Agroglifos - Deco Sampaio - Capítulo II
Por Deco_Sampaio
Doug Bower e Dave Chorley (1991), com as ferramentas que disseram utilizar parafazer grande parte dos desenhos em plantações da Inglaterra.
JERICOACOARA, CEARÁ, BRASIL - 04/01/1983
Acordou cansada e desarrumada, seguiu para o café da manhã. Pessoas com câmeras, luzes e microfones estavam por toda a pousada. Faziam perguntas para os hóspedes e funcionários. Luana passou por eles curiosa. Observou de longe os pais serem entrevistados na mesa do café e, após, sentou-se diante do casal.
— O que está acontecendo?
— Filha, você vai adorar isso — disse o bonachão com um brilho no olhar.
— O quê? Fala logo.
— Hoje de manhã acharam aqueles desenhos estranhos em plantações de algodão.
— Aqui perto?
O pai olhou para a mãe com expressão de dúvida.
— Não, acho que não fica tão perto assim, mas é aqui no Ceará — explicou a mãe.
— Não estou entendendo. Por que então tantos jornalistas estão aqui?
— Por causa do desenho, filha.
— Como assim?
— Só vendo pra você entender.
Luana levantou-se e foi até a televisão do hall, onde várias pessoas assistiam a transmissão ao vivo de imagens sobrevoando o desenho inusitado.
— Como pode, nem mesmo é época de colheita do algodão? — falou um hóspede consternado.
— Meu Deus! Não estou acreditando — disse uma mulher que assistia ao lado de Luana.
Era fantástico para todos, mas para Luana era ainda mais extraordinário e sem dúvida romântico. O desenho retratava a praia em frente à pousada, pois a enorme duna, símbolo do lugar, e mesmo os detalhes de tamanho e formato combinavam perfeitamente. Tudo desenhado mesclando pés de algodão verdes, maduros, amassados, retorcidos e em suas posições originais. A pergunta que ficava era como alguém poderia ter influenciado a fenologia dessas plantas para conseguir fazer aquele desenho? Luana foi a única que reconheceu o casal do centro do desenho, enlaçados em um apaixonado beijo sob um céu estrelado, uma enorme lua e uma estrela cadente. Até mesmo a fogueira e o luau daquela noite estavam lá. O jornalista na tevê atentou para uma data em números romanos inserida no canto do gigantesco desenho: XI/IX/MMI. "Estudiosos estão tentando entender todo esse mistério, a data mencionada no desenho parece não ter nenhuma conexão aparente. O que significa 11/09/2001? Teremos de esperar para saber?" Luana sentiu que estava para desmaiar e apoiou-se em uma pilastra da pousada.
ORLANDO, FLÓRIDA, ESTADO UNIDOS - 08/09/2001
Diferente de outras lembranças, essas ficaram sólidas em Luana com o passar dos anos. Era o acontecimento extraordinário de sua vida. Para poucos ela relatou a história, pois sabia que poderiam taxá-la de louca ou coisa pior. Tornou-se uma mulher bastante reflexiva e argumentativa, gostava de entender os mistérios que lhe rondavam, mas sabia que o inexplicável sempre poderia surgir, que tudo poderia ser mais complexo e interessante do que se previa, Mendié havia lhe ensinado isso. O acontecimento acabou guiando até mesmo suas escolhas profissionais, pois acabou se tornando astrônoma, vivendo a observar e analisar a imensidão do espaço.
Agora Luana, com seus 33 anos, observava atenta o organograma de hipóteses que havia construído secretamente em seu sótão. Diante de seus olhos estavam anos de questionamentos sobre o acontecimento e suas prováveis explicações. O caminho das possibilidades indicava que Mendié vinha de outro mundo ou de outro tempo, pois ele sabia coisas que ninguém poderia imaginar. Sobre a data escrita no desenho Luana só conseguia pensar em uma possibilidade. "Nessa data ele estará de volta naquela mesma praia, tem que ser isso." Disse ela em voz alta enquanto olhava um desenho do rosto do garoto colado na parede. No meio do organograma, ligada a inúmeros post-it com probabilidades descritas, estava a foto de Doug Bower e Dave Chorley, dois ingleses que confessaram em 1991 terem feito grande parte dos desenhos nas plantações da Inglaterra, onde teoricamente os pictogramas começaram no ano de 1978. Os dois velhinhos inclusive demonstraram como faziam seus complexos desenhos. Tudo muito semelhante com as ideias de Mendié, ou seja, provavelmente ele já sabia, imaginava Luana.
Luana bebeu um pouco do drink que sua falecida mãe lhe ensinara a fazer, sentiu o gosto amargo do álcool se misturar com o doce do suco de uva, realidade e magia, ciência e o sobrenatural borbulhavam em seu cérebro, trazendo euforia aos seus elétricos neurônios. Lembrou-se de uma pista incômoda, talvez uma coincidência dessas que parecem fantásticas, mas que na verdade são corriqueiras.
