Capitolo primo. MADONNA MEDICI

ROTEIRO UM | PARTE UM
CAPÍTULO UM
MADONNA MEDICI

⚜️

AMBROSIA da VINCI

Florença, 1469

               Eu odiava meu pai, Piero Fruosino. Eu odiava minha mãe, que permitiu esse pesadelo de acontecer. Eu tolerava Caterina, a amante de meu pai, visto que ela fizera uma coisa boa: dera à luz a Leonardo, meu meio-irmão e melhor amigo.

Eu odiava o pôr do sol e o clima quente de Florença. Odiava mais ainda as belas construções que me faziam sentir falta de casa, de Milão. Eu odiava tudo e a todos; a pobreza, o barulho das crianças, o sino da Igreja que tilintava. Eu odiava estar sozinha aqui, mais uma vez.

Leonardo foi o primeiro a brigar com nosso pai para que cancelasse a dívida de vida que Piero de Medici tinha com ele, caso contrário, ele estava obcecado com a ideia de me mandar para Florença e me casar com um dos filhos do Medici. E ele conseguiu, o desgraçado conseguiu o que tanto queria.

Depois de meu irmão, mestre Verrocchio brigou com meu pai, argumentou de todas as maneiras possíveis para que eu continuasse em Milão, continuasse meus estudos como sua prodígio. Sua influência e ameaças surtiram algum efeito.

Verrocchio e ele chegaram a um acordo, onde eu iria para Florença por alguns meses, e se eu declarasse que não aguentava mais ficar ali, eu poderia passar uma temporada com meu irmão em Milão e retornar aos estudos. Entretanto, o casamento deveria prevalecer — para minha desgraça.

Suspirei quando percebi que a carruagem havia parado em frente a construção da casa dos Medici. Os altos muros e paredes indicavam o poder que a família tinha sobre a cidade, mas aquilo não me impressionou.

Desci da carruagem assim que ela parou completamente. Recusei a ajuda que me ofereceram para descer, nem sequer levantei a barra do escuro e caro vestido que eu usava quando coloquei os pés no chão. Os guardas que protegiam casa abriram as portas após alguns minutos, finalmente aparecendo pessoas que ali moravam.

— Madonna Medici — cumprimentei, tentando sorrir, o que não consegui fazer com a mesma sinceridade que a senhora a minha frente esboçava.

— Ambrosia da Vinci, estou correta? — perguntou, vindo até mim de braços abertos. — É tão bom conhecê-la, querida — disse, me abraçando.

Tentei retribuir o ato, mas fiz o desajeitadamente. Lucrezia de Medici notou meu desconforto, já que logo me soltou e apegas seguros minhas mãos juntas.

— Igualmente — respondi. — Peço perdão pelo atraso, já que eu deveria ter chegado alguns dias atrás. Entretanto, surgiu um imprevisto familiar em Milão. Imagino que meu irmão tenha lhe enviado uma carta.

Lucrezia assentiu.

­— Não há problema algum — me assegurou. — Também devo me desculpar, visto que meus filhos não estão aqui como pedi que estivessem. Vamos entrar, por favor.

Os guardas mais uma vez abriram as portas, alguns empregados já saindo da construção para pegarem minhas malas que ainda estavam na carruagem.

— Meu marido sofreu uma tentativa de assassinato alguns dias atrás, agora ele está se recuperando. Enquanto isso, meus filhos estão atrás de quem pode ter mandado a ação.

— Não precisa compartilhar assuntos tão íntimos assim comigo, Madonna Medici — falei, após ver como ela reagia tristemente as palavras proferidas. — Eu entendo perfeitamente.

— É parte da família agora, Ambrosia — disse ela. — Tem todo o direito de saber. Mesmo abalado, meu marido gostaria de uma palavra, se não estiver cansada, é claro.

— Não estou, eu lhe garanto — afirmou, sendo verdadeira.

Lucrezia sorriu para mim, pedindo para que eu acompanhasse escadas acima onde as instalações ficavam. Conforme terminamos de subir as escadas, vi como a extensão do lugar era maior do que já aparentava por fora.

Cruzamos várias portas, até que Lucrezia parou em frente a uma em específico e a abriu. Dentro do quarto, um homem idoso descansava sobre a cama amontoada por travesseiros e almofadas. Sua perna, pelo o que vi de longe, estava inchada bem perto do tornozelo.

