UM CONTO DO TEMPO

Quando o Tempo começou? Alguma vez o Relógio das Eras já marcou o zero? A linha temporal do Tudo já teve um início? Ela teria um fim?

É isso o que os mortais se perguntam, pelo menos, alguns deles. Era após era. As gerações mudam, as perguntas não. Eu sei a resposta, o que de fato é bem simples, pelo menos para mim. Claro, obviamente, não sou uma mortal, mas já vivi entre eles, constituí uma família em nome de um bem maior, e nossa prole semidivina honradamente mantém o propósito de sua existência até os dias de hoje; e ainda permanecerá por mais dias duradouros que estão por vir.  No entanto, creio que isso é algo que eu deva explicar depois. Tudo ao seu tempo, embora todos os tempos pertençam a mim.

Eu sou aquela que o rege. A personificação do conceito do Tempo se define a mim. Eu sou o marco Zero. O Tempo começou a primeira vez que abri meus olhos.
Me lembro daquela época, eu me lembro de todas as épocas, afinal, fui eu que teci a linha temporal de cada uma delas.

Meu nome é Timenus, e eu sou a Deusa Suprema do Tempo. Sou a mais velha de meus irmãos, embora não literalmente. Todos nós viemos a existência no mesmo exato momento. Ainda assim, me considero, pois sob meus cuidados está a linha temporal da existência de cada um. Uma linha infinita, tal qual a minha própria. Nossas linhas de tempo estão ligadas à mesma origem, e de certa forma, entrelaçadas entre si. Estamos interligados simbióticamente; dependemos um do outro para que nossa existência permaneça. Foi assim que nosso Pai quis, é como ele nos fez.

Não convivemos com nosso Pai por muito tempo. Tempo algum, eu diria, já que o próprio Tempo começou quando ele trouxe a mim e meus irmãos a existência. Ele era o Absoluto Inefável. Não havia espaço para que nada existisse além dele.
Para que o Tudo pudesse ter início, ele suprimiu sua própria existência e nos criou, se dividindo em quatro, os Quatro Pilares do Universo, quais representamos. Mas não, nosso Pai não está "morto". Cada parte dele vive em cada um de nós, e assim, o que Galmyght foi um dia, ainda permanece. Nós somos Ele, e Ele é aquele que sempre foi e sempre será. Carregamos seu poder, e sabemos seus desejos, assim como sabemos o objetivo de nossa existência; o que exatamente ele intencionava para nós.

Eu me lembro de como foi o verdadeiro Início. Ainda não havia nada além de nós quatro num plano etéreo de uma imensidão vazia, se não fosse pela Escuridão que a preenchia. Sim, a essência de Ghanog, como a personificação de si próprio, foi a primeira a se manifestar. Tudo era escuro, havia apenas o umbro infinito para onde quer que olhássemos.

Mas não havia o que temer. Nosso Pai nos criou cientes do que éramos e o que deveríamos ser. Nós sabíamos que haveria Luz. A Luz que se mostrou ser nosso irmão Ghaceus, em toda a glória majestosa de sua essência. Ele iluminou o imensurável trazendo sua Luz a nós. Aquele foi o nascer do Eterno Sol Sagrado que jamais se poria.

Tudo que nosso Pai tem a nos dizer está gravado em nossas mentes para o momento exato. É quando ouvimos sua voz nos conduzindo ao que nos falta quando precisamos sabê-lo. Galmyght nos disse que devíamos deixar que a Luz fosse o nosso guia por toda a eternidade.
E quando Ghaceus mostrou ser a Luz que iluminou o infinito, soubemos que nosso Pai o escolhera para ser o nosso Guia.

Considerando como as coisas sucederam alguns milhares de Eras depois, eu suponho que foi nesse exato momento que a oposição nasceu no coração de Ghanog. É claro que ele é o deus dos Opostos, essa é uma de suas regências. No entanto, tenho quase certeza de que foi ali que a primeira semente da intriga que levaria a sua traição foi plantada no coração de Ghanog, por ele mesmo. A Escuridão foi o primeiro elemento a se manifestar no Início, e em sua arrogância, Ghanog deve ter pensado que esse fato lhe daria o direito de se colocar como nosso líder, um líder que com o tempo adoraria nos subjulgar como um mandante autoritário, o que os mortais chamam de ditador. Acreditem, sei como Ghanog pensa pois o conheço muito bem. Melhor do que eu gostaria…

O oposto de Ghaceus, como era de se esperar. Meu irmão da Luz nunca quis se impor sobre nós. Ele não se coloca no topo de uma hierarquia por nos ver como iguais. Ghaceus é amável, justo e altruísta. Nunca se julgou nosso líder, embora o vejamos assim, pois nosso Pai o criou com os atributos necessários para tal. Foi a escolha Dele, e de bom grado a aceitamos. Pelo menos, Ínfiny e eu, obviamente.