***
Foi no seu primeiro dia de trabalho na NASA, o emprego de seus sonhos. Quando estava ainda há poucos dias morando em Orlando, no estado da Flórida, nos Estados Unidos. Sua melhor amiga, Ashley, que gerenciava pesquisas na grande agência americana de estudos aeroespaciais, havia lhe convidado para entrar na equipe. Luana lembrou que percorreu estupefata o centro espacial e ao final foi conversar com a amiga em sua sala.
— Luana, fico feliz em te ver.
— Obrigada, Ashley. Nossa, tudo aqui é tão grandioso. O seu português está ótimo heim! Quase sem sotaque.
As duas se abraçaram sorridentes e após sentaram no pequeno sofá da saleta.
— Andei treinando para poder recepcioná-la — disse a americana agora como sotaque forte.
— Eu que sou a estrangeira aqui, melhor falarmos em inglês.
— Falaremos muito em inglês, agora me deixe treinar, sabe que sou fanática por línguas.
— Ok, of course.
— Está preparada? Vou te mostrar sua sala e uma série de experimentos que você terá de estudar para se inteirar dos detalhes do projeto.
— Legal, estou ansiosa.
Ashley tinha os olhos brilhantes e exalava ansiedade e alegria. Luana se sentiu estranha com o olhar fixo da amiga e um silêncio constrangedor.
— Mas antes preciso te dizer algo meio besta que me ocorreu.
— Claro, pode falar — disse Luana sentindo seu palpitar cardíaco acelerar.
— Sabe aquela história maluca que você me contou? Aquela no litoral quando você era adolescente.
— Claro que sei. Você é uma das poucas que conhece essa maluquice.
— Eu fiquei intrigada e investiguei o caso, pois a NASA fez análises naquele plantio de algodão.
— Verdade! — disse Luana arregalando os olhos.
— Realmente é o agroglifo mais misterioso de todos, não segue os métodos arcaicos em que todos os outros foram feitos. Algumas plantas floresceram e frutificaram fora de época e ajudaram a formar aquele desenho. Uma loucura, um mistério agronômico. A NASA achou hormônios como: giberelina, citocinina e auxina, muito alterados em boa parte das plantas do desenho. Alguém manipulou aquelas plantas. Incrível.
— Que bom saber, pois aquilo tudo foi tão estranho que às vezes tenho a impressão que não aconteceu.
— Aconteceu sim, é realmente uma loucura. Mas a bobagem que tenho pra te falar é outra, não tem nada de científica. Tem haver com o nome do garoto, quer dizer, apelido — disse Ashley com uma expressão estranha em que era difícil distinguir se o riso em seus lábios era de alegria ou medo.
— Sim, pode falar. Somos amigas, não vou te julgar. Essa história é muito louca não me incomodo, não deve ser tão bobagem assim.
— Você disse que o menino tinha sotaque inglês, certo?
— Não sei bem, é até hoje o sotaque mais estranho que já ouvi, considero que fica próximo do inglês, não sei se do americano ou britânico.
— Então, esses dias fui tentar lembrar o nome que você tinha falado e quando pronunciei puxando mais para o inglês do que para o português ao invés de Mendié o que surgiu foi Man Dead.
— O quê?
— Isso mesmo, Man Dead ou Man Died, homem morto.
Luana teve seu corpo inteiro arrepiado e ambas começaram a rir. Após cessar as gargalhadas Luana prosseguiu:
— Nossa, tomara que ninguém ouça isso, duas cientistas renomadas falando sobre um fantasma.
— Por isso estamos falando em português — disse Ashley continuando a rir.
— Sei lá, Ashley, é realmente criativa essa sua observação, mas não resolve nada, apenas coloca mais mistério, mais incoerência.
***
O celular de Luana tocou e ela voltou de sua lembrança, viu no ecrã que era Ashley. Olhou ao redor com a visão turvada pela bebida, todas as fotos e ligações naquele enorme organograma pareciam girar. Respirou fundo e atendeu.
— Hello, Ashley. I just thought of you.
— Cool! Vamos falar em português, pois eu adoro e preciso praticar.
— Tudo bem.
— Decidiu sobre a reunião do dia 11, você vai?
— Não vou, Ashley. Peço mil desculpas, mas alguém terá de me substituir. Eu vou para o Brasil, você sabe que faz anos que espero essa data.
— Imaginei que você não iria desprezar a curiosidade. Acho que Bradley poderá ir, ele adora Nova York e está por dentro de tudo. Ele já me disse várias vezes que adoraria ver a vista das Torres Gêmeas, será a oportunidade dele.
— O empresário se sentirá mais a vontade com o Bradley, vai ser melhor.
— Você já comprou as passagens?
— Sim, embarco amanhã mesmo. Daqui três dias saberei o que o homem morto queria comigo.
— Boa sorte, amiga.
Luana sentiu imensa gratidão pela amiga, o tom de voz dela foi carinhoso e a fez se sentir protegida. Ashley era sua família, seu tudo nos últimos anos.
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