Capítulo 10

"Ao coração que sofre, separado

Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,

Não basta o afeto simples e sagrado

Com que das desventuras me protejo.

Não me basta saber que sou amado,

Nem só desejo o teu amor: desejo

Ter nos braços teu corpo delicado,

Ter na boca a doçura de teu beijo".

(Olavo Bilac)

**

Um Trent quieto e pensativo estava sentado no lugar do passageiro enquanto Bonny dirigia para Bitter Creek. Para sorte deles tinha parado de nevar. Como ele deixou as coisas ficarem desse jeito. Ele tinha que recuperar seu companheiro. A confiança. O amor. – Merda! – Trent bateu o punho na porta do carro, perto da janela.

Bonny olhou de lado para o rapaz, que se sentia miserável no momento. Ela suspirou alto chamando atenção. Quebrando a bolha de auto piedade do jovem lobo. – Não fique tão chateado. Hormônios fazem qualquer um ficar instável. Vocês vão se acertar. São companheiros depois de tudo. – Ela tentava tirar Trent daquela tristeza profunda que viu em seus olhos.

Ela já esteve lá. Conhecia o desespero. Cuidar de Nina foi o que salvou sua sanidade e tornou-se fonte de alegria. Depois de um tempo. Um tempo que pareceu muito longo. Longo e sofrido.

-- Obrigado, Bonny. Você pode me deixar na casa da tia Meg? Preciso... eu... quero ver se Sam está bem. – Ele precisava implorar seu perdão. Isso. E cuidar deles. Eles. Plural. Ele ia ser pai. Pelos Deuses. A ficha começava a cair. – Eu vou ser pai – sussurrou como se precisasse ouvir o som daquelas palavras para torna-las mais reais. – Eu vou ser pai. – Ele olhava para Ebony que sorria olhando para a estrada. – EU VOU SER PAI. – Trent começou a gritar. Alegria e tristeza tudo misturado num nó no peito. E um choro sentido e cheio de culpa. Sam tinha de perdoa-lo.

Bonny nem bem parou o carro na frente da casa de Megan e Trent já pulava, Ebony teve que brigar ajudando Trent a andar e não correr até a porta. Ele ainda não conseguia andar sozinho. Claro que tia Meg já abria antes de alguém bater. – Acalme-se, rapaz.

-- Onde está ele? Onde está Sam? – O jovem lobo vasculhava a casa. Apoiava onde conseguia, sem equilíbrio, quase caindo. Tentava sentir o cheiro de seu companheiro. Ele só parou quando um homem alto o segurou pelos ombros.

-- Receio que Sam ficará fora nos próximos meses. Ele deve procurar lugares escarpados em montanhas altas para fazer seu ninho. E ficará em sua forma de fênix até o ovo quebrar. O que, geralmente, é rápido nos pássaros. – Connor falava com um Trent atônito.

-- Quem é você? E o que você sabe de Sam? – Com o olhar passando de Connor para tia Meg.

-- Sou Connor Phoenix. – Aperto de mãos. Trent foi empurrado em uma poltrona.

-- O tio exilado de Sam. – Ele lembrava de algumas histórias.

Bonny falou algo no ouvido de tia Meg, despediu-se de todos e saiu.

Trent estava de olhos fechados assimilando tudo. – Ele vai ficar três meses num penhasco, sem sair do ninho, sem comer. É isso que você está me dizendo?

-- Sim. Normalmente, o companheiro, que também é um fênix, miscigenação é raro em alguns clãs, é um tabu no clã de meu irmão; mas, normalmente, o companheiro o supri de suas necessidades levando alimento, o protegendo do frio e vento. E, nessa época do ano, da neve. Não sei se ele vai conseguir levar tudo até o fim com as nevascas lá no alto.

-- Sim, companheiro fênix. Isso traz outra pergunta. Como eu, um lobo, despertei o gene ômega recessivo de Sam? Eu não entendo. Eu sei que nós nunca ficamos com ninguém. Esperamos um pelo outro. Eu entendo a mágoa de Samuel. Mas, eu não consigo pensar em outra coisa. Ou ele dormiu com algum fênix ou as informações do clã não são tão exatas.

-- As informações são exatas. – Connor falava com um tom de cautela que atraiu a atenção de Trent. – As suas, sobre você mesmo, é que não são.

-- Eu não estou ligando os pontos aqui. Seja mais explícito por favor. – Trent queria desesperadamente tirar o sentimento pesado de culpa de seu coração. Algum argumento que pudesse usar para chegar em Sam.

Connor levantou. Andou até a janela que dava para a rua torcendo um pouco as mãos. Com um suspiro soltou de uma vez. – Eu sou seu avô. A sua avó foi minha companheira. Quando descobrimos ela já era casada com o Alfa Guilhermo.

