ROTEIRO TRÊS | PARTE UM
CAPÍTULO SEIS
A CRIATURA MAIS BELA

❝Oh God it hurt; The moment that
I saw you; With someone else; I never
meant to hurt you; And she will always
hate me No matter what I say;
The love is gone ❞

⚜

AMBROSIA da VINCI

Quando recobrei a consciência, me levantei de fosse lá onde eu estivesse anteriormente deitada. Minha cabeça latejou, pontadas de dor e pontos pretos aparecendo em minha visão.

— Devagar, querida. Levou um tombo feio — disse uma voz doce e gentil. — Está com dor em mais algum lugar até da cabeça?

— No corpo inteiro — respondi, minha própria voz me causando dor de cabeça. — Achei que estivesse em Roma, Madonna Medici.

— Eu estava, um dia atrás — disse ela, calmamente. — E, por favor, me chame de Lucrezia.

Abri os olhos completamente, vendo que eu estava em roupas limpas, diferentes da do dia da Justa. Em vez do preto habitual, eu usava um vestido vermelho profundo, adornado com linhas douradas.

A lateral de minha cabeça, perto de meu olho, ardeu. Levei a mão ali, sentindo que tinha aberto um corte profundo, mas que já começava a cicatrizar.

— Sandro me contou o que aconteceu — revelou. — Sinto muito pelo o que Lorenzo lhe fez, mas não foi por querer. Ele se sente culpado, Ambrosia.

— Tão culpado que, sempre que pode, me lembra de que ninguém me quer aqui — resmunguei, fazendo-a suspirar alto. — Onde estão todos?

— Giuliano e Sandro estão tomando café. Lorenzo já está para chegar. Ele e o irmão foram a Roma hoje mais cedo — respondeu. — Está com fome? Mandei que lhe preparassem algo.

Lucrezia me ajudou a descer as escadas, sempre tendo paciência conforme minha visão desfocava na descida dos vários degraus. Somente quando julgou que eu conseguiria andar sozinha, me deixou, dizendo que precisava tratar de outros assuntos.

Dando um passo de cada vez e me apoiando quando precisei, consegui chegar até a sala de jantar. Giuliano e Sandro que estavam com os pés na mesa foram rápidos em levantar e virem até mim, me ajudando a chegar até a cadeira vazia ao lado de Sandro. Me sentei, sentindo a cabeça latejar. Meus olhos doíam com a claridade, o que me fez baixar a cabeça sobre meu braço, fechando-os na esperança de parar de doer.

— Sandro, eu estava pensando — começou Lorenzo ao entrar, mas eu o interrompi com um murmúrio de dor.

— Por favor, pare de gritar — pedi, quase chorando.

— Não estou gritando — disse ele, sussurrando como pedi. — Por que temos que sussurrar? — perguntou ele a um dos dois.

— Você a jogou da escada e ela bateu a cabeça com tudo no degrau — respondeu Giuliano. — Ambrosia só acordou alguns minutos atrás. Dê um tempo a ela.

— Tudo bem — concordou. — Sandro, você deveria ter sua própria oficina.

Pelo barulho calmante de líquido sendo derrubado da jarra, deduzi que Lorenzo estivesse enchendo a própria taça, logo depois Giuliano fazendo o mesmo.

— Eu não poderia pagar — negou Sandro.

— Você não precisa.

— Está falando sério? — perguntou, incrédulo.

— Encontre um lugar — mandou Lorenzo. — Eu pagarei.

Cadeiras foram empurradas, arranhando o chão. Então, Sandro, todo animando, exclamou:

— Lorenzo, se houver qualquer coisa que eu possa fazer para retribuir...

— Eu sei o que vocês podem fazer — anunciei, irritadiça. — Silêncio!

— Na verdade, Sandro, você pode fazer algo ­— informou Lorenzo, felizmente sussurrando. — Preciso que você faça uma obra para Marco Vespucci. Preciso garantir o apoio dele no Priori.

— Tudo bem, eu a farei — concordou.

— Foi mais fácil do que eu esperava — revelou Lorenzo. — Por quê?

— Oh, ele detesta o Vespucci, mas adoraria pintar uma mulher seminua — disse Giuliano, dando de ombros.

— Por toda a minha vida eu tentei capturar um pouco da beleza de Deus, e eu falhei. Uma vez e de novo e de novo eu falhei — disse Sandro. — Tanto que quase desisti. Isso até eu ver você, Ambrosia da Vinci.

Por trás de mim, ainda com a cabeça abaixada, Sandro colocou as mãos levemente em meus ombros, apertando-os com delicadeza.

— A criatura mais bela que já vi. E foi então que meu coração percebeu que é possível captar aquilo.

— Vou fingir que não me ofendi por me chamar de criatura — anunciei — e perguntar: como pretende fazer isso? O quadro para Vespucci.

Sandro encarou a mim e depois a Lorenzo, esperando que ele falasse como o quadro deveria ser.

— A esposa de Vespucci, Simonetta, faleceu alguns meses atrás. E surpreendentemente, o amor entre os dois era mútuo — disse Lorenzo. — Faça um quadro dos dois juntos, ou qualquer coisa do tipo.

— E como ele vai pintar a mulher dele? — perguntou Giuliano, o que eu também queria saber. — Eu não acho que o corpo dela ainda esteja intacto.

— É aí que você entra, Ambrosia — disse Lorenzo a mim, hesitando ao falar comigo. — Ela era parecida com você. Só que loira, olhos azuis, não tão pálida, expressões nem tão marcantes.

— O oposto dela — definiu Giuliano, jogando as mãos para o ar.

— Não vou pintar a mim mesma — anunciei, mal-humorada. — É egocêntrico demais até para os meus padrões.

— Mas não é essa a intenção dele — avisou Giuliano a mim. — Ele quer que você pose para Sandro pintá-la no lugar de Simonetta. Deixará Sandro ver sua própria esposa nua, irmão?

Esposa. Essa palavra me pegou desprevenida. A parte de mim consciente rezava para que aquela carta tivesse sido apenas um sonho, mas não era. Eu sabia que hora ou outra teríamos que conversar sobre aquilo, mas eu implorava mentalmente para que não fosse agora.

Lorenzo parecia mesmo culpado, como sua mãe havia me dito. Ele não mantinha o olhar em mim por mais do que meros segundos, o que agradeci, visto que eu não queria estar perto dele, perto o bastante para que me alcançasse.

— Eu sei que o que estou pedindo é demais, Ambrosia — disse ele a mim, ignorando os irmãos. — E se disser que não quer fazê-lo, eu entenderei...

— Não ­— o cortei. — Eu posso posar por horas sem me mexer, eu não me importo. Mas não com você, qualquer um menos você, Lorenzo.

O minúsculo sorriso que ainda mantinha foi desmanchado conforme as palavras saiam de minha boca, mas não me arrependi em momento algum.

━━━━━━
12.11.20

𝐍𝐎𝐓𝐀𝐒 𝐅𝐈𝐍𝐀𝐈𝐒:
Aqui mais um capítulo. O que estão achando? Vou ser sincera, cada vez que escrevo fico com mais raiva do Lorenzo e meio que apoiando a Ambrosia com o Giuliano. E vocês: Ambrosia+Lorenzo ou Ambrosia+Giuliano?

♛
VOTEM e COMENTEM
[atualizações às quintas]