Elizabeth Carter (Dimas Moraes)


Sob nuvens espessas e vento gélido, no norte da Europa, Anne Tutkija, uma jovem melancólica de olhar sempre baixo e taciturno, serve diariamente, numa cafeteria no centro, o melhor café da cidade, feito com os famosos grãos Kopi Luwak.

Os clientes são, em sua maioria, grandes empresários do centro comercial, que saem às pressas de suas colmeias em busca de xícaras de vitalidade. São homens de terno e gravata impecáveis que trabalham ali mesmo, em prédios nos arredores, repletos escritórios e que erguem-se por quatro ou cinco pisos acima da rua.

Soren Andersen é um deles.

Milionário, jovem, cabelo loiro claro, descendente de noruegueses, herdeiro de uma das indústrias pesqueiras que mais lucraram nos últimos anos. Ele, seu alvo, é bonito, e, ademais, possuí exatos vinte e seis anos – ela sabia com certeza, e não somente a idade dele.

Dentre livros e ao som ambiente de clássicas Humppas, ela é a única a quebrar delicadamente a harmonia sonora provocada, em parte, pela música e, em parte, pelo isolamento acústico que separa o mundo interior da cafeteria da rua barulhenta lá fora.

Seu salto grosso toca o piso de madeira e um som oco e macio é ouvido a cada passo, enquanto transporta, em badejas prateadas, singelas xícaras de porcelana, que, fumegantes, preenchem o ar com aroma javanês, fazendo salivar aqueles à sua espera.

Enquanto Anne calmamente percorre o curto trajeto do balcão até as mesinhas longilíneas e circulares que, espalhadas geometricamente pelo recinto, conferem a ele uma elegância atípica, avessa à metrópole circundante, vintage, sempre observa o piso, olhar triste e vazio – tudo conforme o protocolo.

Mais de uma vez seus clientes incomodaram-se com isso.

É claro, nenhum deles chegou a falar a respeito, todos eles tinham suas vidas pessoais para cuidar – eram homens e mulheres de negócios – e, intrometer-se na vida dos outros, além de inadequado, gastaria tempo, ao menos é o que todos aprendiam desde cedo, a discrição.

Um senhor de meia idade ficara dias pensando na moça do café, porque, afinal, ela era tão triste, tão desanimadoramente cabisbaixa e falava tão fracamente – tudo isso tirara-lhe o sono por dois ou três dias.

E ele não fora o único.

Outra vez foi um gerente de vendas. Ele se pôs a observá-la no horário do café, por mais de uma semana. Seu olhar triste, seu enfado com o trabalho, sua forma humilde de olhar o mundo... Coitada, quanta tristeza!

Da última vez, foi um jovem, que estivera ali apenas um dia. Na certa, ele era filho de algum CEO ou namorado de algum daqueles milionários gays que esbanjam grana e glamour em lanchas, na baía do outro lado da avenida – pensou Anne.

O rapaz, bonito, de cabelos negros, alto, puro charme e simpatia, tentou atrair-lhe a atenção, cortejando-a sorrateiramente, e até teria conseguido, caso ela não estivesse presa a esse trabalho perigoso.

Quem sabe quando ela terminasse o que havia começado. Afinal, havia muito em jogo, para distrair-se com alguma noite casual. Haveria tempo para isso, no futuro ela seria outra pessoa.

Soren Andersen, quem verdadeiramente interessava-lhe, não a viu a princípio. Notara a nova funcionária somente dois meses depois – mas ela continuava firme em seus propósitos.

Quando finalmente a distinguiu, para além da posição de garçonete, ele admirou-lhe inicialmente. Pois, ela fazia a tudo com perfeição – aliás, ele foi o único a perceber isso desde que ela começara por lá, dois meses atrás.

Soren fora treinado pelos pais para assumir a empresa, astuto e, por isso, atento às atitudes das pessoas, logo que a percebeu, notara que ela não derramava uma gota sequer de café ou leite, e rapidamente limpava a mesa quando os clientes o faziam ou terminavam seu lanche. Sua habilidade com o trabalho era diametralmente oposta à sua forma de portar-se diante do mundo.

Aquilo havia intrigado Soren.

Ele chegara a entornar a xícara e espalhar um pouco de café sobre uma das mesas, somente para ver se ela reagiria conforme o esperado. E sim, ela correu até a mesa, e naquele dia eles conversaram. Só que lá, olhos nos olhos, ainda que discretamente, ela mostrou-se melhor, por era bela, olhou-lhe com olhar profundo, quis encantá-lo – exatamente como deveria.

