𝒊. » CRIMES BEGIN

𝟬𝟬𝟭  ⠀ ⠀  ⠀ ⠀  ⠀ CRIMES COMEÇAM

5 ANOS DEPOIS
BLUDHAVEN, NEW JERSEY


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" As memórias nem sempre se
suavizam com o tempo; algumas
apresentam pontas como facas. "
BARBARA KINGSOLVER
 

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O PRIMEIRO CRIME ocorre em um hotel na avenida Woolrich, a duas horas do posto de polícia mais próximo e no estacionamento, onde o corpo foi encontrado a céu aberto em plena segunda-feira.

É mais uma manhã típica. O tempo em Bludhaven está ameno, sem nuvens escuras, porém o sol está encoberto. Jocelynn ajeita os óculos escuros no rosto, enquanto avança pela rua até o lado oposto. Suas botas ecoam um som metálico na calçada molhada pela chuva da noite anterior. A atmosfera tranquila da manhã contrasta violentamente com a cena do crime, e a movimentação ao redor deixa esse fator em evidência.

À medida que se aproxima do estacionamento, a fita de isolamento balança suavemente ao vento, delimitando a área onde o corpo foi encontrado. Policiais já estão no local, tirando fotos e colhendo evidências. Jocelynn respira fundo, preparando-se para a tarefa que tem pela frente. Alguns curiosos se juntaram atrás da faixa amarela, a mesma faixa que Kennedy ergue para poder passar, e os ouve comentando sobre o crime e tirando várias fotos que estariam nas redes sociais mais tarde.

Joss as veria assim que chegasse em casa e adentrasse em suas redes, observando seu rosto em algumas delas e os dos policiais que a recebem. Ela cruza a fita, mostrando seu distintivo para eles. O cheiro de asfalto úmido se mistura com algo mais pungente, algo que ela já conhece bem demais.

Há quatro deles, porém dois se mantêm próximos à faixa, garantindo que ninguém a ultrapasse e interfira na análise do crime, enquanto um é o fotógrafo de cenas de crime e outro a recebe. O policial que a acompanha é um homem de pele escura, na casa dos 40 e alguns centímetros mais alto que Joss. Em sua farda, o sobrenome Locke se destaca, porém Joss o reconhece de rondas antigas. Locke não era do mesmo departamento que ela, mas os dois haviam se esbarrado algumas vezes no passado.

Os dois se cumprimentam de forma amigável e Joss o segue quando Locke começa a falar sobre o crime com um tom neutro, sendo direto ao apresentar todas as informações que eles têm até o presente momento.

— Eu estava fazendo uma ronda por perto quando recebi um chamado no rádio — explicou o oficial, ajustando o cinto ao redor de sua cintura enquanto caminhava em direção à cena do crime. Sua voz carregava uma mistura de urgência e profissionalismo. — A dona do estabelecimento, Jane Fletcher, encontrou o corpo assim que chegou pela manhã para trocar de lugar com o filho no atendimento.

— Ela disse que horas chegou? — Joss perguntou, bebericando o café expresso que há em seu copo. Ambos se aproximam do cadáver, observando o homem deitado em uma das vagas.

Ambos se aproximaram do cadáver, que jazia imóvel em uma das vagas do estacionamento. O homem estava de bruços, com o rosto pressionado contra o chão de cimento frio. Uma linha branca, traçada meticulosamente, delineava o contorno do corpo. Jocelynn se abaixou um pouco mais, tentando obter uma visão melhor. As sombras dançavam nas bordas da linha branca, criando um contraste inquietante com a palidez da pele do morto.

Embora a posição não permitisse uma visão clara do rosto, algumas coisas eram inconfundíveis. Linhas escuras, talvez sangue seco ou sujeira, marcavam a bochecha do homem, desaparecendo sob a barba mal cuidada. O cheiro metálico do sangue misturado com o odor de óleo e borracha queimada pairava no ar, um lembrete constante da violência recente.

