Olha o que a dor fez

Se você perguntasse a qualquer um do segundo ano sobre como foi chegar ao acampamento daquele ano, a resposta seria "um inferno na Terra".

Para Luisa, foi apenas como fazer um treinamento com Stain novamente.

Deviam passar por uma floresta e enfrentar robôs como os do Exame de Entrada. Encontrariam um rio com uma correnteza forte após trinta e seis quilômetros. Todos deviam atravessa-lo para depois escalar uma montanha artificial feita por Cemento. Eram quatro "lances" de trinta metros cada. O acampamento seria em cima da montanha.

     Luisa não foi uma das primeiras porquê muitos tinham individualidades que facilitavam por demais as atividades que enfrentaram. Mas nem por isso ficou entre os últimos: décimo nono lugar de quarenta e dois foi sua colocação.

     Por. Puro. Condicionamento. Físico.

     Até os professores ficaram surpresos.

— Deve ser por isso e porquê o Bakugo usou a individualidade dele na luta que você não foi reprovada e veio pro acampamento ... — chutou Uraraka, descascando as batatas para o curry.

— Você é ... incrível. — soltou Kirishima, corado.

— Eu ... não tenho outra escolha senão treinar o meu corpo ao máximo quando a minha individualidade é tão ruim em combate. — falou, enrubescendo — Mas valeu.

— E aquele "campo de força"? Ele se ajusta perfeitamente ao seu corpo e não parece afetar os seus movimentos. Também deve ser um excelente isolante térmico se te protegeu completamente das chamas do Dabi, apesar de não tão ter sido tão resistente na sua luta contra o Hiyasa. Pode ser que ele não seja tão resistente se atingido por um ataque direto ou a resistência- ...

— Deku, ' ' murmurando de novo. — interrompeu Uraraka.

Ah, me desculpa! É que a individualidade da Zaza é bastante interessante! — coçou a nuca, logo voltando a lavar as ervas de tempero que usariam — Você deve ter atingido o Ponto de Singularidade ou algo parecido.

     Franziu as sobrancelhas para as cenouras que cortava com perfeição.

— Não sei. Eu devo ter achado uma nova forma de aplicar minhas habilidades. Eu ... talvez tenha uma teoria.

— Que seria ...? — incentivou o ruivo.

     Largou a faca e olhou para o trio, séria.

— Quando eu uso o meu "controle mental" em alguém, há algumas formas de resistir à ela. É quase impossível da primeira vez, mas quanto mais vezes a pessoa passar por isso, mais fácil fica.

     "Eu também tenho a capacidade de resistir à minha própria individualidade. Só que eu nunca treinei da forma que eu treino agora, o que torna a minha resistência meio falha.

     Porém, com o tempo, vi que eu era capaz de criar um 'campo de força' no meu cérebro para resistir ao 'controle mental' se e quando eu quisesse. Com o treinamento que faço com o Shinsou, eu agora tenho certeza disso.

     Minha individualidade trabalha com impulsos elétricos mandados pelo sistema nervoso. Assim eu controlo a pessoa e, às vezes, a mim mesma."

     Fez um pausa, olhando para suas cenouras perfeitamente cortadas e para as muitas que ainda faltavam.

— Pelo que parece, o meu sistema nervoso cria um "campo de força" em volta de mim sempre que minha cabeça está a mil por hora e eu numa situação de risco de vida. Talvez ele se adapte ao que eu preciso, ou talvez só tenha algum ponto fraco acentuado. E eu não faço muita ideia de como acionar voluntariamente.

— ... ' vai tentar treinar esse aspecto da sua individualidade no acampamento? — chutou o esverdeado.

— É. Ou, pelo menos, tentar entender ele um pouquinho melhor.

— Se precisar de ajuda, conta com a gente. — pediu Kirishima.

— E o mesmo vale p'ra vocês! Não esqueçam disso!

...

— Entrar numa terma depois de um longo dia de acampamento é a melhor coisa do mundo ... — opinou a castanha, moída de cansaço.

— Acho que a minha resistência anda menor. Eu aguentava mais sem ficar cansada assim, antes ...

— Zaza, já te disseram como você é um monstro de forte?

Riram, deixando os roupões de banho nos ganchos antes de entrarem na água quente.

