CAPÍTULO 5
"Paralelepípedos. Da janela do meu quarto, vejo um garoto que mora há algumas casas de distância da minha pulando de um paralelepípedo para o outro. Está fazendo isso durante cerca de trinta minutos. De onde estou, ele parece um pouco chateado. Talvez triste. Está com semblante franzido e o rosto vermelho. Será que é porque está segurando o choro? De repente, sinto que temos algo em comum. Quando sinto vontade de chorar, escrevo em meus diários. Eles são como se fossem os seus paralelepípedos."
Diário de Amélia, 22/08/2009.
Amélia
Deixar meus avós me convencerem a sair de casa foi a pior decisão que já tomei. Sabia disso quando concordei e agora iria pagar o preço, porque eu tinha certeza de que aquelas meninas não deixariam isso para lá tão facilmente. A minha fuga acovardada frustara o plano que elas tinham de acabar comigo publicamente. Não que tivesse me chocado. Eu já tinha reparado em seus olhares maldosos me julgando há muito tempo.
E todos sabiam que um olhar valia mais que mil palavras.
Meu coração ainda batia acelerado, então para me acalmar enfiei a mão dentro da bolsa para segurar o material azul liso que forrava a capa do meu diário, só para me deparar com o vazio.
O pânico me atingiu.
Eu o tinha deixado com ela. Tinha me preocupado tanto em simplesmente ir embora dali que havia sido capaz de esquecer o meu diário com a pessoa que tinha começado a me atacar sem razão aparente em um pub cheio de gente.
As lágrimas vieram com força ao pensar no que ela poderia fazer. Rasgar todas as páginas? Queimá-lo? Ler os meus pensamentos patéticos numa roda lotada do seu grupo de amigas medonhas? Nem sequer estava trancado; eu estava escrevendo nele quando ela o tomou de mim. Meu amigo mais fiel entregue de bandeja para uma completa estranha.
Respirei fundo, contando de um até dez, inspirando e expirando como minha avó havia ensinado. Eu podia lidar com isso. Eu posso lidar.
Tentando obter alguma sensação de controle, firmo minhas mãos trêmulas na cintura, soltando o ar de meus pulmões com profundidade. Eu não precisava surtar. Talvez eu tivesse exagerado e entendido errado seja lá qual tenha sido a intenção da garota no pub. Provavelmente ela nem tinha sido hostil e tudo fora coisa da minha cabeça, sempre assustada. Se eu me forçasse a voltar e pedisse desculpas, ela riria e me devolveria o meu diário.
Ok. Eu podia fazer aquilo.
Então me viro na direção do lugar de onde saí correndo minutos atrás, só para bater de frente com alguém que vinha correndo diretamente de lá. Penso que é a segunda vez que perco o equilíbrio esta noite, e que mais uma vez, a mesma pessoa me impede de cair.
Sebastian Dubrov.
No entanto, não é meu pulso que ele envolve para me firmar, mas sim minha cintura. Sinto os pelos da nuca eriçarem, a sensação percorrendo meus braços na forma de pequenos beliscões. A respiração de uma outra pessoa é sentida contra o meu rosto e um braço forte me segura apertado, e tudo em que consigo pensar é que nunca estive tão perto assim de alguém.
Meus olhos se encontram com as íris castanho-esverdeadas de Sebastian. Há um poste que ilumina o exato local onde estamos e posso enxergar com clareza o tom de chocolate derretido entrelaçado a finos traços de um verde cor de mar que compõe a cor extraordinária de seus olhos.
Nunca estive tão perto assim de alguém.
Noto o segundo em que suas pupilas se dilatam e posso facilmente dizer que é a coisa mais fascinante que vi na vida. Consigo até ouvir uma vez o som de seu coração batendo antes de me afastar.
Isso parece desestabilizá-lo por um momento, e assim como sinto o calor tomar minha face, vejo o rubor subir pelo seu rosto.
Ele pigarreia.
— Eu vi você saindo. — diz, coçando a parte de trás do pescoço. — Você não parecia estar muito bem, então fiquei preocupado.
Tento não franzir a testa, mas falho miseravelmente.