Jocelynn analisou cada detalhe, buscando pistas que pudessem elucidar o mistério. O cansaço refletido nas olheiras de Joss não diminuía a intensidade com que ela estudava a cena, buscando encontrar mais detalhes que pudessem ter deixado passar.

— Disse que era perto das 8 horas — respondeu Locke. — Jane disse que pensou que era mais um bêbado que dormiu onde não devia, por isso desceu do veículo e tentou acordá-lo. Foi quando ela percebeu que ele não estava dormindo, mas sim morto.

— E mais ninguém percebeu o corpo aqui? Algum cliente, o filho dela...

— Jane disse que recebeu apenas dois clientes na noite passada, e ambos foram embora antes do corpo aparecer, possivelmente — disse ele, mantendo os polegares enganchados no cinto. — Estamos tentando entrar em contato com os dois, mas Logan, o filho de Jane, nos mostrou as câmeras de segurança e o corpo não estava aqui até as 8 horas da manhã.

— Certo, e as filmagens depois disso? — ela perguntou, cruzando os braços e semicerrando os olhos por trás dos óculos escuros. Em sua mente, Joss julga ter a resposta óbvia para esse questionamento.

— As câmeras pararam de funcionar depois das 7:15 e voltaram às 8:10 — respondeu Locke, desgostoso com a informação tanto quanto Joss. — Quem cometeu o crime sabia exatamente o que estava fazendo.

— Eu imaginei que você diria isso — murmurou Kennedy. — Logan Fletcher. Ele poderia ter desligado as câmeras de segurança durante esse horário.

— Há câmeras de segurança na recepção e elas filmaram Logan durante esse horário. Ele não saiu a noite toda, apenas quando a mãe chegou — informou o policial, observando Jocelynn rodear o corpo como um falcão, analisando a vítima.

— Não há marcas de sangue ou de luta — Jocelynn comenta. — A roupa dele está limpa, suas unhas não estão lascadas... Pode ter sido uma tentativa de roubo, mas não podemos ter certeza até que a causa da morte seja identificada.

— Essa é a morte mais estranha que já vi em todos os meus 25 anos de carreira policial — Locke riu em tom de desdém e balançou a cabeça de um lado ao outro.

Jocelynn descartou o copo de café vazio na lixeira próxima, o som ecoando brevemente no ar frio da manhã. Ela voltou sua atenção para o cadáver, agora com a mente mais alerta. Ao seu lado, o oficial Locke mantinha uma distância cautelosa, garantindo que Kennedy tivesse espaço suficiente para trabalhar.

O homem no chão tinha cabelos loiros escuros que contrastavam com a barba rala e irregular ao redor de seu rosto. Seus olhos azuis estavam arregalados, congelados em um último olhar de terror ou surpresa. Jocelynn se agachou, suas luvas brancas cobrindo suas mãos enquanto ela examinava o cadáver mais de perto. Ele vestia um casaco jeans escuro e calças claras, complementados por um par de tênis preto e branco que agora estavam sujos de poeira e sangue.

Ao tocar no corpo, Joss sentiu um estremecimento involuntário.

— Estranho, não é? — indagou Locke, sua voz baixa e grave. — O corpo está totalmente petrificado. Ele não tem carteira, nem identidade ou telefone. Foi deixado aqui apenas com a roupa do corpo. E essas manchas escuras ao redor do rosto... Não sei se vamos conseguir reconhecê-lo assim. Não fazemos a mínima ideia de quem ele seja.

Ela comprimiu os lábios, sua mente trabalhou rapidamente. Ela sabia que, apesar da falta de documentos, não seria difícil identificar aquele rapaz. Quando ergueu a cabeça dele o suficiente para ver os dois lados do rosto e as manchas escuras que subiam desde o pescoço até a bochecha, a sensação de familiaridade se tornou clara.