Ah, sim. Minha admirável irmã Ínfiny. É ínfimo dizer que o trabalho dela foi primordial no Gênesis divino. A Luz de Ghaceus iluminava tudo, mas os planos do Pai iam muito além de vivermos imersos infinitamente numa luz imensurável em toda a dimensão etérea. Foi nesse momento em que o propósito dela veio a tona, juntamente com um dos meus.

Ínfiny é a regente do Cosmos, a Manipuladora do Espaço, Tecelã de Dimensões. E foi exatamente o que fez. Minha irmã deu um princípio ao espaço infinitesimal que nos rodeava. Em volta de nosso plano etéreo, ela moldou um espaço físico e separou as dimensões, mantendo a nossa em coexistência com o que seria o universo.

Ínfiny contemplou o espaço físico com um manto de estrelas criadas por suas próprias mãos e colocadas uma a uma na imensidão azul escura com qual cobriu o plano físico separado de nossa dimensão. Ela desenhou galáxias, criou sistemas e moldou planetas. Eu contribuí diretamente nessa parte, afinal, levaria o que os mortais chamariam de bilhões de anos para os corpos celestes de Ínfiny tomarem a forma que ela desejava, e eu fui responsável por fazer esse tempo correr.

De fato, as coisas no espaço físico levam tempo para acontecer. Não é porque somos deusas que nossos feitos se dão instantaneamente. Para que tudo se desse, eu e ela trabalhamos como uma. Tem sido assim desde o Início. Somos contrapartes em união, do mesmo jeito que Ghaceus e Ghanog costumavam ser…

Contudo, devo dizer que toda a moldação do universo físico veio depois. A prioridade de Ínfiny foi nos dar um lar.

E assim surgiu Teodise, o plano dimensional dos deuses, o lugar onde vivemos. Algo que os mortais chamariam de "casa". Minha irmã foi a responsável pela criação de Teodise, mas não quer dizer que não tenhamos participado. Cada um de nós uniu poderes com ela para criar sua própria morada, o planeta que seria o receptáculo de cada um de nós. Não que fosse fisicamente um planeta, mas vamos chamar assim para os mortais ou qualquer outro ser que leia meu relato possa entender, afinal, somente um deus é capaz de compreender o que realmente é a morada de outro.

Como já imagino que suponham, o lar de meu irmão Ghaceus trata-se de um grande sol - Eliophis. Um fato curioso é que, embora seja o sol que ilumina Teodise, Eliophis só luminesce raios de brilho dourado quando Ghaceus está lá. Caso contrário, mesmo que continue aceso, é apenas um grande e fluorescente globo branco.

Paralelo ao receptáculo solar de meu irmãozinho, está Nebuluria, o lar de Ínfiny. Um conjunto de nebulosas que forma uma magnífica esfera com um anel galático de estrelas em sua volta, tão deslumbrante quanto a própria essência de Ínfy.

Frente a Eliophis, como dois pesos iguais numa balança, existe Erebysm, onde Ghanog vivia antes de sua expulsão. Eu posso descrever Erebysm como uma lua negra colossal combinada a mais duas meias luas de cada lado, e cujo epicentro é um vórtice como de um buraco negro que ao invés de sugar, lentamente expele um fluxo de sombras. Mas isso só acontecia quando Ghanog estava lá. Sem ele, é apenas uma cinzenta lua de atmosfera vazia.

As sombras sinuosas de Ghanog costumavam encontrar-se com os raios da luz de Ghaceus. Era o momento em que Teodise ficava igualmente dividida entre luz e trevas, numa perfeita harmonia que os mortais descreveriam como yin e yang em sua forma mais pura e literal diante de nossos olhos. Víamos o dia virar noite na forma única que só acontece no plano dos deuses, o que chamávamos de Equinócio da Dualidade. O momento em que Teodise se encontrava no ponto mais perfeito de equilíbrio, o ponto que subsequentemente servia como um pêndulo que determinava o equilíbrio de todo o Universo, físico e etéreo.

Era algo muito belo de se ver em toda sua plenitude. Mas, com a ausência de Ghanog, o Equinócio Divino se perdeu tal qual eu o perdi, há mais de três mil anos terrenos.

Mas isso já não importa. Aprendi a não me lamentar por Ghanog. Acho que nunca me lamentei, na verdade. Tudo o que o universo têm passado nos últimos três milênios não passa de seu grande chilique, e eu me recusei a apoiá-lo em tamanho espalhafato. Seu ato teatral de revolta foi escolha dele, então que assim seja.