Uraraka definitivamente não costumava reparar nos corpos de suas colegas, mas lhe foi impossível não notar uma cicatriz em específico de Luisa.

Ela ficava logo abaixo da linha do umbigo, no topo da bacia do lado direito. Tinha cerca de três centímetros de comprimento. Era cor-de-rosa, ressaltada e claramente mal-cicatrizada. Parecia que o ferimento foi sério, teve que receber pontos e a pessoa não soube dá-los corretamente.

Forçou-se a desviar o olhar e agir naturalmente. Luisa não precisava de gente encarando-a de forma tão insensível.

Suspiraram longamente de alívio ao imergirem na terma. Sentiam seus músculos tensos aliviando-se aos poucos.

— Assim eu vou ficar mal-acostumada ...

— Dá p'ra parar de achar que amor próprio e cuidado básico é o mesmo que ser mimada!?

— Os últimos onze anos me fizeram ter uma visão distorcida dos dois. Não sei se eu ' tendo o descanso merecido e necessário ou se ' só procrastinando as minhas obrigações.

— Eu, a Mada e o Kirishima te ajudamos nisso. Fica tranquila.

— E o Deku?

— Ele é exagerado que nem você, então não.

Riram, cientes de que era a mais pura verdade.

— Chegueiiii! — anunciou Itsuka, imergindo na água com suspiros de alívio — Que gostosa essa água ... então, o que me contam?

— Quando o acampamento acabar, temos que ensinar a Zaza o verdadeiro significado de "procrastinação".

Uuuh, isso vai ser legal!

— Eu ' perdida com vocês ...

Riram mais ainda. Rir era gostoso. Luisa sentia saudades de rir daquele jeito.

— Certo. Vamos para a parte "assuntos considerados fúteis que a gente adora e chutamos a bunda de quem reclamar" da conversa. — disse a castanha — Quem é o mais gato do segundo ano?

— O Todoroki e o Bakugo com certeza são os mais bonitos, mas eles não são exatamente o meu tipo. — falou a ruiva — Prefiro caras mais energéticos, sabe? Que te levantem o astral.

— Concordo! Principalmente se ele for fofo. Tipo- — interrompeu-se, corando — Tipo ... tipo o Red.

— Tem que ter vergonha de nada não, Zaza. Todo mundo já percebeu que vocês tem "algo". — Ochaco deu palmadinhas no ombro da amiga.

— Até onde vocês chegaram?

Bem ... eu achei que ia morrer quando fizesse aquela manobra que ajudou a derrotar o The Bad Ending, então beijei ele. E eu já dormi com ele uma vez porque 'tava tendo pesadelos.

— Defina "dormir".

— A gente só deitou na mesma cama! Vai p'ra igreja, Urachan!

— Eu sou santa.

— Do pau oco. — "completou" Itsuka.

— Voltando ao assunto inicial, eu também prefiro garotos fofos. Eu ... meio que tenho um crush no Deku desde o ano passado, e isso explica muita coisa.

— Suspeitava desde o início. — falou a mulata — Minha vez de fazer a pergunta: até onde vocês chegaram?

— Uma vez, eu apoiei a minha cabeça no ombro dele.

— Que sem-graça. — Kendo fez careta.

— Eu não consigo ser ligeira que nem a Zaza!

— Vou aceitar isso como um elogio.

— Meio que é. — confessou — Mas, tipo, o Deku é bom com crianças. Se eu não gostava dele antes, agora eu ' caidinha por ele!

— Né? Ser bom com crianças, independentemente de você gostar delas, deixa o cara uns mil por cento mais atraente!

— Regra universal, Kenchan.

...

— Eu ' com a impressão de que 'tão falando de mim ...

— Eu também. — concordou o esverdeado.

— Se for coisa ruim, espero que mordam a língua.

     Observaram os colegas aproveitando a água quente e rezaram para o Kaminari não espirrar.

— Mano, já faz um ano desde o último acampamento. Que loucura!

— Quem ia imaginar o tanto de coisa que aconteceu, né? — encostou na borda da terma, olhando para cima — O ataque ao acampamento, a "queda" do All Might, o nosso estágio com a missão p'ra salvar a Eri, a entrada da Zaza na UA e todo o resto ...

— Eu não achava que o Bakubro ia começar a me odiar depois do segundo mês de aula.