Aquelas manchas escuras, a linha do maxilar, o formato dos olhos... Mais velho, mas ainda era ele. A revelação pulsava no fundo de sua mente, uma certeza que não podia ser ignorada. O reconhecimento a atingiu com força, trazendo à tona uma série de memórias e associações que tornavam a cena ainda mais perturbadora.

Jocelynn nota, no fundo de sua mente, que sabe quem é aquele homem.

Bludhaven sempre foi uma cidade que vivia em um equilíbrio corrupto de negócios desleais e políticas ilegais. Diferente das cidades ao redor, ela não tinha vilões lunáticos a cada esquina ou heróis salvadores da pátria. Bludhaven era simples, mas ainda assim não era 100% segura. Era um lugar bom o suficiente para se viver se você não tinha pretensões de crescer muito na vida.

Quando Joss se mudou de Manhattan para Bludhaven foi com um único intuito e, depois que ele se dissolveu, ela continuou por mero capricho. Por mais que não parecesse, aquela cidade estava necessitada de heróis ou de pelo menos um recomeço, para não ser apenas mais um pontinho aleatório no meio do mapa, que era sempre apagado por sua cidade vizinha mais próxima: Gotham.

Os olhos de todos sempre estavam em Gotham, nunca em Bludhaven. Por isso foi tão fácil para criminosos como Oswald Cobblepot, o Pinguim, se estabelecerem durante uma época. Bludhaven tinha um porto que favorecia a chegada de mercadorias e, por ser próxima de Gotham, os privilegiava com a possibilidade de criar novos esconderijos. Pouco a pouco a cidade afundava cada vez mais em uma rede de crimes que agia no escuro, desestruturando o jogo de poder até então estabelecido.

Entretanto, mesmo com a atenção sempre voltada para Gotham, a crescente onda de crimes em Bludhaven não passava despercebida por todos. Havia aqueles que viam no caos uma oportunidade de trazer ordem, um desejo de mudança que começou a crescer ou uma oportunidade para fazer algo a mais. Assim, nasceram Os Extraordinários.

Eles foram, durante os últimos 10 anos, os super-heróis dominantes de Bludhaven. Ao todo, 7 heróis que garantiam a segurança dos cidadãos da cidade e que ganharam uma fama duradoura. E mesmo nos tempos atuais, depois que o grupo havia oficialmente se desfeito, ainda se poderiam encontrar resquícios de seu legado pelas ruas de Bludhaven. Pôsteres, outdoors, lojas que vendiam brinquedos oficiais... Jocelynn os via por todo o lugar que passava.

Desde a avenida Woolrich até a Green Line, onde percorria todo dia com seu carro para tomar um café no Bludhaven Drive antes do trabalho. Eles sempre estavam lá, mesmo não existindo mais, mesmo não sendo mais parte da sua vida, Os Extraordinários eram como seu reflexo, uma imagem bruxuleante do passado do qual Joss vivia tentando se desvincular.

Mas o que os EO's haviam começado não se extinguiu totalmente dentro de si quando o grupo se dissolveu e cada um seguiu um caminho diferente. O distintivo que usava orgulhosamente preso ao seu cinto demarcava que Joss encontrou uma nova forma para fazer a diferença e, por um certo tempo, apenas isso bastava.

A mesa de madeira maciça que Joss chama de local de trabalho em muito se compara com sua cabeça hoje em dia. Alguns poderiam considerar o lugar bagunçado quando olhavam por cima, desordenado e acumulado demais, porém Joss não via por esse lado. Ela tinha uma forma de organização própria que apenas fazia sentido dentro de sua mente e, o mais importante, sempre sabia onde estava tudo quando mais precisava. Desde as fichas criminais mais recentes até as pastas dos casos mais antigos, tudo, para Joss, estava dentro do seu devido lugar.

Ela apreciava ter seu próprio espaço. Três anos depois que começou como detetive em Bludhaven, Joss não mais dividia sua mesa com outra pessoa, agora tinha a sua própria, onde poderia arrumar da forma que quisesse sem ultrapassar o espaço pessoal de outro detetive.

