Prólogo
Onnofrio caminhava – ou corria, a este ponto não saberia mais dizer ao certo, com toda a energia restante em seu corpo já idoso. Seus ossos doíam e sua coluna rangia conforme seus passos ganhavam mais velocidade.
Precisava chegar à corte do rei Thomas III antes que fosse tarde demais.
Teve um vislumbre dos portões do castelo, então o adentrou.
O castelo se localizava sobre a colina mais alta de Fiori, quase tocando as nuvens, como os leigos costumavam dizer. Nos corredores da enorme construção era possível ter a visão de toda a área que formava a capital do reino de Austral. A cidade era com certeza a mais formosa e desenvolvida de todos os sete reinos, competindo apenas, talvez, com Arenita para o título de maior economia entre as demais.
Passou em frente a alguns guardas que não esboçaram nenhuma emoção ao avistar-lo, como usualmente faziam quando se tratava de membros da corte do rei.
Subiu alguns lances de escadas do enorme castelo, sua coluna parecia a ponto de partir ao meio cada vez que avançava cada degrau.
Eram vários os números de corredores e escadas, o que poderia se tornar uma confusão para gente não habituada ao castelo, porém Onnofrio conhecera o lugar como a palma de sua mão. Fora tanto tempo andando de um lado para o outro por aqueles enormes corredores e escadarias que se habitara ao lugar. Começara a atuar como mão do rei ainda muito jovem, 35 anos para ser exato. Iniciou com o pai do atual rei, Thomas II e então serviu ao seu filho por um bom tempo, até pedir para se retirar de seus afazeres como conselheiro real devido a idade, mas agora já se arrependera do que havia feito.
Se talvez eu ainda estivesse aqui nada disso aconteceria, pensou melancolicamente enquanto apressava os passos para a sala real, onde era localizado o trono do rei. À frente, localizou o enorme salão. Era ornamentado por grandes cortinas douradas com leões estampados, o símbolo real de Fiori. Havia guardas guardando o caminho até o trono, postos um ao lado do outro em sequência.
O rei estava tendo uma prosa com seu conselheiro real, Wolfus. Thomas interrompe a conversa e o fita com surpresa em seu olhos, certamente não esperava ver Onnofrio ali nunca mais.
— Onnofrio, meu velho amigo, que prazer recebe-lo — o rei o felicitou em tom real. — Mas a que devo a sua presença? Algum assunto real?
— Majestade. — Reverenciou-se perante a ele. — Preciso ter uma conversa em particular com vossa majestade, é de extrema importância.
O rei o analisou com seus olhos dourados de mesmo tom que a sua coroa posta sobre seus longos cabelos loiros. Tentava supor que assunto poderia ser assim tão urgente para fazer Onnofrio falar com ele pessoalmente.
— O que tenha para falar diga em frente a mim e aos meus homens, não existe assunto algum que necessite ser oculto dos presentes nesse salão — disse.
E é por esta confiança exagerada que você não acabou percebendo o que estava debaixo do seu nariz, tomou o impulso para o falar mas apenas guardou para si mesmo.
— Vossa Majestade, tenho uma acusação para fazer — disse sem rodeios.
— Ora, que acusação seria esta? — O rei agora estava inquieto no trono, demonstrando sua insegurança com assuntos que não possuía o menor conhecimento. — Anda, desembucha.
Onnofrio tosse, tomando coragem para o que estava prestes a discursar.
— Estão planejando trair vossa majestade, e o articulador de tudo é alguém que está mais próximo do que você imagina — botou tudo para fora.
O rei acariciou suas barbas com a mão, pensativo.
— E quem poderia estar tramando contra mim? — indagou Thomas incrédulo.
Onnofrio olhou para o homem, posicionado logo ao lado do rei esboçando uma expressão indiferente, como se nada ali dito tivesse o seu menor interesse. Trajava camadas de vestes reais, certamente tentando esconder aquilo que o denunciaria. Seu corpo tinha mais pelos que qualquer humano que Onnofrio já vira em seus 78 anos de vida, que se espalhavam pelas partes de seu braço expostas e sua face, disfarçados como uma barba luxuosa. Tinha certeza que havia muito mais por debaixo daquelas roupas.
— Ele, vossa majestade! — Então apontou para o homem que voltou sua atenção para Onnofrio, como se fosse desperto de um transe. Ele franziu o cenho. — Wolfus é um licantropo e conspira por suas costas tomar o poder.
— Eu? — Sua voz não emanava nenhuma surpresa com o dito, porém parecia se fingir de tolo em relação ao assunto.
— Sim, você! — O tom de sua voz era acusatório. — Não se faça de tolo.
O homem sorriu. Um riso irônico que o irritava mais que tudo.
— Ora, mas como você conseguiu tal informação? — O tom de sua voz não combinava com o enunciado que acabara de dizer. Parecia se divertir com tudo aquilo. O homem então fitou o rei que parecia o olhar com linhas duras em seu rosto.
— Como conseguistes tal informação? — indagou o rei.
— Tenho fontes seguras que afirmam que ele planeja dar um golpe em Thomas e tomar o poder a força — disse. Suas fontes tinham um total de 99.9% de chances de estarem corretas, elas nunca haviam errado uma. — Vossa majestade conhece meus informantes então sabe que a informação tem pouquíssimas chances de estarem erradas.