— Como assim, Kirishima-kun? — questionou, surpreso.

— Ele começou a querer que eu saísse de perto da Zaza, rosnava p'ra mim, fazia cara feia mais que o normal ... e depois que ele fez a Zaza chorar daquele jeito, fui eu que não quis conversa até ele pedir desculpas p'ra ela.

     Midoriya ficou pensativo por um momento. Suspirou.

— O Ka-chan sempre foi muito difícil de se lidar. Quando enfia algo na cabeça, vai até o fim não importa como. Se ele não gostou da Zaza, seja qual for o motivo, ele não vai começar a gostar com facilidade.

— É. Eu sei. — concordou, desapontado — Mudando de assunto ... você já resolveu o que tinha que resolver sozinho?

— Já. Ontem à noite. — confirmou, enrubescendo — Só ... só espera a gente 'ta junto do pessoal? Quero que todos saibam de uma vez. Vai ser mais fácil.

— Fica tranquilo.

— E como vai com a Zaza?

— Ela ... anda tendo a iniciativa de tudo. Como eu não sabia se ela 'tava bem o suficiente com tudo o que aconteceu, não tentei nada além do "normal". Mas acho que eu já posso investir de alguma forma.

— É. Concordo com tudo o que disse. — sorriu-lhe — Vocês formam um casal fofo. Vai dar tudo certo.

Viram um Katsuki furioso sair da terma enquanto conversavam sobre qualquer coisa que não fosse sobre a escola ou os problemas que cada um carregava.

Era bom ser adolescente fazendo coisa de adolescente de vez em quando.

...

— Me sinto renascida das cinzas.

— Falei que banho nas termas depois de treinar é vida!

Nos poucos segundos de silêncio que vieram, a mulata percebeu que a amiga pensava em algo não muito agradável.

— O que foi, Urachan?

Ela engoliu em seco, nervosa. Parou de andar logo na porta de saída da terma.

— Eu queria te perguntar uma coisa, mas eu não quero que responda se não se sentir bem respondendo ela. Pode ser?

— Claro. Sem problemas.

Olhou porta adentro e pela entrada das termas masculinas para ter certeza de que ninguém ia vindo naquela direção e/ou poderia escutar. Respirou fundo.

Como você fez a cicatriz perto do quadril?

Ela levou a mão ao local inconscientemente. Quase não sentia a protuberância debaixo do pano do roupão. Engoliu saliva.

— Quando eu tinha doze anos, eu estava aprendendo a fazer tratamentos médicos "básicos" na visão do Stain. Aprendi a dar pontos em machucados em bonecos, mas ... talvez, um dia, eu precisasse dar pontos em mim mesma.

A compreensão e o horror atingiram Ochaco como uma tijolada.

— Ele me cortou e me obrigou a dar os pontos completamente sozinha. — contou com lágrimas nos olhos — Eu 'tava nervosa demais e a dor foi tanta que fiz errado e ficou assim. Pelo menos não morri.

— ... Qual foi o pior treinamento que você teve!? — deixou escapar.

Custou um minuto inteiro de silêncio para Luisa conseguir falar:

— Nem sempre a lábia ou a tortura funcionam p'ra extrair informações quando se está infiltrada. As vezes ... só tendo uma noite de sexo. Eu ... eu estava "estudando" as formas mais efetivas de fazer isso ...

— Quer dizer que o Stain forçava uma menor de idade a entender como conseguir informações praticamente se prostituindo!? — não conseguiu conter a incredulidade na voz.

— É. Eu ... namorava o Dabi na época. A gente tinha combinado que, quando extrair informação desse jeito fosse necessário, ele ia tirar a minha virgindade antes disso. — abraçou a si mesma, lágrimas grossas rolando pelo rosto — E pensar que eu não ligava muito p'ra esse tipo de coisa na época. Eu devia ' mais quebrada do que agora.

— ... Quer um abraço?

Por favor.

Uraraka deixou que ela chorasse o quanto quisesse em seu ombro, não ligando para como ela era bem mais alta. Agradeceu por Stain já estar preso, porquê senão, ela o caçaria e o torturaria com as próprias mãos por tudo que fez com um anjo como Luisa.

Ela nunca mereceu nada daquilo. Ninguém merecia.

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