CAPÍTULO 55
“Querido Diário,
Sabe o que é melhor sobre ser uma leitora? A sensação de que você fez parte. Aqueles personagens estiveram com você durante tanto tempo que se tornaram seus amigos. Dizer adeus é difícil e fechar o livro e guardá-lo na estante dói, mas me consolo com o fato de que sempre carregarei comigo as memórias das aventuras que vivi ao lado deles.”
Diário de Amélia, 24/04/2018
Amélia
— Ainda é difícil de acreditar que você finalmente terminou a escola — vovó disse, fungando, enquanto andávamos pelo estacionamento do colégio.
Acariciei suas costas, contendo um sorriso.
Durante a cerimônia de formatura que havia acontecido no auditório do Instituto, ela não parara de chorar um segundo sequer, o som abafado dos seus soluços enchendo todo o recinto quando subi no palco para receber o meu diploma. Vê-la tão emocionada não foi uma surpresa: vovô e eu sabíamos que ela provavelmente choraria, mas nenhum de nós previu que seria necessária ao menos uma caixinha de lenços para mantê-la sob controle.
Mesmo agora, muitos minutos após o fim, ainda parecia que vovó estava a um curto passo de perder a pose e desatar em lágrimas novamente.
— E, ao mesmo tempo que esse ciclo se fecha, você está prestes a iniciar outro tão maior — disse ela, se virando para vovô. — Gerald, nossa menina está indo para uma universidade fora do país, dá para acreditar? Na Inglaterra, ainda por cima! Eu adoro a Inglaterra!
Vovô riu, abraçando-a pelos ombros.
— Eu sei disso, querida. E estou muito orgulhoso da nossa garota. Muito mesmo — ele disse, olhando para mim com um sorriso cheio de amor. — Parabéns, olhos de mel. Essa é só a primeira de muitas das suas conquistas.
— Obrigada, vovô — falei, dando-lhe um beijo na bochecha, tomando sua mão e a de vovó entre as minhas. — Obrigada aos dois. Nada disso seria possível se eu não tivesse avós tão incríveis como vocês. Nunca serei capaz de agradecer o suficiente, mas juro que vou tentar.
— Amélia — vovô começou, tocando meu rosto. — Minha doce Amélia. Continue sorrindo e correndo atrás dos seus sonhos, minha querida, porque não há recompensa mais valiosa do que a sua felicidade.
Sinto um bolo se formar em minha garganta, a visão borrada com as lágrimas.
— Eu prometo que vou — digo, envolvendo os dois em um abraço. — Amo vocês.
Ficamos assim por alguns segundos, apenas nós três, unidos como um só coração. Aqui e agora, me sinto a garota mais sortuda do mundo. Aproveito o quanto posso a sensação de tê-los assim tão perto, porque sei que em breve estarei indo embora. Mas esse abraço – permeado de amor, carinho e segurança – é um pequeno e precioso momento que levarei comigo aonde quer que eu vá.
O som de alguém pigarreando atrás de nós chama nossa atenção, fazendo com que nos viremos para encarar seu autor.
— Espero que não tenha chegado tarde demais — diz Eloise, caminhando em nossa direção. Ela traz um buquê de violetas na mãos e me pergunto quem foi que lhe disse que eram as minhas favoritas. — Parabéns pela formatura, Amélia. Para você.
Eu aceito as flores, meio sem jeito. Mesmo sabendo que ela está por perto, acho que sempre vai ser estranho lidar com a sua presença em minha vida. Nosso reencontro foi repleto de conflitos, um atrás do outro. É meio automático esperar a todo momento que aconteça mais um, como se para estar preparada caso ela me decepcione outra vez.
— Obrigada. São lindas — agradeci, arriscando um sorriso.
Minha mãe sorriu de volta, soltando o ar enquanto balançava a cabeça.
— De nada. É o mínimo que eu posso fazer.
Nos encaramos em silêncio. Não há muitas palavras a serem ditas entre nós duas. Nos filmes, essa seria a oportunidade perfeita para uma reconciliação. E seria algo muito bonito, mas não posso simplesmente dar um passo à frente e dizer a ela que a perdoo quando não vou estar sendo sincera.
— Eu espero que você seja boa para eles quando eu não estiver aqui — eu lhe disse, baixando o volume da voz para que a conversa não fosse ouvida pelos meus avós. — Mesmo você tendo abandonado a sua família, ela nunca te abandonou. Eles sempre esperaram por você. Não desperdice a sua segunda chance.