Eu sei que Sebastian é um cara legal. Sei que ele trata todo mundo bem e sei que todos que o conhecem gostam dele. Mas me parece demais até para ele sair correndo atrás de uma garota com a qual nunca falou na vida só para checar se ela está bem.
Parecendo se dar conta de que não estou totalmente apta para dizer algo em resposta, ele tira um objeto retangular de dentro do bolso do casaco e não contenho uma exclamação de surpresa ao ver meu diário em suas mãos.
Sebastian sorri.
— Eu achei que você gostaria que alguém pegasse de volta.
Observo em choque o rapaz a minha frente estender o caderno azul para mim. Perplexa e ao mesmo tempo sentindo um alívio que vai até a alma, estendo minha mão na direção da dele. Puxo meu diário pela ponta da capa de propósito, a fim de evitar ao máximo mais algum toque acidental, mas de repente, como se sabendo da minha intenção, Sebastian estica os dedos e sua pele resvala na minha.
Sem me permitir demonstrar reação, deslizo meu diário das mãos dele e o seguro apertado contra o peito. Tê-lo comigo novamente me faz lembrar como respirar.
Reunindo coragem, eu finalmente digo:
— Obrigada. — o jeito que Sebastian me olha quando o agradeço não me passa despercebido. Penso que não devo ter soado grata o bastante, então adiciono: — D-de verdade. Tanto pelo que fez por mim no pub quanto por ter me procurado depois que saí de lá. E... por isso. — balanço meu diário azul.
Ele não diz nada, apenas continua me encarando. Me sinto extremamente desconfortável com a atenção, e dou um passo para trás.
— Não sei mesmo como agradecer. — completo, decidindo que independente do que ele pense, fiz o possível para demonstrar minha gratidão.
Estou quase me virando para ir embora quando ele responde:
— Eu sei.
— Perdão? — indago, confusa.
Ele expira e sua respiração se mistura rapidamente ao ar gelado. Então enfia as mãos nos bolsos, caminhando na minha direção até parar bem ao meu lado.
— Deixe-me acompanhá-la até em casa — ele pede, me dando um sorriso hesitante. Noto que o topo de suas orelhas estão vermelhos, mas obviamente não digo nada a respeito. Ele limpa a garganta. — É que eu não gosto de andar por aí sozinho. Melancolia e tudo o mais. Bom para escrever músicas tristes, mas não preciso disto esta noite. Então, se você estiver indo comigo eu ficaria...
— É claro que posso ir com você. — respondo, sem entender o motivo de Sebastian ter feito tanta cerimônia. Ele mora na mesma rua que eu. Não é como se fizesse grande diferença para ele me acompanhar ou não.
Seu sorriso, que antes era contido, se torna mais largo. Enquanto caminhamos, vejo que ele tenta não sorrir demais, mas sempre que parece ter recuperado um semblante neutro, outro sorriso volta ao seu rosto.
— Eu quase nunca te vejo fora da escola. — ele comenta, depois que parece ter sua felicidade repentina sob controle. — Achei muito legal te ver no pub hoje.
— Eu não costumo sair muito. — murmuro, e nós paramos de andar para esperar que o sinal feche e a passagem de pedestres seja liberada.
— Imaginei. — balança a cabeça, se virando para ficar de frente para mim. Então diz: — Eu sinto muito pelo que aconteceu mais cedo. Deve ter sido horrível para você.
Suspiro.
— Está tudo bem — desconverso.
— O quê? — ele franze a testa, e penso que tem a mesma expressão de anos atrás; ainda o mesmo garoto que pulava paralelepípedos quando estava aborrecido sobre alguma coisa. — É claro que não está tudo bem. Aquilo foi absurdo. Elas te desrespeitaram, fizeram pouco de você.
Fico em silêncio. A faixa de pedestres é liberada e atravesso a rua, Sebastian seguindo logo atrás de mim.
Só quando chegamos ao outro lado é que penso em dizer alguma coisa. É difícil manter um diálogo ativo quando se acostuma a ficar calada.
— Não tem importância. Eu não fico com raiva.
— É, mas eu fico — ele devolve, seu tom cheio de indignação. — Não gosto de ver ninguém sendo tratado da maneira como trataram você. Não gosto de verdade. Me dá vontade de...
— Pular paralelepípedos? — solto, sem pensar.
