CAPÍTULO 54
"Acho que a família é uma das coisas mais especiais que temos no mundo, porque não se trata apenas de compartilhar o mesmo sangue: família é um grupo constituído por aquelas pessoas que fazem com que nos sintamos seguros, com que nos sintamos queridos e amados. São aquelas pessoas com as quais sabemos que, não importa o tempo ou a distância, sempre poderemos contar."
Diário de Amélia, 17/08/2020
Amélia
— Assim, só que mais para a direita — orientei Sebastian, que amarrava os laços da faixa de boas vindas de vovô na estante de livros da sala. — Isso. Só que desse jeito está alto demais. Baixe mais um pouco.
Ele baixou um nível, dando um nó nas fitas da faixa em uma das colunas da penúltima prateleira da estante.
— E agora? — perguntou, se afastando para avaliar seu trabalho. — O que você acha?
— Acho que está perfeito — falei, com um suspiro de apreciação. A faixa estava linda e bem centralizada; seria a primeira coisa que vovô e vovó veriam quando entrassem. Os biscoitos haviam saído do forno poucos minutos atrás e os muffins de framboesa que Sebastian e eu tínhamos preparado estavam quase assados. Café, leite, suco de laranja, frutas, torradas... tudo estava em cima da mesa, em uma disposição de opções muito bem organizada. E em tempo recorde. — Formamos uma boa equipe.
— A melhor equipe — Sebastian corrigiu, vindo até onde eu estava. — Nós dois juntos somos imbatíveis. Como morango e chocolate. A combinação perfeita.
Eu ri, passando os braços em volta da cintura dele.
— Você é tão brega, Bash.
— A palavra que você quer usar é romântico, não brega. Gosto de demonstrar que te amo. Seja falando — ele tocou meu queixo, resvalando os lábios nos meus. — Ou tocando você.
— Você tem é que vestir uma camisa — murmurei, passeando com os dedos pelos músculos em seu peito.
— Ou poderíamos aproveitar que estou seminu e fazer outras coisas enquanto esperamos os outros chegarem... — devolveu, sua voz causando arrepios no meu pescoço.
— Proposta realmente tentadora, mas... — sou interrompida pelo toque da campainha. — Mas parece que os outros já chegaram. Então anda, vai logo procurar a sua camisa.
Ele revirou os olhos.
— Eles bem que podiam ter demorado só mais uma horinha, não é?
— Faça silêncio — eu lhe disse em tom de reprovação, enquanto ia atender à porta. — Você vai ver uma coisa se eles tiverem te ouvido.
Enquanto ele resmunga algo em resposta, abro a porta e dou de cara com Alison, carregando uma torta de limão toda enfeitada. O aroma doce do bolo imediatamente me invade.
— Ali! Que bom que é você! — exclamei, abraçando-a de lado. — Preciso da sua opinião sobre a decoração. Tive que fazer às pressas, então não tenho certeza se fiz tudo do jeito que deveria...
— Calma, Ames — ela riu, me acompanhando para dentro. — Aposto que você fez um trabalho sensacional. Além do mais, a faixa e os cartazes que fizemos ontem ficaram muito bons, então só precisamos...
— BEM VINDOS! — Sebastian gritou, fazendo com que nós duas déssemos um pulo com o susto. — Ah, são só vocês.
— Você está louco?! — Alison exclamou, segurando o bolo com mais firmeza. — E se eu tivesse derrubado a minha torta? Você teria que recolher cada migalha!
Resisti ao impulso de levar a mão até o peito, que batia disparado.
— Sebastian, estamos aqui para dar as boas vindas e não para mandar todo mundo de volta para o hospital com um ataque do coração — ralhei, atravessando a sala com Alison ao meu lado e ajudando-a a colocar sua torta no espaço reservado especialmente para ela na mesa de café da manhã.
