Agroglifos - Deco Sampaio - Capítulo I
Por Deco_Sampaio
Agroglifo detectado em 12 de agosto de 2001, em Milk Hill, Londres. O desenho foi composto de 409 círculos dispostos sobre seis braços com um diâmetro de cerca de 240 metros.
JERICOACOARA, CEARÁ, BRASIL - 03/01/1983
Luana, deitada na rede da varanda, sentia a brisa do mar, ouvia o barulho das ondas e entre as folhas da figueira plantada no jardim, observava a lua e as estrelas. Não existiam cidades próximas, apenas fazendas e um vasto parque ecológico com dunas, mangues e florestas. O pequeno vilarejo de pescadores era um atrativo para surfistas, europeus, hippies, ambientalistas e pessoas abonadas, que hospedavam-se em charmosas pousadas.
— Isso é o verdadeiro paraíso — disse um hóspede gordo, com um sorriso largo e sentado em uma poltrona.
— Verdade, tudo tão tranquilo. Mas eu não aguentaria viver aqui, sinto necessidade daquele caos de São Paulo, monotonia demais enjoa — falou a mulher ao lado do gordo, num belo vestido praiano e bebendo um drink.
Luana sentiu vontade de vomitar ouvindo aquele papo óbvio e pouco instrutivo. Eram seus pais, mas cansavam sua beleza. Uma notícia, vinda da televisão do hall, chamou a atenção da menina. A voz do jornalista anunciou: "Novos misteriosos desenhos surgem nas plantações da Inglaterra e de outros países do mundo. O fenômeno sem explicação confunde cientistas e vem atraindo turistas. Os chamados pictogramas aparecem agora cada vez mais complexos desenhados em campos de trigo, aveia e cevada. Vamos à reportagem de Rodrigo Freitas." Luana olhou as estrelas e pensou que talvez finalmente algo de extraordinário estivesse acontecendo e mudaria a vida de todos.
— Vou dar uma volta na praia, posso? — falou Luana levantando-se.
— Aqui você pode quase tudo, minha linda. Apenas não se distancie muito.
— Tá bom, obrigado, pai.
A mãe olhou a filha e deslumbrou-se com o tamanho dela, constantemente tinha a impressão que ela crescia centímetros por dia. Soltou uma de suas frases maternas que Luana tinha asco:
— Está tendo um luau, tem uma moçada bonita que foi pra lá. Não quero que você beba muito. Vocês adolescentes não têm noção de quantidade — orientou a mulher entornando o último gole de seu drink.
— Beijos, eu aviso no quarto de vocês quando voltar.
— Isso, divirta-se filha, lembre-se estamos de férias — despediu-se o pai com um discreto sorriso no rosto.
Luana, caminhando para a praia, olhou de esguelha o pai. Ela odiava aquelas indiretas acusando-a de nerd e pouco divertida.
Com os chinelos na mão andou na escuridão, sentindo a areia fresca se aconchegar em seus pés. Ao longe viu uma fogueira crepitando e vultos movimentando-se ao redor do fogo. Ouviu um discreto som de violão, que lhe agradou, mas não estava disposta a ser sociável naquele momento, raramente estava. Seguiu andando, sentindo o vento atravessar seus cabelos e fixando os olhos na lua, era gostoso perder a noção de espaço, andar sem direção. Um objeto luminoso cruzou discretamente o céu e a menina arregalou os olhos, sentiu um arrepio e logo em seguida bateu em um obstáculo e caiu desajeitada na areia.
— Tudo bem com você? — disse a voz masculina em meio ao breu da praia.
— Nossa! Desculpa, não te vi — falou Luana sentada limpando a perna e a roupa cheia de areia.
— Tudo bem, não foi nada, mas você levou um tombo e tanto — a voz tinha um sotaque estranho, ela achou ser britânico.
Luana olhou para o vulto, parecia jovem, estava de shorts e camiseta e apesar do português perfeito era óbvio que era estrangeiro.
— Tá tudo bem, não me machuquei.
Os dois tentaram se visualizar melhor no escuro.