— Eu não vou — ela respondeu, no mesmo tom baixo e determinado. Em seus olhos, eu encontrei firmeza, e talvez pela primeira vez desde a sua volta, finalmente ousei acreditar em suas palavras.
— Amélia — vovó me chamou, tocando meu braço. — Tem alguém que está esperando por você.
Seguindo a orientação dela, encontro em questão de segundos o olhar do rapaz alto parado em meio ao estacionamento, vestindo um paletó e calças pretas com padrões quadriculados na cor branca. Ele estaria quase formal, não fosse pela falta de gravata e pela corrente que vinha do seu cinto até o bolso lateral da sua calça. Exibindo um de seus sorrisos mais sedutores, ele deu um passo mais perto do carro parado ao seu lado, abrindo a porta do passageiro com uma piscadela.
Sebastian era simplesmente inacreditável.
— O que a senhora acha, vovó? — inclinei o queixo na direção dele. — Devo pegar carona com esse cara?
Ela gargalhou.
— Eu sei que eu no seu lugar com certeza pegaria.
Ela não precisa me dar outro incentivo.
Enquanto desfaço o laço que prende minha bata de formatura, sinto um frio na barriga pelo nervosismo de finalmente estar mostrando o meu vestido em público. É sem dúvida alguma a peça mais ousada que já usei na vida: toda em seda lilás e feita sob medida para mim, seu comprimento terminando na metade das minhas coxas. E ao invés das mangas que antes eu achava serem indispensáveis em qualquer roupa que eu fosse vestir, haviam apenas duas finas alças – que deixavam os meus ombros e braços completamente expostos.
— Eu estava errada — vovó disse, atrás de mim, parecendo estar novamente à beira das lágrimas.
— Sobre o que, vovó? — perguntei, preocupada.
— Quando te chamei de menina hoje mais cedo — ela fez um gesto que me abrangeu da cabeça aos pés. — Você já é uma mulher. E uma mulher lindíssima.
Um sorriso espontâneo se formou em meus lábios. Não por conta do elogio; eu estava habituada a ouvir meus avós dizendo que me achavam bonita. Para ser sincera, eles diziam isso o tempo todo. O diferente foi que, dessa vez, não senti nenhum impulso de discordar.
Porque eu também achava a mesma coisa.
E ao passo que faço o meu caminho até Sebastian, tenho plena consciência de que as cicatrizes em meu braço estão bem à vista de qualquer um que passar por mim. Velhas preocupações como “será que estão apontando?” ou “o que será que estão dizendo?” vêm e desaparecem rapidamente da minha mente. Que pensem o que quiserem. Todas essas cicatrizes são parte de quem sou e não sinto vergonha de mim mesma. Não mais.
Sebastian se endireita quando paro diante dele. Espero que faça algum comentário, mas percebo que está embasbacado demais para verbalizar o que está pensando. Meu coração se enche de amor toda vez que isso acontece, porque sei que para alguém como ele, – desinibido e acostumado a se apresentar na frente de um monte de gente desconhecida, – ficar sem ter o que dizer é extremamente difícil.
Dou uma voltinha.
— E então?
— Eu… quer dizer, você... — ele sacudiu a cabeça, enrubescendo. Eu ri. Era uma pena que Sebastian não corasse com facilidade; ele ficava uma graça quando acontecia. — Você é literalmente a coisa mais linda do mundo. Por um minuto achei que estava vendo uma miragem.
— Desculpe desapontar, mas eu sou só a sua namorada.
— E ainda bem que é minha — ele disse, enlaçando minha cintura, colando nossos corpos. — Ainda bem.
A casa de Zaden – ou melhor dizendo, a mansão LeBlanc – contava com três andares em tons de cinza e branco e ocupava um quarteirão inteiro em um bairro nobre. Com um lugar daquele tamanho, o comentário que Loren fizera sobre o pai de Zaden surtar caso algum adolescente bagunçasse o campo de golfe dele de repente passou a fazer sentido. A residência era tão grande que se elevava sobre todas as outras, como uma espécie de castelo moderno.
— Esse lugar é enorme — eu cochichei para Sebastian, enquanto o segurança do portão gesticulava para que ele passasse com o carro. — Tem até estacionamento para convidados. É quase um shopping.
