se abre por exatos vinte segundos.

-Ele assinou a mensagem dessa vez. -Observa Josué. -Vamos procurar pessoas que você conheça que tenham nomes que comecem com essa letra.

-Tudo bem. -Concordo cansada. Estamos a quase duas horas falando disso e meu celular foi simplesmente confiscado por esses dois.

-Vamos ter que contratar outro segurança também Clara, eu te disse desde o começo que um só não era suficiente.

-Eu sei Josué, mas você sabe que eu não gosto disso. -Ele começa a balançar a cabeça e eu continuo. -Porém concordo com você, peça para Maira publicar uma convocatória por favor. Ela já sabe como fazer todo o processo.

O segurança concorda e sai rapidamente da sala. Fico a sós com Beto e ele me olha torto.

-Desembucha. -Digo enquanto deito no sofá e espero sua resposta.

-Então... o Léo hein? -Começa e eu suspiro.

-O que tem o Léo? -Pergunto me fazendo de desentendida. Não quero falar nele agora, estou cansada mentalmente e fisicamente, preciso de um banho relaxante urgente, mas pelo visto Beto não pensa igual a mim.

-Vocês estão... já sabe... ficando? -Sua pergunta sai baixinha e eu quase dou risada. Em que século esse homem vive?

-Não Beto, não estamos ficando. -Dou risada e ele senta bem na minha frente.

-Olha Clara, eu te considero uma irmã para mim e não vejo nenhum problema em você sair com ele, mas quero deixar bem claro, que se esse garoto machucar você ele vai se ver comigo e não me interessa quem diabos ele seja. -Seus olhos me fitam sérios e eu sinto uma vontade imensa de chorar. Toda a minha vida, sempre fomos eu, mamãe e depois Priscila, porém eu nunca tive uma figura masculina que me protegesse dos perigos, papai nos abandonou e eu não tenho nenhum irmão, então esse ato para qualquer pessoa pode parecer algo que não vale a pena se emocionar, mas para mim é muito mais. É um sinal de que ele se preocupa por mim, de que me considera da sua família.

-Obrigada Beto, de verdade. Pode ter certeza que se algum dia alguém me machucar, vou ser a primeira em te dizer. -Dou um abraço apertado no meu amigo e ele o devolve me envolvendo com seus braços enormes.

-Tudo bem, tudo bem, o momento emoção passou, temos que voltar a trabalhar. -Me solta e limpo uma lagrima que insistiu em escapar. -Aqui, pega. -Me passa o meu celular e como se o cidadão soubesse que o aparelho está nas minhas mãos, uma mensagem pisca na tela.

"Quer ir jantar comigo hoje? Sabe para adiantar as letras da música e tal... "

Quando leio a mensagem, minha boca se abre em um sorriso, como se não fosse possível ficar séria.

-Quem é? -Beto pergunta curioso enquanto tenta ver o meu celular.

-Ninguém seu enxerido! -Bloqueio o celular e caminho até a minha mesa para ligar o computador.

-É o Léo né? -Debocha e cai na risada.

-E se for? -Não resisto e entro na sua brincadeira.

-Alguém está caidinha pelo roqueirinho... -Zomba e eu jogo uma caneta que o acerta em cheio.

-Eu? Caidinha? Jamais! -Entro em algumas páginas aleatórias para escapar da ronda de perguntas, mas ele para bem atrás de mim e continua me provocando.

-Clara, deixa de ser orgulhosa e admite de uma vez, o que é que tem?

-Beto, eu não... quer saber deixa pra lá, preciso trabalhar se me der licença. -Desconverso e ele me abraça e dá um beijo estalado na minha bochecha.

-Tudo bem, vou te deixar em paz, mas eu sei o que esse sorrisinho aí significa. -Corre até a porta conseguindo escapar do ataque de canetas e lápis.

Ainda dando risada, pego o celular para responder à sua mensagem.

Quando abro o seu contato, digito várias vezes, mas não consigo enviar. Não sei o que escrever. As vezes parece forçado demais, outras vezes seco demais, outras vezes demais demais...

Estou em um impasse e quase desistindo de responder quando o aparelho começa a vibrar nas minhas mãos me dando o maior susto.

O nome Satã aparece na tela e novamente um sorriso escapa e emoldura o meu rosto.

-Alô, quem fala? -Atendo tranquilamente como se não estivesse quase surtando para responder ao garoto a minutos atrás.

-Deixa de bobeira Clara, e aí, quer ir ou não? -Responde ríspido, eu já até estou acostumando com esse seu jeito de ser. Como se fizesse parte da sua personalidade de roqueiro.

-Hum.... Não sei. Tenho muitas coisas que fazer ainda, não sei a que hora irei terminar tudo aqui...

-Acha que até as oito esteja livre? Posso te pegar aí na sua gravadora, quero te mostrar uma coisa. -Droga fiquei curiosa agora!

-Vou ver como as coisas se resolvem até de tarde e te aviso, Okay? -Desenho padrões incoerentes em uma folha branca enquanto espero a sua resposta. Ele fala com alguém, e depois solta um suspiro pesado.

-Tudo bem, mas me avisa com tempo, tenho que ir, até mais. -Uma voz feminina o chama do outro lado da linha e ele desliga o telefone sem nem esperar que eu me despeça. Estranho.

Coloco o telefone em cima da mesa e apoio a cabeça nos meus braços. Todas as vezes que eu estou com Léo, ou converso com ele, uma pessoa liga e ele ou desliga o telefone na minha cara ou vai embora imediatamente. Sem contar o dia do stalker, quando liguei para ele, sua voz parecia agitada como se estivesse correndo uma maratona ou....melhor eu parar de pensar nessas coisas, ele sequer é meu namorado para eu ter ciúmes.

Espera! Eu não estou com ciúmes de Léo, não mesmo!

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