Eu ainda não contei sobre o meu receptáculo. Ampus, o planeta etéreo onde fica minha morada. O lugar onde controlo todos os tempos de todos os seres. Onde as areias do tempo caem infinitamente, circulando no núcleo de meu lar que se divide em duas partes unidas por uma pequena passagem. Basicamente, Ampus se trata de uma ampulheta magnificente no interior de uma esfera composta por incontáveis linhas imateriais, na forma mais simples de descrever.

Minha morada define meu propósito como Deusa do Tempo. É onde faço meu trabalho. Cada uma das linhas temporais que aqui estão foram criadas por mim.

Toda vez que meu irmão Ghaceus transfere força de vida a algum ser, seja direta ou indiretamente, eu teço para ele uma linha do tempo. Elas compõe toda Ampus. Desde as mais simples e pequenas como a dos seres animais, até as infinitas linhas de nós, Deuses Supremos. Às vezes, as linhas de tempo se conectam
paralelamente, o que significa que dois ou mais seres dividirão um tempo de sua vida juntos.
Como as linhas de Ghaceus e Ínfiny, por exemplo. São tão unidas que quase se assemelham a uma só. Coloquei a linha temporal divina de Ghestiny próxima às deles, afinal, foi através da união de ambos que sua filha, a posteriormente definida como Deusa do Destino, veio a existência. 

É curioso dizer que mesmo como a Regente do Tempo, eu não sei exatamente quando o relacionamento de Ghaceus e Ínfiny começou. Só posso ter certeza de que isso também fazia parte das intenções de nosso Pai. Ele nos criou como seres evolutivos em conhecimento e habilidades. Ele disse que quando chegasse a hora determinada, descobriríamos uma força imensurável, o maior poder do universo que havia nos deixado como seu maior legado.

E eu creio que esse descobrimento começou quando os sentimentos de Ínfiny e Ghaceus um pelo outro despertaram. Como filhos criados de Galmyght, sempre houve um sentimento de consideração e apego fraterno entre nós. Porém, algo acima disso floresceu entre Infy e Ghacy.

Sei que para os mortais, não é lícito se relacionarem dessa forma entre os que nasceram irmãos. Mas somos deuses supremos, entidades etéreas. O fato de sermos todos filhos de um mesmo Pai é indiferente para nós nesses casos, e livre de implicações.

Eu me lembro exatamente como foi quanto a Ghaceus e Ínfiny, e quando paro para pensar, sempre acabo sorrindo. Sim, eu os espionava às vezes, não vou negar. Quando se vive eons numa dimensão divina como um ser superior eterno, se tem muito tempo livre para observar o que outros estão fazendo.
Foi algo curioso de se acompanhar, e de certa forma, adorável. Eu me sentia feliz pelos meus irmãos.

Nosso lar, Teodise, e o universo físico estavam prontos. Toda a expansão estava a nosso dispor para fazer o que quisermos, como se fossemos filhotes mortais e aquele fosse nosso playground. E não havia quem se divertisse mais do que meu irmão Ghaceus junto a Ghanog.

Redundante dizer que meu irmãozinho Ghacy dispõe de uma criatividade infinita, afinal ele é o deus da Criação. E para todos nós sempre foi claro o quanto ele amava o que foi criado para fazer. Ele convidou Ínfiny, para criarem novos planetas juntos. Planetas que iam além de esferas feitas de rochas e gás. Ele queria inventar, e Ínfiny sempre se mostrava extremamente disposta a participar de todo e qualquer experimento criativo dele. Ambos atravessavam as galáxias dela, e se divertiam entre as estrelas.

Eu via como agiam um com o outro. Era diferente do modo como se comportavam comigo ou Ghanog, e parece que ele e eu agíamos da mesma forma quando estávamos sozinhos. Não nos víamos mais como apenas irmãos, e tenho certeza que Ghacy e Infy se sentiam do mesmo jeito um com o outro, mas o que existia entre eles parecia bem mais profundo do que os sentimentos entre Ghanog e eu.
Embora, o laço que Ghanog e eu tínhamos tenha gerado a existência de nosso  herdeiro Gheseolth. Após a criação dos mortais, ele tornou-se o deus da Morte, recebendo uma das atribuições pertencentes ao pai dele, antes do exílio por sua traição.

Os sentimentos que tenho pelo primogênito divino de minha prole não poderiam ser mais genuínos, o que me faz pensar que talvez, apenas talvez, em algum lapso do tempo os sentimentos que Ghanog e eu uma vez tivemos um pelo outro também foram.

No entanto, eu sempre soube que entre Ghaceus e Ínfiny havia algo a mais surgindo. O poder indomável que nosso Pai disse que conheceríamos. A maior força do universo, a força chamada de amor.

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