Capítulo 2
Amar é viver plenamente.
(Como dizem os poetas).
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Sam ajudou Trent a andar entre as árvores. Eles deitaram no chão. Conectando-se com o elemento terra. Os lobos têm um ponto de vista espiritual xamânico. E Trent aprendeu com sua avó que a terra cura. Ele pediu que Samuel esfregasse um pouco de terra nele. Já já começaria a nevar. O inverno estava chegando. O solo estava úmido.
O cântico da sua avó ecoava em sua mente. – "Mãe eu te sinto sob os meus pés. O seu coração eu posso escutar". – A Terra é nossa Mãe. Mãe, me cure... me deixe inteiro de novo. Fortalece meu coração. Cura minha alma. – Trent falava baixinho. Ele sentiu os dedos de Sam entrelaçarem nos seus e apertar. Sorrindo, lembrou de quando eram crianças e fugiam para as montanhas para brincar juntos. Correr. Fazer coisas de crianças. Depois na adolescência... descobrindo os sentimentos. Transformando-se pela primeira vez...
-- Eu tava lembrando quando você se transformou em lobo pela primeira vez. Lobos transformam-se mais cedo de que as fênix. – Sam tinha um sorriso na voz. – Eu achei que era a coisa mais linda que eu já tinha visto.
-- Você jogou um graveto e mandou eu buscar. – Os dois caíram na gargalhada. Mas, em algum ponto do caminho a risada virou chuva. Sam agarrou Trent que tremia em uma tempestade e abraçou seu corpo junto ao seu. – Eu tô com tanto medo, Sam. Medo de você cansar de mim. Medo de nunca mais ser eu mesmo. Medo do meu lobo não voltar mais.
-- Isso são só inseguranças. Você é o cara mais corajoso que eu conheço. – Sam falava com convicção. – Quando entrei em combustão pela primeira vez. Poderia ter acontecido um acidente muito grande. Estávamos na escola e você entrou nas minhas chamas e me acalmou.
-- Sam, isso não vale como coragem. Eu sempre soube que você era meu companheiro. Mesmo antes de saber o que isso significava. – Trent deu um tapinha no ombro de Sam. O fênix respirou um pouco mais aliviado. O clima estava menos pesado. Menos triste.
-- Vamos voltar. Está amanhecendo. Se alguém me ver voando o prefeito Swanson vai me matar. – Samuel pegou Trent nos braços e voou para casa.
Tomaram um banho e dormiram até meio-dia. Sam teve uma ideia. Tudo o que ele e tio Sean tinham tentado não deu certo. Mesmo doutor Nolan não conseguiu fazer com que Trent se abrisse e contasse o que aconteceu na clínica. Ele colocaria seu plano em andamento quando acordassem.
Sam levantou primeiro. – "Trent está muito esgotado emocionalmente. Ele vai dormir por pelo menos mais uma hora. Vou aproveitar e fazer o almoço". – Com esse pensamento foi pra cozinha. Ele ficou espantado com a expressão no rosto de Sean McLean. Era o desespero cru.
-- Não esperava por você no almoço. Ainda bem que ainda vou começar a preparar alguma coisa. – O jovem ruivo abriu a geladeira separando os ingredientes. Abriu armários, pegou panelas. O silêncio era opressor.
Finalmente, o mais velho falou alguma coisa. – Eu não consegui ficar na oficina hoje. Eu ia dar na cara daquele merda se ficasse por lá. – Deu um sorriso triste. – Como foi o passeio de madrugada?
-- Foi bom. Melhor do que eu esperava. A ideia, na verdade, foi de Trent. – Sam sacudiu a cabeça. – Eu tenho feito tudo errado. Escondendo ele do mundo. Com medo de machucarem ele de novo.
Barulho de porta abrindo e da cadeira de rodas deslizando pelo assoalho de madeira. Trent entra na cozinha bocejando. – Hmm. Que cheiro bom. O que vamos comer, Sam?
-- Spaghetti a carbonara. – Sam fala com sotaque italiano e beija a ponta dos dedos num gesto exagerado. Trent ri. Sean sorri um pouco.
Depois que comeram, Sam lavou a louça e sentou à mesa enquanto tio Sean passava um café. – Eu tive uma ideia depois que voltamos da montanha. Que tal se escrevêssemos uma carta. Trent, você não consegue falar o que está sentindo ou o que aconteceu naquele lugar. Então, escreva. Eu vou escrever também. E Sean... escreva como se você fosse entregar a carta ao seu companheiro. Não precisamos entregar a carta no final. Só se sentirmos vontade. O que acham? – Seu olhar passeava entre um e outro. – Pelo menos assim, podemos colocar pra fora o que nos corroe por dentro. Hmm?
