Prólogo
Por mais que a música que tocava fosse de seu agrado, e que as comidas servidas também agradassem seu paladar. Ela ainda não conseguia se sentir à vontade o bastante naquele ambiente, não importa o que fizesse, ou o quanto ela estivesse sendo mimada por todos os convidados presentes no local. Nada, absolutamente nada a tirava daquele tédio infernal que lhe dominava havia longos meses. Era sempre aquela mesma sensação de que tudo não passava de mesmice e que não importam as pessoas, ou os presentes que ela ganhava, a sensação de que a felicidade escorria por seus dedos a cada dia que se passava, só aumentava ainda mais. A jogando em um fundo do poço, na qual duvidava que pudesse sair um dia.
Aquela era mais uma das festas beneficentes que seu pai organizava, todos os meses havia uma como aquela em diversos salões da cidade. E como sempre, ela era o centro das atenções. Sendo obrigada a sorrir e cumprimentar todas as pessoas que passavam por ela, a maioria sempre sendo homens velhos, que lhe lançavam sorrisos nojentos. Que se aproveitavam do fato dela ser obrigada a recepcionar e sorrir para todos, para segurar seu pulso, deslizar o polegar por sua pele, lhe dar beijos molhados na face e por outras vezes, até mesmo apertarem sua cintura, de forma que ela sentia vontade de vomitar sobre seus ternos caros.
Eles eram todos nojentos, todos saídos do mesmo buraco ao qual seu pai também pertencia. Mas diferente dela, o prefeito Crocodile, sorria de forma animada para todos presentes no local. Ele sim estava feliz, porque aqueles eventos sempre lhe forneciam muito dinheiro, dinheiro esse que deveria ser doado para instituições de caridade, mas que nunca chegavam ao seu verdadeiro destino, porque os nomes citados nas vaquinhas para ajudar pessoas carentes, eram falsos, não passavam de empresas fantasmas e todo o dinheiro ia diretamente para a conta de seu pai.
Ela não aprovava esse tipo de coisa. Mas o que poderia fazer? Seu pai tinha muitos apoiadores, todos acreditavam que ele era um excelente prefeito, que sempre zelava pelo bem-estar da população e que aquelas festas que ele fornecia, permitindo que alguns cidadãos também participassem, fazia com que ninguém desconfiasse que ele não passava de um criminoso. Assim como todos os outros empresários que dominavam a cidade. Homens que conseguiam ser tão corruptos e cruéis quanto seu próprio pai.
Calísto já estava parada há mais de uma hora na mesma posição, tudo porque o salto que estava em seus pés, parecia machucar seus tornozelos como se ela estivesse calçada em arame farpado. Aqueles haviam sido presentes de Moria, que havia insistido veementemente que ela os utilizasse na próxima festa beneficente. Ela não queria, era um número bem menor que o seu e ela tinha tido uma imensa dificuldade em colocá-los em seus pés. Mas o vereador havia insistido tanto, que agora ela estava ali sendo torturada com aquele par de saltos horríveis e o mesmo nem sequer havia aparecido até o momento. Alegando ter tido outros compromissos. Mas, havia mandado seu braço direito, Hogback, que não tirava seus olhos dela, mesmo de longe, sempre lhe lançando sorrisos sugestivos, que por diversas vezes, quase fizeram a morena se curvar e vomitar.
— Boa noite.
Calísto que estava com os olhos fixos em seu pai, que conversava com um grupo de civis comuns do outro lado do salão, desviou os olhos para encarar quem havia lhe dirigido a palavra. Sendo obrigada a erguer a cabeça, quando ela havia visto apenas um peitoral forte, coberto por um terno totalmente branco. Encontrou um par de olhos dourados, quase cobertos pelos cabelos no mesmo tom, que lhe analisaram de forma gentil, totalmente diferente de todos os olhares que ela já havia recebido até o momento. Assim como também havia um sorriso sutil em seus lábios... Vermelhos?
Ele estava usando batom?
— Boa noite. — Ela forçou um sorriso gentil, como sempre se via obrigada a fazer com qualquer um dos convidados de seu pai. Crocodile era extremamente exigente que ela se portasse de forma educada e gentil com todos, por mais que soubesse que ela odiava isso. — O que está achando da festa, senhor?
— Um saco.
Calísto estava prestes a sorrir e acenar como sempre fazia, depois de ouvir uma resposta típica de todos, ressaltando que a festa estava ótima. Mas a única reação que ela conseguiu ter, foi arquear suas sobrancelhas em confusão.
Era a primeira vez que ela escutava aquela resposta de alguém.O que a pegou desprevenida, fazendo com que ela se perdesse um pouco na personagem que havia criado para aquelas situações.
— Sinto muito que as coisas não estejam do seu agrado, senhor. Gostaria que eu chamasse meu pai para conversar pessoalmente a respeito disso? Talvez ele possa encontrar uma forma de te deixar mais confortável.
