QUARENTA E DOIS
Estive buscando um caminho para seguir novamente
Me leve de volta para a noite em que nos conhecemos
Quando foi embora daquela igreja, ele se sentiu tão renovado. A sensação de liberdade e alívio parecia inebria-lo, mas bem lá no fundo, algo o confundia, uma sensação de culpa enquanto aquela segunda voz se esvaía de sua cabeça, clamando que ele não fizesse aquilo.
Mas foi necessário. Pelo bem de sua própria sanidade, e da segurança da sociedade.
Peter agora vestia novamente seu antigo uniforme, o vermelho forte brilhava por culpa do sol lhe agradava tanto. Ele queria pular, dar piruetas, fazer tudo que uma criança faria, mas não podia comemorar muito naquele momento, então apenas gargalhou aquela sua famosa risada de criança, não era muito estranho que seu nome fosse Peter, porquê lá no fundo, ele ainda era uma criança como Peter Pan. E tão semelhante a história de Pan e Gancho, Peter estava destemido a ir direto para a mansão de Phill, e pegá-lo.
Contudo, ele se culpava tanto por estar fazendo tudo isso tão tarde...
Chegando, ele foi se aproximando do lar do filho da puta, e suas narinas inalaram um cheiro esquisito por perto e isso o incomodou, mas ele deixou pra lá. Ele então saltou mais vezes, até se grudar nas paredes da casa e subir até uma janela. Mas quando chegou lá, tudo que conseguia enxergar era vermelho escarlate, e quando Parker parou para olhar cena pela vidraça, ele viu o corpo de Phill inconsciente e estirado no carpete, e ele nunca, sequer imaginaria que a responsável por tanta violência, seria...
Arabella.
Ele fixou seu olhar para onde ela se encontrava enquanto lutava para se separar dos braços de seu amigo Harry Osborn, e Peter não conseguia discernir o que sentia, mas sabia que poderia descrever como dilacerante. Por quê ela fez isso? Ele não conseguia tirar os olhos dela, mas naquele momento, ele teria que expôr a criança dentro de si, e assumir os riscos, escondendo o que sentia.
— O quê está acontecendo? Que tipo de reunião é essa onde eu só vejo sangue e violência? Um filme do Tarantino? Carrie, A Estranha?
Então quando ele levou Arya embora dali sentindo o profundo desespero e caos exalando dela, Pete enxergou seu mundinho de novas oportunidades e sonhos se despedaçar novamente. Ele se sentia nauseado, e pior, traído. Porquê ela não contou nada a ele? Ele já estava informado há muito tempo que Phill era um agressor, e recentemente de que ele era um maldito assassino. Ele daria um jeito naquela bagunça, ela não precisava... fazer aquilo.
Entretanto, mesmo ela escolhendo um caminho perdido, ele não seria aquele que a rejeitaria. Ele desejava estar ao seu lado, mesmo que isso contrastasse demais com seus ideais.
Mas quando ela pediu que ele deixasse ela... ele lutou para não se desfalecer. Peter estava obstinado a lutar contra seus princípios para que ele pudesse ficar junto dela, apoiando-a, dando-lhe sempre proteção, caso fosse necessário. Mas ela apenas avisou o óbvio, ela fez uma escolha; e eles não poderiam ficar juntos mais. Então, tudo que sobrou foram as lembranças... Flutuando como poeira sobre os olhos de Parker.
As memórias de uma garota, sorrindo maliciosamente, enquanto brincava com sua característica lata de spray, rindo impiedosamente sempre que destruía lojas e patrimônios públicos como se não significassem nada. Como se fossem apenas brinquedos.
Ele ainda se recordava da noite mais maluca deles, quando ele encontrou ela chapada, resultados de maconha, cervejas, e uma família chata. Estava claro que ela odiava a própria vida, achava tudo tão miserável. Mas o prazer imediato de poder fazer sua própria arte era imprescindível, ela tinha a capacidade de projetar o caos na cabeça de seu papai, e por isso estava rindo debilmente, completamente bêbada enquanto fazia rabiscos sem sentido algum na lanchonete que Peter Parker costumava comprar seu sanduíche todos os dias antes de ir para o Midtown.
Ela virou o rosto para trás, sentindo a presença de alguém, e somente então seus olhos inchados e avermelhados captaram o Aracnídeo.
— Você realmente me odeia, não é? — afirmou, com a voz fraca e tombou sua cabeça para o lado, fisgando os olhos azuis nele.
De fato, ele odiava mesmo. Considerava ela uma patricinha gótica rica, que tornava seu trabalho entediante.
— Hum, deixa eu pensar... — ele se fingiu pensativo — De todas as noites esse mês, eu estive atrás da dondoca gótica quase todas. Então, esse sentimento é compreensível, não acha?