— Me desculpem, é que eu achei que a intenção era justamente pegar eles de surpresa — ele explicou, com uma expressão culpada. — Não pensei que vocês fossem se assustar tanto.
— E quem não iria, com um grito desses? Parecia que você estava com um megafone na boca — Alison disse, já mais calma.
— É, talvez eu tenha me empolgado um pouquinho.
— Tudo bem, sabemos que não foi de propósito — apontei para ele, que já estava inteiramente vestido. — Não é melhor você ir em casa trocar de roupa? Tudo já está quase pronto, só preciso que Ali dê uma segunda opinião.
— Tem certeza que não precisa de mim pra pegar mais alguma coisa? Amarrar outra faixa em um lugar alto? — ergueu uma sobrancelha em busca de confirmação, me agarrando pela cintura.
— Não, já fizemos tudo — eu ri, ficando na ponta dos pés para lhe dar um beijo. — Obrigada pela ajuda. E não se atrase.
— Eu nunca me atraso — ele replicou, em um tom que implicava que eu já deveria saber disso. — Não esqueça dos muffins no forno. São só dez minutos, se deixar mais eles vão tostar. Te vejo depois, Al — se despediu de Alison, dando-lhe um beijo rápido no topo da cabeça antes de acenar e ir embora.
Mal Sebastian saíra pela porta, senti um beliscão em meu braço.
— AI! — exclamei, olhando estupefata para a garota ao meu lado. — O que foi que eu fiz?
— Sério, Amélia? Não se faça de boba.
Franzi a testa.
— Como assim?
Alison ficou boquiaberta.
— "Como assim?" Você subestima a minha inteligência — ela balançou a cabeça, levantando um dedo para cada afirmação: — Sebastian tão cedo na sua casa, vocês dois sozinhos, essa melação toda e não pense que eu não percebi que ele estava usando a mesma roupa de ontem. Vocês. Dois. Fizeram. Sexo.
Senti meu rosto queimar.
— Ah.
— Ah? — ela cruzou os braços, parecendo se divertir. — Sua safada! Na primeira oportunidade que você teve de ficar sozinha com ele, hein? Vocês usaram camisinha, né? Por favor, me diga que sim. Sou nova demais para ter alguma criança me chamando de tia.
Foi minha vez de lhe dar um beliscão.
— É óbvio que sim. Eu não arriscaria.
— Vai saber, né? Tem gente que se deixa levar pela emoção. Mas ao que parece, o seu namorado já estava de caso pensado — ela comentou, fazendo com que eu ficasse ainda mais envergonhada. Após alguns segundos de silêncio, perguntou: — Foi bom?
Assenti.
— Foi bem melhor do que eu pensava.
— Mas não foi estranho?
— Essa conversa é estranha.
Ela choraminga.
— Por favor, você tem que me contar. A amiga que faz primeiro tem o dever de preparar a outra. É uma regra.
Ela tem um bom ponto, pensei, enquanto respirava fundo, procurando as palavras certas para descrever como eu havia me sentido.
— A sensação é um pouco estranha no início, sim. Mas não de um jeito ruim. Quer dizer, com certeza pra algumas pessoas pode ser ruim, mas pra mim não foi. Para falar a verdade, eu nem conseguia raciocinar direito.
— Uau. Sebastian estava bem empenhado, hein?
Eu ri, revirando os olhos.
— Já que você quer tanto saber, nós dois estávamos bem empenhados. Não fiquei desconfortável em nenhum momento. Sebastian fez com que eu me sentisse... idolatrada. É. Essa é a palavra — olhei para ela. — Foi algo muito novo pra mim. Pude sentir em cada toque o quanto era amada. Acho que foi isso que me deu segurança para fazer o mesmo por ele. Eu não sei. É muito difícil de explicar — passei a palma da mão pelo braço, me arrepiando só de lembrar. — Acho que cada um se sente de um jeito. É uma experiência muito particular, sabe? Pode ser que você ache algo totalmente diferente quando for a sua vez.
