A psicóloga

— Bem-vinda, querida. — falou a mulher, sorridente, com um sotaque latino carregado.

     Ela não sabia o que pensar direito da situação. Tentava não surtar. Não sair correndo.

     A sala era clean. Cores pastéis. Havia um divã vermelho, alguns pufes coloridos e poltronas. Uma pequeníssima fonte dava um ar sereno.

     Numa poltrona, uma mulher jovem segurava uma prancheta e caneta. Ela media uns 165cm. Cabelo castanho encaracolado. Pele acobreada. Olhos azuis-claro. Não tinha nenhum traço asiático.

Ãhn ... bom dia.

— Pode se sentar onde quiser, querida.

     Elegeu um pufe verde. Sentiu nostalgia. A Mitsuha tinha um pufe gigante no quarto quando eram pequenas.

— Posso te chamar como?

— Como achar melhor. — deu de ombros, ainda que nervosa — Não me importo. E a senhorita?

— Bom, meu nome é Luciana McClain. Mas pode me chamar como quiser.

— Ok, Tia. — confirmou — E ... de que país você é?

— México. — respondeu, riscando algumas palavras no papel — Quantos anos você tem?

— Vou fazer 17 anos em Julho.

— E ... como era a relação que você tinha com os seus pais?

     Respirou fundo. Buscou um jeito de expressar-se corretamente.

— Era perfeita. O Papai era designer. Ele ficava comigo em casa quase todo dia. A gente fazia biscoitos e chocolate. Ele sempre deixava eu ir brincar na casa da minha melhor amiga. — fez uma pausa para respirar — A Mamãe era uma das principais cientistas do Endeavor. Não ficava muito em casa, mas aproveitava ao máximo o tempo que tinha comigo. Eles nunca brigaram ou levantaram a voz. Nem quando eu aprontava.

Hmm ... você sabe quantos meses a sua mãe te amamentou?

     Buscou na memória. Uma das primeiras lembranças que tinha era de quando estava tomando leite do peito da mãe. Esforçou-se para lembrar qual era a idade que tinha.

— Acho ... bom, eu lembro de ter uns três anos e estar tomando leite dela. — falou — E o Papai 'tava falando que eu precisava parar.

Meu. Deus. — sussurrou — E ... como o Stain te tratava?

Seu sangue gelou. Fechou os olhos, tentando manter a calma.

— Ele me espancava. Me ignorava. Só me deixava falar quando ele me perguntava alguma coisa. Me dava seis horas contadas de sono, quinze minutos para cada vez que eu fosse comer e, de resto, eu só treinava e estudava. Me dava uma bronca feia cada vez que eu não atingia as expectativas dele. Uma vez, ele foi me dar uma seringa de testosterona e a agulha quebrou no meu braço.

     Quando olhou para a psicóloga, ela tentava não transparecer seu horror e raiva. Até que ela não era má atriz.

— Você ... você tem alguma amizade forte?

— A Mitsuha voltou a falar comigo. A Kendo também é meio próxima. Eu era amiga da Himiko, mas eu acho que vai ser difícil manter a amizade com ela presa. E tem ... — sorriu, boba — ... Tem o Kirishima.

Hmmm ... esse último é o mais próximo de você, certo?

Muito mais próximo. — concordou.

— Como você descreveria a sua com ele?

     Pensou um pouco. Vasculhou seu coração. Era difícil.

— ... Confiável. Sincera. Acho que um pouco carinhosa demais, também. Eu não sei direito.

— Ele é seu namorado?

— N-não! — corou — Quer dizer, poderia ser, mas não!

— Então você quer namora-lo.

— É ... eu quero.

Hmmm ... você tem idade. Não desanime. — aconselhou — Como você vêm se sentindo, ultimamente?

— ... Com culpa. Medo. Stress. — suspirou, cansada — Como se eu fosse digna de toda a pena do mundo. Talvez eu até mereça, mas ... é desconfortável.

— E os seu amigos e colegas te tratam assim, também?

— Com eles é bem menos. A Mitsuha só falta chegar na voadora quando percebe esse tipo de tratamento que me dão. Só que eu acho que o que mais me ajuda com isso é o Red. O Kirishima. — acrescentou para não confundir a profissional.

— Interessante. Defina esse "ajudar" dele, pode ser?

— ... Ele me trata exatamente como antes. Como se o meu passado não fosse algo que me deixasse mais frágil. Como se eu ser descendente de Brasileiro não fosse um erro, o que realmente não é. Ele me trata com ... igualdade. — sorriu — De ser humano p'ra ser humano.

— Invejinha aqui. — brincou, conseguindo fazê-la rir — E os funcionários da Spy? Eles te tratam bem?

Engoliu em seco. Aquele não era o seu lugar.

— Eu não gosto nada de lá. — confessou — A maioria dos funcionários ... é xenofóbico e feminista num sentido muito tóxico. Eu já peguei um monte de agentes apontando o dedo p'ra mim por causa do meu cabelo e da minha cor de pele.

Ah, entendi. Você já tentou falar com alguma autoridade?

— As autoridades também são xenofóbicas. E eu devia estar presa. Que moral eu tenho?

A psicóloga ficou em silêncio. Yoshiaki pensou que ela também devia sofrer bastante discriminação todos os dias. Afinal, Luciana era latina nativa. Se você não for 100% asiático amarelo no Japão, sofrer xenofobia é uma certeza.

Luisa contou mais algumas informações e a seção acabou.

Sentiu seu coração mais leve. Mais calmo. Menos dolorido. A McClain era uma ótima psicóloga.

     Tinha muita sorte de terem escolhido ela. E pensou no quanto devem duvidar dela no meio profissional, ficando com raiva. Afinal, ninguém merecia aquele tipo de tratamento.

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Palavrinhas rápidas:

Eu decidi dar um caráter mais político e social e focar mais nos sentimentos em si nesse livro. Talvez não tenha muita ação. Mas vai ser mais sombrio e pesado.

Muito.
Mais.
Pesado.

A xenofobia no Japão é realmente muito forte. Já ouvi falar que uma mulher loira foi trabalhar no Japão e foi proibida de trabalhar sem esconder todo o cabelo dela num gorro cinza, mesmo no verão. Isso vai ser um grande fator da história, já que a Luisa tem cabelo ligeiramente encaracolado e a pele cor de chocolate ao leite. Já tô com o coração doendo 😭

Beijos e roteiros,
Aliindaa.

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