Ela riu, descompassadamente. O Aranha parou para observá-la, ela ainda parecia uma maluca gótica, mas uma versão bonita, e não a versão desleixada de sempre. A menina vestia uma jaqueta de couro preta, uma camisa provavelmente de banda, e saia de pregos vermelha.
Ele ficou enrolado por um minuto, olhando para a saia dela, as pernas destacadas naquele coturno... Talvez fosse seus hormônios adolescentes gritando, não que a rica fosse realmente uma gata, nunca que ele admitiria isso.
— Toda noite eu te puxo para mim, sem querer, seu bobo. Então, quem tem a teia aqui, hein?
Peter estava incrédulo, talvez ele tenha se deixado levar pelo jeito como seu olhar turquesa era tão penetrante sobre ele, mas seu sorriso provocativo também parecia tão hipnotizante...
— Agora, eu vou correr seu filho da puta!
Ela anunciou tão rápido, que o pegou desprevenido.
Ou ele estava distraído demais observando ela.
Quem responderia essa?
— Ei, espera, você o quê? — ele partiu atrás dela, sendo obrigado a atirar suas teias na direção do corpo da garota, que estava um pouco mais a frente que ele. No entanto, ele tropeçou nas próprias teias, se desequilíbrio, e caindo na própria armadilha, enquanto puxava ela para ele. Arabella fez o mesmo. Talvez fosse certo que os dois poderiam sair dali e assinar o compromisso de estupidez, mas o quê aconteceu foi eles dois caindo bruscamente no asfalto.
O quê se ouviu depois foi apenas a risada de Arabella, acabando com o silêncio constrangedor de Peter Parker. Ela estava debaixo do corpo do Homem Aranha, e sua mente se divertia bastante com essa situação.
— Adoro quando você faz isso — ela dedilhou o torço dele com o dedo indicador, sorrindo que nem uma criança travessa. — Você também gosta, vai... É seu gosto peculiar, eu sei. Ninguém te entenderia.
Arabella não odiava o Homem Aranha.
Não ainda.
A morte ainda não havia esse sentimento.
— O quê... Eu o quê? — O Herói se questionou, confuso, olhando para ela, que permanecia presa debaixo de seu corpo.
— Me amarrar com sua teia. Você meio que tá dando uma de Christian Grey, só não sei se é de propósito.... — ela sorriu, confessando, enquanto a pontinha de seus dedos pontilhava na quase abertura de sua máscara. Ela tinha um desejo forte de puxá-la, mas nunca passaria dos limites, Arya tinha respeito com o cara, apesar da maldita curiosidade — Gosto de te irritar fazendo a mesma coisa todas as noites, é divertido.
Peter bufou, irritado e se afastou do corpo dela.
— Isso não tem graça.
— Pois para mim tem.
— Você é louca. — Ele ouviu novamente a risada dela ecoar sobre seus ouvidos, sentindo uma vontade maluca de calar sua boca com suas teias.
— Eu, louca?! Está afirmando mesmo o cara que se veste e age como uma Aranha Humana? Não seja hipócrita, talvez a frase correta seria, que você é louco! Mas, eu não descarto minha locura, é divertido andar fora da linha, já experimentou fazer isso?
As imagens daquela noite desapareceram como vento na memória de Peter, consternado com a partida da garota.
Ele sentia raiva, ódio, revolta, dor... Ele estava sofrendo por ela, e foi obrigado a vê-la a se despedir dele, tudo porque ela escolheu sujar suas mãos com sangue. Se ele nunca tivesse se envolvido com ela... será que as coisas seriam tão psicóticas quanto pareciam?
A realidade é que ele sabia que sim; elas continuariam sendo. Ele ainda continuava sendo responsável por não ter conseguido salvar sua mãe de um assassinato. Isso era algo que ele não conseguia se perdoar nunca, e o amor que nutria pela filha só piorava o remorso que tinha.
Ele apertou com muita força, a fita vermelha. A única lembrança palpável da relação dos dois.
— É, realmente acabou.
Ele afirmou, deixando um suspiro sair de sua boca.
Arabella estava desesperada. Sentia que precisava de ajuda, mas a única pessoa que poderia lhe ajudar, ela tinha feito o trabalho de chutá-la para fora de sua vida. Então, ela estava realmente perdida. A menina bufou, encarando a quantidade nauseante de flores, fazendo-a lembrar do quanto odiava elas. Ela alisou as mãos no rosto suado e olhou para trás, enxergando a porta que possivelmente levava o dono do apartamento ao seu terraço, percebendo que ela era inteiramente feita de vidro. Ela mordiscou os lábios, destruir e vandalizar lugares não era incomum na sua vida, e bem, ela já quase assaltou uma joalheria... era uma regressão, mas dessa vez, ela precisava fugir.
Diferente de antes, seus motivos eram humanamente plausíveis, certo?