— Acho que você tem razão — ela anuiu, me olhando com um sorriso admirado.
— O que foi? — indaguei, também sorrindo, mesmo sem saber o motivo.
— É que eu fico tão feliz por você finalmente ter se dado conta de que é merecedora de um amor assim — disse ela, piscando rapidamente. — Você já passou por tanta coisa. Me lembro do dia logo depois do seu aniversário, quando você disse que não queria que Sebastian se sentisse obrigado a ficar com você por pena — Alison ergueu os olhos, desistindo de esconder a emoção. — Fiquei tão triste quando vi que na sua cabeça aquela seria a única razão pela qual ele te manteria por perto. É muito bom saber que finalmente você enxerga que é amada.
Meus olhos se enchem de lágrimas.
Nunca em mil anos eu imaginaria que naquele dia, meses atrás, quando mal nos conhecíamos, ela havia se importado tanto com os meus sentimentos, – muito menos que se sentira mal quando descobriu que eu não me achava digna de tamanha afeição.
Naquela época, achei que todas as coisas que Alison havia dito para mim tinham sido por pura educação, mas eram todas sinceras. Ela adorava fazer o tipo difícil que não se importava muito com os outros, mas tinha um coração tão bom. Desde o início, já desejava a minha felicidade, assim como eu desejava a dela.
— Obrigada, Ali. Por ter sido tão boa comigo desde o primeiro momento e ter me ajudado com tantas coisas. Sou tão grata — falei, enxugando o rosto. — Sabe... eu sempre quis ter uma amiga, mas nunca em meus melhores sonhos pensei que teria uma como você.
— Oh, venha cá, sua... — ela me envolveu em um abraço apertado, o qual eu retribuí com toda a força que pude. Com a voz embargada, continuou: — Amo e odeio quando temos esses momentos. Você sempre me faz chorar como uma idiota.
Dei risada.
— Você tem que admitir que é meio chorona mesmo — impliquei, esfregando suas costas. — E que tem o coração mole.
— Eu não tenho o coração mole — ela tomou alguma distância entre nós, fungando. — E também não sou chorona, apenas fico emotiva em situações que exigem que eu fale sobre como me sinto. Não confunda, huh?
— Se você está dizendo — ergui as mãos em rendição. — Mas ainda acho que... — novamente, a campainha intervém, atrapalhando a minha frase a meio caminho de ser completada. — Salva pelo gongo.
— O que posso dizer? A sorte está sempre ao meu favor — ela se gabou, indo até um espelho para conferir se a maquiagem seguia intacta.
Quando abro a porta, mal consigo dizer "olá" antes que Sebastian e seus pais entrem às pressas, fazendo sinais com os dedos sobre os lábios para que continuemos sem falar nada.
— Eles estão chegando. Vimos o carro da sua avó entrar no final da rua — disse Samantha, aos sussurros.
— Ah, meu Deus — falei, no mesmo volume quase inaudível. Sinalizando para que Alison se aproximasse, eu disse: — Ok, vamos ficar bem na frente da estante grande ali no fundo, onde a faixa de boas vindas está pendurada. Sebastian, por favor, não grite tão alto dessa vez.
— Entendido.
— Meus ouvidos agradecem — Alison lhe deu uma cotovelada.
— Desculpe mudar o rumo da nossa operação, mas acho que tem algo no forno… — o senhor Dubrov disse, indicando a cozinha com o queixo.
— Nossos muffins! — Sebastian olhou para mim, mortificado. — Amor, eu disse dez minutos!
Fiz uma careta, penalizada.
— Desculpe, Alison e eu ficamos conversando e eu esqueci completamente. Eu vou tirá-los do forno agora mesmo. Tomara que tenha salvação — murmurei, já me encaminhando para a cozinha.
Ele segurou meu pulso.