Trent quebrou o silêncio. – Não vai ser obrigatório entregar a carta, é isso?
-- Isso. Só se quiser. – Reforçou Sam.
-- Eu topo. – tio Sean falou colocando o café e as xícaras na mesa.
-- Feito. – Trent também aderiu a ideia.
-- Então, vamos colocar um prazo. Uma semana. Daqui sete dias traremos as cartas pra cozinha e quem quiser entrega, senão queimamos.
Foi uma semana tranquila. Colocar os sentimentos no papel acalmou os corações daquela casa. Os cômodos tinham música para inspirar (ideia de tio Sean e claro ele colocou as velharias dele). Em sete dias estavam os três na cozinha, antes de preparar o jantar.
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Querido Trent.
Companheiro.
Amor...
Trent,
(Minha Deusa, como é difícil começar isso. Respira fundo)
Eu não sei por onde começar. Você me conhece a vida inteira. Sabe como eu me sinto em relação a você. Descobrimos que somos companheiros desde o primário. Pelo menos você disse que eu cheirava como seu companheiro. Os shifters fênix não sentem um cheiro. Eles sabem quem são seus companheiros por eles não se queimarem em nossas chamas. Então, a confirmação veio no colégio. Mas, eu sempre acreditei em você e o fato de você me abraçar naquele dia.... Eu fiquei aliviado. Porque eu já estava irremediavelmente apaixonado.
(Eu não devia estar escrevendo o óbvio).
Os três meses que você ficou naquele lugar foram os mais desesperadores que eu passei na vida. Eu sabia que tinha alguma coisa errada. Que aquilo tudo era errado. Como seu pai, aquele filho da puta, pôde fazer isso?? Separar companheiros!!! Eu sempre soube que ele não gostava de mim. E essa atitude só confirmou.
Quando soube da sua partida fiquei sem chão. Fui brigar com o Alfa Ortiz. McLean ficou do meu lado. E ... meu pai mandou que eu me desculpasse.
Como assim? Como meu pai ... MEU PAI... podia exigir uma coisa dessas!! Eu me recusei e fui expulso de casa. Aquele homem (não posso mais chama-lo de pai) disse que fui desrespeitoso com ele como chefe da família e com o alfa da cidade. Como se Carlos Ortiz fosse o presidente shifter eleito para nos representar a todos os shifters. Um homofóbico, que ignora o próprio filho? MEU CU!!! (Desculpe... ele é seu pai).
Seu pai disse que eu ainda era menor de idade, e não podia decidir nada em relação a você ou a reivindicação sua como meu companheiro. Mas, no mês seguinte fiz aniversário e voltei na casa do alfa para te buscar e ele recusou-se a dar o endereço da porra da clínica. Sean saiu na mão com ele. O prefeito teve que interferir e bem no dia que Tom teve bebê. Foi um show de horror. Senti tanta impotência, mágoa, raiva. Agora seu pai dizia que não me devia nada porque não éramos marcados? Como assim!?
Antes eu não podia reivindicar você por ser menor de idade. E, então, sou maior de idade e não podia ter você por não ter te reivindicado?! Parecia uma piada de mau gosto. Uma pegadinha ruim.
Voltei para casa. Sean foi com Swanson ajudar no parto de Thomas. Foi a primeira vez que tomei um porre.
As semanas seguintes foram de luta. Até Megan intercedeu. E foi por ela ameaçar tirar o título de alfa de seu pai que ele cedeu e o trouxe de volta. E assim, eu e McLean conseguimos te tirar daquela casa. Tia Meg deve ser mais do que imagino. Quando ela encarou seu pai vi medo genuíno no olhar do homem.
O momento que eu tive você nos meus braços de novo... eu pensei que meu coração iria explodir. Na minha ingenuidade achava que era só dar amor e carinho e ... puff... como num passe de mágica eu teria o meu Trent de volta.
Mas, você não falava nada. Quebrava tudo. Me agredia. Cheguei a cogitar ter feito a coisa errada ao tirar você da casa do cuzão do seu pai. Te ver no chão, quebrado, sofrendo... me fez entender o meu erro de conduta.
Espero não ser tarde demais para reconquistar a confiança e a amizade que tínhamos. Espero que você possa aceitar meu amor, mais uma vez. Porque eu nunca deixarei de te amar, Trent. Meu amor por você vai durar até o dia em que minhas cinzas congelem.
Com amor, infinito...
Sam.
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Sam,
Antes de tudo eu quero que você saiba que meu amor por você não mudou em nada. Eu sei que aquele discurso de "não é você, sou eu" é ridículo, mas é exatamente assim que eu me sinto.