Mesmo quase desmaiando no escritório de seu pai, ela nunca deixaria sua arma abandonada lá. Ela puxou a pistola de um dos bolsos de seu jeans surrado, e se aproximou da porta, e sem pensar muito, quebrou o vidro com o objeto. Rapidamente, ela adentrou ao lugar, descendo com pressa os degraus da escada, enquanto agradecia por estar tudo vazio, ela deveria fazer o mesmo com Parker, que escolheu esse local justamente pela segurança que ele trazia. Arya então se viu dentro de um quarto feminino, e mais uma ideia surgiu na sua cabeça, ela bruscamente abriu as portas do guarda-roupa e roubou um vestido exageradamente florido e longo, a careta que fez ao vê-lo foi hilária, mas não podia sair por aí suja de sangue, ou que desculpa daria? Que trabalhava em um açougue? Não colaria. Ela então vestiu a roupa e escondeu a arma dentro do bolso do casaco que também roubou do armário, retornando a sua fuga.
A menina começou a caminhar depressa nas ruas nova iorquinas com os quatro olhos abertos, enquanto sentia a necessidade de abraçar seu corpo. Ela precisava passar em uma farmácia, mas também necessitava de dinheiro. Ela bufou, frustrada por não ter pensado num detalhe inútil desse antes, roubar uma farmácia só deixaria ela exposta. Arya olhou a sua volta, percebendo uma lanchonete, com mesas fofas enfeitando a calçada. Ela se aproximou feito gato do local, fazendo com que ninguém notasse sua presença. Ela correu para uma das mesas, encontrando-se com um senhor de idade. Ele parecia agradável, mas não poderia agir de qualquer jeito. Se ela fosse como uma mendiga, tinha certeza que não receberia quase nada, então escolheu a defensiva.
— Olá!— ela disse alto, assustando o idoso. Ele olhou arregalado para ela, a possibilidade da morte daquele homem era alta por consequência do susto. — Estou precisando de ajuda. O senhor conhece a rua...
— Que rua, criança?
— Aquela rua! Com o nome.... Aquela rua, senhor!
— Que rua! — o homem já estava ficando completamente nervoso.
— A da minha casa! — Arya gritou as primeiras palavras que lhe vieram a cabeça, deixando o velho transtornado, e no primeiro ato ela saiu correndo.
Conseguindo levar consigo uma carteira.
Então, como previsto, ela foi correndo em busca de uma farmácia. Não foi difícil de se encontrar, visto que remédios são necessários para todo mundo, então isso torna uma farmácia um serviço público. Ela entrou no local, tentando esconder a cara de quem havia cometido o ato mais estúpido de todos os tempos, e foi direto para a sessão de cabelo. Ela cobriu bem o rosto com o capuz do moletom, e puxou da prateleira uma tinta.
— Eu posso usar o banheiro? — ela perguntou ao balconista, enquanto pagava pela caixa. Ela parecia extremamente entediado, e com um leve aceno respondeu que sim, apontando com um dos dedos o caminho do banheiro.
Ela começou a fazer todo o procedimento do tutorial da caixa, molhando o curto cabelo castanho na pia e aplicando a oxigenada, sentindo sua cabeça inteira começar arder e depois jogou a tinta. Para sua infelicidade foi obrigada a esperar alguns minutos para a cor pegar, e enquanto esperava, ela temia que o cara entediado notasse sua demora. Quando acabou o tempo da cor loira pegar, ela molhou o cabelo novamente, retirando o excesso da coloração.
Antes de se mandar dali, Arya não aguentou olhar sua imagem no espelho. Ela via uma garota usando um vestido longo florido e moletom, enquanto seu cabelo estava destruído. Arabella não era mais ela mesma, ela sentiu uma pequena gota de lágrima escorrer de um de seus olhos e praticamente estapeou sua bochecha para limpá-la, foi nesse momento que ela percebeu que já estava mais do que na hora de ir embora dali.
Arabella então trilhava o mesmo caminho sujo, que durante tanto tempo foi seu conforto, e que na sua última vez que esteve ali, pagou por sua pistola, e internamente, pelo estopim de sua reputação. Ela ergueu os olhos, e viu que já estava escurecendo, e as ruas estavam ficando desertas. A garota abraçou seu corpo coberto pelo moletom roubado, e depois de tanta adrenalina, ela estava com medo e cansada. Haviam poucos rostos, mas sentia que poderia haver olhos julgando ela em todo lugar, ela não tinha mais informações de seu pai, Harry ou Peter há horas, e com a confusão do dia ela perdeu seu celular.
— Arabella Green resolveu destruir o próprio cabelo? — a menina paralisou, amendontrada com o tom debochado que ouviu.
Não queria virar para trás.
Não queria.
Mas quando fez isso, ela quase desabou ali mesmo.
músico citada: the night we met
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