Um dia péssimo
Luisa já esperava ser chamada na diretoria para ficar a par das regras e recomendações da UA para permanecer no curso.
Só não esperava que a chamariam no meio da aula do primeiro dia, na frente da sala inteira.
O diretor Nezu a encarava com seu sorrisinho indecifrável e medonho. Tsukauchi tinha um sorriso mais compreensivo e acolhedor, mas sua presença na sala não passava os mesmos sentimentos.
— Como vai a sua manhã, Senhorita Yoshiaki-san? — perguntou o homem-rato, tentando soar simpático.
— Bem. Obrigada por perguntar.
"Estaria ainda melhor se tivessem mais discrição ao me chamar", completou mentalmente.
— Gostaríamos de discutir os termos para a Senhorita continuar assistindo às aulas na UA. — "explicou" o investigador, tirando uma pequena pilha de papéis da maleta que carregava.
Demorou para acabar. E usou o termo "discutir" de maneira equivocada, pois eles apenas fizeram um monólogo e a obrigaram implicitamente a concordar e segui-lo.
A psicóloga que frequentava iria atende-la no próprio quarto da garota — "tudo o que eu precisava", pensou com amargura, "que todos saibam que eu sou psicológica e emocionalmente doente".
Não poderia sair do campus de jeito nenhum, a menos que fosse uma emergência ou passasse por um processo rigoroso de permissão e fosse supervisionada durante todo o trajeto por um herói profissional. Nos dias de estágio na Spy, seria escoltada até lá com pelo menos três seguranças.
Ninguém mais poderia descobrir ou desconfiar sobre sua origem e passado. As pessoas que já sabiam deveriam manter sigilo total e nunca comentarem sobre o assunto num local público. Ela deveria continuar sob o disfarce de Ajira Kayama. Todos os professores ficaram cientes e a par de toda a história.
Quando finalmente foi liberada, o sinal para o intervalo soou, e todos a viram saindo da sala do diretor com os contratos de confidencialidade em mãos, e viu como alguns cochichavam e riam.
Sabia desde o início que não seria fácil, mas ainda assim doeu. E muito.
Encontrou Ochaco, Izuku, Eijiro e Mitsuha sentados numa mesa do refeitório. Passou uma cópia do documento para cada um.
— Como foi? — perguntou o ruivo, notando o desânimo da mulata.
— Sinceramente? Um pouquinho pior do que eu gostaria. — confessou — Vou comprar o almoço. Licença. Se virem a Kendo, deem uma cópia p'ra ela assinar.
Tudo transcorreu na mais perfeita normalidade até metade do caminho de volta para a mesa.
Porque alguém passou por si correndo e a derrubou, e a vasilha de arroz virou em cima da sua blusa enquanto caía de maduro no chão. Podia ser sua imaginação, mas todos do refeitório viraram para presenciar a cena.
— MEU KAMI-SAMA, ME DESCULPA! — ouviu.
Uma menina do terceiro ano de cabelo rosa-pastel e olhos azuis como o céu a ajudou a levantar. Ela pedia mil desculpas e xingava quem deveria ser sua melhor amiga e contava a história do motivo de estar correndo.
E Yoshiaki? Ficou estática. Gelou. E, assim, tentou voltar a agir como uma pessoa normal.
Mas a veterana era linda. Deixava-a nervosa na mesma proporção que garotos lindos o fazem. E tal constatação conseguiu piorar seu nervosismo.
— Tudo bem. — conseguiu dizer, uma pilha de nervos — Não foi nada.
— Desculpa mesmo. Eu te dou uma blusa minha e o dinheiro do almoço. Vem!
Sem esperar uma confirmação, puxou-a para o banheiro feminino mais próximo pela mão.
Luisa queria esbofetear-se por estar tão nervosa.
Eram ambas garotas. E ela não gostava de garotas. Só de garotos!
... Não é?
— Aqui. — estendeu alguns ienes para a mulata — Pelo arroz que eu derrubei em você. E deixa que eu devolvo a sua blusa limpinha até amanhã de tarde.
— Obrigada. — agradeceu, pegando as notas, ainda meio travada.
— Sério, me desculpa pelo acidente.
Depois de se curvar num pedido de perdão, correu para esganar a melhor amiga.
Yoshiaki encarou o dinheiro por alguns segundos antes de suspirar e colocar uma mecha do cabelo atrás da orelha. E, para a sua surpresa e desespero, sentiu-as quentes.
— Você não gosta de chamar a atenção, não é?
Quase agarrou-se ao teto de susto. Mas, no fim, era apenas Shinsou. Cumprimentou-o.
— O estágio foi produtivo?
— Não tanto quanto deve ter sido o seu. — respondeu com certa acidez.
— Queria ter pegado outro estágio. — confessou, lembrando do giro que sua vida deu por causa dele.
— Troca comigo? Só uma ou duas apreensões. Nada importante.
— Numa boa. — confessou, sincera.
— Ah, claro. Deve ser exaustivo ganhar a atenção e amor do público e trabalhos importantes. O que um aluno da 2B com "poderes de vilão" saberia sobre o assunto? — desdenhou.
Se fosse qualquer outro dia e em qualquer outra situação, ela já quereria brigar com ele por causa de tal comentário. Num dia ruim e com tudo de horrível e confuso acontecendo de uma vez, ela cedeu.
— Uma mestiça no Japão não quer atenção, porque sabe que vai sofrer racismo e xenofobia. Uma mulher mestiça no Japão não quer atenção, porque sabe que é um alvo fácil de críticas destrutivas. Uma mulher mestiça no Japão que tem um dom que, literalmente, apenas meche com a cabeça das pessoas não quer atenção, porque a verão como uma vilã.
O sinal que anunciava o fim do horário de almoço soou. E Luisa não comeu nada.
Deixou um Hitoshi mudo para trás, tomando o caminho da sala, faminta.
— Aqui, Zaza. — Izuku lhe passou uma folha de caderno — O professor Mic passou um resumo e a matéria para a prova. Pode pegar o meu para copiar.
— Muito obrigada, Deku-kun. — sorriu-lhe, grata.
Forçou-se a continuar sorrindo ao ver como a letra do amigo era difícil de ler. Ele só queria ser prestativo e facilitar as coisas para si. Não devia reclamar ou ser desagradável — não seria justo com ele.
Passou o resto das aulas com um furo no estômago de fome. Deu graças a Deus quando finalmente pôde voltar para os dormitórios. Tentou não correr para cozinhar qualquer coisa para matar a fome.
Quando o macarrão instantâneo finalmente ficou pronto, foi para o quarto para estudar a matéria que perdeu.
Não encostou nos livros até terminar de comer. Encarou as paredes rosa-chiclete de seu quarto, como se pudesse pintá-las de lilás ou azul escuro com a força de seus pensamentos.
"Será que eu mereço isso tudo? Eu sou tão ruim e desagradável assim?"
Permitiu que as lágrimas que nem sabia que estava segurando finalmente rolassem livremente. Eram gordas. E tentava não fazer barulho, com medo de alguém ouvir.
Não sabe quanto tempo passou quando bateram à sua porta. Foi o suficiente para molhar a gola da blusa de uniforme emprestada e lavar todo o seu rosto. Secou-o como pôde e abriu.
Mitsuha e Eijiro sorriram com solidariedade. A menor segurava uma tijela com um doce que suspeitou ser brigadeiro e o ruivo tinha vários cobertores e duas almofadas.
— Quer afogar as mágoas e assistir alguma coisa?
Sorriu de alegria pela primeira vez desde que levantou da cama naquele dia.
— Quero. Por favor.
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