CAPÍTULO 49
"Todo mundo fica sobrecarregado de vez em quando. Apesar disso, a maioria de nós finge que está tudo bem; continua empurrando toda a situação difícil pela qual está passando com a barriga e torcendo para não desmoronar no meio do caminho. Na maior parte das vezes, não conseguimos manter o ritmo, mas qualquer coisa parece melhor do que desistir."
Diário de Amélia, 14/06/2020
Amélia
— Você deveria ir para casa, Amélia. Já perdeu um dia de aula ficando aqui no hospital, o que foi absolutamente desnecessário — vovó disse, enquanto erguia uma colher de sopa de cenoura até a boca de vovô, que fez uma leve careta de descontentamento.
— Elody, eu posso comer sozinho, querida. — ele sorriu, ao passo que ela manteve a colher na altura dos lábios dele, ignorando-o sem a menor cerimônia. Sabendo que aquela era uma luta perdida, vovô simplesmente abriu a boca, engolindo a comida. — Obrigado, meu anjo.
Ela o encarou com uma complacência silenciosa que não durou nem três segundos antes de explodir de vez em um desabafo frustrado que eu sabia que ela estava segurando há tempos:
— Ah, cale-se, Gerald! Nem toda a adulação do mundo vai me fazer esquecer o tremendo teatro que você montou para esconder a sua doença de mim e da sua neta — vovó falou, a expressão séria em seu rosto não fazendo muito para esconder a mágoa em sua voz. — E pensar no quão cega eu fui! Quantas vezes notei o cansaço em você e acreditei quando me disse que não era nada? Doce iludida que era de achar que o meu marido me diria se estivesse com câncer. Imagine a cena: enquanto eu ia à festas e me divertia, você passava horas e horas no hospital fazendo mil baterias de exames e sessões de quimioterapia em segredo. Por Deus, no que você estava pensando?
Vovô baixou o olhar.
— Eu sei que o que fiz foi errado, Melody. Minha intenção não era excluir você ou a Ames — ele me olhou, com um sorriso de quem pede desculpas. — Mas eu realmente achei que dava conta. A doença não estava em estágio avançado, então eu pensei… pensei que preocupar vocês com isso seria muito egoísmo da minha parte. Logo quando Amélia havia finalmente começado a interagir com as pessoas e a se aventurar por aí como sempre deveria ter feito? Eu não queria tirar isso dela. Não poderia.
— Vovô, o senhor é muito mais importante do que tudo isso. — eu disse, tocando a mão dele. — Não há festas ou diversão para mim se o senhor não estiver bem.
— Sei que talvez você desse conta disso tudo sozinho. Você é forte. Eu sei disso. — vovó falou, respirando fundo. — Mas você não precisava, Gerald. Você tem a nós. Somos a sua família. Eu sou a sua esposa. Sabe como eu me sentiria se eu te perdesse? Se de repente eu acordasse e você tivesse morrido e eu descobrisse que não fiz nada para impedir? Você simplesmente… — ela desatou a chorar.
— Não chore, querida. — vovô suplicou, estendendo os braços na direção dela, que imediatamente foi abraçá-lo. — Não chore, eu vou ficar bem. Me desculpe por não contar antes, Melody. Me desculpem vocês duas.
Eu assenti, sem dizer nada, piscando para afastar as minhas próprias lágrimas. O momento para perder o controle havia sido ontem. Hoje, eu já não podia me dar a esse luxo.
Porque a realidade era que meu avô estava doente, vovó precisava de mais apoio do que nunca e a minha mãe era uma pessoa na qual ninguém podia confiar – sendo assim, era meu dever assumir a liderança. Eu não podia desmoronar: tinha que me manter firme e agir como uma força tranquilizadora para aqueles que precisavam de mim. Esse era o único jeito de conseguir superar toda a situação pela qual estávamos passando sem chegar ao fundo do poço.
— Eu vou trazer um chá para a senhora — falei, pegando a bolsa em uma das poltronas e me encaminhando até a porta. Estava bem claro que eles precisavam de privacidade para conversar.
— Pare aí mesmo, mocinha! — vovó disse, saindo dos braços do vovô, enxugando as lágrimas no ato. — Não pense que vai conseguir se safar de voltar para o colégio. Falta muito pouco tempo para o ano acabar e você não pode perder tudo ficando aqui no hospital.
— Eu não posso deixar a senhora sozinha — protestei, chateada de ela estar mesmo considerando que eu voltasse para escola naquele momento. — E são só as últimas semanas. Eu já garanti a minha aprovação há muito tempo atrás, a senhora sabe que o meu desempenho acadêmico é exemplar. Se eu explicar tudo o que está acontecendo para a Diretora Rostchild, sei que ela com certeza irá entender e…
— Amélia, não comece com bobagens. Seu avô vai fazer os exames que o doutor disse que eram necessários para que a cirurgia fosse autorizada e então veremos como as coisas vão prosseguir. E enquanto isso — ela disse, completamente irredutível — Você vai continuar indo para o colégio todos os dias. Pode ficar aqui pela tarde, mas logo mais vai voltar para casa e ir para a escola no dia seguinte. E estamos encerradas.