Trent arregalou os olhos. Sua mente deu um segundo de pane. Por que nunca soube disso? Ou pelo menos dessa possibilidade. Ele estudou os arquivos. Quer dizer, estudou o que o conselho disponibilizava para ele. Será que seu pai sabe que é meio fênix? Respirou fundo. Depois lidaria com toda a implicação dessa informação. Já que tudo o que ele conhecia foi, possivelmente, editado.

-- Onde ele foi? Tem uma dica? Coisa de fênix ou algo assim? – Trent tentava passar calma na voz. A preocupação o devorava.

-- As fêmeas e os ômegas voltam para o local de seu próprio nascimento. Eu não estava aqui, então não sei onde pode ser....

-- Eu sei. Eu e Sam sabemos tudo um do outro. Pelo menos as partes que não foram editadas. – Era evidente seu desgosto sobre as coisas que estava descobrindo de si mesmo. – Mas, não estou conseguindo andar sozinho. Como vou até ele?

Megan percebeu que Connor iria se voluntariar e o cortou. Sabia que ele seria mais importante em outro lugar. – Connor, você tem coisas para fazer em outro lugar. Eu cuido de Trent.

O fênix balançou a cabeça concordando e saiu. Megan virou para o lobo. – Vamos ver o que posso fazer por você.

**

Não deixaram Sean sair do cômodo em que estava. O antigo laboratório de Andrew. Ele precisava de algumas anotações. Frank tinha mandando alguns caçadores ir buscar. Sean não quer nem pensar em como vai encontrar sua casa depois que tudo isso acabar. Isso é. Se ele sair vivo no final.

Pegou um pedaço de giz e começou a traçar o pentagrama e as runas apropriadas para invocar a alma de Andrew para esse plano. Pensou em colocar a essência do caçador em algum objeto que pertenceu a ele e lembrou daquele diário. Pediu que o trouxessem. Ainda precisava de sangue. Pele. Algum tecido ou fluidos do falecido.

Os caçadores fizeram a lição de casa. Trouxeram um pedaço do tecido das roupas que acharam no caixão. Em sua cova violada há quase um ano atrás. Trazer o monstro que matou Christina e quase levou Tom. Isso não descia. Mas, tinha que deixar Carlos a salvo. Seu compañero. Mesmo que custasse sua vida. Ortiz sairia dali. Ele tinha um bebê para cuidar. Pelo amor dos deuses. Uma matilha a retomar. Sean só estava em sua vida há alguns meses.

Pensar em passar para o outro plano sem ele doía mesmo assim. Apesar de saber tudo isso. A razão entendia, o coração despedaçava. Carlos conseguia sentir tudo isso através do elo que companheiros compartilhavam. Os sentimentos de Sean fluíam até ele. Se pudesse já tinha transformado aquela jaula num monte de ferro retorcido.

Estava tudo pronto para o ritual. McLean só esperava a hora mais propícia. O nascer da lua. Um bom momento para invocar as almas dos mortos. Mais algumas horas e tudo estaria acabado.

-- Cariño, vem até aqui. – A voz de Carlos arranhava pela falta de água. Sean pegou um pouco do jarro que trouxeram para ele e levou para perto das grades. – Pare com isso. – Sean ia protestar. Ortiz levantou a mão e tocou os lábios do seu companheiro com a ponta dos dedos. O cheiro do desejo era mais forte do que o de mofo, madeira podre e umidade daquele buraco. Como a casa aguentou até agora sem ruir.

Sean estendeu o copo com água. Com a mão livre Carlos pegou e bebeu tudo avidamente. Sem deixar de acariciar o rosto de Sean que fechava os olhos. Queria gravar a textura dos dedos calejados, o aroma almiscarado misturado com a fuligem dos motores que tanto amava. A quentura que se espalhava em seu corpo só com o toque desses dedos em seu rosto.

Apoiando o copo no chão, Ortiz levou seus lábios até os de seu companheiro. – Ainda temos muito o que brigar um com o outro. Conhecer cada carícia que te faz derreter. Ver meu filho... agora será nosso filho... mais novo crescer. Não quero cometer os mesmos erros que cometi com Trent. Por isso, preciso de você, cariño. Para me dar apoio, equilíbrio. – Cada frase vinha pontuada com um beijo, uma lambida, um roçar dos dedos.

De repente veio uma urgência. Um desespero. Os toques suaves converteram-se em arranhões, beijos em mordidas. Os dedos enroscavam nos cabelos, puxando mais perto. As línguas enroscando, deslizando uma na outra, nos dentes. Suspiros. Gemidos. Foda-se se entrasse alguém. Se o guarda da porta estava assistindo. Olhos nos olhos. Marrom e verde. Tronco e folhas. Floresta. Deuses antigos com os cascos batendo no solo castanho e vicejante.

Carlos Ortiz esperava que essa troca de energia fizesse toda da diferença. Desviasse os pensamentos mórbidos de Sean. O que começavam a sentir um pelo outro. Ele recusava a desistir disso. – Descanse um pouco, cariño. – Encostados, com aquela merda de jaula entre eles. Fecharam os olhos. Imaginando um outro cenário.