— Relaxa, eu dou um jeito. Não passou tanto tempo assim, não devem ter queimado. Sua tarefa como anfitriã é ficar aqui sorrindo, lembra? Deixa o resto comigo — garantiu, com um sorriso confiante que instantaneamente fez com que a tensão em meus ombros se desfizesse.
— Não se preocupe, Sebastian é rei dos muffins — Samantha disse, enquanto ele corria em direção à cozinha. — Vai dar tudo certo.
E, como se essa fosse a deixa pela qual estavam esperando, o clique da porta da frente sendo destravada foi ouvido e tivemos apenas alguns segundos para nos posicionar antes que vovó e vovô aparecessem no hall de entrada.
— SURPRESA! — dissemos em uníssono (ainda assim conseguindo soar mais baixo que Sebastian).
Vovô ergueu as sobrancelhas, abrindo um sorriso enorme diante de tudo o que havíamos preparado. Vê-lo ali, de pé, com uma aparência tão mais saudável do que a de duas semanas atrás, quando precisou fazer aquela cirurgia de emergência, trouxe lágrimas de felicidade aos meus olhos. Sim, ele ainda teria que fazer quimioterapia e muitas sessões de fisioterapia respiratória, mas estava de volta; a nossa família estava reunida outra vez e passaríamos por tudo o que tivéssemos que passar do jeito como sempre fizemos – juntos.
— Vocês me pegaram totalmente desprevenido — disse ele, passando os olhos por cada um de nós até parar em mim. — Eu deveria ter desconfiado que você estava aprontando alguma coisa.
Fui até ele, recebendo-o com um abraço grande o bastante para expressar tudo o que eu estava sentindo por tê-lo ao meu lado novamente.
— Bem vindo de volta, vovô — falei, tentando disfarçar a voz embargada. — O senhor não achou que íamos mesmo deixar a sua alta do hospital passar em branco, achou?
— Uma comemoração era o mínimo que o senhor merecia, senhor Ruschel — Alison disse, sorrindo. — A comida do hospital até era boa, mas a decoração aqui é bem melhor, não acha?
— De fato, Alison. Você está certíssima — ele respondeu, caminhando comigo ao encontro dos pais de Sebastian. — Estou me sentindo realmente popular. Até Sean Dubrov saiu do trabalho para me ver!
O senhor Dubrov riu, dando um passo à frente e abraçando vovô, seguido de perto por Samantha.
— Estou muito feliz em vê-lo tão bem depois de tudo, Gerald. Você não sabe o susto que levei quando soube que tinha sido internado.
— Ainda bem que correu tudo bem na cirurgia e que o senhor pôde voltar para casa logo — Samantha acrescentou, com um sorriso cheio de carinho. — Estamos realmente felizes em tê-lo conosco de novo. E, só para constar, parece que toda a experiência de visitar o senhor no hospital fez com que o meu marido finalmente percebesse que não pode viver todos os dias dele para o trabalho, mas sim para aproveitar as pessoas importantes que ele tem na vida.
— A Sam tem razão. Talvez eu tire mesmo umas férias — Sean concordou, inclinando a cabeça na direção de vovô. — E reassuma o meu posto como seu parceiro de xadrez, como nos velhos tempos.
— Ora, para mim será uma honra derrotá-lo como nos velhos tempos — meu avô respondeu, cheio de vigor e alegria, o que rendeu sorrisos mais do que satisfeitos de todos nós.
— Onde está a vovó? — perguntei, já estranhando o fato de ela não estar aqui circulando e sendo a alma de toda a reunião.
— Estou bem aqui, querida! — a ouço dizer, sua voz chegando logo atrás de mim.
Me virando, dou de cara com vovó, que está olhando cheia de admiração para a faixa de boas vindas que Alison e eu havíamos feito. E, bem ao lado dela, parecendo tão deslocada quanto deveria, está minha mãe.