Retornando para a delegacia mais tarde naquele dia, Jocelynn se ocupou em sentar-se em frente ao computador e pesquisar dentro do banco de dados da polícia a pessoa que estava procurando. Joss não estava buscando ter certeza, pois ela já tinha certeza de que era ele e raramente estava errada sobre algo. Entretanto, precisava das informações que apenas a ficha policial poderia lhe dar.

Escreveu o nome e sobrenome na aba de pesquisa e deixou que o computador fizesse seu trabalho. Quando a ficha apareceu, os olhos claros de Kennedy passaram por cada informação já conhecida.

NOME COMPLETO: Michael Christian Dunn
IDADE: 30 anos
DATA DE NASCIMENTO: 12/08/1994
GÊNERO: Masculino
NACIONALIDADE: Estadunidense —

Os olhos de Joss não demoraram sobre as informações, mas sim na imagem de Michael na ficha. Os olhos azuis de Mike pareciam mais vivazes, menos horrorizados naquela imagem e isso evocou em Joss algumas lembranças do passado. Ele estava alguns anos mais novo e sem a barba que finalmente havia conseguido deixar crescer nos últimos anos, porém era a mesma pessoa. A mesma pessoa que Jocelynn conheceu 10 anos atrás na Universidade e que hoje encontrou morta no estacionamento de um hotel 3 estrelas esquecido por Deus em Woolrich.

Irônico, Joss poderia dizer, pois essa era uma forma bem medíocre de morrer, ainda mais para uma pessoa como Mike, que sempre correu atrás da grandeza. Ele dizia almejar uma morte honrosa, porém aquela estava longe de ser algo com o qual ele se orgulharia se soubesse que aconteceria.

Utilizando o mouse, Jocelynn desce a página, lendo o restante da ficha criminal de Mike. Em sua ficha constava que Dunn havia sido preso duas vezes: a primeira por brigar com outro homem em um bar aos 18 anos e a segunda quando tinha 20 anos, por ter agredido a ex-namorada, Jessica Laurent. Ela retirou a queixa semanas depois e Mike nunca mais fora fichado novamente desde então, algo que surpreendeu Joss. Ela esperava que as denúncias de assédio houvessem entrado na ficha de Mike, entretanto nenhuma delas se fazia presente. Imaginava que alguém como ele teria influência o suficiente para encobrir relatos como esse quando bem quisesse.

Um gosto amargo se apoderou da boca de Joss, e ela gostaria muito de se ressentir, de estar comovida ou ao menos um pouco abalada pela morte de um velho conhecido, porém Kennedy poderia fingir em muitos aspectos de sua vida, menos nesse. Ela realmente acreditava que as pessoas tinham aquilo que mereciam.

Um assobio retira Jocelynn de seu torpor, fazendo-a olhar na direção do som que veio da sua esquerda.

— Esse cara parece quente — Jonah fala sem retirar os olhos da imagem na tela. Ele apoia as mãos espalmadas sobre a mesa de Jocelynn. — Cafajeste, mas quente. Pode me apresentar a ele?

Os olhos bicolores de Knight voltam para a amiga brilhando e, com aquele sorriso ladino que é característico dele, Joss encontra malícia. Sempre que sorri daquela forma, uma única covinha surge na bochecha direita de Jonah.

Jocelynn conhece Jonah Knight desde que começou a trabalhar na delegacia e a amizade floresceu naturalmente. Os dois começaram juntos, entraram no mesmo mês. Jonah havia acabado de se formar em química quando decidiu se tornar perito criminal. Ele era mais esguio naquela época, mas sempre fora sem filtro.

Filho de uma mulher japonesa e de um homem inglês, Jonah tinha muitas características que relembravam sua mãe, como por exemplo os olhos pequenos e puxados e a cor da pele que em muito se igualava à dela, assim como o cabelo ondulado e escuro. Porém, seu nariz e seu sorriso foram herdados do lado paterno.