— Você também viu? — perguntou o estranho.
— Vi o quê?
— Acho que era um cometa — falou o jovem olhando nos olhos da garota.
— Vi sim.
A visão dela ainda estava turva na escuridão. O garoto parecia bonito e sua voz macia causava uma ótima impressão.
— Você costuma sempre observar o céu no meio da praia? — perguntou a menina.
— Sempre observo o céu, mas raramente da praia. O que mais amo é o céu, o solo, a água e toda a vida que vem disso. Você costuma andar solitária no escuro da praia?
— Queria ter esse costume, mas só vejo praia nas férias.
Os dois se entreolharam e os pelos do braço de Luana se eriçaram.
— Você é daqui? — perguntou Luana.
— Não sou de nenhum lugar específico.
Ela riu.
— Você é tipo do mundo, é isso?
— Acho que sim. Talvez eu seja do universo.
— Ok, senhor universo. Você tem nome ou isso também é segredo?
— Meu nome não me define muito bem, tenho um apelido que funciona melhor.
A brisa refrescante acompanhou um momento de silêncio.
— Então diga, qual é?
— Mendié — disse o jovem em um sotaque misturando inglês com francês.
— Mandie? Isso não é nome de menina?
— Mendié — falou o garoto pausadamente, dando ênfase a uma acentuação no final do nome, mas o sotaque dele continuou deixando difícil de entender.
— Interessante. Esse apelido te define?
— Sim, em parte, mas nem pergunte por quê. Não quero falar sobre isso.
— Certo. O meu nome é Luana.
— Imaginei que fosse. Uma menina que anda olhando a lua tem tudo a ver com esse nome.
— Você é estranho, sabia?
— Sei sim, sempre me dizem isso. Aquele cometa também era estranho, não acha?
Luana sorriu de toda a estranheza simpática do menino.
— Muito! Será que era um cometa? — disse ela sorrindo.
— Tudo indica que sim. O que mais poderia ser?
— Um OVNI, claro. Agora isso faz até mais sentido — o sorriso da menina ampliou-se.
— Como assim?
— Você não viu as notícias?
— Eu não vejo televisão e nem leio notícias, não agora.
— Estão encontrando desenhos estranhos em plantações, pelo mundo inteiro. São desenhos geométricos feitos com precisão extrema, não matam os vegetais e são enormes. Aparecem do dia pra noite, algo fantástico. Ninguém consegue achar explicação, uma coisa maluca mesmo. Tudo indica que estão se comunicando com a gente.
O garoto começou a gargalhar se contorcendo na areia, enquanto Luana observava contrariada a cena.
— Tá rindo do quê? Você é um tremendo desinformado.
— Desculpe, mas é que as pessoas aceitam cada absurdo. Sinceramente você acha isso a melhor hipótese?
— Já vi que você é do tipo sabe tudo, nega tudo.
— E você é o que chamam de mística, certo?
— Claro que não, eu só gosto de sonhar, mas tenho os pés no chão.
— Pés no chão que tropeçam vendo a lua. É óbvio que você quer desesperadamente emoções, grandes descobertas, sair da mesmice.
— É, você é do tipo sabe tudo.
— Para falar bem a verdade, muitas vezes realmente vejo que sei mais que a maioria. Tenho uma visão mais ampla, sabe.
— Mas te falta humildade, certo?
A gargalhada escandalosa do garoto voltou e chegou a contagiar a menina que também gargalhou. Após o riso cessar ficaram em silêncio por um longo minuto.
— Luana, tem tanta coisa extraordinária a nossa volta, tanta coisa com respostas bem concretas e surpreendentes, não vale a pena ficar fantasiando, especulando. Melhor acreditarmos na ciência e algumas vezes nos instintos.
— Nossa, você leva a sério mesmo esse papo. Mas, me diga então o que são esses pictogramas, qual a resposta tão óbvia que faz você rir de ignorantes como eu?
— Não tenho a resposta, mas me pergunto qual seria o motivo de seres alienígenas tentarem se comunicar através de desenhos em plantações? Se dominam uma tecnologia com a qual podem cruzar o universo, fazer desenhos em plantações parece meio infantil.
