Reminiscência nº 03
Então minha gente, depois de 84 anos, cá estou novamente. Nas semanas anteriores, não postei nenhum reminiscência porque as circunstâncias não permitiram, mas eis-me aqui com uma nova para vocês, enviada pela Anne (AnneGomes836).
A palavra da semana é:
Quando pensamos em superação, imediatamente nos vem à mente muitas coisas, como a superação de uma doença, a superação de uma situação complicada, superação de uma limitação física, inclusive.
Como não podemos definir a direção que nossa reminiscência nos levará, esta especificamente não é divertida. Foi um aprendizado aprendido em meio à um momento doloroso.
Meu pai era o primogênito da minha avó, tendo sido apenas ele e minha tia durante alguns anos, antes de meus outros tios nascerem. Sendo assim, o apego de meus avós com ele e vice versa era visível.
Lembro exatamente como se fosse hoje, do relacionamento deles, da cumplicidade... não que fosse o filho preferido, mas era apenas diferente.
Sempre vi minha avó como uma senhora séria, de aparência era bem branquinha, com olhos pequenos e perspicazes, pequena também em estatura - mas uma grande mulher. Era direta em suas palavras e não hesitava em dizer o que pensava para quem quer que fosse. Temente a Deus, ela sempre nos orientava neste sentido e como uma águia, seu olhar dava conta de todos os nossos atos quando criança.
Era órfã, cresceu sem os pais, nunca aprendeu a ler. Mas andava com a Bíblia para todo lado, aprendia os louvores com facilidade e vendia chup-chup para a vizinhança, anotando os fiados e sempre sabia quem estava devendo o que.
Uma característica interessante dela é que não consigo desassociar sua imagem de um louro que sempre era visto em sua casa, cantando "Foi na cruz, foi na cruz, onde um dia eu vi, SEUS pecados castigados em Jesus..." O papagaio não tinha pecado e até ele sabia disso. Ele era o xodó da minha avó e o terror de seus netos.
Eu estava na escola, no terceiro ano do Ensino Médio, quando me chamaram à Secretaria para atender a uma ligação. Era minha irmã mais velha pedindo para voltar para casa imediatamente porque a nossa avó havia sofrido um infarto. Na hora eu gelei, a diretoria já estava sabendo, só fui até a minha sala, peguei minhas coisas e voltei para a casa. Lá chegando, fico sabendo que meu pai ainda não sabia da notícia e minha mãe se preparava dizer as palavras certas, já que meu pai ultimamente estava tendo sintomas de hipertensão.
Minha irmã e meu irmão mais novo foram os incumbidos de irem ao trabalho do meu pai darem a notícia com cuidado, mas a minha mãe não permitiu que eles contasse o que tinha acontecido realmente, apenas que havíamos recebido uma ligação dizendo que minha avó não estava bem. Mas ela já tinha partido para a eternidade.
Meu pai chegou rapidamente, veio tão rápido quanto suas pernas lhe permitiram e quis saber detalhes do que havia acontecido. Minha mãe reiterou a história, dizendo que queriam nossa presença lá. Meu progenitor, muito prático mesmo sob pressão, providenciou uma condução para que toda a família fosse até a cidade onde meus avós moravam, a 300 km de nossa cidade.
Feito isso, foi banhar-se para que pudéssemos sair imediatamente. Enquanto ele estava sob o chuveiro, conversamos com a nossa mãe alertando-a do perigo de não contar-lhe a história completa e ele cultivar esperanças vazias, que logo seriam lançadas por terra ao chegarmos em nosso destino. Ela concordou conosco e antes mesmo que ele saísse do banho, ela levou-lhe um calmante e deu a notícia.
Até hoje não consigo esquecer a cena: meu pai, sempre forte e seguro, chorando alto como uma criança. Seu choro era ouvido por toda a casa, não teve nenhum de seus filhos que não o acompanharam naquele momento. Arrumando bolsa, passando café, todos que se mantinham firmes até ali, desmoronaram-se ao ver o chefe da casa sofrendo tanto a perda de sua mãe.
Fomos e nos despedimos da nossa avó. Era tão difícil ver meu avô tão frágil despedir-se de sua companheira de bons e maus momentos por 50 anos! Ele parecia oco, mas não o vi derramar uma lágrima: ele sabia que sentiria muito a falta dela, mas que ela havia sido recolhida pelo Senhor.
Ao retornarmos, meu pai trouxe conosco o nosso avô, para ficar um tempo em nossa casa, longe das lembranças, para que recuperasse seu coração entristecido pela perda. Para ele era especialmente mais difícil e todos entendiam isso.
O dia que nunca será esquecido: meus amigos vieram até a minha casa para apresentar seus sentimentos e estar ali como um apoio, um conforto. Uma perda é sempre difícil. Para não perturbarmos meu pai e meu avô, sentamos na área em frente à minha casa para conversarmos. Geralmente esse tipo de ajuntamento era propício para alguém aparecer com um violão e entoarmos canções ao Senhor. Todos sabiam disso e aquele sentimento de ausência era palpável.
De repente, meu pai aparece no meio da turma, conversa um pouco com todos e fica quieto. Então, silenciosamente entra em casa, pega o violão, vem novamente ao encontro da turma, encosta a porta para não perturbar meu avô e toma a iniciativa de transformar aquela reunião lúgubre num encontro musical.
Meu pai havia perdido a sua amada mãe, com a qual conviveu por quase 50 anos e era muito apegado, mas o que nos ensinou ali, naquele momento, foi que é possível superar ao lado dos amigos e devotando louvores ao Senhor. Não consigo pensar em superação sem me lembrar daquele momento, porque foi um dos últimos momentos em que passamos reunidos cantando com meu pai tocando.
Em poucos dias, tudo mudaria. Em poucos dias, ele também receberia um chamado do Senhor para ser recolhido. Em menos de 30 dias nossa família sofreria outra grande perda, mas seu legado de superação era um ganho que nunca esqueceríamos.
Superar é aprender a cantar em meio a dor, é entender que no sofrimento podemos tirar os melhores aprendizados e os louvores mais sinceros.
Deixe aqui na imagem acima a palavra para a reminiscência da próxima semana.
As postagens serão aos domingos, fiquem comigo!
Bjs e me contem o que estão achando.
C. Dany
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