Suprimo o instinto de perguntar o que ela está fazendo aqui; sei que não é o momento para isso. Não consigo dizer se algum dia serei capaz de perdoá-la por tudo o que aconteceu em nosso passado, mas não posso fazer uma cena sempre que ela estiver por perto: apesar dos pesares, vovô parecia ter lhe dado uma segunda chance, e a única coisa que eu podia fazer era esperar que no final de tudo ela fizesse por merecê-la.
— Oi, Amélia — disse ela, arriscando um olhar.
— Oi — respondi, sem ter muito mais do que isso para dizer.
E, depois de alguns segundos de um silêncio constrangedor no qual eu achei que acabaríamos ficando por toda a manhã, Sebastian aparece na porta da sala de jantar segurando uma enorme bandeja cheia de muffins cobertos por granulados coloridos e coberturas variadas, fazendo um grande anúncio:
— Bem vindo de volta, senhor Ruschel. Tendo sido realizada a chegada mais esperada do dia, é com grande prazer que revelo as entradas do nosso banquete de café da manhã: meus famosos muffins de creme e framboesa, feitos com a ajuda da minha lindíssima assistente, Amélia Ruschel! — falou, gesticulando com um braço na minha direção, que fiz o meu melhor trabalho tentando imitar uma reverência de lisonja.
— Nossa, muffins! — vovó exclamou, batendo palmas em aprovação. — Bem que estava sentindo o aroma de bolo quentinho. Vocês devem ter acordado bem cedo para organizar tudo isso, não é mesmo?
— Verdade seja dita, eu nem vi Sebastian chegar em casa — disse o senhor Dubrov, franzindo a testa, como se só tivesse parado para pensar a respeito naquele exato momento.
— Ah, é? — vovó indagou, olhando para mim com um ar questionador.
Sinto meu rosto queimar.
— Ah, mas o que é isso! — Alison fez um som de deboche, alcançando um dos bolinhos na bandeja de Sebastian. — Tenho certeza de que eles ficaram assando muffins a noite inteira — e dando uma mordida quase colossal, ela arregalou os olhos, cobrindo os lábios enquanto falava de boca cheia: — Ah. Meu. Deus. E não é que eles são bons mesmo?
O restante do café da manhã transcorreu sem maiores comoções.
— Nossa, eu gostaria tanto de poder ir ao baile de formatura de vocês — Alison lamentou, enquanto estávamos todos almoçando juntos na mesa do refeitório. — Mas parece que não vai rolar. Tudo por causa dessa regra idiota de que os alunos das outras turmas não podem ir nem mesmo como acompanhantes.
— Falando sério, quem ainda vai ao baile da escola? — Loren perguntou, com uma expressão cheia de enfado. — Isso é tão 2015.
— Você nem lembra o que aconteceu em 2015, Loren — Charles apontou.
O italiano deu de ombros.
— E quem liga? Já vai fazer seis anos. Está mais do que ultrapassado.
— Acho que Loren tem razão — Zaden disse, o que chamou a atenção de todos nós. — E é por isso que acabei de decidir que vou boicotar o baile da escola.
— Como assim? — perguntei.
— Bom, o meu plano é muito simples: vou dar uma festa no mesmo dia, na mesma hora e chamar todo mundo que eu quiser — falou, parecendo se orgulhar muito de si mesmo por ter bolado aquilo em tão pouco tempo.
— E você acha que vai dar certo? — Sebastian indagou, passando para mim o copo com a minha vitamina de morango, os dedos da mão do braço que ele mantinha ao redor da minha cadeira brincando com meu cabelo.
— Pfft — Zaden zombou, em completa ironia. — Mas é claro que vai dar certo. Eu vou ser o anfitrião, afinal de contas.
— E que peso isso tem? — Alison questionou, sem erguer os olhos do seu sanduíche. — Você nunca deu nenhuma festa. Por que fazer isso agora?
— Porque me deu vontade.