Quando meu pai me forçou a voltar pra casa e aceitar o tal "tratamento" eu pensei: eu vou, fico uns dias. Vão ver que não tenho nada de errado e vou voltar para meu companheiro. Por fora a tal clínica parecia um lugar bom. Entrei e vi uma bela recepção. Pacientes conversando. Cheguei a ficar otimista. Que piada.
Dois caras maiores que armários me ladearam e conduziram para um elevador. Eu estranhei. A clínica era térrea. Me empurraram pra dentro e o negócio começou a se mover. Provavelmente, pra baixo, né... já que pra cima não ia dar. Não nessa dimensão, pelo menos. Me aplicaram uma injeção e me jogaram numa sala com mais algumas pessoas. Em alguns minutos alguns de nós mudamos para nossas formas shifters, outros não, eram humanos afinal de contas.
Os humanos, certamente, foram levados para cima. E os shifters.... nós... Pelos Deuses, Sam... foi horrível. Nos levaram pra um lugar onde fazem experiências. Um lugar de tortura. Mutilação. O dano físico era ruim. O psicológico era mil vezes pior.
Nos cortavam e mediam o tempo de cura. Cortavam membros fora pra ver se cresciam de novo.... SE CRESCIAM DE NOVO!! O que era aquilo!!! Alguns tiveram órgãos retirados. Separavam companheiros para ver se um deles morreria pela distância. Faziam um companheiro presenciar o estupro do outro. Nos mantinham em jaulas como se fôssemos animais. ANIMAIS, SAM.
Descobri a existência de seres que pensava só existirem em fábulas e contos de ficção. Dragões, vampiros, fadas. Sam... todos mutilados, quebrados. Um dia arrancaram as asas de um fae na frente de vários seres para mostrar o que acontecia com os "rebeldes". Eles morrem sem as asas. Eles descobriram isso naquele momento. Eu pensei que meus dentes trincariam de tanto ódio que senti.
Como sou um alfa, como meu pai, tenho mais resistência e curava mais rápido. Então, me penduraram e começaram a me sangrar. Sam. Eu só comecei a entender o que estavam fazendo quando meu corpo teve dificuldades de repor o sangue. Não me davam comida, ou bebida suficientes. Só o pouco para não morrer desidratado ou desnutrido.
Senti meu lobo recuar. Fiquei desesperado. Depois de dias. Pareceram anos. Me soltaram. Injetaram aquela droga que forçava a mudança de forma... e meu lobo não veio... ele não veio... fui considerado um ser humano normal e transferido pra cima. Certamente, isso fez com que o pedido de retorno do meu pai fosse atendido. Que ironia. Eles me "curaram" da "aberração" que eu eram. Essa era a visão deles.
Vi os cadáveres daqueles que não foram curados. Não sobreviveram ao processo hediondo.
É por isso que não posso prender você a mim. Sam... desconfio que meu lobo não existe mais. Não posso ser seu companheiro. Estou quebrado. Mutilado. Não consigo nem andar. Doutor Nolan realizou alguns exames e não viu nada de errado na coluna ou nas pernas. Ele diz que é emocional. Se ele tivesse visto o que vi teria arrancado os próprios olhos.
Eu te amo tanto, Sam... eu imaginava coisas... eles capturando você.. me obrigando a ver você ser torturado... ao mesmo tempo a lembrança de seu toque... dos seus beijos... mantiveram minha mente no mínimo para não se perder.
Cortar um pedaço do cérebro é lobotomia. Ter uma parte da alma seria o que? Psicotomia? Foi isso que sofri ali, naquele lugar. Arrancaram uma parte da minha alma.
Como eu posso te obrigar a cuidar de mim? Eu não sinto mais seu cheiro... EU NÃO SINTO MAIS A PORRA DO SEU CHEIRO. E se tudo que me fazia seu companheiro morreu? Eu clamo à Deusa que me leve. Toda noite. TODA A MALDITA NOITE. Eu peço para morrer durante o sono. Uma morte sem sofrimento. Assim, você seria livre. Porque eu te conheço melhor do que você mesmo e sei que nunca irá me deixar ir.
Ao mesmo tempo o instinto egoísta de sobrevivência me impede de tirar minha própria vida. E é por sentir esse eco baixo e raquítico que mantenho uma esperança ridícula de que meu lobo ainda está dentro de mim, em algum lugar. Eu sei disso. Porque meu amor por você não mudou nada. E tenho certeza que se meu animal tivesse morrido de vez... eu seria agora uma casca oca. Sem sentimentos, sem memórias.
Eu sei que devia ter ido correndo ao prefeito Swanson contar sobre aquele lugar. Ele precisa ser destruído. Os seres resgatados. Mas, ainda não conseguia reviver tudo o que vi e fui submetido lá.