— Mas vovó, eu...
— A conversa está encerrada, Amélia — vovó me cortou, voltando ao seu lugar ao lado da cama de vovô e retomando a atividade de alimentá-lo. — Além do que, você ainda não comeu nada hoje. Então obedeça a sua avó, faça o que eu estou dizendo e vá para casa, tome um banho e descanse um pouco. Mais tarde você volta. Nós não vamos sair daqui.
Reprimi um suspiro de frustração. Tudo bem. Se era isso o que ela precisava que eu fizesse por agora, então eu o faria. Mas não era o fim.
— Ok, eu estou indo — assenti, ajeitando a alça da bolsa no ombro. — Mas estarei de volta em menos de duas horas. E não hesitem em me ligar se alguma coisa acontecer.
— Humpft! Pode demorar mais. E não se preocupe, porque nada além do seu avô terminando de tomar essa sopa vai acontecer — ela garantiu, levando outra colher à boca de vovô, que dessa vez engoliu com um sorriso que me pareceu bastante satisfeito.
— É como a sua avó acabou de dizer. — ele confirmou, recebendo um olhar de aprovação por parte dela.
— Ah, olhe só para esses dois… — balancei a cabeça, um meio sorriso nascendo em meus lábios. — Amo vocês.
— Também te amamos! — eles responderam, em uníssono, praticamente me enxotando do quarto. Aposto que vão começar a trocar juras de amor agora que eu estou indo embora, pensei, meus olhos ficando úmidos com a ideia.
Depois de pegar um táxi, chegar em casa e tomar um bom banho, fui logo buscar meu telefone dentro da bolsa para conferir se vovó não havia ligado ou coisa do tipo – só para me dar conta de que ela não conseguiria, de qualquer modo, porque o aparelho estava completamente descarregado.
Repreendendo a mim mesma por ter sido tão desatenta, ligo meu celular no carregador quase em um ataque de desespero, pensando se algo não poderia ter acontecido no meio tempo em que passei longe. Mantenha a calma. Eles estavam bem quando você saiu, lembra?, uma voz firme do meu subconsciente soou em meus ouvidos, me tranquilizando lentamente. Eles estavam bem. Vovô estava bem. Não deixe a ansiedade falar mais alto. Você tem que manter a calma agora.
Respirei fundo, inspirando e expirando enquanto contava mentalmente até sete. Foi efetivo. Pouco a pouco, me senti voltar ao controle das minhas emoções.
Segurei o telefone em mãos, desbloqueando-o para checar se tinha alguma chamada que não havia sido atendida. E qual a minha surpresa ao constatar que realmente tinha, e não só uma como várias delas.
Mas nenhuma de vovó.
Dez chamadas não atendidas e todas de Sebastian. Meu coração parou por um segundo. Será que Alison havia contado sobre o meu avô e ele estava desesperado por notícias? Ou pior: será que algo de errado havia acontecido em Nova York?
Escrevo uma mensagem para ele, me corroendo por dentro:
oi, me desculpa
a bateria do meu telefone morreu e eu só consegui dar um jeito agora :(
está tudo bem por aí??? aconteceu alguma coisa???
A resposta de Sebastian veio quase no mesmo instante:
FINALMENTE!
e não se preocupe, está tudo bem
posso te ligar por vídeo chamada?
Respiro aliviada por estar tudo bem e por ele não ter mencionado nada do vovô, o que com certeza significa que ele não sabe. Penso que é melhor que continue assim; não quero estragar a viagem dele ou fazer com que acabe voltando antes do previsto por minha causa. É uma semana importante para a banda. Sebastian não pode largar tudo ou sair do clima só porque não estou bem. Isso não seria justo.
Transferindo a chamada para o computador, me sento na cama com uma escova de cabelo na mão e treino uma expressão feliz e despreocupada duas vezes antes de ligar a câmera. Eu espero com todas as forças parecer convincente. Sebastian sabe me ler como ninguém.
— Oi! E aí, como você está? — pergunto, com um sorriso, enquanto desembaraço meu cabelo. — Desculpe ter sumido, meu celular teve um probleminha, mas agora está tudo bem. Como está sendo Nova York?
— Um momento — ouço a voz de Sebastian, mas não posso vê-lo. Só uma grande sala vazia e bem iluminada, com janelas altas e uma visão e tanto do mundo lá embaixo. Vejo carros, grandes letreiros e arranha-céus brilhantes. — O que você acha?