— Rá. O seu pai nunca vai deixar.
— Ela tem um ponto — Charles concordou.
— Ele não vai se importar. Minhas notas melhoraram muito desde o início do ano — se gabou, ajeitando o colarinho do blazer cor de vinho. — Uma festinha é o mínimo que eu mereço por ter passado direto.
— Não foi mais do que sua obrigação — Ali murmurou, enquanto Loren ia dizendo:
— Pode até ser, mas o seu velho vai surtar se vir algum adolescente se pegando ou derrubando bebida no campo de golfe dele — ele riu, se divertindo consideravelmente ao imaginar a cena.
— Você fala como se eu fosse convidar qualquer pessoa. Vai ser um evento seleto. Apenas quem a gente quiser.
— Então eu posso trazer alguém? — Alison perguntou.
— Claro que pode. Que amiga você vai trazer? — Zaden perguntou, virando o rosto na direção dela.
— Amigo, na verdade. O nome dele é Bryan Herbie.
— E quem é esse?
— Ele é legal. Faz parte do clube de teatro.
— Não conheço nenhum Bryan do clube de teatro — Zaden falou, olhando para Charles. — Você conhece ele, Chuck?
— Para ser sincero, não.
— E você, Seb? Conhece algum Bryan que faz teatro?
— Nunca nem vi — Sebastian respondeu, dando de ombros.
— Loren?
— Pelo amor de Deus, não.
— Ames? — Zaden insistiu, e quando abri a boca para responder, ele ergueu um dedo, sorrindo com satisfação: — Eu sei que não.
Mostrei a língua.
Alison bufou.
— Sim, Zaden, já entendi que nenhum de vocês o conhece, mas e daí? Posso levar ele ou não?
— Mas é claro. Diga ao seu Herbie que pode vir à minha festa — ele assentiu, solenemente. — Mas eu quero saber: ele dirige um fusca turbinado, ou…?
— Ha-ha, você é hilário — ela disse, se levantando da mesa. — Tenho ensaio agora, mas vejo vocês depois. Até mais tarde.
Nós acenamos para ela em despedida e, quando ela se afastou o suficiente, Zaden deu uma risadinha, balançando a cabeça.
— O que é tão engraçado? — Charles perguntou.
— Nada. Só estava me perguntando de qual buraco a Alison deve ter arranjado esse cara.
— Com ciúme, Zad? — Loren cutucou, verbalizando meus pensamentos.
— Do Herbie? — o loiro gargalhou. — Faça-me o favor. Além do que, eu não me importo nem um pouco. Alison pode levar quem ela quiser. Eu dou toda a força.
— Não é o que está parecendo — Sebastian cantarolou, olhando para mim. — O que você acha, amor? Zaden com ciúmes do Herbie.
— Ah, vê se não enche — ele revirou os olhos, rindo. Mas não deixei passar despercebida a pressão que os dedos dele fizeram ao redor da sua garrafa de energético.
Sorri comigo mesma. Aqueles dois ainda teriam um longo caminho pela frente.
Eu tinha acabado de sair da aula de química e seguia tão apressada em direção ao meu armário que não notei a pessoa que vinha no sentido contrário ao meu antes que nós duas acabássemos esbarrando uma na outra, os lápis do estojo que a garota carregava se espalhando por todos os lados no piso lustroso do corredor.
— Mil perdões — pedi, largando as minhas coisas para juntar todas as canetas espalhadas pelo chão. — Eu estava distraída, acabei não te vendo e aí...
— Está tudo bem — diz ela, e ergo o rosto para dar de cara com Astrid. Desde que voltara da sua suspensão, meses atrás, eu só a tinha visto poucas vezes entre o intervalo de uma aula ou outra. Não nos falávamos exatamente, mas sempre trocávamos acenos de reconhecimento. — Eu também não tinha te visto, então a culpa não é só sua.