Eu preciso da sua força, Sam. Não da pena. Da sua força. Do seu amor. Eu preciso sair dessa escuridão. E eu sei que só você tem a corda que vai fazer isso. Eu sou um egoísta do caralho. E prendo você a mim. Como uma boia no meio do oceano. E ao mesmo tempo te afasto, pois sei, racionalmente, que eu não tenho esse direito. No final todo esse esforço pode se provar em vão.
Eu te amo.
**
No dia combinado eles se encontraram na cozinha, antes do jantar. Sam e Trent entregaram a carta um para o outro. Claro que a comoção foi tanta que tiveram que pedir uma pizza. Ninguém teve condições de cozinhar. O negócio da carta deu certo. Eles conseguiram desabafar. Tirar de dentro o espinho que estava intoxicando cada um deles.
Sean olhou para o seu envelope. Pegou um fósforo e o queimou. (Quem quiser saber o que ele escreveu comenta e eu faço um extra com a carta do tio Sean para o seu companheiro).
Restos de pizza e garrafas vazias de cerveja se espalhavam na mesinha de centro da sala de estar.
-- Temos que contar essas coisas para o prefeito Swanson. Esse negócio dos experimentos em shifters e outros seres. – No final, Trent concordou em deixar Sean ler a carta. – Ou pelo menos levar a carta para ele ler.
-- Leve a carta até ele, McLean. – Concordou Trent. – Não posso mais esconder o sofrimento de outros atrás do meu próprio. Isso não é justo com os que ainda estão sendo torturados lá. – Ele sentiu sua mão sendo apertada pela mão de Sam. Sua fortaleza. Deuses, como ele amava esse homem com cabelos de fogo.
Uma comoção do lado de fora chamou a atenção dos três antes mesmo das batidas na porta da frente. Foram ver o que estava acontecendo. Era Carlos Ortiz e seu círculo interno da matilha, ou seja, o seu beta e seus sentinelas. Sean tinha tirado os últimos três dias de folga. Mas, desconfiava que não era por isso que os lobos estavam ali, na frente da sua casa.
-- Devolvam meu filho. – O alfa Ortiz rosnou as palavras. – Ele não correu com a matilha na lua cheia, como é seu dever como filho e sucessor do alfa. Ele foi sequestrado de dentro da minha casa e, claramente, não está sendo tratado corretamente visto estar numa cadeira de rodas.
Dois sentinelas deram um passo à frente como se fossem carregar Trent para fora da casa. Sam tomou a frente da cadeira de rodas, protegendo seu companheiro. Sean ligou para Peter um pouco antes de abrir a porta.
-- Como esse viadinho ruivo não teve a competência de reivindicar meu filho; é minha prerrogativa como seu Alfa e como seu pai o tomar sobre minha guarda. – Falou cuspindo no chão.
Peter desceu do carro, Tom com Kayla no colo e Jaylen. Prontos para defender as leis e os costumes da parte sobrenatural da cidade.
-- Seu bosta hipócrita. – Sean estava possesso. A raiva e a frustração atingiam níveis estratosféricos e seu sangue queimava como se tivesse ácido nas veias. – Eu estudei as leis da matilha, Ortiz. E sei que eu também tenho minhas prerrogativas.
O Alfa ficou branco. – Você não teria coragem. Não se atreva seu enrustido de merda. Eu sei que você trepa com a dona do restaurante. Não me venha falar de hipocrisia.
Aquilo foi a gota d'água. – Podem sair da minha propriedade. Trent não vai a lugar nenhum.
O beta deu um passo em direção a Sean. – Com que autoridade você diz essas palavras?
Um sorriso maquiavélico se desenhou no rosto de Sean McLean. – Anote aí, senhor prefeito. Eu mantenho Trent sob minha guarda pela prerrogativa de Companheiro do Alfa.
Com essas palavras ele dá as costas e entra em casa seguido dos dois rapazes. Todos na rua ficam com a boca aberta e levam seus olhares para Carlos Ortiz. O alfa trinca o maxilar com raiva subindo em sua motocicleta e indo embora.
-- Meu tio sabe tocar fogo no cabaré com classe. – A risada cristalina de Thomas ecoa na rua vazia seguida da risadinha da bebê.
Os três correm pra dentro com a curiosidade saindo pelos poros.
**
E aí bruxaradaaaa!!!
PEGA FOGO CABARÉÉÉÉ'!!
O que foi isso?? Tio Sean!! Você é foda. huahuahuahuahua.
Bem gente, quem quiser saber o que o Sean escreveu pro seu companheiro me avisa.
até a próxima att.
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