Capítulo 1
Clarie pregava aquele que seria seu décimo terceiro cartaz do dia nos muros já desgastados e velhos de um bar de Fiori. Pegou um pouco de uma substância grudenta que estava guardada em uma caneca de madeira, por debaixo da longa capa que cobria todo seu corpo. Pregou o cartaz e após alguns segundos ele estava firme sobre o muro. Era o último do dia.
Ainda não sabia o porquê de espalharem aqueles cartazes por todo lugar se sempre eram retirados, rasgados por vândalos ou pela ação das chuvas, mas mesmo assim o faziam quase todo santo dia. A verdade é que precisam recrutar o máximo de forças possíveis para seu exército, ao contrário todo o esforço não valeria de nada. Então todas as noites aproveitavam a ausência das pessoas para pregar esses informes por todo lugar possível em Fiori, seja em sua capital ou nos vilarejos e cidadezinhas próximas.
Olhou novamente para o cartaz.
"Se junte à revolução!
Está cansado de viver uma vida miserável, em um reino desequilibrado e de tantas injustiças sociais? Essa é sua chance de fazer alguma coisa útil além de chorar sobre o leite derramado. Procura-se pessoas com experiência em combate ou que possam fornecer o mínimo de assistência em batalha. Para mais informações contatar a resistência."
Sem dúvida algo naquele enunciado precisava ser mudado. Talvez não tivesse sido uma boa ideia ter deixado sobre o controle de Tylen a produção dos cartazes. Desde que começaram a anunciar por todo os setes reinos sobre à resistência, haviam conseguido poucos números, abaixo até daquilo que mais temiam. Necessitavam de tanto de gente qualificada o quanto possível, do contrário seu plano não funcionária.
Ou isso, ou as pessoas acham absurda a idéia da oposição ao reinado de Wolfus, pensou Clarie.
Não poderia os culpar, todos os setes reinos já ouviram falar sobre as atrocidades feita àqueles que ousaram ao menos questionar as ações de Wolfus. Guilhotinas, forca ou tortura, que era muito pior que as duas primeiras, era o destino que costumavam levar aqueles opositores à soberania do rei.
Todos sabiam o que ele tinha feito ao rei Thomas III, no entanto ninguém tinha a coragem de sequer levantar uma sílaba relatando o óbvio. Thomas fora morto em um golpe tramado por Wolfus, que assumira o poder e, desde então, os sete reinos pareceram na miséria e sofrimento. Isso sem falar do pior, os lobos. Porém existiam aqueles que ainda resistiam, e tinham a esperança de uma mudança na direção das marés do destino. E Clarie era uma dessas pessoas.
Nós certamente acabaremos com isso, sussurrou para si mesma confiante.
Poderiam a chamar de utópica, ingênua ou idiota, não ligava. Sabia que um dia o reinado de Wolfus acabaria e a população não mais viveria sobre uma neblina de terror diário em suas vidas. Era mais que uma simples revolução, era pessoal. Haviam contas a serem acertadas pessoalmente com Wolfus, e esse era o motivo ao qual sua vida ainda seguia em frente.
Do bar vinha um som alto de música sendo entoada, e o unisom das vozes dos bebuns que já fizeram do local a sua casa. Era um dos piores tipos de pessoas que habitavam o reino de Austral, basicamente suas vidas resumiam a beber e arrumar confusão e logo após, no dia seguinte, recomeçavam todo o ciclo novamente. Com o tanto de pessoas passando fome e miséria não poderia acreditar que haviam pessoas gastando suas economias com bebida e bordéis.
A noite de hoje estava especialmente gélida, então agradeceu por ter trazido uma vestimenta por debaixo de sua camisa de couro grosso com pelagem de alce e suas botas. Terminara o serviço daquele dia e voltaria para seu abrigo na casa de Rin. A esta hora eles deveriam estar à beira de uma lareira, confortáveis e longe do frio de moer os ossos que faziam nas ruelas de Fiori, a capital do reino de Austral.
Então fez seu caminho de volta.
✳️✳️✳️
Aquela hora as ruas estavam fantasmagóricas, ninguém em sã consciência caminhava no tardar da noite por aqueles ruas e becos sombrios.
Os números de estupros, roubos e assassinatos encontraram uma assustadora ascensão desde o início do reinado de Wolfus. Não era mais seguro sair sozinho nem pela manhã, os habitantes viviam uma rotina diária de tensão e medo. As crianças não mais brincavam e as expressões na face das pessoas pareciam todas compartilharem o mesmo temor e preocupação em suas linhas faciais. Mesmo em momentos alegres, no fundo, todos podiam sentir a mesma coisa, por isso qualquer sorriso escancarava artificialidade.
Estava caminhando por entre o beco que sempre tomava como caminho até ouvir passos à sua frente. Três homens trajando armaduras conversam alto.
Interrompem a conversa ao ver a figura encapuzada parada no beco.
— Ei, você aí. Retire essa capa imediatamente e se identifique — ordenou um deles. Todos pareciam iguais sobre aqueles trajes padronizados da guarda real.
Aquilo não acabaria bem, Clarie tinha certeza. Estava em desvantagem. Não poderia iniciar um combate corpo a corpo, então teria que se fazer passar despercebida por eles.
Tirou a capa vermelha, seus cabelos loiros foram soprados pelo vento. Seus olhos azuis reluziam mesmo com a escuridão que fazia naquele beco.