Jonah era um homem naturalmente bonito e galanteador quando queria ser, mas Joss nunca o viu com esses olhos. Os dois haviam estabelecido uma parceria e Knight, com todo seu autocuidado e preocupação, sempre estava por perto quando ela necessitava.

— Só se eu comprar um tabuleiro Ouija — Kennedy minimiza a aba ao se voltar para o amigo. — Ele está morto.

— Droga, não estão errados quando dizem que os mais gostosos morrem cedo — Jonah parece decepcionado, mas não dura muito tempo. Knight volta-se para Joss após ligar os pontos. — Espera, foi ele quem encontraram no Evergreen?

Era comum que as notícias corressem rápido pela cidade, principalmente na delegacia. Os policiais sempre comentavam sobre os casos que solucionavam durante o dia, sobre a bizarrices que encontravam pela cidade, e Jonah era o mais interessado sobre todas elas.

Dentro do departamento, ele costuma ser os olhos e ouvidos de Joss. Estava sempre a espreita escutando tudo que os outros detetives tinham para dizer e, quando lhe aparecia uma oportunidade, ele compartilhava com ela o que sabia. Joss nunca reclamava. A curiosidade sem tamanho de seu amigo lhe era benéfica em muitos casos, não teria conseguido aquela promoção se não fosse por ele.

— Sim — Joss assentiu, inclinando sua cadeira para trás e olhando para Jonah. — Jane Fletcher o encontrou e ligou para a polícia assim que constatou que estava morto. Abri a ficha dele para poder contatar familiares.

Não era uma total verdade, Joss sabia que Mike não tinha familiares em Bludhaven e ambos os pais adotivos do rapaz estavam mortos hoje em dia, mas ela não poderia dizer a verdade para Jonah. Mesmo sendo seu amigo, ele não poderia saber que Jocelynn conhecia Michael.

Ela conhecia Knight, ele fazia muitas perguntas, era curioso por natureza e gostava de inteirar-se sobre as coisas. Havia um limite para informações que Joss costumava compartilhar com Jonah.

Entretanto, Joss sabia que havia uma outra pessoa que deveria entrar em contato, não apenas para relatar a morte de Mike, mas também para conseguir mais informações sobre aquela investigação. Alguém que conhecia Dunn melhor do que ela.

— Nossa, isso é terrível — disse Jonah. — Sabe o que matou ele?

— Sim e não. — Jocelynn respondeu, deixando Jonah confuso. Ela soltou um suspiro frustrado. — O corpo ainda está em processo de autópsia, porém não identificamos nenhum ferimento ou marca de sufocamento. Pedi um exame toxicológico para o legista, ele pode ter sido envenenado. Ainda não sabemos.

— Minha avó costumava dizer que você tem que ser uma pessoa muito ruim na vida para ser envenenada — comentou Jonah, sentando-se parcialmente sobre a mesa de Joss.

— Por quê?

— Porque, muitas vezes, envenenar alguém requer paciência e meticulosidade — ele respondeu. — E não há nada mais prazeroso do que ver alguém que você odeia muito agonizar até a morte.

Jocelynn não consegue evitar rir com a seriedade com que Jonah fala.

— Cuidado ou vou acabar considerando você um dos suspeitos, Jonah — ela brinca com um sorriso ladino em seus lábios. Jonah bufa.

— Morte por veneno não faz o meu estilo, prefiro atropelar as pessoas que não gosto.

— Fale mais alto, tenho certeza de que nossa chefe irá adorar escutar você dizendo isso — provocou Joss, vendo Jonah contorcer seu rosto em uma careta.

— A deusa Stell está ocupada demais trazendo gente nova para a delegacia para se importar com o que eu, um mero e simplório mortal, digo — Knight coloca a mão sobre o peito de forma dramática.