— É, verdade, um ponto misterioso. Mas continuo a não entender seu ceticismo, pois já que não tem a resposta, seria prudente cogitar várias possibilidades como as dos alienígenas. Vai descartá-la só porque não sabe o motivo?
— Existe um princípio lógico chamado Navalha de Occam.
— Sim, eu conheço. A resposta mais simples sempre é a verdadeira — Luana sentiu orgulho de dizer essas palavras.
— Quase isso. Na verdade, o que o princípio diz é que devemos eliminar hipóteses supérfluas. Nem sempre a verdade precisa ser simples. Para esse caso existem outras possibilidades mais reais, muito mais possíveis — o garoto terminou a frase sentindo-se um professor.
— Sério? Qual seriam?
— Isso me parece coisa de pessoas que querem chamar a atenção, querem ser lembradas, ou ter sua arte reconhecida. Como a maioria dos humanos.
— Seriam artistas fazendo os desenhos? — disse Luana compenetrada, mas com os lábios discretamente esticados de lado.
— Sim, artistas frustrados, ou gente que sentiu que a morte está próxima e resolveu fazer algo de deslumbrante na vida.
— Como fazem desenhos enormes em poucas horas, como não matam as plantas? Ficam viajando e fazendo os desenhos pelo mundo todo? Isso é a sua explicação simples?
— Acho mais possível que alienígenas buscando comunicação. Provavelmente existem várias pessoas que gostaram da ideia e estão replicando. Deitar vegetais no chão não irá causar a morte deles, isso não é sobrenatural. Grandes desenhos e obras artísticas foram feitas em horas, é só questão de planejamento. Fico imaginando que devem usar placas de madeira ou metal, e vão entortando os vegetais seguindo um croqui. Para mim parece uma atividade artística humana.
— Provavelmente sua hipótese é mais pé no chão mesmo. Eu de imediato pensei em alienígenas. Mas você não me convenceu. Acho difícil alguém perder tempo fazendo esse tipo de piadinha com o mundo.
— Sério? Nossa, eu acho que o ser humano vive de fazer piada. Eu vejo piada em todo lado, muitas até de mau gosto.
Seus corpos durante a conversa foram instintivamente se aproximando e Luana continuava a sentir arrepios. Ambos olharam as estrelas e ficaram em silêncio. Sentiram seus corpos esquentarem. O garoto olhou para Luana e viu seus lábios entreabertos, eles tinham a força de um imã.Assim que os olhos dela se voltaram para ele o beijo foi inevitável. De olhos fechados a menina sentiu um misto de emoções e troca de fluidos, ela queria que aquilo nunca acabasse, mas logo após os lábios se distanciarem e seus olhos abriremo que restou foi um susto. Não havia ninguém, como se tudo tivesse sido esquizofrênico.
Luana correu pela praia escura procurando o garoto. Foi até o luau e olhou atenta cada rosto masculino presente. Não havia ninguém nem perto de ser parecido. Tomou coragem e perguntou para uma menina que bebia uma cerveja:
— Você conhece um garoto com sotaque inglês, o Mendié?
— O quê? Não, com certeza não.
Voltou aflita para a pousada. Ele deve ter ido para lá, quer me provar algo, pesou ela. Seus pais não estavam mais na varanda, apenas o recepcionista se encontrava no recinto.
— Boa noite!
— Boa noite — respondeu o recepcionista terminando de organizar alguns papéis.
— Por acaso está hospedado aqui um garoto, provavelmente inglês, chamam ele de Mendié?
— Não podemos passar informações sobre os hóspedes, mas não temos nenhuma família inglesa hospedada aqui.
Não havia mais o que fazer e Luana dirigiu-se ao quarto para tentar dormir. Sua noite foi turbulenta, cheia de beijos, carícias e sustos. Se a menina soubesse desenhar, poderia traçar com minúcias aquele rosto enigmático do garoto mais perfeito que ela já conhecera.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top