Os três guardas pareciam a analisar dos pés à cabeça. Tinha certeza que os pensamentos que passavam por suas cabeças eram o mais sujos possíveis. Um guarda nem disfarçava, seus olhos fitavam diretamente os seus peitos.
— Me chamo Lince. Eu tive que ir na casa do padeiro fazer uma encomenda para amanhã e já estou voltando para casa de minha avó — mentiu.
Duvidava muito que fossem acreditar na mentira. Não poderia dizer seu nome real, afinal ele já era de conhecimento de todos, inclusive dos soldados de Wolfus. Clarie era considerada uma terrorista e temia que sua cabeça valesse muito ouro por aquelas bandas.
— Tome mais cuidado, da próxima vez não ande sozinha por essas bandas — disse por fim o do meio. — Existem pessoas que fariam coisas inimagináveis com uma jovem como você. Sua sorte não sermos nenhum desses pervertidos que andam pelas noites procurando presas fáceis.
— Oh, sinto muito. — Fez um esforço para exalar a compaixão que um jovem donzela costuma causar nas pessoas. — De qualquer jeito já estou indo, não posso deixar minha avózinha sozinha na idade em que ela se encontra. Enfim, obrigado pelo aviso. Vou tomar mais cuidado da próxima vez.
Apressou o passo e caminhou por eles, os deixando para trás.
Quando já estava longe deles não conseguiu acreditar que passara sem ser descoberta.
Essa foi por pouco.
Apressou os passos, começando a correr para evitar outro encontro indesejado.
✳️✳️✳️
Estava a caminho de atravessar a ponte Fushijari, que separava o distrito comercial do resto da cidade, quando ouviu passos atrás de si. O som metálico das armaduras confirmou aquilo que mais temia, estava sendo seguida.
Parou ao avistar uma figura à sua frente impedindo o caminho para o outro lado da ponte. Virou às costas e deu de cara com outros dos guardas sacando suas espadas e a olhando em tom ameaçador.
— Quem você acha que engana, chapeuzinho vermelho, com aquela história esfarrapada de avózinha? — disse o guarda da frente, ironizando.
Deveria ter desconfiado que eles já sabiam de sua identidade e estavam apenas fingindo não a conhecer para preparar uma emboscada.
Não teria outro jeito, enfrentaria os três em um combate. Para sua sorte trouxera sua adaga em seu cinto, isso deveria ser o suficiente. Suas botas de combate fariam o resto do serviço.
Se pelo ao menos meu arco..., por um momento se lamentou por não ter trazido seu arco, porém aquilo não era hora para se distrair.
O homem da frente veio em seu encontro, empunhando a espada em direção à ela. Clarie correu em direção ao mesmo, bem a tempo de desviar do golpe de espada e então pegou impulso e se lançou na frente do homem o dando um chute bem à altura de seu rosto. A lâmina de sua bota penetrou em seu rosto, o sangue jorrava vermelho como vinho.
— AHHHHHN, SUA PUTINHA — arfou de dor enquanto cobria sua face com suas mãos.
Os outros dois correram para socorrer o homem. Clarie foi mais rápida, aproveitou o descuido dele e tentou roubar sua espada. A espada havia caído de sua mão, se lançou ao chão para a pegá-la quando recebeu um chute em seu estômago. Cuspiu sangue, no entanto conseguira a espada. Rodeou o guarda real e se pôs atrás dele, a espada raspando sua garganta.
— Parados aí, ou esse daqui morre — ameaçou.
Os dois guardas param resmungando.
— Vocês vão me deixar fugir com esse aqui ou ele morre agora mesmo.
Os dois começam a rir.
— Vá em frente, nós não ligamos para a morte dele. Com o preço da sua captura nós ganharemos torrões de ouro, você não vai escapar de nós vadiazinha — disse um deles com confiança.
Clarie mordeu a língua.
— VÃO PARA O INFERNO! — disse o homem preso por sua espada. Não ousava se mexer pois sabia que sua garganta seria cortada pela lâmina.
Os homens começaram a se aproximar. Teria que correr, essa era a sua melhor chance. Cortou a garganta do homem para evitar que se juntasse aos demais. Ele caiu e engasgou em seu próprio sangue. Clarie saiu correndo, os guardas a perseguiam.
Quando olhou para trás e viu os guardas correndo em sua direção, acabou desatenta e tropeçou em uma elevação. Caiu.
Droga.
Sentia a dor em seus joelhos e cotovelos ralados. Os guardas desferiram golpes de espadas mas ela desviou, rolando pelo chão, ouvindo o zumbido da lâmina encontrando o local onde a pouco estava.
Deveriam ser recém recrutados, pensou, pois esses são muito inexperientes e ruins em combate até para o padrão da guarda real.
Refletiu sobre suas alternativas. Só havia uma chance para sair dali com vida.
Clarie então correu para a beira da enorme ponte, subiu sobre um pilar de apoio e pulou, caindo sobre uma de suas bases, deixando ela à apenas alguns passos de cair nas corredeiras do rio esmeralda.
— Ela é maluca — disse um dos guardas sem coragem o suficiente para seguir Clarie.
Deveriam ser mais de 1000 metros de queda livre. Teria de cair de modo com o qual o impacto na água não fosse mortal, do contrário apodreceria nas profundas do esmeralda. Seus cabelos eram soprados pelos ventos noturnos, podia sentir a brisa em seu rosto.
Pegou impulso e pulou.
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