— Meio exagerado, não é? — Sebastian concordou, parando o carro ao lado de um modelo esportivo que eu reconheci como sendo de Loren. — Mas o senhor e a senhora LB são assim. Eles adoram ostentação. Pra você ter uma ideia, a família da mãe do Zaden até faz parte da realeza francesa.
— Sério?! — indaguei, chocada, enquanto saíamos do carro.
— Não — Sebastian deu risada, travando as portas do veículo. — Eles só são ricos pra cacete mesmo.
— Seu engraçadinho — ralhei, entrelaçando os dedos na mão que ele havia me estendido. — Eu realmente achei que era verdade.
— Eu sei. Por isso teve graça — ele disse, guiando o nosso caminho. Andamos por um extenso corredor de mármore iluminado por pequenas lanternas presas ao chão até chegarmos ao pé de uma escadaria que dava para um cômodo feito inteiramente de vidro. Do lado de fora, não se ouvia nenhum barulho, mas assim que passamos pela porta, música eletrônica em um volume estrondoso encheu os meus ouvidos e os de Sebastian.
A sala na qual tínhamos acabado de entrar parecia ser o tipo de lugar pelo qual as pessoas pagariam para fazer festas: era extremamente espaçoso, com sofás de couro em formatos de S nas extremidades, um bar todo equipado, luminárias idênticas às que você encontraria em boates e um área que ficava mais abaixo do nível do piso especialmente reservada para pista de dança.
— É aqui que nós ensaiamos com a banda quando ficamos de vir à casa dele — Sebastian disse em meu ouvido. — Por isso o isolamento acústico. Normalmente não tem essas luzes que piscam, mas em suma é isso aí. Foi adicionado à construção da casa somente alguns anos atrás, quando o senhor LB parou de implicar com o fato do Zaden querer ser guitarrista.
— E aí ele simplesmente decidiu construir um estúdio pra ele? — perguntei, incrédula. — Agora sei porque a Ali faz piada sobre ele ser rico e mimado.
Sebastian conteve a risada.
— Bem, ela não está lá muito errada...
— Ei, vocês dois! — Loren balançou os braços do lugar que ocupava ao redor da bancada do bar. — Nós estamos aqui.
— Esse som está tão alto — falei, quando chegamos até ele. Dando uma breve olhada ao redor, tomo nota de umas seis pessoas entretidas com bebidas nas mãos ou conversando amontoadas nos sofás. — Quase não chegou ninguém fora a gente, por que as coisas já estão assim tão agitadas?
— Algum idiota mexeu no som e ficou assim — Charles disse, tomando um gole de algo que tenho quase certeza que era um martíni. — Zaden saiu para fazer uma ligação e descobrir onde o DJ que ele contratou se meteu. E a minha irmã… — ele deixou a frase pela metade, acenando em direção à porta pela qual tínhamos entrado minutos antes. — Acabou de chegar.
Alison acenou de volta, sorrindo. Como sempre, ela estava linda como uma modelo, com um vestido preto justo, botas vermelhas de cano curto e uma gargantilha dourada que cintilava de longe em seu pescoço. Um rapaz negro com o cabelo raspado em estilo militar e blazer azul vinha logo atrás dela, acompanhando-a de perto.
— Amiga, você está um arraso! — ela diz, vindo diretamente em minha direção. — Onde você encontrou esse vestido? Ele é de matar.
— Pensei exatamente a mesma coisa — Sebastian concordou, abrindo um sorriso malicioso para mim. Revirei os olhos, corando.
— Você também está incrível. Amei as suas botas — elogiei.
— Não são lindas? — Ali girou, colocando as mãos na cintura. — Mas antes que eu acabe falando sem parar sobre sapatos e esqueça de fazer as honras, queria apresentar o Bryan para vocês. Bryan Herbie — ela gesticulou para o garoto ao seu lado. — Essa é a minha melhor amiga, Amélia, o namorado dela, Sebastian, o de cabelo preto é o Loren e aquele ali é o meu irmão, Charles. Pessoal, esse é o Bryan. Ele acabou de se mudar da Jamaica. Como eu já disse, ele faz parte do clube de teatro, mas em breve será o mais novo integrante do meu grupo de dança! — ela se virou para ele e os dois trocaram um high five animado.
— É um prazer conhecer vocês — ele disse, com um sorriso simpático. — Alison tem falado de vocês desde que nos conhecemos. Acabaram de se formar, certo?
— O meu diploma está literalmente no banco de trás do meu carro — Sebastian disse, estendendo a mão na direção dele, que imediatamente retribuiu o cumprimento. — Bem vindo à St. Davencrown, Bryan. Você vai se dar muito bem.