Em seu lugar na cadeira, Joss franze o cenho. Ao atrair a atenção de Jocelynn para o assunto, percebendo que a audição dela tornou-se mais aguçada para aquele tópico, Jonah mal contém um sorriso malicioso.

— Gente nova? Stell contratou um detetive novo?

— Sim, não ficou sabendo? — questionou Jonah, surpreso por Joss não saber sobre aquela informação. — Pensei que vocês duas eram besties.

— Não somos. Ela é minha chefe e apenas aprecia a forma como eu trabalho. — Jonah revira os olhos. — Ela diz que somos parecidas em vários aspectos também.

— Eu me sentiria ofendido.

— Você pode parar de ser tão amargo? — indagou Kennedy.

— Perdão, eu não queria ofender sua mãe — Jonah debocha, e Joss lhe mostra o dedo do meio. Ignorando a ação dela, Knight continua a falar. — Focando no que interessa, eu ouvi que esse cara está sendo transferido de San Francisco. Ele deve começar aqui amanhã.

— Então, Stell só deve fazer o anúncio oficial amanhã.

— É o planejado — assentiu Jonah, cantarolando a resposta. — Porém, as más línguas disseram que ele é muito bonito.

— Você nem o viu ainda, Jonah — ela comenta, rindo.

— Estou confiando nas minhas fontes, ok? Elas nunca erraram até agora.

— Beleza é tudo que importa para você, não é?

— Caráter também, algo que falta bastante por aqui. Mas, se ele for um merda, pelo menos a beleza precisa compensar — Jonah coloca-se de pé. — Essa delegacia já tem muitos calvos com cara de pervertidos.

Levando a mão à boca, Joss cobre a risada que lhe escapa. As sobrancelhas de Jonah dançam e o olhar dele demonstra que não se arrepende do que diz. Ele ajeita o crachá da delegacia ao redor do pescoço, o mesmo que está por cima de sua blusa de botões com listras azuis e brancas.

— Realmente me impressiona você estar durando tanto nesse emprego — disse Joss, entre risadas.

— Sou o único que vê esse manicômio com clareza. Infelizmente, as únicas pessoas bonitas e com cérebro nesse lugar somos nós e a Stell — completa Jonah, a luz refletindo em suas orbes, uma azul e a outra castanha. — E mesmo se vocês duas fossem homens, nunca seriam o meu tipo.

— Nossa, obrigada — debochou Kennedy.

— Nada contra você, Joss. Mas você é muito certinha pra mim — Jonah retirou um fiapo do terno cinza que Joss vestia.

— Desculpa se eu não curto suas loucuras, Jonah, mas um de nós dois precisa ser o amigo pé no chão — respondeu Joss, levemente irritada, mas ainda bem-humorada.

— Deixe esse fardo para Margot. Ela já gosta de meditar e fazer yoga mesmo, é um passo até começar a fazer tricô igual uma velha ou falar com as plantas pedindo para que abençoem seu caminho.

Mais uma vez, Joss revira os olhos, mas não consegue conter a risada leve que sai de seus lábios rosados.

— Com o tempo, você vai perceber que não é tão ruim namorar uma pessoa calma.

O rosto de Jonah se contorce em uma careta de desgosto.

— Se for assim, estou melhor sozinho — ele responde. — Assim, posso suprir todos esses papéis essenciais da sua vida e da Margot, até o de namorado babaca que com certeza não te ama — ele sorri, causando em Joss um revirar de olhos enquanto ela o encara tentando manter a seriedade. — O que seria de você sem mim na sua vida, Joss?

— Minha vida seria bem mais pacífica. Eu teria tanta paz e sossego.

— Está vendo? Super entediante. Uma prova concreta de que sou tudo o que você precisa — ele exclama. — Isso me lembra de dizer: não se atrase hoje à noite.