Assenti, sorrindo para ela enquanto lhe entregava seus lápis. Recolhi meus cadernos e nós duas ficamos de pé, frente a frente.
— Então… como você está? — perguntei, tentando puxar assunto. Quem diria. Eu, Amélia Ruschel, tentando puxar conversa com alguém.
Chegava a ser engraçado o quanto as coisas podiam mudar em menos de um ano.
— Não exatamente bem, mas estou indo. — ela inclinou a cabeça para o lado, os cabelos pretos na altura do queixo seguindo o movimento. — As coisas ainda estão se ajeitando para mim, mas… você sabe a bolsa para a faculdade que eu tanto queria?
— É claro que lembro — respondi, achando graça. — Meio difícil de esquecer, já que eu apanhei por causa dela.
— É claro. Você tem razão — ela fez uma careta, endireitando os ombros. — Bem, parece que vou ter que te pedir desculpas mais uma vez, porque você apanhou em vão. Eu não consegui.
Tentei não ficar boquiaberta.
— Mas como você não conseguiu? Você era a melhor do time de lacrosse. Com certeza deve ter havido algum engano.
— Eu pisei na bola muitas vezes, Amélia. A primeira foi naquela vez em que impliquei com você no pub. A segunda quando te agredi e ganhei uma suspensão. Tive que faltar alguns treinos por causa do trabalho de meio período que eu arranjei e perdi oficialmente o meu lugar como capitã do time — ela respirou fundo, olhando para mim como se não fosse nada demais, pura resignação estampada em seu rosto. — Simplesmente não era pra ser.
— Meu Deus, Astrid…. Eu sinto muito. De verdade — falei, triste por ela não ter conseguido o que tanto sonhou.
— Essas coisas acontecem. Não sei bem qual é o meu plano ainda, mas economizei algum dinheiro com o emprego que consegui e vou ver se pego algum empréstimo para dar entrada em um apartamento e sair de vez da casa do meu padrasto — ela fechou o zíper do seu estojo, parecendo perceber só agora que o deixara aberto. — Tudo vai começar a melhorar quando eu sair de lá.
Sinto meu estômago embrulhar. Não esqueci uma vírgula da história que ela me contou sobre ter apanhado desse homem. E estou feliz por ela não ter intenção de continuar aguentando essa situação por muito mais tempo, mas não posso ignorar a vontade que tenho de ajudar.
— Você sabe que se precisar de alguma coisa pode contar comigo, não sabe? — perguntei, encarando-a com seriedade. — Sei que não somos exatamente amigas, mas quero que você saiba que me preocupo. Se quiser alguém para conversar ou um lugar para ficar, você sabe onde pode me encontrar. Não hesite, está bem?
Dessa vez, consigo ver claramente a emoção que perpassa suas feições. É uma velha e inconfundível companheira minha: a gratidão.
— Obrigada, Amélia — ela diz, abrindo um sorriso quase relutante. Tenho a impressão de que ela não costuma sorrir muito. — Por tudo.
— Sempre que precisar — digo, assentindo em despedida. No entanto, antes de ir embora, me viro para encará-la: — Ah, e Astrid! Vai ter uma festa na casa do Zaden no dia do baile de formatura. Não vai muita gente, então… se você quiser aparecer, vai ser muito bem vinda.
Ela sorri outra vez.
— Eu não sei se vou conseguir ir, mas obrigada pelo convite. E eu fiquei sabendo do curso que você ganhou em Cambridge. Meus parabéns.
— Obrigada — eu disse, envergonhada. Não queria ficar falando sobre a bolsa que eu havia ganhado quando Astrid parecia ter perdido tanta coisa.
— Você merece — ela disse, me dando um breve aceno antes de seguir seu caminho.
E, enquanto seguia o meu próprio, fui acometida pelo sentimento de que não importava o tempo, a vida sempre se encarregava de nos levar até o nosso destino.
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