CAPÍTULO 8

"Querido diário, hoje faltou energia e lembranças de um dia em que eu vivia com papai e acontecera o mesmo encheram a minha mente: tudo estava escuro. Eu tive muito medo e chorei alto demais. Papai acordou por minha causa e me mandou ficar quieta. Tentei fazer menos barulho, mas estava frio e eu não conseguia enxergar nada. Não consegui parar de chorar e ele ficou bravo. Então disse que já que eu era uma menina desobediente, me daria um motivo para chorar de verdade. E bateu em mim até que eu perdesse a consciência, gritando para que eu calasse a boca. No dia seguinte, a luz tinha voltado."

Diário de Amélia, 15/08/2012


Sebastian


— Espere um pouco, eu acho que não entendi. — Zaden diz, olhando para mim como se eu tivesse pirado de vez. — Está me dizendo que, depois de toda a merda que Astrid Lakshmi aprontou no The Midnight, você acabou por recuperar o diário da garota que você gosta desde a quinta série...

— Quarta. — interrompe Loren, também embasbacado.

— Terceira. — corrige Charles, batendo com uma de suas baquetas da bateria na cabeça de Zad.

— ... e levá-la até em casa? E agora vocês são amigos? Você e Amélia Ruschel? AMÉLIA RUSCHEL, a mesma Amélia que ninguém nunca viu falar com uma pessoa sequer na escola?

— Foi o que acabei de dizer. — eu disse, checando o telefone. — E esse lance de ficar falando sobre quanto tempo faz que eu gosto de Amélia... Vocês não vão trocar o disco? A piada já ficou mais velha do que aquela camisa encardida dos Oilers que o Zad roubou do guarda roupa do pai dele.

— O importante é que ainda continua engraçada. — diz Loren, erguendo o punho para trocar high fives com Zaden. Ele mantém a mão erguida para Charles, que balança a cabeça, negando.

— Piada nenhuma continua engraçada depois de ser contada por três anos. — disse ele, sempre o cético de nós quatro.

— E aquela camisa está mesmo encardida. — adicionou Zaden, com uma careta.

—  Et tu, brute? — Loren indaga, num tom de óbvia indignação. — Querem saber? Vocês dois são uns estraga prazeres do caralho.

— A culpa não é nossa se você não tem criatividade.

Eram oito da noite. Quatro horas haviam se passado desde que eu fora até a casa dela. No meu telefone, a barra de notificações mostrava quinze chamadas perdidas.

Nenhuma de Amélia.

Suspirei, me erguendo da poltrona de couro no centro da garagem, fazendo com que as três cabeças presentes no recinto se virassem na minha direção.

Contemplo cada um dos rostos ali, pensando sobre quanto tempo faz que nos conhecemos. Charles, meu amigo mais antigo, que conheci no primeiro dia na escola. Negro, uma das pessoas mais inteligentes que já conheci e gênio na bateria. Também era membro do clube de debate. Talvez fosse um dos motivos de ele sempre vencer as discussões.

Zaden chegara só um ano depois. O pai dele era advogado e queria que o filho seguisse o mesmo caminho. Zad ia pra escola todo engravatado, com o cabelo loiro entupido de gel e uns sapatos engraxados que gritavam filhinho de papai. Um dia uns filhos da puta não quiseram deixar Charlie participar de um jogo porque ele era negro e nós dois partimos para cima. Éramos dois contra cinco, então era certo que íamos acabar apanhando. Só não esperávamos que o novato arrumadinho entrasse na briga.

Naquele dia, Zaden voltara um caos para casa. Gravata desfeita, sapatos sujos, blazer amassado. Enquanto esperávamos na antessala da direção, descobrimos que ele gostava de tocar guitarra.

Hoje, ele quase nunca ia pro colégio com o fardamento completo e o cabelo ultrapassava as orelhas. O pai dele ia surtar se ele tirasse mais uma nota vermelha.

Lorenzo, – ou Loren, como preferia ser chamado, – chegara depois das férias. Ele viera da Itália junto da família do primo três anos mais novo, Gialunca, e nunca mais voltara. Ficamos amigos durante a aula de história, quando ouvi ele batucando na mesa a música Demons, da banda Imagine Dragons. Eu o acompanhara fazendo beatbox, mas fomos expulsos de sala porque fizemos isso durante um teste.

Ele tocava baixo e teclado.

E então havia eu. Desde sempre, música fora muito presente na minha vida. Minha mãe estava sempre cantando e eu gostava de estar por perto para poder escutá-la. Até que  em um de seus aniversários, como presente, eu cantara uma música que havia escrito para ela, que ficara chocada e tinha chorado o tempo todo. Ela repetia sem parar: "meu filho é um artista!"

Foi assim que ela me colocou nas aulas de canto. Eu tinha sete anos na época e fiquei nessa até os catorze, quando já tinha aprendido a tocar violino, violão, piano, teclado e guitarra.

E então a banda se formou. O nome, The Noisy, era somente uma piada no início, um ato declarado de rebeldia para os professores que diziam que só fazíamos barulho. E verdade seja dita: nós fizemos muito barulho. Foi assim que ficamos conhecidos por todo o Instituto St. Davencrown e decidimos tornar o nome oficial.

Fico feliz e muito orgulhoso de dizer que até o dado momento, meus amigos e eu pretendemos tornar a The Noisy algo muito além do que uma simples banda de colegial. Já tive essa conversa com cada um e todos nós concordávamos que não havia outro caminho: a música era nosso destino.

— Comecei uma canção nova ontem à noite. — declarei, recebendo um assobio de empolgação de Loren e palmas de Zad e Charles. — Ainda não está pronta, mas acho que vocês vão gostar.

— Seb, quando você fez alguma letra da qual não gostássemos? — Zaden perguntou. — Você é um compositor e tanto, irmão. Se não fossem as suas canções, seríamos só mais um grupo tocando a música dos outros.

— Isso foi tão fofo, Zad. Obrigada pelas palavras doces. Agora deixe eu beijar você. — disse Loren, agarrando o rosto de Zaden e dando-lhe um um beijo estalado na bochecha.

Eu ri, trocando um olhar com Charles, que sacudiu a cabeça, revirando os olhos.

— E então? Já tem um nome? — ele me pergunta.

Abro a boca para responder que ainda não sei ao certo, mas meu telefone toca naquele instante. Me viro para pegá-lo em cima da poltrona onde eu o havia deixado, já esperando para ver o nome de qualquer pessoa aleatória brilhar na tela.

No entanto, dessa vez não me decepciono.

Porque não é qualquer pessoa.

É Amélia.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top