Jonah aponta para ela com o dedo indicador, sua voz soando mandona, o equivalente a um pai instruindo seu filho. Joss não deixa transparecer, mas havia se esquecido de que marcou de encontrar ele e Margot no bar no Distrito Comercial.

— Eu vou tentar, mas não garanto — disse ela, fazendo um muxoxo. — Você sabe que o trânsito de Bludhaven é tão imprevisível quanto a minha vida.

— Não importa. Faça seu carro voar se for preciso, mas apareça. Eu e Margot estamos contando com você — afirmou Jonah. — Se furar com a gente de novo, vou furar os pneus do seu carro.

— Você não ousaria — ela o encara, Jonah semicerra os olhos para ela enquanto se afasta.

— Não me teste, Kennedy. Se eu realmente quisesse, poderia fazer isso — Jonah garante com uma autoridade fingida que não passa despercebida.

E Joss está rindo logo em seguida, balançando a cabeça de um lado ao outro quando é deixada sozinha em sua mesa pouco espaçosa para trabalhar.

Jocelynn havia conhecido muitas pessoas em sua vida, havia feito várias amizades com o passar do tempo, mas poucas eram tão próximas quanto Jonah e Margot, e ela apreciava muito a ligação que havia construído com os dois. Levou alguns anos até conseguir criar laços significativos novamente, depois da Universidade, depois da quebra de sua confiança, era difícil demolir as paredes e permitir que alguém entrasse novamente.

Olhando para a imagem que havia tirado com os dois em um bar durante o aniversário de Maggie no ano passado, Joss sorriu. A memória era doce. Os sorrisos de todos eram largos, Knight usava um chapéu de cowboy azul e as duas tinham óculos em formato de estrela no rosto. Jocelynn se lembrava de beber mais do que poderia aguentar e acordar no sofá de Margot com uma grande ressaca. Foi uma ótima noite.

Jocelynn ajeitou o porta-retratos ao lado do computador, colocando a imagem para a frente ao seu gosto. Depois olhou para o aparelho, onde a tela agora se encontrava em modo de descanso e mostrava o símbolo da delegacia de Bludhaven em um fundo azul. A mente de Joss se recorda de Mike e, consequentemente, do passado e com muito desgosto, ela abre a página da ficha dele novamente.

Um mau pressentimento recaiu sobre ela. Algo que embrulhou seu estômago. A precipitação não era sua aliada, Joss não costumava agir de maneira equivocada, mas algo lhe dizia que deveria tomar cuidado.

Mike estava morto. Definitivamente morto. Sem ressurreição dessa vez. E poderia significar nada. Poderia ser apenas a vida seguindo seu curso. Pessoas morriam o tempo todo, afinal.

Mas também poderia ser o oposto. Poderia significar tudo. Poderia ser o começo de algo muito, muito ruim.

E apenas cabia a Jocelynn descobrir a verdade.

NOTAS FINAISAUTORA :

⦅⠀✦ ⠀: ⠀Calorosas boas-vindas a você, leitor! Estamos oficialmente começando RIGOR MORTIS e eu não poderia estar mais animada. Desde que publiquei essa fanfic na semana passada, estava ansiosa para compartilhar com vocês o capítulo um.

⦅⠀✦ ⠀: ⠀Ele foi, de certa forma, curto, mas acho que abordei o necessário para o início da obra. Também não pretendo postar capítulos muito longos, por enquanto. Talvez, conforme a fanfic vai se aprofundando, as coisas passem a mudar.

⦅⠀✦ ⠀: ⠀Quero ressaltar que os capítulos devem alternar não apenas entre o ponto de vista da Joss, Dick, Victor e Sydney, mas também entre passado e futuro. O prólogo, por exemplo, se passou no passado.

⦅⠀✦ ⠀: ⠀Ainda estamos no começo e algumas coisas podem estar confusas, mas, com o passar do tempo, as peças devem se encaixar. Espero que tenham gostado do capítulo. Não se esqueçam de votar e comentar.

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