Madonna Medici me pediu para entrar, logo dizendo que estaria de volta em um minuto, que precisava ver se sua filha estava ali. Pedindo licença, ela se afastou. Tomei isso como uma deixa para bater levemente na porta, atraindo a atenção de Piero de Medici que me pediu para entrar, tentando arrumar a bagunça de cobertores e travesseiros a sua volta.

— Só lamento que tenhamos que nos encontrar assim — disse ele, tentando sorrir mesmo com toda a dor que sentia. — Ambrosia da Vinci, é um prazer conhecê-la, criança.

— Obrigada por me receber, Messer Medici — agradeci, cordialmente. — Se me permite dizer, sanguessugas ajudariam a diminuir o inchaço causado pelo sangue coagulado — comentei, ele me observando atentamente. — Ou uma boa dose de vinho, qualquer um dos dois deve funcionar perfeitamente.

Piero sorriu, logo gargalhando com meu comentário. Sua alegria, em meio a dor, quase me fez sorrir contente de verdade. Mas eu não conseguia demonstrar esse tipo de felicidade, então forcei um pequeno sorriso.

— Seu pai sempre me disse que é a mais inteligente dos filhos — disse ele. — E a que tem o melhor senso de humor. Como está ele, afinal? Seus irmãos?

— Estão todos bem, obrigada.

— Fico feliz que seu pai tenha aceitado minha proposta — comentou ele. — Que você também tenha concordado. É de minha absoluta certeza de que você fará bem a meu filho Lorenzo.

Piero foi incapaz de continuar. A porta foi escancarava por Lucrezia que andava em passos apressados até o meu lado, de frente para seu marido.

— Está tudo um caos. Lamento que tenha chegado justamente agora, Ambrosia — pediu ela, logo tonando-se ao marido. — Nossos filhos acabaram de ver o Pazzi e encontraram evidências de que Jacopo contratos os assassinos, mas houve uma briga e Giuliano está sendo levado até o Priori.

— Veja se estão dando água e boa comida ele — pediu Piero. — Para que ele não seja envenenado como meu pai foi.

— Lorenzo esteve aqui e me contou que foi abordado na rua por comerciantes — continuou Lucrezia. — Eles dizem que você cobrou dezenas de empréstimos.

Piero encarou a esposa envergonhado, depois a mim, como se estivesse aflito de contar.

— Acho melhor eu esperar do lado de fora — farei, pronta para sair, mas Lucrezia me segurou pelo braço.

— Você é parte desta família agora, Ambrosia, tem todo o direito de saber.

Lucrezia encarou o marido, mandando que falasse de uma vez o que tinha escondido dela e dos filhos.

— O banco é mais prolongado.

— Mas os dízimos do Papa...

— Já cobrei os empréstimos contra dízimos do Papa — disse Piero, interrompendo a esposa — e eles chegarão em breve.

— Tirando dos pobres? — perguntou ela. — Seu trabalho construiu esta República. Eles se voltam contra nós e não temos nada.

— Fiz um acordo com o Duke.

— Sforza vai pagar o empréstimo de seu pai? — perguntou Lucrezia. — Fico aliviada, nesse caso.

・❉・

               Eu não jantei naquela noite, não senti fome nem tive disposição para descer. Pelo menos, tive a desculpa de Lucrezia estar jantando com o General Sforza, fazendo com que eu pudesse ficar em meus aposentos.

Mais uma vez, tive vontade de voltar para Milão somente para agradecer e abraçar Leonardo e Verrocchio que fizeram acordos e termos com o meu pai sobre eu morar com os Medici. Um deles era que eu teria meus próprios aposentos, o mais longe possível dos de Lorenzo.

Infelizmente, a pouca felicidade que tive logo foi embora. E a noite me consumiu por horas de pesadelos constantes e sussurros que me faziam pensar se eu estava mesmo ficando louca como todos diziam que eu era.

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11.10.20

𝐍𝐎𝐓𝐀𝐒 𝐅𝐈𝐍𝐀𝐈𝐒:
O primeiro capítulo oficial da história da nossa linda Ambrosia da Vinci. O que acharam da ideia?

Para esclarecer:
ROTEIRO= episódio da série.
PARTE= em que divisória do capítulo estamos (1, 2 ou 3).

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