— A vista é incrível. Aquele prédio ali é o Empire State? — indaguei, chegando mais perto. — Ah, meu Deus.
— Pode apostar que é — Sebastian respondeu, alterando a câmera para a frontal. Ele ajeita a franja do cabelo que está caindo sobre seus olhos para trás, mas não adianta muita coisa; seu corte precisa ser renovado. Me sinto melhor só de estar falando com ele. Uma olhada no seu rosto e já sinto meu coração sorrir à sua felicidade. Ele está tão lindo que parece brilhar. — Esse é um dos apartamentos que Jonas selecionou para que déssemos uma olhada. É o primeiro que vejo hoje e provavelmente só vai dar para ver mais deles amanhã. Daqui a gente já sai direto para o programa, então eu queria saber o que você acha antes de ficar preso no trabalho.
— Bem, quem é o filho de uma arquiteta aqui é você — brinquei, sem saber o que dizer. Se antes a ideia de ir morar com Sebastian em Nova York já parecia um sonho, agora com a descoberta da doença de vovô havia se tornado algo ainda mais distante da realidade. — Mas eu achei lindo. E muito bem iluminado. Você comporia músicas ainda mais incríveis do que as que já compôs com uma vista dessas.
Ele riu.
— Você fala como se fosse a vista que inspirasse as músicas que eu escrevo. — disse, me olhando em silêncio por um momento. — Você estava tomando banho quando eu liguei? Seu cabelo está molhado.
— Não, eu já tinha terminado — falei, penteando a parte que faltava antes de colocar a escova de lado. — Você dormiu bem? Não estranhou a cama do hotel?
— Não, caí no sono quase imediatamente. Eu não dormi durante o voo, então estava exausto. Já o Loren dormiu a viagem inteira, então passou quase a noite toda acordado enchendo o saco do Zad. Charles e eu tivemos sorte em dividirmos o quarto dessa vez — ele disse, enquanto se movimentava pelo apartamento, parando ao encontrar algum lugar onde pudesse se sentar. — Para falar a verdade, quem está parecendo não ter dormido direito foi você. Seu rosto está meio abatido. Aconteceu alguma coisa?
Neguei com a cabeça, abrindo um sorriso que eu esperava não ter sido de nervoso.
— Não. Está tudo bem, não aconteceu nada.
— Você tem certeza?
— Sim. É claro que eu tenho certeza. Por que a pergunta?
— Porque parece que você está mentindo.
— E por que eu mentiria? — Mantive a expressão neutra, apesar do meu estômago gelado. — Você se preocupa demais. Eu sei me virar sozinha, sabe? Não dependo de você pra tudo.
— Eu não disse isso — ele falou, inalterado, a voz se tornando mais suave. Eu conhecia aquele tom. Que droga. — Eu só perguntei se estava tudo bem porque queria saber como você estava. E você ter me respondido assim já me disse tudo o que eu preciso saber.
— Escute, eu só estou um pouco estressada com a escola. Hoje foi bem agitado, já que é o primeiro dia do MYH e tudo o mais — emendei, falando com calma e torcendo para não soar ainda mais mentirosa. Sebastian sempre falava baixo com todo mundo, mas quando ele suavizava a voz daquele jeito, era quase um elixir da verdade. Ele conseguia ser muito manipulador quando queria. — Também estou com saudades de você. Sinto sua falta — completei, colocando pelo menos uma verdade no meio do meu roteiro de mentiras.
Ele suspirou.
— Também estou com saudades, amor. Tentei te ligar ontem à noite, mas você não atendeu. Fiquei preocupado. Desculpe. Sei que sou um chato às vezes.
Balancei a cabeça, o peito doendo de culpa.
— Está tudo bem, não precisa pedir desculpas. A culpa foi minha mesmo. Eu disse que ligaria pra você e no final nem te liguei e nem atendi às suas ligações. Dessa vez vou deixar a bateria bem carregada, prometo.
Sebastian assentiu.
— Eu tenho que ir agora, então mais tarde a gente se fala, tá bom? Se cuida. Eu te amo muito.
— Boa sorte no programa. Faça como você sempre faz. Diga aos meninos e ao Jonas que eu mandei um oi. — respirei fundo, fazendo uma pausa antes de dizer: — E eu também amo você, Bash.
Ele sorriu, me mandando um beijo antes de desligar.
Nem vinte minutos depois, quando eu tinha terminado de preparar um sanduíche na cozinha, meu telefone tocou. Era um número estranho, mas atendi mesmo assim.
— Amélia, sou eu — a voz de Eloise encheu meus ouvidos. — É o seu avô. Houve uma complicação e ele acabou de entrar na sala de cirurgia. Venha pra cá. Nós estamos te…
Não esperei que ela continuasse. Peguei minha bolsa e saí correndo. O sanduíche ficou intocado em cima da mesa.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top