Pareceram alguns segundos. A porta abriu com um barulho alto despertando Carlos e Sean. A luz do luar entrava pelo vitrô no canto mais alto daquela câmara. Já era hora de começar o encantamento. Chega dessa ansiedade deixando os nervos à flor da pele.

**

Frank anda em direção ao pentagrama traçado no chão. Sean salta da onde está e o adverte. – Não chegue perto. É um pentagrama de contenção. Eu não vou correr o risco com uma alma tão rancorosa quanto a de Andrew.

-- Hmpf. – Frank se afastou olhando com curiosidade para as runas escritas e os objetos no meio. – Espero que isso funcione.

Sean se posicionou e começou a ladainha. – Tu autem profane meam. Habitans in infernum. Veniunt ad nos in hac nocte. Ostendit iram suam. Ut fit vindicta. – Tomando fôlego chamou – Andrew Hopkins, aqui estão suas lágrimas, carne e sangue. Nos mostre sua essência. Nos dê sua vingança.

O centro da mandala tremeluziu e uma forma como feita de fumaça foi ficando mais nítida. – Estou de novo nesse plano. E em minha casa, já posso notar. O que querem de mim dessa vez. – A voz de Andrew parecia soar através de um cano. Era imprecisa como um eco.

Frank deu um passo e parou antes dos riscos. – Sou Frank Hopkins. Quero vingar sua morte. Não é justo alguém que devotou a vida na caça desses monstros não naturais esteja sendo punido no inferno.

Andrew tirou os olhos de Sean e virou para Frank com desprezo no olhar. – Agora vem alguém do meu sangue procurar por mim. Agora a ordem se interessa. Você estaria disposto a trocar de lugar comigo. Pequeno resto de nada. Vejo, que como eu, você não tem tanta atenção dos seus superiores como quer alardear. Consigo ver seu coração, Frank Hopkins, ele é tão negro como o meu. Mas... tem alguém que está mais perto de mim na linha da ancestralidade. – O tom de vento encanado em sua voz faz essas afirmações gelarem os ossos de todos na sala.

**

Connor parou na frente da velha casa caindo aos pedaços. A casa de Andrew. Deuses. Ela ainda estava de pé. Ele tinha certeza de que era um castigo. Que assim que entrasse ela desabaria sobre sua cabeça levando sua alma para junto da de seu companheiro não reivindicado. Não teve um dia de sua vida miserável que não imaginava outro rumo de acontecimentos. Eram tantos "ses". Tantas possibilidades. Arrancadas deles. Dos três. Carmem também foi tirada dele. Deles.

Ele sentiu um aperto no coração. Uma presença que não sentia há mais de trezentos anos. Apressou os passos para dentro. Descendo as escadas que levavam ao antigo porão/laboratório de Andrew Hopkins.

Quando passou pelo batente da porta seu sangue congelou. A forma, mesmo esfumaçada, a voz, mesmo distorcida, arrepiou sua pele. Apesar do cheiro de enxofre vindo das profundezas e impregnadas na alma do caçador, o aroma de seu companheiro ainda estava lá. Ainda sobressaia apesar de tudo.

Ele não podia ficar ali parado. Num canto escuro do outro lado, notou uma jaula. Reconheceu Carlos Ortiz lá dentro. Era hora de libertar a natureza flamejante do lobo. Chegou perto das barras e sussurrou. – Sshh. Carlos. Venha aqui.

-- Connor, você tem que parar isso. Sean vai se machucar. – Ortiz estava desesperado.

Connor deu um estalo com os dedos na testa do alfa, bem entre os olhos. – Desperte, meu filho. Acorde as chamas que vivem em você.

Um calor tomou conta do lugar. O copo de vidro esquecido no canto trincou e despedaçou-se. As barras que Carlos segurava retorciam-se.

**

Andrew virava para McLean. – Uma alma por uma alma. Um corpo por um corpo. Você sabe que é assim que funciona, McLean. Uma pequena parte dos genes de Christina permeia todos vocês, sua família. – Ele olhou ao redor. – Onde está aquele pequeno? Onde a alma dela se esconde? Chris sempre burlou as regras. – Ele deu um sorriso cruel. – E eu não vou ficar atrás. Sua contensão está falha, McLean.

Sean olhou para o chão onde a marca de um pé de calçado borrava seu pentagrama; onde Frank tinha pisado. – Merda! – Sean só teve tempo de praguejar quando as chamas do inferno chegaram até eles.

**

Aê!! Bruxaiada do meu coração. Essas últimas duas semanas foram muito corridas pra mim. Espero que gostem do capítulo. Desculpe deixar vocês com o coração na mão. Mas...

Eu voltei, voltei para ficar... eu voltei, aqui é meu lugar.

Huahuahua.

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Até a próxima att. 

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