E sabia mesmo. Durante seu reinado havia conseguido preciosas informações como rotas de fuga, comércios de produtos clandestinos e informações acerca de rebeliões. E todas elas vieram de suas fontes secretas, que nunca erraram uma coisa sequer.
— Suas fontes... — O rei pensou e olhou para o homem que estava pleno diante das acusações. — Você tem algo a explicar sobre isso? Você sabe que se eu vir a descobrir que você está metido em alguma conspiração contra mim será executado em praça pública para todos verem a sua humilhação.
— Pois eu não faço a menor ideia do que este velho maluco possa estar falando! — respondeu Wolfus se defendendo. — Se alguém deveria ser executado era ele por suas mentiras descabidas.
— Mentiroso — soltou o pouco de ar que ainda restava em seus pulmões para elevar o tom de sua voz, porém falhou.
— Bom, se tratando das fontes de Onnofrio eu não posso simplesmente descartar a acusação. Providenciarei para que Wolfus seja interrogado em uma tribuna real — declarou o rei para todos no salão o ouvirem. — Se for realmente inocente não há nada a temer.
O homem então começa a rir, primeiro um riso tímido, depois um riso estridente que ecoava pelo enorme salão real.
— Posso saber com qual audácia o senhor zomba de mim em minha frente? — disse o rei. Seu rosto era uma mistura de fúria e raiva, porém controlou sua voz para não se alterar.
— Só estou gargalhando de tamanha estupidez que você profana — disse enquanto continha os risinhos.
— SE AINDA ESPERAVA ESTAR VIVO ATÉ O DIA DE SEU INTERROGATÓRIO ESTÁ MUITO ENGANADO! — berrou o rei soltando toda sua ira pelo salão. Esperou alguns segundos para se recompor. — Guardas, eu ordeno que prendam este homem agora mesmo!
Apesar da ordem do rei, nenhum dos homens se moveu.
— ORA ESTÃO SURDOS POR ACASO OU NÃO TEMEM POR SUAS VIDAS? O MATEM AGORA MESMO OU VOCÊS MESMOS IRÃO MORRER.
Porém, ninguém fez um movimento sequer. Wolfus volta a cair na gargalhada e o rei se enfurece ainda mais. Seu rosto estava vermelho como um tomate de feira.
— Você ainda não entendeu mesmo, não é? — disse Wolfus. — Eles não irão o obedecer porque seus dias de reino e vida estão contados.
— ENTÃO É VERDADE QUE TRAMAVA PELAS MINHAS COSTAS NÃO É CANALHA!?
Onnofrio assistia tudo a ponto de ter um ataque. Estava certo que morreria ali mesmo.
— Pois é tudo verdade — disse enquanto enrolava uma mecha de cabelo em seus dedos. — Na verdade estávamos planejando isso desde muito tempo, porém, agora que seu amigo contou tudo apenas adiantou a sua inevitável morte. Todos os homens nesse salão estão comprados, e irão obedecer qualquer ordem que sair da minha boca.
O rei levantou do trono.
— Guardas! — Wolfus ordenou.
Os guardas saíram de suas posições e rumaram em direção ao rei, que por sua vez saiu correndo pelo salão até ser capturado por um deles. Um deles o colocou de joelhos no chão enquanto outros dois o seguravam para não se mexer. Wolfus caminhou e parou em frente ao rei.
— Suas últimas palavras?
O rei se remexia, porém as forças dos guardas eram maiores.
— VAI PRO INFERNO!
Wolfus saca a bainha da espada de um dos guardas e acerta o pescoço nu do rei.
A espada repousou sem nenhuma dificuldade e, após três fincadas, a cabeça do rei saiu rolando pelo salão. O lugar onde Thomas estava era apenas uma erupção de sangue vazando de um corpo, agora sem cabeça.
Onnofrio assistia tudo horrorizado. Suas pernas começaram a falhar.
Wolfus olhava o corpo sem cabeça sorrindo e, então, olhou para Onnofrio.
— Agora é sua vez velhote, mas para você eu preparei algo especial.
Wolfus rumou em sua direção. O corpo de Onnofrio tremia dos pés à cabeça. O homem parou em sua frente. Suas vestes começaram a serem rasgadas e de sua pele começavam a brotar emaranhados de pelos. Seu corpo aumentou de tamanho e, o que eram unhas e dedos em suas mãos, se transformaram em patas com garras afiadas que mais pareciam facas. De sua boca saia um hálito infernal junto com uma torrente de saliva.
A fera abocanhou seu braço.
Os dentes penetraram sua pele e Onnofrio guinchou de dor tão fortemente que até se surpreendera com a força, que não acreditava possuir, em sua voz. O monstro arrancou seu membro e então o mastigou. Sangue escorria de sua boca. Sua vista estava embaçada e toda energia restante em seu corpo desaparecera, desabou no chão.
Se espantou por ainda não ter morrido, porém em mais alguns segundos com certeza seu sangue escorreria todo de seu corpo.
A fera então abocanhou sua cabeça.
A partir daquele momento os sete reinos de Arggam mudariam drasticamente.
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