— Não, obrigado. — Ele enfiou as mãos grandes nos bolsos de sua calça clara, sem desviar os olhos dela em nenhum instante. Mas não de forma que a deixasse desconfortável ou enojada, na verdade, ele parecia estar avaliando ela. — Você precisa de ajuda com seus sapatos?
— O que?
Mais uma vez ela estava se vendo sem saber como dar continuidade a uma conversa. Seus olhos se abaixaram até que ela pudesse encarar seus pés, seus tornozelos já estavam levemente inchados por conta da tira que apertava tão fortemente seus músculos.
— Dá pra ver de longe que você está morrendo de dor com isso. Eu posso ajudá-la se quiser.
Ela queria recusar a boa ação, primeiro porque não o conhecia, segundo que, apenas por seu terno aparentemente caro, ele deveria ser mais um dos amigos pessoais de seu pai e isso significava que deveria ser apenas mais um velho babão, que daria em cima dela da forma mais descarada do mundo na primeira oportunidade. Mas seus pés estavam doendo tanto ao ponto dela sentir algumas lágrimas encherem o canto de seus olhos, que não viu outra solução a não ser aceitar, acenando de forma positiva para o loiro.
O estranho a guiou até uma mesa próxima, instruindo que ela se sentasse em uma cadeira, enquanto ele puxava outra para mais perto dela e se sentava ao seu lado. Retirou a parte de cima de seu terno e estendeu para ela.
— Para que isso? — Calísto perguntou enquanto segurava o tecido quente em suas mãos, pela proximidade ela podia sentir o cheiro almiscarado de frutas cítricas que vinha da peça.
— Coloque sobre o seu colo, eu vou precisar que você coloque suas pernas sobre as minhas e eu tenho certeza de que você não vai querer ninguém tentando ver mais que o necessário em você. — Ele falou tranquilamente conforme tirava uma pequena caixinha do bolso de sua calça.
Ela o obedeceu sem questionar, colocando o casaco sobre suas pernas, logo depois às apoiando sobre as dele, de forma que apenas seus pés ficaram sobre uma das coxas do loiro. Ele abriu a pequena caixa dourada e tirou uma agulha ali de dentro, o que a deixou ainda mais confusa.
Por que ele andava com uma caixa contendo agulhas?
Por mais que sua mente lhe bombardeasse com diversos tipos de questionamentos. Ela ficou calada, sentindo os olhares queimarem em suas costas, o que a fez olhar para trás e notar que diversos dos convidados presentes olhavam na direção dela e do estranho ao seu lado. Até mesmo seu pai a estava encarando, mas a expressão impassível de Crocodile não permitia que ela decifrasse seus pensamentos. Talvez ele até se agradasse com o fato dela estar tão próxima de seus convidados tão desejosos.
Voltou seus olhos ao loiro no instante em que ele abriu a fivela de sua sandália, sem retira-la de seu pé, ele puxou a fita de couro e fez um buraco novo com a agulha, por onde ele usou para passar o pino de sua sandália novamente, agora, a deixando bem mais frouxa entorno de seus tornozelos.
Repetiu o mesmo processo com a outra sandália. Se ela fosse uma obcecada por moda, teria o xingado por ter feito uma atrocidade daquelas, abrindo furos nas tiras delicadas de seu salto. Mas ela se sentia tão mais confortável, que quase não notou o sorriso de alívio em seus lábios, até o loiro a encarar e sorrir de volta para ela.
— Obrigada. — Ela sussurrou quase que em um gemido de alívio. Descendo suas pernas do colo dele e lhe estendendo seu casaco de volta. — Nossa, está muito melhor agora.
— Não precisa agradecer. Odeio ver mulheres sofrendo.
— Você foi ótimo com isso. Mas por que anda com agulhas no bolso? — Ela se viu finalmente perguntando o que tanto desejava há cinco minutos.
— Minha filha tem um urso de pelúcia muito velho, ele vive rasgando. Já tentei comprar um novo pra ela, mas se recusa aceitar. Então, eu tive que aprender um pouco de costura para concertar.
De todas as respostas que Calísto poderia esperar, aquela sem sombra de dúvidas, fora uma das mais fofas e improváveis de todas. Além de ser um cavalheiro, aparentemente ainda era um bom pai. O que a fez sentir seu rosto esquentar pela pequena admiração que sentiu pelo estranho.
— Tenho certeza que ela é muito feliz com o urso velho dela.
— Sim, ela é. — Ele sorriu de forma orgulhosa. — Bom, eu preciso ir agora. Espero que consiga lidar com o restante da noite de maneira mais confortável. — Ele acenou para ela e partiu sem ao menos olhar para trás.
Calísto ficou observando as costas largas do homem enquanto ele desaparecia em meio a multidão. Se esquecendo totalmente do fato de que ela nem sequer havia perguntado seu nome.
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