— Obrigado. Eu espero que seja assim mesmo.
— AI MEU DEUS! — Alison exclamou, sacudindo o braço dele quando a música “Formation”, da Beyoncé, começou a tocar. — Bry, você tem que vir dançar essa daqui comigo! — e saiu arrastando o pobre rapaz até a pista de dança.
Nesse momento, Zaden surge de dentro de uma porta que fica quase escondida na lateral do bar, distraído enquanto mexe em algo no seu telefone. Ele caminha até nós sem erguer o rosto da tela, quase tropeçando em Charles.
— Cuidado. Vê se olha por onde pisa para não acabar passando vergonha — ele diz, segurando o amigo pelo braço.
— Foi mal, cara. Ei — Zaden sorriu para mim e Sebastian. — Finalmente vocês chegaram.
— Demoramos um pouco porque tive que conversar com a diretora sobre o meu curso em Cambridge e depois fiquei tirando algumas fotos com os meus avós — expliquei.
— Não se preocupe. A festa ainda nem começou.
— Por falar nisso — Charles começou, se ajeitando em seu assento. — Que fim levou o DJ?
— Não vai poder vir. Não sei direito o que aconteceu, mas o fato é que ele furou com a gente — Zaden respondeu, colocando o celular em cima do balcão do bar. — Daí vendo que não ia ter outro jeito, entrei rapidinho na cabine onde fica o equipamento e desenrolei a coisa toda.
— Viu só, Chuck? — Loren riu, batendo nas costas dele. — O idiota que mexeu no som de quem você estava falando na verdade era o Zad.
Mordi os lábios, segurando o riso.
— Não sei do que vocês estão reclamando. Apesar do começo difícil, eu peguei o jeito bem rápido — disse ele, fazendo um sinal para que o barman lhe preparasse um drink. — Cadê a Alison? Ela adora essa música.
— É, isso dá para perceber pelo jeito com que ela está dançando com o Bryan — Loren debochou, fazendo com Zaden se virasse no mesmo instante para observar o casal na pista de dança.
Fiz uma careta.
Alison e Bryan estavam arrasando juntos, ambos excelentes dançarinos. Quando ela rebolava ele a seguia e assim os dois iam criando sua própria coreografia da música, sem nunca perder o compasso.
— Então é esse que é o Bryan? — Zaden perguntou, dando uma risadinha. — Ele parece estar se esforçando bastante para acompanhar o ritmo da Alison.
Franzi a testa.
— Você acha? Para mim parece que ele está indo bem.
— Não está óbvio? — ele apontou para os dois sem a menor discrição. — Quer dizer, ele é claramente um ótimo dançarino, mas está sempre atrasado. Além do mais, Alison mexe o quadril primeiro do lado direito, enquanto ele… O que é que vocês estão olhando?
— Nada — Sebastian pigarreou. — Só que você parece estar bastante por dentro dos movimentos dela, hein Zaden? Anotou tudo em um caderninho?
— Não. E você, já mostrou pra Amélia o caderninho onde você anotava os horários dela?
Ergui as sobrancelhas.
— Não acredite nele. Só está tentando mudar de assunto.
— Fala a verdade, amigo. Você era o maior stalker.
— Não era.
— Era sim.
— Não era.
Zaden fingiu pegar um telefone.
— Alô, é da polícia? Tem um cara de dois metros de altura me perseguindo com um violão. SOCORRO!
Charles e Loren explodiram em gargalhadas, e eu os acompanhei, rindo até sentir a barriga doer, enquanto Sebastian e Zaden continuavam a se alfinetar; cada tirada era uma mais engraçada que a outra e houve uma hora em que Loren riu tanto que disse que faria xixi nas calças. Alison havia chegado naquele exato segundo e quase ia tropeçando quando ele passou correndo por ela em direção ao banheiro. Rimos ainda mais depois disso.
E, mesmo agora, eu sabia que aquele seria um momento que ficaria para sempre guardado em minha memória: o riso, a espontaneidade, o carinho velado de implicância, o companheirismo e a parceria da amizade. Coisas que pareciam tão simples e banais, mas que se tornavam histórias inesquecíveis ao longo dos anos. Aquele tipo de história especial que com certeza ficaria registrada nas páginas de um diário, para serem lidas e relidas sem nunca perderem a essência. Relatos preservados apenas por caneta, tinta e papel.
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