Sebastian ergue as sobrancelhas, o que me diz que foi pego completamente de surpresa.
— Como você...?
— Moramos no mesmo bairro desde crianças. — começo, com calma. — Posso ficar em casa o dia inteiro, mas tenho janelas. Bem grandes. E gosto de escrever observando a vizinhança. Então uma vez ou outra te via fazendo isso. Sempre emburrado ou com cara de choro.
Espero que diga alguma coisa, mas nos últimos segundos ele parece ter pegado o meu hábito de longa data de ficar em silêncio.
Por fim, ele diz:
— Não sabia que prestava atenção em mim.
— Você estava chorando enquanto pulava pela calçada — como não prestar atenção em algo tão peculiar?
Sebastian dá uma risada, inclinando a cabeça para trás. O som é alto, vívido. Exala prazer e apreciação.
E me sinto maravilhada na mesma medida que me sinto intimidada.
Ele olha para o céu.
— Por favor, Deus, se isso for um sonho, eu não quero acordar.
— Do que você está falando? — questiono, sentindo que perdi alguma coisa.
— De nada específico, na verdade. — dá de ombros. — Estou apenas contemplando a grande piada que eu sou.
Essa declaração me deixa com um triste sentimento de culpa. Será que eu o constrangi citando o episódio dos paralelepípedos? Devo ter parecido uma idiota. Ele deve pensar que eu estava zombando dele. Abro a boca para me desculpar quando ele diz:
— Eu sempre quis ser seu amigo, Amélia. Falar com você, exatamente como estou fazendo agora. Eu via você na escola e às vezes na janela da sua casa. Desde que me conheço por gente pensei em chegar e dizer: "oi, posso ser seu amigo?" Mas por anos, não tive coragem. — confessa, envergonhado, erguendo o olhar para mim com dificuldade. — Você sempre pareceu ser tão inteligente. Tive medo de que você me achasse um imbecil.
Tento recapitular. Ele sempre quis ser meu amigo? Sebastian Dubrov? Meu amigo?
— Eu... eu não sou tão inteligente quanto pareço. — é a primeira coisa que me vem à mente após escutar uma das pessoas mais improváveis da cidade dizer que sempre quisera ser meu amigo.
Ele não parece me ouvir.
— Tinha receio de falar com você e você simplesmente olhar para mim, fechar seu diário e sair andando.
— Eu pareço ser capaz de fazer isso? — pergunto, engolindo em seco. — De ser arrogante a esse ponto?
— Claro que não. — se apressa em dizer, passando a mão pelo cabelo escuro e liso, como se para organizar suas ideias. — É claro que não. É que eu... sou tímido. — ele faz uma careta.
Pisco.
— Mas você acabou de cantar em um lugar cheio de gente.
— Sim, eu sei, mas eu não me importo com o que essas pessoas pensam de mim.
— Sendo assim, por que se importaria com o que eu penso? — procuro estabelecer uma linha de raciocínio que seja acessível.
— Porque... — hesita. — Porque eu... queria ser seu amigo. Sim! — ele exclama, com mais convicção. — Por isso. Como eu poderia ser seu amigo se você não me achasse bom o bastante para o cargo?
— "Bom o bastante?" — repito. — Acho que não existe essa de amigos bons o bastante. Só existem as pessoas que gostamos e que gostam de nós e que queremos manter por perto. Pelo menos é o que eu acho. Mas se eu fosse você, não confiaria muito no meu julgamento, já que nunca tive amigo nenhum. — digo, encarando a capa de meu diário.
— Pois isso acabou.
Ergo os olhos.
— Como assim?
— Ora, "como assim". — Sebastian desdenha. — Somos amigos agora.
— M-mas assim tão r-rápido? — gaguejo, surpresa. Nunca tive amigos. Não sei como funciona. Tudo que sei relacionado ao termo li em livros e pela internet. — Não precisamos fazer nada antes?
— Absolutamente nada. — ele nega, um sorriso estampado em seus lábios. — Mas não quero mais você sozinha no colégio. Amigos andam juntos.
— Mas já estávamos fazendo isso há algum tempo — informo.
Se é possível, seu sorriso se torna ainda maior.
— Acho que você tem razão. Somos amigos há muito mais tempo do que pensávamos.
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