Quando Mr. Andersen, como era conhecido por ali, deixara a cafeteria naquele dia, ela tirou com zelo uma lista do bolso direito, que por lá ficava todos os dias, enquanto ela trabalhava, e deu um cheque na terceira linha, onde estava escrito: "Impressionar".

Tudo que ela precisava agora, era conseguir um encontro com ele e tudo se resolveria a partir dali. Mas antes, roupas novas e um batom, tudo já estava comprado para ela, planejado.

E a semana seguinte fora de muita ansiedade. Contudo, ela tentou concentrar-se o máximo que pode. Releu mais de vinte vezes as mensagens instrutivas que chegaram em seu celular, depois do momento que ele havia puxado conversa com ela.

Dessa vez seria a elegância e a altivez que ela apresentaria, tudo na medida certa, é claro. Ela deveria portar-se como uma mulher impressionante – pois de fato era, ainda que recatada, como os Andersen admiravam. Afinal, esse era o padrão, todas as mulheres daquela família eram assim.

Ela tinha decorado tudo e sentia-se pronta.

Caso perguntasse, ela prestaria vestibular para a universidade no final do semestre, havia escolhido a escola de negócios, pois sempre fora a sua intenção desde o princípio.

Já sobre o motivo da tristeza, demonstrada anteriormente, ela contar-lhe-ia a história da morte do seu pai, que havia falecido dois meses atrás – ela tinha recebido essa instrução, pois, a família Andersen mantinha o hábito conservador de vivenciar o luto por dois a três meses.

O plano era perfeito. Dessa vez ela conseguiria a sua liberdade.

E assim os dias se passaram e não deram sete no total, e lá estava ele na cafeteria novamente, e, dessa vez não parava de observá-la. Ela, de vez em quando, cruzava seu olhar com o dele e, naturalmente baixava os olhos em seguida – exatamente como fora instruída.

Quando ele se levantou e foi embora naquele dia, ela achou que tudo estivesse perdido, quase reportou o acontecido aos seus superiores. Mas, enquanto pensava em fazê-lo, chegou a surpresa.

Um garoto adentrou a cafeteria e estendeu-lhe um papel dobrado. Só poderia ser dele, ela sabia! Ele havia mantido o contato visual por tempo demais.

Ela, já ofegante, abriu o papel dobrado. Era um bilhete:


"Sra. Anne Tutkija,

caso interessar-lhe possa,

gostaria de oferecer-lhe um champagne

no hall do Marmout Rosé,

hoje às 21h."

(Soren Andersen)


Ela sorriu feliz!

Tudo que ela deveria fazer agora, era, durante esse primeiro encontro, implantar aquele rastreador nas roupas dele, deixá-lo um pouco bêbado, e, quem sabe, até colocar os papéis do envelope que haviam lhe entregado, no meio dos papéis dele e tudo estaria acabado, ela poderia retomar a sua vida em outro lugar, e nem teria que encontrar-se com ele novamente.

E assim fez. O plano fora um sucesso.

No melhor hotel da cidade, com seu vestido azul-escuro ela o encantou, tomou champagne com ele, depois um Bourbon, até que ele a convidou para sua casa e lá ela implantou as provas, que fariam dele o próximo presidiário na Finlândia, dos mais famosos.

No outro dia, já fora da cidade, aguardava a prova de que sua ficha policial estava limpa outra vez e, enquanto isso, pela tela do Smartfone, lia pela internet que um mandado de busca e apreensão localizara, na mansão da Andersen, provas irrefutáveis de crimes formação de cartel, falsificação ideológica e estelionato.

Ela ficou ali, em pé, no meio da estrada, fora da cidade, olhando o seu celular, esperando o contato da Interpol. Ele olhava a cidade ao longe e se imaginava livre novamente, com seu novo nome e morando na Austrália, seu país preferido, ensolarado.

Minutos depois, pela internet ela recebera as instruções, todos os seus novos documentos estavam numa caixa de correio logo adiante. Tudo o que ela deveria fazer era sacá-los e nunca mais pisar naquela cidade, naquele país, naquele continente frio e asqueroso.

Elizabeth Carter – gritou.

Animada com a sua liberdade, vestindo suas roupas favoritas, calça vermelha, sapato preto e camisa listrada, ela arremessa seu lenço xadrez para o vento e deixa tudo para trás. 

Por dimasmoraes

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